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An. 3. Enc. Energ. Meio Rural 2003

 

Operação de um grupo gerador diesel utilizando óleo vegetal bruto como combustível

 

 

Soares, Guilherme F.W.; Vieira, Leonardo S.R.; Nascimento, Marcos V. G.

CEPEL, Centro de Pesquisas de Energia Elétrica, Av. Hum, s/n, Cidade Universitaria/Ilha do Fundao, 21.941-590 Rio de Janeiro, RJ, Fax: (021)598-2136; Tel.: (021)598-2354

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Na eletrificação de pequenas comunidades isoladas utilizando grupos geradores, o emprego de óleos vegetais produzidos localmente pode ser uma alternativa vantajosa em relação ao diesel. Com esta perspectiva, avaliou-se o funcionamento de um grupo gerador diesel convencional utilizando-se óleo de palma bruto (óleo de dendê) como combustível. O grupo gerador avaliado tinha potência de 76kVA/60kW, com motor MWM D229-6 de injeção direta. Os testes tiveram a duração total de 400 horas. Os problemas encontrados na operação com óleo vegetal foram: 1) necessidade de troca mais freqüente do óleo lubrificante; 2) acumulação de partículas na bomba injetora e carbonização das câmaras de combustão e bicos injetores, causando perda gradual de potência ao longo dos ensaios, todavia reversível com limpeza. Projeções indicaram que, devido aos maiores custos de manutenção, o óleo vegetal seria vantajoso em relação ao diesel apenas em localidades onde este custasse no mínimo 25% a mais que o óleo vegetal. O diferencial requerido pode ser maior do que isto e depende das condições específicas. Uma análise global destes ensaios e de outros similares reportados indica que é possível se operar com óleo vegetal a níveis de manutenção semelhantes ao diesel. Para isto é necessário que alguns parâmetros de qualidade do óleo vegetal sejam mais controlados do que o se exige na comercialização normal do óleo bruto. Também, o emprego de motores de injeção indireta seria desejável, na medida de sua disponibilidade.

Palavras-chave: Óleo vegetal; dendê; palma; gerador; diesel


ABSTRACT

When supplying electricity to small isolated villages by means of generator sets, the use of locally produced vegetable oil as fuel instead of diesel can be economically atractive due to difficulties and increased costs associated with the transportation of diesel to these remote locations. With this perspective in mind, the technical and economical aspects related to the operation of a typical generator set using raw palm oil as fuel were evaluated during a test of 400 hours. The generator set employed is rated 76kVA/60kW for continuous operation and is equiped with a MWM D229-6 engine with direct injection, 6 cylinders and unit displacement of 0.98 liters. The main problems found during the operation with vegetable oil were: 1) early contamination of the lubricant oil with unburned vegetable oil, requiring more frequent changes of the lubricant oil than usual; 2) carbonization of combustion chambers and particle deposition in the injection pump and nozzles, causing a gradual loss of power. This was reversible with cleaning. Due to increased maintenance costs when operating with vegetable oil, it was estimated that it could be competitive with diesel only in localities where the price of the latter is 25% or more above the price of vegetable oil. A comprehensive analysis of the results from these tests and from other similar tests reported indicates that a tighter control of the vegetable oil quality, along with the employment of indirect injection engines, would be desirable to decrease maintenance costs to the level normally found when operating with diesel.


 

 

INTRODUÇÃO

No final da década de 70 e primeira metade da década de 80 várias pesquisas foram feitas no Brasil, no escopo do programa governamental OVEG, visando a substituição do óleo diesel por óleos vegetais em motores automotivos [1-3]. Via de regra, os resultados não foram considerados compensadores. Concluiu-se que, para se obter uma operação confiável, seria necessário utilizar motores especiais (como o Elsbett) ou efetuar transformações de grande monta no óleo vegetal. A transformação tida como mais viável, neste caso, é a transesterificação. Trata-se da reação do óleo vegetal com álcool metílico ou etílico, obtendo-se um éster comumente denominado de biodiesel. No processo, utiliza-se 20 a 30 litros de álcool para cada 100 litros de óleo vegetal, obtendo-se 100 litros de biodiesel e um resíduo composto basicamente por glicerina. Devido às dificuldades e custos associados às soluções em vista, e devido à estabilização dos preços de derivados de petróleo em níveis aceitáveis, considerou-se que não valia a pena prosseguir no programa de substituição do diesel pelo óleo vegetal.

Experimentos realizados desde então, principalmente na Alemanha, têm demonstrado que é possível obter-se uma operação confiável com óleo vegetal não transformado, mesmo em motores diesel convencionais [4-6]. Para isto, é necessário que o óleo vegetal seja aquecido para diminuir sua viscosidade. Além disto, cada ciclo de funcionamento do motor deve começar com diesel, passar para óleo vegetal após alguns minutos quando o motor já estiver quente, e operar os minutos finais também com diesel para "lavar" o sistema injetor e impedir que resíduos de óleo vegetal esfriem dentro da bomba injetora e principalmente nos bicos injetores. Adicionalmente, motores com injeção indireta (pré-câmara) são mais recomendáveis para esta aplicação por serem mais tolerantes ao óleo vegetal.

Considera-se, em princípio, que a utilização de óleos vegetais em motores estacionários, como nos grupos geradores, é menos problemática do que em motores automotivos, por operarem com rotação constante e baixa (1800rpm) e por serem sujeitos a menos variações de carga ao longo da operação. Além disto, nos motores estacionários os inconvenientes relacionados à utilização de dois combustíveis, como mencionado anteriormente, são muito menos significativos do que nos motores automotivos. Finalmente, ao contrário dos motores automotivos, a utilização de motores estacionários para suprimento de energia elétrica a comunidades isoladas estaria prevista para locais de difícil acesso ao diesel, e portanto com maior justificativa econômica para o uso do óleo vegetal como combustível.Todos estes fatores motivaram a realização deste trabalho, onde se procura avaliar a viabilidade técnica e econômica de se operar um grupo gerador utilizando-se óleo vegetal "in natura" como combustível.

 

METODOLOGIA

Os testes foram realizados com um grupo gerador de 76kVA/60kW de potência nominal para operação contínua. O gerador era equipado com um motor MWM D229-6, 90hp a 1800rpm, 6 cilindros, cilindrada unitária de 0,98 litros, injeção direta. A escolha deste motor foi ditada por considerações de faixa de potência, preço e disponibilidade de peças e suporte técnico nas várias regiões do Brasil. Um motor com injeção indireta seria mais adequado à operação com óleo vegetal, mas este tipo de motor tem poucos modelos em oferta no Brasil, os quais apresentam potência limitada a ~15hp a 1800rpm.

O óleo vegetal escolhido para os testes foi o óleo de palma (óleo de dendê) integral. O dendê tem a maior produtividade entre as oleaginosas, em kg de óleo/hectare.ano, e é muito bem adaptado na Região Norte, onde se encontra o maior número de comunidades isoladas que poderiam se beneficiar da sua aplicação energética..

O grupo gerador foi operado pelas primeiras 50 horas exclusivamente com diesel, para "amaciamento" e ajustes. Posteriormente passou a ser operado com óleo vegetal, por 400 horas. Os seguintes itens foram observados:

• A potência elétrica produzida era dissipada em resistências elétricas imersas em tanques de água;

• A potência elétrica máxima adotada para os testes foi de aproximadamente 48,5kW. Para simular uma operação prática, ciclos de carga de aproximadamente 12,5kW, 25kW, 37kW e 48,5kW eram aplicados em tempos iguais ao longo de um dia de ensaio. Em cada dia, o gerador funcionava por cerca de 7h;

• A cada dia de ensaio, o motor funcionava com diesel nos 5 a 10 minutos iniciais e novamente nos 5 a 10 minutos finais, conforme colocado anteriormente;

• O óleo vegetal entrava na bomba injetora previamente aquecido para diminuir sua viscosidade. Experiências foram feitas com aquecimento a 55oC, 80oC e 100oC.

• Ao longo dos ensaios, fez-se o monitoramento freqüente dos seguintes itens: temperatura do combustível, óleo lubrificante, água de refrigeração e gases de escape; consumo de combustível; potência fornecida. Análises do óleo lubrificante e inspeções dos bicos injetores e câmaras de combustão foram realizadas em intervalos pré-determinados ou quando detectados indícios de irregularidades no funcionamento do motor.

 

RESULTADOS

Indicadores prévios:

Destacam-se, a seguir, alguns dos índices mais relevantes tipicamente obtidos para o óleo de dendê, comparados com os respectivos valores típicos do óleo diesel [2,7]:

Poder calorífico superior

Óleo diesel: 10.700 kcal/kg

Óleo de dendê: 9.450 kcal/kg

Ponto de fulgor

Óleo diesel: 42oC (mínimo para diesel marítimo = 60oC)

Óleo de dendê: > 344oC

Índice de cetano

Óleo diesel: 60 (mínimo especificado = 45)

Óleo de dendê: 42

Densidade a 20/4oC

Óleo diesel: 0,83

Óleo de dendê: 0,91

Viscosidade a 37,8oC

Óleo diesel: 3,6 cSt (faixa especificada: 1,6 a 6,0 cSt)

Óleo de dendê: 38cSt

Obs.: a viscosidade do óleo de dendê diminui com o aumento de temperatura, como mostrado na Figura 1.

 

 

Destilação

No ensaio normalizado de destilação com temperatura crescente, todo o volume de óleo diesel destila gradativamente, começando em 120oC e terminando em 380oC, aproximadamente. Com o óleo de dendê, por outro lado, a destilação só começa por volta de 200oC e aumenta com a temperatura de forma menos gradual do que o que se observa com o diesel. Além disto, o óleo de dendê sofre craqueamento (decomposição) por volta de 330oC – 340oC, antes de ter destilado ~80% do seu volume. O craqueamento leva à formação de gomas, que podem contribuir para a presença de depósitos aderentes nas partes internas do motor.

Resíduo de carbono Ramsbottom

Este índice reflete grosseiramente a tendência de formação de depósitos carbonáceos nas câmaras de combustão do motor. Na especificação do diesel, o ensaio deve ser feito em uma amostra correspondendo aos 10% finais de destilação, uma vez que esta fração final gera maior teor de carbono residual. Com o ensaio feito nestas condições, o resíduo de carbono obtido para o diesel fica limitado a 0,25% - 0,3%. No caso do óleo de dendê, o ensaio da fração final de destilação fica impossibilitado devido ao craqueamento já mencionado. Uma comparação substituta pode ser feita com os índices obtidos em ensaios de amostras globais, sem destilação:

óleo diesel: 0,05% ou menos, de resíduo de carbono

óleo de dendê: 0,20% - 0,25% de resíduo de carbono

Resultados principais:

Dados os índices acima, as maiores dificuldades do uso do óleo de dendê em substituição ao diesel são previamente sinalizadas pelos aspectos relativos ao ponto de fulgor, perfil de destilação, resíduo de carbono e viscosidade. Este último parâmetro afeta a qualidade da pulverização do combustível pelos bicos injetores.

Durante as primeiras 50 horas de ensaio, o óleo de dendê foi aquecido a 55oC. O exame das câmaras de combustão ao final deste período mostrou que havia ocorrido uma formação de depósitos considerada dentro do normal para motores diesel, embora que em maior quantidade do que no período inicial de "amaciamento" deste motor, operando exclusivamente com diesel. Os bicos injetores apresentavam coqueificação (deposição de carbono) acentuada nas suas pontas, mas sem qualquer obstrução dos orifícios de injeção e sem prejuízo para o funcionamento correto dos bicos injetores.

Após limpeza dos bicos e das câmaras de combustão, o motor passou a ser operado com o óleo de dendê entrando na bomba injetora a 100oC. Ao final das 50 horas seguintes, observou-se que o aumento de temperatura havia sido benéfico do ponto de vista do consumo de combustível e também da carbonização das câmaras de combustão. O consumo específico, em litros/kWh, caiu cerca de 12%. A carbonização nas câmaras se apresentava menos volumosa e menos úmida do que quando operando com o óleo de dendê a 55oC. Por isto, continuou-se trabalhando com o óleo de dendê a 100oC pelas 120 horas seguintes.

No entanto, durante o funcionamento do motor com o óleo de dendê a 100oC, os bicos injetores apresentaram problemas de vedação interna ou aprisionamento da agulha, ou ainda de obstrução parcial dos orifícios pela coqueificação externa, por duas vezes em curto período de tempo. O motivo destas ocorrências não ficou claro. Para que o óleo chegasse à bomba injetora a 100oC, era necessário aquecê-lo a 120oC em um pequeno aquecedor elétrico, parcialmente aberto, colocado imediatamente antes da bomba de alimentação e portanto antes dos filtros de combustível. É possível que este aquecimento tenha induzido a oxidação do óleo e formação de gomas no mesmo. Ou então, uma vez que o óleo a 100oC – 120oC mostrou-se capaz de danificar os filtros de combustível por dissolução da resina adesiva, é possível que parte desta resina fosse carreada até os bicos injetores. De todo modo, a temperatura de entrada do óleo na bomba injetora foi reduzida para 80oC, permanecendo assim pelas 180 horas restantes até o final dos testes. Dentro deste período, não se observaram mais problemas com os bicos injetores. Quanto a outros aspectos, a redução de temperatura de 100oC para 80oC teve efeito ligeiramente benéfico ou aparentemente irrelevante: O consumo específico de combustível apresentou decréscimo de uns 3% em relação ao consumo a 100oC. Uma comparação direta com relação à carbonização das câmaras não pôde ser feita porque, após as primeiras 50 horas com o óleo a 100oC, as câmaras não foram mais limpas nem abertas para inspeção até próximo ao final dos testes. Por outro lado, esta inspeção final mostrou uma tendência à estabilização da quantidade de carbonização ao longo do tempo. Ou seja, a carbonização acumulada em quase 300 horas de operação era pouco maior que a acumulada em 50 horas, a julgar por avaliação visual.

A seguir são descritas as características e ocorrências mais relevantes com relação ao funcionamento do motor com óleo de dendê:

Consumo específico – A Figura 2 apresenta o consumo específico de diesel e óleo de dendê em vários níveis de carga do gerador. Os percentuais de carga são referentes à carga máxima rotineiramente empregada nos ciclos diários de testes (cerca de 48,5kW). A 55oC o dendê apresentou um consumo cerca de 15% maior do que o diesel. A 80oC-100oC o consumo de dendê decresceu e ficou praticamente igual ao do diesel, em litros/kWh. Uma vez que a densidade do óleo de dendê é cerca de 10% maior que a do diesel, isto significa que o consumo de dendê, em kg de óleo/kWh, ficou ainda cerca de 10% maior que o diesel. Isto está de acordo com o que seria de se esperar, dado que o poder calorífico do óleo de dendê, em kcal/kg, é cerca de 10% menor que o poder calorífico do diesel.

 

 

Análise dos gases de escape - Os teores de CO, CO2 e NOx na operação com dendê são próximos aos da queima com diesel e em todas as ocasiões medidas ficaram dentro do aceitável. A opacidade com o dendê se mostrou sempre maior do que com o diesel, mas sempre aquém dos limites máximos estipulados no Brasil para motores diesel.

Óleo lubrificante - O óleo lubrificante era analisado a cada 50 horas de operação e trocado, quando fosse o caso. Um dos problemas mais freqüentemente mencionados quando se utiliza óleo vegetal como combustível em motores diesel é a contaminação do óleo lubrificante pelo óleo vegetal. Esta contaminação é verificada pelo aumento de volume do óleo lubrificante no cárter do motor e pela variação da viscosidade e índice de basicidade total (TBN) do lubrificante. As Figura 3 e 4 mostram as variações tipicamente medidas para a viscosidade a 40oC e 100oC, respectivamente, do óleo lubrificante utilizado nos ensaios (SAE 15W40). A Figura 5 mostra a variação do índice de basicidade total (TBN).

 

 

 

 

A Petrobrás-BR estipula uma viscosidade mínima de 70 cSt a 40oC, para utilização deste óleo. Um outro critério alternativo empregado é trocar o óleo quando a sua viscosidade a 100oC cai mais de 25% em relação à viscosidade do óleo novo à mesma temperatura. Há ainda uma regra aproximada, segundo a qual o óleo deve ser trocado quando seu índice de basicidade total é reduzido a menos da metade do seu valor inicial [9]. Por estes critérios, a tendência que se verificou no motor operando com dendê foi a necessidade de troca de óleo em intervalos na faixa de 100 a 200 horas. O intervalo máximo permissível não chegou a ser determinado com exatidão nestes ensaios, e de qualquer modo pode vir a ser estendido com o uso de óleos mais viscosos e/ou de especificação mais nobre. Por garantia, estipulou-se que a troca de óleo deveria ser feita a cada 100 horas. Este resultado não chega a ser insatisfatório, uma vez que o manual do fabricante do motor recomenda a troca do óleo lubrificante a cada 200h (operando com diesel).

Comportamento do motor ao longo do tempo - No início dos testes, a potência elétrica máxima atingível com o gerador foi de 56kW e 50,5kW, respectivamente, utilizando diesel e óleo de dendê como combustível. Ao longo do tempo, a potência máxima atingível pelo grupo gerador foi decrescendo gradualmente até 47,5kW por volta de 350 horas de ensaio com óleo de dendê, ou seja, um decréscimo de aproximadamente 6%. Simultaneamente, notou-se que a temperatura dos gases de escape para uma determinada potência subiu gradativamente ao longo dos testes. Ao contrário do que seria de se esperar, não houve aumento de consumo específico de combustível. De certo modo, a queda de potência foi o problema mais relevante observado na operação do grupo gerador. Nesta consideração está-se levando em conta que o problema de coqueificação com obstrução dos bicos injetores foi acidental, conforme explicado anteriormente. Ao mesmo tempo, as intervenções efetuadas para troca dos bicos injetores apenas produziram um efeito pequeno e transitório com relação ao problema da queda de potência e ao efeito aparentemente associado de elevação de temperatura da exaustão.

A Figura 6 mostra a evolução da temperatura de exaustão para a potência de 48,5kW ao longo dos ensaios. Algumas medições foram feitas, na realidade, em potências ligeiramente diferentes desta, mas a extrapolação para 48,5kW pôde ser feita facilmente nestes casos. Isto porque, em uma dada condição do motor, a temperatura de escape é perfeitamente relacionada à potência através de uma curva exponencial.

 

 

Na Figura 6, nota-se que há uma tendência global de subida da temperatura, independente das intervenções para troca de bicos injetores, realizadas em t = 160h e t = 220h. Por volta de t = 350h, procedeu-se à uma manutenção geral para investigar as causas da perda de potência e do aumento de temperatura dos gases de escape. Primeiramente, determinou-se que a compressão a frio do motor estava com o valor normal, mostrando que não havia problemas de vedação nas câmaras. A inspeção visual do interior das câmaras (então acumulando cerca de 300 horas desde a última limpeza) mostrou que havia ocorrido pouca evolução na carbonização. Além disto, não havia quaisquer danos (riscos) nas paredes dos cilindros. As câmaras foram descarbonizadas e novos ensaios com dendê e diesel foram efetuados em seguida, notando-se algum efeito: a potência máxima atingível com dendê subiu de 47,5kW para 48,5kW-49,0kW, enquanto que a temperatura de escape a 48,5kW foi reduzida de 565oC para 545oC.

Após os ensaios acima, os bicos injetores e a bomba injetora foram levados a um posto de serviço do fabricante Bosch para exames e eventuais recuperações. Os bicos injetores funcionavam normalmente. A bomba injetora não pôde ser ensaiada como recebida, antes de qualquer limpeza, para não contaminar o óleo de teste utilizado na oficina. Verificou-se algum desgaste dos elementos da bomba injetora, mas considerado normal e sem necessidade de troca. Houve apenas limpeza dos componentes. Havia um acúmulo de sujeira relativamente acentuado no pequeno filtro de combustível que fica instalado imediatamente antes da bomba de alimentação. Técnicos da oficina autorizada Bosch observaram que isto poderia causar vazão insuficiente de combustível. Ressaltaram ainda que este filtro tem uma área de filtração reduzida, e tende a entupir com facilidade. Por isto ele é comumente trocado, em veículos, por um filtro maior.

Novos ensaios foram realizados subseqüentemente com dendê e diesel para aferir a influência da limpeza dos bicos injetores e da bomba injetora no desempenho do motor. Esta influência foi mais substancial do que a da limpeza das câmaras. A potência máxima atingível na operação com dendê chegou a 50,5kW e as temperaturas de escape a 48,5kW, tanto para o dendê quanto para o diesel, desceram aos níveis originais do início dos testes, conforme mostrado na Figura 6. Ou seja, foram reduzidas de 545oC para 505oC (dendê) e 485oC (diesel).

A seqüência de procedimentos acima, juntamente com os resultados obtidos ao longo dos testes, mostrou que a principal causa da perda de potência do motor era a acumulação de sujeira no interior da bomba injetora e/ou no filtro acoplado à bomba de alimentação. Uma vez que o óleo de dendê como recebido apresentava um teor muito baixo de contaminantes sólidos (cerca de 10mg/litro), presume-se que a sujeira tenha chegado ao óleo posteriormente, nas fases de estocagem e manuseio.

CUSTOS DE GERAÇÃO: DENDÊ X DIESEL

Foi realizada uma análise preliminar dos custos envolvidos na geração elétrica com óleo de dendê, comparados aos custos de geração com óleo diesel. Os custos em US$/MWh são compostos pela soma de três parcelas: investimentos, combustível e gastos com manutenção. Os custos de investimento são praticamente iguais para o diesel e o dendê, salvo alguns arranjos adicionais para se operar com este último combustível. Para se calcular os custos de investimento, considerou-se cerca de US$250/quilowatt instalado, vida útil de 20 anos com depreciação linear, taxa de juros de 15% ao ano, e funcionamento do gerador a 60% da sua capacidade nominal (em média), durante 8 horas por dia.

Os custos de manutenção foram estimados com base nos resultados dos ensaios realizados no presente trabalho e também levando em conta informações de ensaios similares realizados pela EMBRAPA, em Manaus. Estas informações indicaram a necessidade de manutenções custosas ao longo do tempo, devido à erosão ou corrosão de partes internas dos bicos injetores e dos elementos da bomba injetora. Além disto, eventualmente seria necessário realizar descarbonizações "completas" envolvendo não apenas a remoção dos cabeçotes para limpeza das câmaras e válvulas, como foi feito no presente trabalho, mas também a remoção dos pistões e anéis de segmento. Para uma estimativa preliminar de custos, considerou-se então a seguinte rotina quando operando com óleo de dendê: i) A cada 400 horas – limpeza dos bicos e bomba injetora; descarbonização "parcial" das câmaras de combustão; ii) A cada 800 horas – troca dos bicos injetores e dos elementos da bomba injetora; descarbonização "completa" das câmaras de combustão. Os preços de peças e serviços foram obtidos junto a representantes da Bosch e MWM. Os custos típicos de manutenção para um grupo gerador operando normalmente com diesel foram obtidos de duas firmas especializadas. As estimativas realizadas desta forma, incluindo trocas de óleo lubrificante, resultaram nas cifras de US$2,36/hora (R$4,25/hora) e US$0,34/hora (R$0,61/hora) para a operação com óleo de dendê e com diesel, respectivamente. Observe-se que os gastos de manutenção estão sendo considerados aqui como dependentes apenas do tempo de operação. Desta forma, os gastos em US$/MWh serão tanto menores quanto maior for a potência ou energia gerada pelo grupo gerador no período entre manutenções.

Para o cálculo do custo com combustível considerou-se um consumo de 0,33litros/kWh, tanto para o diesel quanto para o óleo de dendê. O preço do diesel em municípios mais distantes dos centros de distribuição pode ser tomado como US$0,39/litro (R$0,70/litro). O preço do óleo de dendê oscila ao longo do tempo. Cotações diárias para grande volumes de comercialização podem ser obtidos, por exemplo, no "site" da Internet da firma Aboissa (http://www.aboissa.com.br). O preço médio ao longo do tempo para o óleo de dendê "in natura" na Região Norte fica por volta de US$400/tonelada (US$0,36/litro ou R$0,65/litro) [8].

A título de exercício, consideram-se os custos de geração elétrica em duas situações distintas de preços de óleo diesel e de óleo de dendê, e ainda avaliando o uso de grupos geradores com potências nominais de 40kW e 100kW. Na Figura 7 tem-se uma situação em que o diesel custa R$0,70/litro e o óleo de dendê custa R$0,65/litro, conforme exposto anteriormente. Na Figura 8, considera-se uma situação plausível de uma comunidade isolada em que o diesel seja vendido a R$1,00/litro (US$0,56/litro) e o óleo de dendê seja vendido por R$0,60/litro (US$0,33/litro), devido a dificuldades de transporte.

 

 

 

As Figuras 7 e 8 mostram que o óleo de dendê pode ser competitivo com o diesel se o gerador tiver potência relativamente alta e se existir uma diferença de preço substancial em favor do óleo de dendê. Por outro lado, esta situação na prática tende a ser restrita, uma vez que os geradores utilizados em localidades isoladas são de pequeno porte, por volta de 40kW ou menor. Para ampliar as oportunidades de utilização do óleo de dendê como combustível, é necessário diminuir a freqüência e os custos de manutenção do motor associados à operação com o dendê. Isto será abordado a seguir.

 

DISCUSSÃO

No presente trabalho, o grupo gerador diesel funcionou relativamente bem com óleo de dendê "in natura" ao longo do período inicialmente planejado de 400 horas. Em se tratando de ensaio de motores, este período é tido como sendo de média duração. Até onde se pôde investigar, o principal problema encontrado foi decorrente do acúmulo de sujeira na bomba injetora ou no filtro da bomba de alimentação. A carbonização das câmaras de combustão, tipicamente verificável na operação com óleos vegetais, exerceu uma influência secundária no desempenho do motor, dentro do período considerado. A eventual degradação do funcionamento dos bicos injetores parece ter sido corrigida a contento através do acerto da temperatura de aquecimento do óleo vegetal. Isto deverá ser melhor verificado em ensaios mais longos. Se necessário, pode-se estabelecer uma rotina de limpeza periódica dos bicos injetores com a utilização de escova metálica. Esta limpeza é suficiente em muitos casos, e pode ser efetuada rapidamente pela própria pessoa encarregada da operação do grupo gerador [9].

Uma análise mais abrangente pode ser realizada com as informações disponíveis de testes de longo prazo com óleo de dendê conduzidos pela EMBRAPA em Manaus [10]. Nestes testes, reportou-se que os maiores problemas encontrados foram relacionados à erosão ou corrosão acentuada dos elementos da bomba injetora e de componentes internos dos bicos injetores. Isto foi verificado até mesmo em motores especialmente projetados para trabalhar com óleo vegetal (tecnologia Elsbett). Os óleos vegetais têm maior poder lubrificante do que o diesel. Deste modo, estas ocorrências de erosão/corrosão devem estar relacionadas a fatores como excesso de acidez, partículas sólidas ou teor de água elevado no óleo. A referência [11] relata justamente um caso de corrosão e inutilização dos elementos da bomba injetora de um motor estacionário devido à acidez do combustível utilizado (sebo líquido, com cerca de 10% de acidez). O exame aleatório de uma amostra do óleo utilizado nos experimentos da EMBRAPA, em uma certa época, revelou uma acidez de 7%. Esta é uma acidez elevada, provavelmente suficiente para causar o desgaste observado. No presente trabalho, o óleo de dendê utilizado apresentava acidez por volta de 7% a 9,5%, mas não chegou a haver desgaste dos elementos da bomba injetora. Isto pode ser devido ao tempo relativamente curto dos ensaios.

Os custos de geração elétrica com óleo de dendê foram estimados levando-se em conta todos os problemas que têm sido encontrados na operação com este óleo, e resultaram em valores elevados. No entanto, a análise destes dados mostra que os principais problemas e custos associados foram causados por fatores relacionados à "limpeza" do óleo, e não a propriedades intrínsecas do mesmo. Desta forma, os custos de manutenção podem ser drasticamente reduzidos através de cuidados relativamente simples a serem tomados com o óleo vegetal.

Neste contexto, cabe mencionar que, na Alemanha, o óleo de colza (canola) não transesterificado vem tendo uso crescente como combustível em motores diesel veiculares convencionais. Isto é devido a uma política de taxação e subsídio que torna o óleo diesel cerca de 50% mais caro do que o óleo de colza não transformado. A maioria dos motores empregados nesta aplicação é de injeção indireta, embora que motores com injeção direta também sejam utilizados. O que é importante ressaltar é que, ao longo do tempo, verificou-se a necessidade de se estabelecer controles rígidos sobre a qualidade do óleo de colza a ser usado como substituto do diesel. Os esforços neste sentido culminaram na elaboração de uma norma, cuja versão mais recente está disponível no "site" da Universidade de Munique, em http://www.tec.agrar.tumuenchen.de/pflanzoel/rkstandard_e.html

Esta norma estipula, por exemplo, os seguintes limites máximos: i) índice de neutralização = 2,0mg KOH/g (equivalente a cerca de 1% de acidez, ou ácidos graxos livres); ii) impurezas insolúveis = 25ppm; iii) teor de água = 750ppm. Contrastando com estes valores, o óleo de dendê é aceito para comercialização internacional com até 5% de acidez, 10.000ppm de impurezas insolúveis e 10.000ppm de umidade. O óleo de dendê comercializado internamente pode ser encontrado com até 20% de acidez [12]. Isto é causado principalmente por demora excessiva em se iniciar o processo de cozimento e extração do óleo após a colheita dos frutos, e também, posteriormente, por estocagem prolongada do óleo em condições desfavoráveis.

É possível que os valores estipulados pela norma sejam extremamente conservadores. De qualquer forma, os números apresentados acima alertam para a necessidade de cuidados especiais quanto à filtração, decantação e manuseio do óleo vegetal a ser utilizado em motores diesel. Eventualmente, pode ser necessário providenciar também a neutralização deste óleo.

Finalmente, deve-se mencionar que os motores diesel com injeção indireta são mais apropriados para a aplicação em pauta. Eles propiciam uma combustão mais completa do óleo vegetal e utilizam bicos injetores menos propensos ao entupimento por coqueificação. No entanto, os modelos disponíveis no Brasil são de pequena potência, podendo equipar grupos geradores de aproximadamente 10kW a 1800rpm, no máximo. Isto justifica a continuação de experimentos com motores de injeção direta, os quais constituem a vasta maioria dos motores diesel comercializados.

 

CONCLUSÕES

Testes com duração total de 400 horas foram realizados utilizando óleo de dendê "in natura" como combustível em um grupo gerador diesel convencional.

Os seguintes procedimentos especiais foram adotados para minimizar problemas de carbonização e entupimento de injetores: 1) o motor era aquecido com diesel por 10 minutos antes de passar a operar com o óleo vegetal e voltava a funcionar com diesel cerca de 10 minutos antes do desligamento, para não deixar resíduos de óleo vegetal resfriar na linha de combustível e no sistema injetor; 2) o óleo vegetal era aquecido para diminuir sua viscosidade. Foram experimentados aquecimentos a 55oC, 80oC e 100oC. A temperatura que se mostrou mais adequada foi 80oC.

A potência máxima atingível usando o óleo de dendê foi cerca de 10% menor do que com o diesel. O consumo de combustível em litros/kWh e o teor de emissões (gases de descarga) foram similares aos da operação com o diesel.

A operação com óleo de dendê causa uma contaminação acentuada do óleo lubrificante. Por isto, a troca deve ser feita a cada 100 horas, ao invés das 200 horas previstas pelo manual. Isto pode ser melhorado com o uso de óleos lubrificantes mais viscosos e/ou de especificação mais nobre.

O motor funcionou bem durante as 400 horas com óleo de dendê. No entanto, houve uma queda de 6% na potência, ao longo dos testes. Isto foi devido à acumulação de sujeira na bomba injetora e, secundariamente, à carbonização das câmaras de combustão. Ocorreram problemas iniciais de coqueificação com obstrução parcial dos bicos injetores, mas isto parece ter sido resolvido a contento através do ajuste do aquecimento do óleo de dendê.

Os custos de geração elétrica quando operando com óleo de dendê foram projetados a partir das manutenções verificadas nestes testes e também levando em conta os dados reportados de outros testes de maior duração. Estas projeções limitaram o uso econômico do óleo de dendê a situações em que o mesmo fosse pelo menos 25% mais barato que o diesel, e onde o gerador utilizado tivesse uma potência relativamente elevada (~100kW).

Ao mesmo tempo, a análise dos dados disponíveis indica que as manutenções e os custos associados podem ser drasticamente reduzidos através de cuidados com a filtração, decantação e controle de acidez do óleo de dendê. Isto tornaria o óleo de dendê competitivo com o diesel mesmo em condições de igualdade de preços e também na aplicação em pequenos geradores.

Na aplicação do óleo vegetal em substituição ao diesel, deve-se utilizar preferencialmente motores com injeção indireta. Estes são fabricados no Brasil para geradores de até ~ 10kW a 1800rpm.

 

AGRADECIMENTOS

À COPPE/UFRJ e ao CENPES/PETROBRÁS pela colaboração técnica ao longo dos testes.

 

REFERÊNCIAS

[1]HERNANI DE SÁ FILHO ET ALLII; Diagnóstico da Viabilidade Técnica de Utilização dos Óleos Vegetais Brasileiros como Combustível / Lubrificante; Informativo do INT, 12(22), maio/agosto de 1979, pgs. 29-39

[2] DIPROD/CENPES/PETROBRÁS; Estudo sobre o uso de óleos vegetais como combustível para motores diesel - Relatórios nos: 1 (jullho/80), 2 (fev./81) e 3 (julho/83).

[3] Informações dos Engos Francisco E. B. Nigro e Maurício Assumpção Trielli, do Agrupamento de Motores/IPT, São Paulo, em 1999.

[4] JOSHUA & KAIA TICKELL; From the Fryer to the Fuel Tank. 2nd. Edition. GreenTeach Publishing, Sarasota, Fla., USA, 1999.

[5] Informações disponíveis no "website" da Universidade Técnica de Munique. Explorar a partir de: http://www.tec.agrar.tumuenchen.de/

[6] Informações disponíveis no "website" da organização INARO (Sistema de Informações sobre Matérias Primas Renováveis); explorar a partir de: http://www.inaro.de

[7] Informações do Engo Mauro Iurk, DIPROD/CENPES/PETROBRÁS; agosto/99.

[8] Informações do Engo Franz J. Kaltner (CENBIO; PROMAK-Belém), dezembro/1999.

[9] REINHOLD METZLER; Small Lister Type Diesel Engines of Indian Origin – Their long term performance on plant oil as fuel and ways to improve their reliability. Report for Project Purghère, October 1995. (Ver http://www.jatropha.com, item "Literature").

[10] Informações do Engo Roberto de Moraes Miranda, CPAA/EMBRAPA – Manaus, dezembro/1999.

[11] OLAF SOYK; Suitability of old fats for the operation of a diesel engine. Diplomarbeit, Universität der Bundeswehr, München, 1999.

[12] ADEMAR NOGUEIRA DO NASCIMENTO & JURANDYR SANTOS NOGUEIRA. Avaliação técnica e econômica do óleo de dendê para a geração de eletricidade no interior da Bahia. Relatório de Projeto CEPEL/ELETROBRÁS / UFBA. Universidade Federal da Bahia (UFBA), maio/2000.

 

 

Endereço para correspondência
Soares Guilherme F.W.
e-mail: fleury@cepel.br