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An. 4. Enc. Energ. Meio Rural 2002

 

Abordagem qualitativa da inserção do biogás X diesel para o meio rural

 

 

Luís Henrique Nobre AvellarI; Estanislau LuczynskiII

ICENBIO - Centro Nacional de Referência em Biomassa. USP - Universidade de São Paulo; CEP 05508-010 - São Paulo - SP - Brasil tel.: (011)3091-2655 fax: (011)3091-2649
IIPIPGE - Doutorando do Programa Interunidades de Pós-graduação em Energia. USP - Universidade de São Paulo. CEP 05508-010 - São Paulo - SP - Brasil tel.: (011)3091-2657 fax: (011)3818-7828

 

 


RESUMO

Neste artigo inicialmente apresentam considerações a respeito do consumo de óleo diesel como fonte energética no meio rural para as regiões Norte e Nordeste do Brasil. Em seguida são analisados aspectos relacionados ao potencial de geração de biogás a partir da cama de frango, juntamente com descrições sobre a utilização da cogeração de energia com tal biogás. Por fim, realiza-se uma abordagem qualitativa da inserção do biogás em substituição ao Diesel, ressaltando aspectos técnicos, sociais e econômicos.

Palavras chave: Diesel, Biogás, Rejeitos Rurais, Região Norte-Nordeste, Pobreza Rural, Poluição Ambiental.


ABSTRACT

In this paper is discussed the role of Diesel fuel as energetic source in the rural sector of Brazilian North and Norwest regions. It is also analysed some aspects related to biogas generation potential using "cama de frango". This analysis is followed by descriptions about the use of energy cogeneration by biogas. In a third step are done some qualitative approaches of this biogas insertion to replace the Diesel fuel. Finally, some technical, economic and social aspects are showed.


 

 

INTRODUÇÃO

Muitas das propriedades rurais brasileiras isoladas ou localizadas em áreas de difícil acesso e sem ligação à rede de distribuição elétrica, suprem suas necessidades energéticas através da utilização de diesel, característica esta que confere ao setor rural brasileiro o consumo de 34,2% de todo o óleo diesel produzido no Brasil. Esta estrutura de consumo, apresenta oportunidades para a sugestão de utilização de outras fontes de energia, pois leva à necessidade de produzir a própria energia, preferencialmente a baixo custo, substituindo-se o óleo diesel por outra fonte mais vinculada à realidade rural, como por exemplo rejeitos agrícolas (biomassa) transformados em biogás (combustível alternativo), gerando, assim, condições de melhor industrialização dos produtos agrícolas, aumentando a renda e melhorando as condições de vida no meio rural.

Este artigo, tratará do potencial técnico e econômico da inserção do biogás em substituição o diesel, apresentando aspectos sócio ambientais importantes, como a melhoria da qualidade de vida e a redução da pobreza rural, além de contribuir com o uso sustentável dos recursos naturais renováveis e principalmente no combate à poluição gerada pelo uso de derivados de petróleo.

Neste trabalho pretende-se apresentar uma abordagem qualitativa da inserção do biogás em substituição ao óleo diesel como combustível empregado em diversos usos finais no meio rural. Em suma, o objetivo principal deste trabalho é analisar as formas de inserção (sócio-econômica-ambiental) do biogás em substituição ao diesel como fonte energética em comunidades isoladas do meio rural brasileiro, dando ênfase às regiões Norte-Nordeste.

 

CONSUMO DE DIESEL NA REGIÃO NORTE-NORDESTE

As grandes extensões territoriais do Brasil, associadas as diferenças de relevo tornam as ligações entre as regiões nacionais complexas. No século XIX, houve uma primeira tentativa de vencer as distâncias terrestres através da criação de uma malha ferroviária. Esta persistiria até o início do século XX, quando houve uma política governamental direcionada para a construção de estradas.

Como resultado, a malha ferroviária passou a entrar em decadência, e só veio a persistir através do transporte de cargas. Nos anos sessenta, durante os anos JK, quando ocorreu a instalação de indústrias automobilísticas no Brasil, aumentou ainda mais a tendência de utilização de estradas de rodagem em detrimento das ferrovias. Tal processo, resultou na criação de uma estrutura de ligação territorial baseada na utilização de veículos automotivos e no transporte de cargas médias por meio de caminhões movidos a diesel. O resultado final foi a idéia de que o diesel era um combustível adequado a ser disseminado ao longo do território nacional, pois seu preço subsidiado permitia a sua aquisição por qualquer camada da população.

Paralelamente a criação da malha rodoviária, não houve a expansão proporcional da rede elétrica. Então, as populações que podiam adquirir diesel, mesmo em áreas remotas não tinham acesso a eletricidade. Por outro lado, devido ao preço subsidiado, a geração de eletricidade em áreas que não eram atendidas pela rede central, especialmente no Norte e Nordeste do Brasil, passou a ser feita tendo o diesel como insumo. Atualmente, dentro do setor rural brasileiro, além da lenha e carvão vegetal, o diesel aparece como um dos combustíveis mais consumidos por este setor.

A Tabela 1 mostra a participação dos principais energéticos consumidos no setor rural brasileiro:

 

 

Pode-se observar que o consumo de diesel, isoladamente é predominante em relação aos outros energéticos, uma vez que a participação oscila perto dos 50 %.

A Tabela 2, discrimina todas os energéticos reconhecidamente utilizados no setor rural brasileiro.

 

 

A partir da observação das Tabelas 1 e 2, entende-se que os energéticos tradicionalmente consumidos no setor rural, como lenha, carvão vegetal e querosene, foram perdendo espaço para o diesel.

Hoje em dia, a lenha é utilizada para cocção doméstica, ou produção industrial em pequena escala (como em olarias). Já o carvão vegetal também é utilizado em cocção, mas também como redutor em processos metalúrgicos. O querosene que é utilizado como iluminante, tem a sua utilização muito limitada. Além disso, nas regiões em que há infra estrutura de abastecimento, a cocção a lenha foi sendo substituída pela cocção a GLP.

Por sua vez, a utilização de diesel no setor rural se dá como combustível de pequenos geradores e de maquinário agrícola (como tratores).

Os dados compilados pelo Ministério das Minas e Energia - MME para a elaboração do Balanço Energético Nacional mostram que o último balanço por regiões foi consolidado em 1984 (Tabela 3). Por outro lado, os balanços existentes não discriminam o consumo do setor rural:

 

 

Esta ausência de dados dificulta qualquer planejamento energético no meio rural. No caso específico das Regiões Norte e Nordeste, não são produzidos balanços energéticos estaduais com regularidade. Então, políticas ou programas que visem o acesso destas comunidades à energia tem de se basear em estimativas, ou então admitir-se que a participação do consumo de diesel no setor rural do Norte e Nordeste é proporcional a participação total nacional, qual seja, em torno de 50%. A Tabela 4 mostra desde quando não são produzidos balanços energéticos estaduais.

 

 

Assim, levando em consideração o apresentado na Tabela 1, que retrata que o óleo diesel é responsável por quase 50% do consumo de energéticos no setor rural, entende-se que esta atual estrutura de consumo irá progressivamente se alterar devido ao fim do subsídio ao preço do diesel. Até então, a disseminação deste combustível no setor rural era favorecida pelo preço. Todavia, espera-se, a partir do fim do referido subsídio, haver um deslocamento parcial da demanda energética para outras fontes, especialmente àquelas de mais fácil acesso, como a lenha.

Este novo viés de demanda pode ter sérios impactos ambientais sobre as massas florestais da Região Amazônica, todavia, o impacto será mais expressivo na Região Nordeste. Uma vez que em não havendo a mesma densidade florestal que na Amazônia, as populações ficarão sem satisfazer suas necessidades energéticas, ou quando as satisfizerem, esta satisfação será num padrão bem inferior ao anterior. Qual a solução?

Existem alternativas que podem responder aos mesmos usos finais que o diesel, sem a necessidade de uma infra estrutura de abastecimento semelhante, as quais, além de aliar o fácil acesso aos insumos, diminuem os impactos da geração de energia sobre o meio ambiente. Dentre as várias existentes, destaca-se a geração de biogás, que pode atender as mesmas necessidades que o diesel atende, além de se inserir dentro do contexto produtivo rural com poucos impactos sobre o meio, pois utiliza como insumos para a geração os resíduos animais e agrícolas.

A composição do biogás pode variar, por diversos fatores, dentre eles, segundo o tipo de resíduo empregado em sua geração. No meio rural, utiliza-se principalmente de restos agrícolas, e os dejetos de animais.

Já quanto as suas características como combustível, o biogás possui um poder calorífico compatível com a de outros gases (Tabela 5):

 

 

POTENCIAL DE GERAÇÃO DE BIOGÁS

Não somente no Brasil, mas em todo o planeta, pode-se considerar que são inúmeros os tipos de rejeitos agrícolas descartados no meio ambiente, que vem causando efeitos extremamente danosos.

No que se refere ao aspecto poluidor dos rejeitos agrícolas destacam-se aqueles provenientes de animais, os quais apresentam agentes patogênicos, doenças e parasitas, como a Salmonelose, Leptospirose, Tuberculose, Brucelose, Listeriose, Tétano, Erisipelas, Colibacilose, Histoplasmosis, Protozoárias, Coccídioses, Toxoplasmose, Ascaridíase e Sarcocistíase, dentre outros.

A criação de frangos de corte, quando consideradas criações de cunho comercial, se dá, geralmente, em galpões com grande capacidade de alojamento de aves, caracterizado, segundo Santos (2001), pela utilização de substrato vegetal (serragem de madeira, pó de serra), chamada de cama de frango.

Almeida (1986), relata que o teor de umidade da cama de frango deve situar-se entre 20 e 35%, pois a umidade excessiva pode levar a problemas de intoxicações pelo desenvolvimento de altos teores de amônia, liberada à medida que as bactérias degradam o esterco destas aves.

Santos & Lucas Jr. (1997) realizaram estudos a respeito da utilização de cama de frango para a produção de combustível alternativo (biogás), em biodigestores tipo batelada, segundo a quantidade e tipo de cama na criação de frango de corte (Tabela 6).

 

 

COGERAÇÃO DE ENERGIA COM BIOGÁS

Na atualidade muitos estudos vem sendo realizados voltados à possibilidade e viabilidade de utilização de biogás para a geração de eletricidade e/ou energia térmica e elétrica em unidades cogeradoras de energia.

Nesse artigo apresentam-se alguns resultados de pesquisas elaboradas por Avellar, (2001), voltados a utilização de biogás em unidades cogeradoras de energia que operam com motores de combustão interna ciclo Otto.

Nos cálculos, obteve-se que uma unidade cogeradora de energia operando com motor de combustão interna ciclo Otto, de 1000 cilindradas tem um consumo horário de aproximadamente 30 [m3] de biogás com 65 [% CH4] a 4000 [rpm], apresentando uma produção simultânea de 266 [kg/h] de água gelada a 5ºC, 47 [kW] elétricos, e uma produção de água quente de 626 [kg/h] a 5ºC.

Para atender este consumo de combustível os cálculos mostram a necessidade dos dejetos de 96 bovinos estabulados, ou 320 suínos adultos, ou ainda 10565 frangos de corte.

Com relação aos estudos de viabilidade econômica para esse sistema que envolve biodigestor, unidade purificadora de biogás, e unidade cogeradora com motor de combustão interna, ciclo Otto de 1000 cilindradas, os resultados obtidos mostram o grande retorno financeiro em um curto espaço de tempo, viabilizando por completo o sistema, devido principalmente a disponibilidade do combustível alternativo (biogás) produzidos a partir dos rejeitos a custos baixíssimos. A quantidade de energia térmica e elétrica produzida no sistema apresentado é característica de agroindústrias de pequeno a médio porte.

Assim, para agroindústrias caseiras e propriedades rurais realizou-se um breve estudo com um conjunto moto-gerador capaz de produzir 6 [KW] com o aproveitamento dos gases de exaustão para produzir simultaneamente 57 [kg/h] de água quente a 85ºC, e 48 [kg/h] de água gelada a 5ºC, consumindo 4,3 [m3/h] de biogás com 65 [% CH4]. Estes resultados já se aproximam mais da demanda de pequenas agroindústrias caseiras e propriedades rurais.

 

DIESEL X BIOGÁS

Dentre as várias barreiras existentes que dificultam a inserção do biogás em motores diesel, está o próprio sistema de funcionamento do motor que opera com bicos injetores de combustível (combustível na fase líquida) diferentemente do motor ciclo Otto que opera com a mistura ar combustível na fase gasosa.

Uma alternativa técnica que pode ser utilizada é a transformação dos motores Diesel em Otto. Neste início de século, esses custos tem inviabilizado tal alternativa, uma vez que, dependendo da situação, pode ficar mais atrativo a aquisição de um motor ciclo Otto.

Outra alternativa técnica ainda existente é a utilização do biogás na fase líquida, fato também inviabilizado pelos altos custos que envolvem a compressão do biogás devido a sua composição química.

Outros estudos, como o realizado por .Trielli (1998), apresentam o desenvolvimento de bicos injetores bi-combustível, que somente são viáveis economicamente para motores Diesel de grande porte, como os utilizados em locomotivas.

O aproveitamento do biogás para a geração de energia, além de contribuir ao uso sustentável dos recursos naturais e no combate à poluição, pode vir a melhorar a qualidade de vida das populações que vivem em regiões isoladas, como no Oeste da Amazônia, por exemplo, as quais possuem pequenas criações de animais para subsistência, ou mesmo comércio em escala local.

Estas comunidades, devido ao seu isolamento geográfico, são muito dependentes de diesel, tendo de vencer grandes distâncias para adquiri-lo. A utilização de biogás, além de diminuir essa dependência, poderia agregar valor à produção destas comunidades, a baixo custo, melhorando a renda da população.

 

CONCLUSÕES

A introdução da geração com biogás em regiões rurais e isoladas do Brasil, deve, num primeiro instante, superar as barreiras existentes quanto à utilização do biogás. Ainda existe a idéia generalizada de quer o biogás é um gás pobre e de baixa capacidade calorífica. No entanto, como foi demonstrado pela Tabela 5, a capacidade calorífica é superior a dos gás de cidade canalizado urbano.

Outra barreira é a estrutura de dependência que foi criada em relação ao óleo diesel, baseada na centralização da distribuição e na venda em pequenas quantidades. Este sistema de oferta, favorece a dependência e impede a implementação de qualquer estratégia de planejamento ou de substituição de um energético por outro.

A estrutura comunitária poderia ajudar na disseminação do biogás, uma vez que, normalmente já ocorrem associações informações para auxílio mútuo quando dos períodos de plantio, safra, transporte e tratamento de animais. Esta estrutura serve de apoio à manutenção do diesel como principal energético do meio rural, pois permite o gerenciamento da oferta em tempos de escassez em outras palavras, quando um proprietário não tem diesel, ele costuma recorrer a comunidade.

Esta rede de relações poderia ser aproveitada para um sistema que preveja o gerenciamento dos resíduos agroindustriais para a geração energia a baixo custo com a utilização de biogás.

 

AGRADECIMENTOS

Ao CENBIO - Centro Nacional de Referência em Biomassa e ao PIPGE - Programa Interunidades de Pós-graduação em Energia, por disponibilizarem suas instalações, equipamentos e material bibliográfico.

 

REFERÊNCIAS

Almeida, M.A.C. (1986). Fatores que afetam a umidade da cama. Avicultura Industrial, São Paulo, Vol.76, n. 919, pp. 06-18, 1986.

Avellar, L.H.N. (2001) A Valorização dos Sub-produtos Agroindustriais visando Co-geração e a Redução da Poluição Ambiental. 2001. Tese (Doutorado). FEG/UNESP, Guaratinguetá.

BEN. Balanço Energético Nacional. Brasília, Brasil. Ministério de Minas e Energia, 154 p., 2000.

BEN. Balanço Energético Nacional. Brasília. Brasil. Ministério das Minas e Energia, 154 p., 2001.

Santos, T.M.B. & Lucas Jr., J. (1997). Produção de biogás a partir de três tipos de cama obtidos em dois ciclos de criação de frangos de corte. Revista Engenharia Agrícola, Vol. 17, n. 2, pp.09-20, 1997.

Trielli, M.A. (1998) Sistema de injeção de gás sob pressão em cilindros de motores diesel de médio porte. 1998. Tese (Doutorado). EP/USP, São Paulo.