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An. 4. Enc. Energ. Meio Rural 2002

 

A reforma do setor elétrico brasileiro - aspectos institucionais

 

 

Luis ChiganerI; Acácio Magno RibeiroII; João Carlos C.B. Soares de MelloIII; Luiz Biondi NetoIV

IUniversidade Veiga de Almeida, CEP: 20271-020 - UF: RJ Tel / Fax: (021) 2567-4317 - E-mail: chiganer@uva.br
IIUniversidade Federal de Juiz de Fora, CEP: 20271-020 - UF: RJ Tel / Fax: (021) 2567-4317 - E-mail: acacio@eletrica.ufjf.br
IIIUniversidade Federal Fluminense, CEP: 24240-240 - UF: RJ Tel / Fax: (021) 2567-4317 - E-mail: jcsmello@sapo.co.br
IVUniversidade Veiga de Almeida, CEP: 20271-020 - UF: RJ Tel / Fax: (021) 2567-4317 - E-mail: biondi@uva.br

 

 


RESUMO

O Brasil está, desde 1995, caminhando firmemente na reformulação do setor energético, abrindo oportunidades para a participação do setor privado nos investimentos necessários e na responsabilidade pela garantia do suprimento nacional. Foram criadas algumas agências, como, Agência Nacional de Energia Elétrica - ANEEL, Agência Nacional de Petróleo - ANP e Agência Nacional de Águas - ANA, a fim de fazer a regulação neste setor de forma que o consumidor não ficasse a mercê das empresas privatizadas. Este trabalho apresenta a reestruturação do setor elétrico brasileiro e uma análise prospectiva.

Palavras-chave: Setor Elétrico, Reestruturação, Privatização, Regulação


ABSTRACT

Since 1995, Brazil has been engaged in the reformulation of its energy sector offering new opportunities to the private capital to participate in the expansion and responsibility for the energy supply. Some agencies like ANEEL (National Electric Energy Agency), ANP (National Petroleum Agency) and ANA (National Water Agency) were created in order to regulate the sector and protect the consumers. This paper deals with the new structure of the electric sector and presents a prospective analysis of the process.


 

 

INTRODUÇÃO

Na década de 50, o acelerado desenvolvimento do parque industrial brasileiro, segmentado, ainda, em empresas privadas de atuação local, incapazes ou desinteressadas em mobilizar recursos necessários à expansão da oferta de energia elétrica seja pela limitação da poupança privada nacional, seja pela menor atratividade dos investimentos de mais longo prazo de retorno, o setor elétrico passou a exibir acentuada redução de qualidade de seus serviços, com freqüentes e crescentes interrupções e cortes de energia.

A crise energética agravou-se, obrigando o governo a adotar medidas de racionamento e a pensar em planejamento. A primeira manifestação de planejamento, a nível regional, e mais propriamente dita, intervenção do Estado no setor de energia elétrica, foi através da criação da CHESF1.

Assim, o governo passou a intervir diretamente no setor elétrico, elaborando o primeiro Plano Nacional de Eletrificação e propôs a criação da Eletrobrás2, empresa estatal de âmbito nacional, para coordenar as atividades de planejamento, financiamento e execução da política da energia elétrica no Brasil. Em 1957, cria a Central Elétrica de Furnas S. A3. Em 1960 foi criado o Ministério de Minas e Energia4. Em 1968 cria a Eletrosul e em 1972 a Eletronorte. Em 1973 é assinado o Tratado de Itaipu5, entre Brasil e Argentina, para a construção da Usina de Itaipu.

Interessante observar que essa notável transformação ocorreu sem qualquer alteração da moldura institucional do setor ou mudanças expressivas na legislação que o regulamentava.

A partir da década de 80, o progressivo esgotamento do modelo de desenvolvimento nacional calcado na ação do Estado, traduzido pela redução da atividade econômica, em paralelo a um reordenamento da economia mundial, teve reflexos no setor elétrico. O quadro do setor revelou escassez de recursos próprios, reduzidas possibilidades de acesso às fontes de financiamento, comprometimento das receitas e crescente questionamento social, além do preocupante imobilismo na implementação de soluções para seus problemas.

Em 1987 houve uma tentativa, através do REVISE, de se reestruturar o setor através de suas próprias empresas, porém não se obteve sucesso devido à falta de consenso entre as empresas estaduais, regionais e a própria Eletrobrás. A partir de 1995, o governo federal inicia o Projeto de Reforma do Setor Elétrico Brasileiro, denominado RESEB, realizado através da consultora Coopers & Lybrands.

A reestruturação do setor elétrico iniciou-se com a promulgação da Lei 8987/95, conhecida como a Lei de Concessões de Serviços Públicos, e da Lei Setorial 9047/95, quando foram estabelecidos os fundamentos básicos do novo modelo e iniciada a sua abertura à participação dos capitais privados. Estas leis introduziram profundas e importantes alterações, em especial quanto: à licitação dos novos empreendimentos de geração; à criação da figura do Produtor Independente de Energia; ao livre acesso aos sistemas de transmissão e distribuição; e a liberdade para os grandes consumidores escolherem seus fornecedores de energia elétrica.

Ainda em 1995, o Decreto 1.717 estabeleceu as condições e possibilitou a prorrogação e reagrupamento das concessões de serviços públicos e a aprovação dos Planos de conclusão das obras paralisadas em 22 empreendimentos de geração elétrica, equivalentes a 10.000 MW de potência.

Em 1996, o Decreto 2003 regulamentou as condições para a atuação dos produtores independentes e dos autoprodutores. Também em 1996 foi instituída a Agência Nacional de Energia Elétrica - ANEEL, pela Lei 9.427, com a finalidade de regular e fiscalizar a produção, transmissão, distribuição e comercialização de energia elétrica no país.

Em 1997 novas regulamentações ocorreram, sendo de destacar: a Lei 9.433, que institui a Política Nacional de Recursos Hídricos e criou o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos; o Decreto 2.335, que constitui a ANEEL e aprovou sua Estrutura Regimental; a Portaria MME 349, que aprova o Regimento Interno da ANEEL, estabelece o Controle de Gestão e extingue o antigo Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica-DNAEE; e o Decreto 2.410, que dispõe sobre o cálculo e recolhimento de taxa anual de fiscalização de serviços públicos por todos os concessionários, permissionários e autorizados dos serviços de energia elétrica.

Outras importantes decisões ocorreram em 1998, com a publicação da Medida Provisória 1.531, que autoriza o Poder Executivo a promover a reestruturação da ELETROBRÁS e de suas subsidiárias, sendo de destacar as seguintes regulamentações: autorizou a retirada gradual do Estado nos negócios de energia elétrica; estabeleceu a data de 30/09/98, para a instituição do Mercado Atacadista de Energia Elétrica - MAE e a constituição do Operador Nacional do Sistema - ONS; a partir de 2003, os concessionários ou autorizados podem negociar os montantes de energia com redução gradual, à razão anual de 25% dos montantes referentes ao ano de 2002; autorizou a cisão das quatro empresas regionais em empresas de geração e de transmissão; autorizou a ELETROBRÁS a deter participação acionária nas empresas de geração que seriam criadas a partir da cisão de FURNAS, ELETROSUL, ELETRONORTE e CHESF.

Alguns resultados podem ser apontados, resultantes das reformulações em curso. É o caso da participação privada na geração e na distribuição de energia elétrica, que, de praticamente nula em 1995, passou, em 2000, a 14% na geração e 58% na distribuição. A venda de distribuidoras e de geradoras, no entanto, não mudou os rumos da expansão do setor.

Com isto, inaugurou-se uma nova etapa na evolução do setor energético brasileiro, na tentativa de ampla abertura de seus mercados, eliminação de monopólios e retirada do Estado de funções próprias de um empreendedor.

 

ESTRUTURA INSTITUCIONAL PARA ANÁLISE DO SETOR ELÉTRICO

Para uma análise neo-institucional da nova Economia Institucional, que opta pela coordenação das estruturas internas em lugar do mercado, Williamson [1] coloca que a economia interna das instituições das indústrias de energia elétrica depende do arranjo institucional entre os agentes econômicos. D. North [2] dá prioridade ao ambiente institucional, que determina a aplicação das regras gerais nos agentes econômicos e seus arranjos institucionais.

A noção de arranjos institucionais dentro da indústria começa aparecer através de trabalhos de Coase e Williamson [3]. A linha Coase-Williamson define três tipos de arranjos institucionais usados como estruturas para transações entre agentes econômicos e mercados: contratos internos nas empresas, formas híbridas e integração dentro da mesma empresa. Estes três tipos de arranjo são alternativas para escolher um tipo de transação mais eficiente, aplicando os princípios dos custos de transação [4].

Diversos fatores influenciam na escolha de um arranjo institucional: fatores internos de cada indústria, como a própria organização e eficiência dos agentes econômicos, e influências externas, como a interação entre o ambiente institucional e a escolha do arranjo institucional.

A noção de ambiente institucional é menos familiar, a despeito do prêmio Nobel de North, em 1993. North sugere que o termo ambiente institucional seja aplicado às instituições que tem regras gerais aplicadas para a conduta dos agentes econômicos. Importante distinguir ambiente institucional e arranjo institucional, uma vez que agentes econômicos podem controlar suas escolhas de arranjo muito mais facilmente que controlar regrais gerais. O ambiente institucional compreende instituições formais, como política, estrutura legal e administrativa, e instituições informais, como cultura, costumes e hábitos.

As institucionais formais, além de influenciar o desempenho das empresas públicas de cada país, influenciam, também, a confiabilidade das reformas. De fato, em setores como empresas públicas, a simples reforma baseada no modelo clássico de competição, somente é possível se todo o ambiente institucional propicia características adequadas para tal fim.

As características econômicas de cada país são fatores importantes para manter a diversidade na indústria. A reforma na indústria de energia elétrica é institucional em dois caminhos essenciais: primeiro, a competição envolve instituições econômicas internas, integrações de relações vertical e horizontal, estruturas próprias e coordenação dos procedimentos internos. Segundo, incitar estas reformas não são própria das industrias, mas sim das instituições públicas dos países preocupados em supervisionar a competição.

O ambiente institucional e as instituições econômicas de cada país permitem implantar as reformas de melhor ou pior forma. Aliás, estes são os fatores institucionais que diferenciam as industrias de cada país. De fato, dois fatores são fundamentais na análise neoinstitucional: arranjo institucional, isto é, o esquema institucional dentro das empresas e o ambiente institucional. Glachant e Finon6 utilizaram estes pontos para analisar a reforma na União Européia, uma vez que cada país não tem o mesmo arranjo institucional nem o mesmo ambiente institucional.

De fato, para iniciar o modelo de competição no setor elétrico, integrado7, protegido, monopolizado ou cartelizado, o ambiente institucional deve ser capaz de impor uma forte intervenção em relação às estruturas privadas. Por outro lado, para assegurar a reforma em longo prazo, o ambiente institucional deve ser capaz de limitar a ele mesmo para conter intervenção seletiva, focando sob políticas condutoras para competição. A confiabilidade e credibilidade do modelo competitivo não são idênticas em dois ambientes institucionais distintos. Estes fatores implicam existir, a priori, compatibilidade entre características específicas de cada modelo reformado e características do ambiente institucional de cada país.

 

CARACTERÍSTICAS DO SETOR ELÉTRICO

O Brasil apresenta algumas características peculiares, que exigem um adequado planejamento da expansão da geração elétrica: organização institucional complexa em função das suas dimensões, das diferenças regionais e da necessidade de participação dos diferentes agentes públicos e privados; sistema predominantemente hidráulico, com grandes reservatórios de regularização plurianual; sistemas de transmissão com grandes distâncias; possibilidades de conexões inter-regionais com aproveitamento da diversidade hidrológica entre bacias; grande sazonalidade de vazões, resultando variações de energia8 de um para seis, e potencial desenvolvimento de geração térmica, aproveitando o regime hidrológico dos rios.

Em função dessas peculiaridades e dos prazos de maturação dos projetos e dos estudos que antecedem sua concepção, o planejamento da expansão do sistema elétrico nacional era desenvolvido de forma centralizada e coordenado pela ELETROBRÁS.

Os condicionantes destes estudos são os requisitos de mercado dos diversos subsistemas, os prazos de implantação dos empreendimentos e a capacidade financeira do setor elétrico. Como a geração agora é definida por sistema de licitação ou autorização e o mercado tem informação assimétrica, como fazer o planejamento no setor elétrico? Qual o órgão responsável pelo planejamento elétrico global do país? O abandono do planejamento do setor elétrico, a exemplo do que ocorreu na Argentina, Chile e EUA, dá sinal de graves problemas na oferta de energia em curto prazo. Estas são questões chaves para o sucesso da reformulação.

O Brasil, hoje, tem cerca de 70 mil MW de potência instalada, com fator de capacidade de cerca de 60%, e com 90% da energia gerada tem origem hidráulica. A rede de transmissão principal tem cerca de 65 mil km de extensão.

 

CENÁRIO NACIONAL

O País consolida seu programa de estabilização a partir, principalmente, da implantação das reformas monetárias. Com isso, como administrar as restrições ao crescimento, impostas por taxas de juros reais elevadas? Além disso, o prosseguimento do programa de privatizações e a administração da demanda interna contribuem para manter sob controle a inflação. Nestas condições, sonha-se com a recuperação da taxa de investimento.

O Estado canaliza parte de seus recursos para a construção e modernização da infra-estrutura básica e para os gastos tipicamente sociais (educação e saúde). A reforma agrária é implantada de forma gradual e a educação é revisada com o objetivo de preparar a mão-de-obra, em todos os seus níveis, para melhor adequação ao processo de modernidade do País.

A política energética tende a uma maior articulação intersetorial e regional, em um novo quadro institucional, com participação crescente do capital privado. A demanda nacional de energia apresenta ainda maior crescimento em relação ao PIB.

Com a demanda de energia aquecida, continuava bastante competitivo o processo de privatizações, pela atratividade da indústria de energia fortalecida por políticas de preços reais. Nesta ordem de idéias há uma esperança na maior participação de térmicas a gás natural no suprimento de eletricidade, bem como maior participação dos autoprodutores, além de maior participação do gás natural no consumo final de energia do País.

Por diversas razões as inversões em novos empreendimentos de geração, não se deram na rapidez desejada. Além disso, pelo fato de termos um parque hidráulico com grandes reservas de combustível, no caso a água, e não haver necessidade de desembolsos em curto prazo para utilizá-la, existe uma relativa facilidade de ocultar o desequilíbrio de oferta-demanda. Assim, a utilização antecipada dos reservatórios os levou a níveis preocupantes e com isso, houve necessidade, em meados de 2001 até fevereiro de 2002, de um racionamento9.

 

ORGANIZAÇÃO INSTITUCIONAL DO SETOR

SITUAÇÃO ANTERIOR ÀS MUDANÇAS

Antes do início das reformas do setor, os governos federal, estadual e municipal, através de suas empresas estatais, eram responsáveis em sua totalidade pela expansão do sistema de geração, transmissão e distribuição. As empresas10 do governo federal produziam cerca de 60% da geração do país e as dos governos estaduais faziam a distribuição, sendo algumas delas11 também geradoras de energia.

Tradicionalmente, as tarifas ao consumidor e entre empresas não discriminavam as parcelas referentes à transmissão. Além disso, até recentemente havia, para cada classe de consumidor, uma única tarifa em todo o território nacional, tornada viável através de subsídios cruzados entre as empresas. Este panorama, associado à tarifa de referência de cada empresa baseada no seu ativo imobilizado12, permitia a expansão e o uso compartilhado de rede de transmissão. Dessa forma, a garantia de oferta de energia do sistema nacional vinha sendo atendida.

A expansão e operação eram orientadas pela otimização13 global do sistema. O planejamento era conduzido por órgãos colegiados e ELETROBRÁS, e de uma certa forma impositivo, através do custo marginal do sistema.

ALTERAÇÕES APÓS A REFORMA

O quadro I a seguir dá uma indicação de como ficou a estrutura institucional após o início da reforma do setor elétrico. Em termos gerais tem-se, hoje, o seguinte percentual de agentes privados no setor: 14,4 % na geração, 14% na transmissão e 58% na distribuição.

 

 

Os instrumentos comerciais e institucionais são: ANEEL-Agência Nacional de Energia Elétrica, responsável pela regulamentação e fiscalização do setor; ONS - Operador Nacional do Sistema, agente privado responsável pela operação do sistema elétrico; MAE-Mercado Atacadista de Energia, responsável pelo mercado atacadista; CONTRATOS BILATERAIS entre geradores e distribuidores.

O acesso à transmissão tornou-se obrigatório; foi criada a figura do produtor independente; a ANEEL executa o processo de licitação de usinas hidráulicas; começou a haver liberação, tanto por parte do gerador como do consumidor, de fidelidade no suprimento e no consumo; desequalização tarifária; introdução de uma tímida competição no lado comercial; inexistência de responsabilidade pelo atendimento da demanda.

 

ANÁLISE INSTITUCIONAL DO SETOR ELÉTRICO BRASILEIRO

Contraditoriamente, o setor elétrico brasileiro, fragmentado em cerca de 60 empresas regionais14, estaduais15 e municipais algumas delas privadas, operavam e comercializavam energia como um monopólio estatal, porém sem práticas monopolistas condenáveis no que toca à formação de preços. De fato, através de órgãos como o DNAEE - Departamento Nacional de Água e Energia Elétrica, o governo federal controlava as tarifas públicas para conter a inflação.

Embora o regime de tarifação pelo custo do serviço prometesse garantia de remuneração dos investimentos e custos incorridos, a promessa não foi cumprida, resultando na descapitalização do setor.

A característica do setor elétrico brasileiro, altamente fragmentado em cerca de 60 empresas regionais16, estaduais17, municipais e algumas privadas, muito embora caracterize um monopólio estatal, não adotavam práticas monopolistas, uma vez que o governo federal através de seu órgão regulador na maior parte do tempo controlava a tarifas publicas, a fim de conter ciclos de inflação. Embora houvesse remuneração garantida de investimentos e custos através da tarifação pelo do custo do serviço, isto na prática, nunca se foi configurou, o que levou inclusive a uma descapitalização do setor.

De fato, a ausência de recursos financeiros, até mesmo a nível governamental, para a execução das obras necessárias à garantia de oferta de energia, acabou por impedir a conclusão de diversos empreendimentos, resultando no acúmulo de custos contábeis e inviabilização de parcerias do capital estatal com o capital privado.

Embora diversos negócios tenham sido tentados, poucos se realizaram, sendo uma exceção notável a usina de Serra da Mesa18, iniciada por Furnas Centrais Elétricas e concluída pela iniciativa privada.

 

DESAFIO DO SETOR ELÉTRICO

É de se ressaltar no novo contexto, a importância da compreensão do papel estratégico que desempenham as Agências Federais e Estaduais de Regulação, pois não estamos diante de um setor onde a concorrência é quase perfeita. Aliás, só teremos concorrência se forçarmos sua existência através de modelos de regulação e fiscalização em um conceito que inclua todos os aspectos técnicos, comerciais e econômico-financeiros que venham a se sobrepor e reger suas características monopolistas e o relacionamento entre os seus diversos agentes. No setor elétrico a concorrência só ocorrerá com veracidade e eficácia se forçada pelo Estado, através de seus órgãos de regulação.

São imensos os desafios no setor elétrico brasileiro para que seja efetivamente bem sucedida; ou seja, que auxilie na melhoria da qualidade de vida dos brasileiros; vale dizer: preços gradativamente menores, serviços melhores e amplas universalização dos serviços.

Diante de um quadro de profundas transformações na prestação dos serviços de energia elétrica no mundo, onde as agências de regulação têm importante papel, agregamos, no Brasil, ainda, a necessidade de superarmos vários problemas, como a baixa universalização dos serviços nas áreas rurais e algumas regiões do País e a necessidade de melhoria expressiva na qualidade dos serviços, além da redução de preços das atuais tarifas praticadas, em especial no segmento residencial.

Muitos técnicos têm colhido ensinamentos em países desenvolvidos e observado uma preocupação quase secundária com tópicos de qualidade dos serviços. Auditorias, fiscalizações periódicas e análises pertinentes dos indicadores de qualidade dos serviços das concessionárias são tarefa absolutamente fundamental e obrigatória para as Agências, pois os dados precisam ser sérios.

Os indicadores de interrupção de energia elétrica e outros constantes dos contratos de gestão não são auditados. Apenas à parte que permaneceu estatal continuou sofrendo auditorias periódicas. É tarefa urgente a continuidade, pelos órgãos reguladores, de auditorias periódicas, explorando na plenitude a possibilidade aberta pelo modelo de desverticalização do setor elétrico, que está exigindo o estabelecimento de um "benchmark" entre as distribuidoras de energia elétrica.

A dificuldade efetivamente enfrentada pelo setor elétrico decorre da escassez de recursos para sua expansão, que deve ser compatível com o crescimento do mercado.

 

LUTAR CONTRA CAPTURA

Existe vasta bibliografia [5,6,7] , em especial no tocante às Agências de Regulação dos Estados Unidos, sobre a questão da captura. Em termos bem simplificados, sempre que a Agência confunde o interesse público com o interesse da indústria, diz-se que ela foi capturada pela indústria. É evidente que a corrupção é uma forma de captura, sem dúvida a mais conhecida da população brasileira. Mas há outras formas de captura como: o órgão regulador dispor de quadros técnicos de pior qualificação e com remuneração inferior a dos técnicos da empresa regulada, ou como no caso brasileiro, o órgão regulador tendo como uma das suas funções primordiais incentivar o processo de licitações de usinas e transmissão. Além disso, foram os próprios técnicos das empresas reguladas que definiram as regras, normas, portarias e outras coisas mais para elas mesmas. Tais fatos geram, ou uma dependência do órgão regulador às empresas reguladas ou uma impossibilidade prática dos técnicos do órgão regulador contestarem consistentemente as argumentações da empresa regulada.

Outro risco é a aceitação da assimetria de informações em um nível acima do razoável. Nesse caso, seria aceitar como verdadeiras todas ou quase todas as afirmativas ou informações dos agentes regulados sem que se disponha de ferramental suficiente para auditar e reduzir as assimetrias que possam existir ou venham a ser criadas. A falta de informações suficientes e de procedimentos transparentes certamente fará com que a sociedade não contemple com seriedade processos de tomada de decisão com prazos extremamente curtos, em especial quando se referirem a aumentos tarifários.

Nos Estados Unidos, os estudos dos órgãos reguladores pertinentes a estas solicitações podem demorar até um ano. Tal prazo é elevado e incompatível com a realidade brasileira e, portanto não deve ser copiado pelas nossas agências, mas, para que estas possam agir em prazos adequados, elas deverão estar providas de elementos que lhes dêem fundamentação e transparência, sob pena de transmitir, falsa ou corretamente, indícios de captura e de práticas regulatórias condenáveis.

Preocupações em sistematizar audiências públicas, audiências de conciliação envolvendo usuários, prestadores de serviço e o governo, além de dar transparência em todas decisões do órgão regulador e a divulgação permanente dos direitos dos consumidores, são bons antídotos contra a captura.

Embora as agências multi-setoriais sejam teoricamente mais difíceis de sofrer captura não devemos menosprezar a existência prática de setores com tradição negativa no Brasil em termos de captura dos órgãos públicos correspondentes, que poderiam, em tese, transferir tais práticas para as agências.

 

CONCLUSÕES

O desafio posto para as Agências de Regulação é enorme. Precisam atuar com muita competência sem ter custo elevado para a sociedade (devem fazer muito custando pouco), enfrentando problemas de considerável envergadura: forçar a melhoria da qualidade dos serviços, desenvolver, com a participação de usuários, prestadores de serviços e sociedade, padrões regionais de qualidade dos serviços e controlar sua implantação, trabalhar para que as tarifas da energia elétrica se reduzam para os consumidores, em especial no segmento residencial. Elas não podem ficar somente multando e sem dar conseqüências as infrações cometidas.

Sendo o Brasil um país de dimensões continentais, entendeu acertadamente a lei da ANEEL que as tarefas relacionadas à regulação da energia elétrica fossem descentralizadas para os estados que tivessem órgãos independentes do poder executivo. Mas até agora qual foi de fato as agências estaduais ou municipais que efetivamente tiveram sua implantação. Os estados estão muito mais preocupados com suas infra-estruturas básicas imediatas que com os serviços de eletricidade.

Como as tarifas de energia elétrica no Brasil estão elevadas deve-se perseguir a melhoria da qualidade dos serviços e a redução dos preços, em especial no segmento residencial. Mas é preciso respeitar os contratos de concessão e, em especial, a obrigatoriedade de harmonizar os interesses de consumidores, concessionários e governo.

Um desafio fundamental para a Agencia é auditar de forma sistêmica os valores obtidos nos indicadores informados pelas empresas. Este processo deverá ser complementado por medições aleatórias de interrupções de energia elétrica e de níveis de tensão. Essas providências forçarão o aumento da confiabilidade dos números disponíveis, dando efetiva seriedade e justiça a qualquer "benchmark" a ser divulgado.

Outro desafio de caráter ético é a necessária ruptura com a captura sofrida normalmente por órgãos do Estado brasileiro por empreiteiras e empresas prestadoras de serviços públicos, o que não significa hostilizar ou prejudicar os interesses privados quando legitimados nos contratos de concessão.

Cabe ainda esperar que seja compreendido o fato de as agências serem órgãos de Estado e não de Governo, muito embora isso possa parecer contraditório. Afinal, vale lembrar, por exemplo, que parcela não desprezível dos problemas do modelo anterior do setor elétrico se deveu à captura das empresas estatais por interesses imediatos de partidos políticos e corporações, quer de funcionários, quer de agentes da iniciativa privada, quer de governo. É fundamental, portanto, a preservação da autonomia dos órgãos de regulação.

 

REFERÊNCIAS

[1] Williamson, O.; The mechanism of governance; Oxford; Oxford University Press, 1996.

[2] D.C. North; Institutions, Institutional Change and Economics Perfomance; Cambridge University Press; 1990

[3] Coase, R.H.; The Nature of the Firm; Economica ; vol. 4, p. 396-405; 1937.

[4] Williamson, O., Transactions-Cost Economics: The Governance of Contractual; The Journal of Law & Economics; vol.22, n. 2, p. 233-261, 1979.

[5] J.J. Laffont e J. Tirole; A Theory of Incentives in Procuremen and Regulation; MIT Press, 1982.

[6] Williamson, O.;The Economics Institutions of Capitalism; New York, Free Press, 1985.

[7] Kahn, A ;The Economics of Regulation; The MIT Press, Londres, 1990.

[8] Capeletto, Gilberto José; Presotto, Walkiria Telli; Fernandes, Joaquim F. V.; Power Expectation in Rio Grande do Sul ; Brasil- Cired/96 ;Buenos Aires - Argentina .

[9] M. Silvestri, L. Tarchioni, ENEL s.p.a, Dirección de la Distribución, Itália ; Calidad del Suministro en la Red de Distribucion de ENEL - Argentina/96 Congresso Internacional de Redes Electricas de Distribuicion.

[10] Chiganer; L, Biondi, LN etall, The Restructuring of the Brazilian Electric Sector - A Prospective Analysis; IEEE/PES T& d 2002, SP.

 

 

1 Decreto Lei 8.031, outubro de 1945, cria Companhia Hidroelétrica do São Francisco
2 Lei 3.890, abril de 1961, cria Centrais Elétricas Brasileiras S.A .
3 Decreto-Lei 41.066, 28 de fevereiro de 1957, Central Elétrica de Furnas S.A. Em 1971, passa-se a denominar de Furnas Centrais Elétricas S. A.
4 Lei 3.782, 22 de julho de 1960, cria o Ministério de Minas e Energia
5 Lei de Itaipu
6 International Society for New Institucional Economics, 1998, Internacional Conference, Paris, Set. 17-19,1998
7 horizontal e vertical
8 Na região Sudeste do país de 20 mil a 60 mil MWmédios e região Sul de 2 mil a 12 mil MWmédios.
9 Preço de energia no mercado MAE atingiu a 680R$/MWh
10 Funcionavam como atacadistas para as empresas de distribuição
11 COPEL, CEMIG e LIGHT, entre outras
12 remuneração garantida pelo custo do serviço a uma taxa de 12%a.a .
13 caso contrário haveria uma perda de cerca de 20% na oferta de energia global do sistema.
14 Fortemente verticalizadas com geração e transmissão
15 Algumas fortemente verticalizadas com geração, transmissão e geração
16 Fortemente verticalizadas com geração e transmissão
17 Algumas fortemente verticalizadas com geração, transmissão e geração
18 Usina hidrelétrica de potência instalada de 1200 MW, e com um reservatório de 54 Km3, no estado de Góias