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An. 4. Enc. Energ. Meio Rural 2002

 

Aquecimento solar para fabricação de queijo. Dimensionamento e estudo de previabilidade de protótipo

 

 

Juan José Verdesio Bentancurt

Faculdade de Agronomia e Medicina Veterinária - Universidade de Brasília, Instituto Central de Ciências Ala Sul - Caixa Postal 4.508 - CEP: 70.910-970. Brasília-DF Tel: (61) 368-9011 Fax: (61) 2739-6593 Email: verdesio@unb.br. Home Page: http://usr.solar.com.br/~verdesio

 

 


RESUMO

O artigo apresenta um protótipo de sistema de aquecimento solar para fabricação de queijo em pequena escala: 200 l leite/dia. A energia para o aquecimento do leite até os 60 ºC, é fornecida por coletor solar de 3 m2. A simulação de funcionamento nos meses de maior e de menor insolação mostra que o sistema proposto é viável tecnicamente. Os custos de instalação do sistema de aquecimento solar tem retorno em 3 anos e meio de economia no fornecimento da eletricidade.

Palavras chaves: Aquecimento Solar, Queijo, Agroindustrias, Energias Renováveis


ABSTRACT

The article presents a prototype of system of solar heating for cheese production in small scale: 200 l milk/day. The energy for the heating of the milk to 60 ºC, it is supplied by solar collector of 3 m2. The operation simulation in months of smaller and highest insolation it shows than the proposed system is viable technically. The costs of installation of the system of solar heating have return in 3 and a half years of economy in the supply of the electricity.


 

 

INTRODUÇÃO

A sustentabilidade dos agro-ecosistemas deve ter em conta a sustentabilidade energética. As energias renováveis tem um importante papel a cumprir no sentido de aumentar a sustentabilidade energética nacional. É cada vez mais urgente uma maior difusão das energias renováveis. Isto devido à crescente dependência mundial no fornecimento de petróleo do Oriente médio (Verdesio,2002), ao volume insuficiente de recursos petrolíferos do Brasil como para manter um crescimento econômico sustentado e de longo prazo, somado à premência de diminuir as emissões de gases de efeito estufa.

Existem várias barreiras para a introdução em maior escala das energias renováveis. Jannuzzi e Swisher (1997), citam as seguintes barreiras:

a) falta de informação de todos os atores : consumidores, vendedores, administradores, etc.;

b) legais e institucionais;

c) financeiras;

d) tecnológicas e de infra-estrutura;

e) tarifa e preços energéticos;

f) diversidade de atores e de expectativas deles

As mudanças introduzidas, no Brasil, na regulação e organização das industrias energéticas podem ter efeitos positivos para a difusão das energias renováveis. O aumento das tarifas dos energéticos para os consumidores rurais, devido a eliminação de subsídios cruzados pode ser um incentivo para a adoção de outras técnicas de racionalização energética, ou da adoção das energias renováveis como o aquecimento solar. A energia solar para aquecimento está já bem desenvolvida e testada para aquecimento de água em residências. Ela é ainda de pouca aplicação na agroindústria embora já existam experiências de sucesso em outros países onde já existem agroindústrias equipadas com aquecimento solar de água. As dificuldades principais no Brasil são as barreiras mencionadas de falta de informação e da ausência de políticas de financiamento claras e bem estruturadas.

Na Índia existe uma instalação industrial para processamento de ovos com aquecimento de água solar e complementado por aquecimento com óleo combustível que fornece 110.000 l/dia de água a 85 ºC (Nagaraju et alii, 1999). A temperatura de entrada da água é de 22ºC e as quantidades de calor requeridas para o processo industrial atingem os 8058 kWh/dia de 8 horas. A temperatura máxima atingida pelo sistema solar é de 94 ºC no mês mais ensolarado e de 67ºC no mês menos ensolarado. São condições de insolação muito similares às encontradas em todo o Centro-oeste e Nordeste do Brasil.

O sistema se compõe de 2560 m2 de coletores e 4 tanques de 57,5 m3 isolados termicamente. Todo o sistema e monitorado e controlado por um sistema digital de processamento de dados que opera as bombas elétricas e os registros pneumáticos. Existe um sistema de controle de falhas. Uma avaliação econômica simples mostra que a economia de combustível atinge a 78 % do consumo caso não existisse o aquecimento solar. As economias geradas com o sistema solar permitem que a instalação do sistema solar se pague em 5 anos de economia de combustível. Este é um caso emblemático já que esta agroindustria de processamento de ovos consegue, com seu aquecimento solar, uma importante economia de óleo combustível: 260.000 l/ano. Além do mais é evitada a poluição decorrente da emissão de 9,45 tons de SO2, 675 tons de CO2 e 562 tons de CO. O investimento necessário para uma industria do porte e das características da mencionada é pesado: US$ 355.000, mas perfeitamente abordável por industrias desta dimensão econômica.

O objetivo principal do estudo de sistemas heliotérmicos na nossa instituição, é a de iniciar, o desenvolvimento e a difusão de equipamentos adaptados às condições reais de trabalho dos produtores rurais da região Centro-oeste. A extensão dos conhecimentos gerados na Universidade poderá servir então para tentar acabar com a barreira da falta de informação.

Há ainda outras razões que fazem com que o aquecimento solar seja uma tecnologia de fácil adoção no meio rural. Depoimentos de produtores mostram que, na região, as dificuldades de fornecimento de energia são grandes. A distribuição da energia elétrica assim como de botijões de GLP é difícil e irregular. As distâncias a percorrer são grandes tanto na rede elétrica como no transporte de combustíveis. Na época das chuvas os cortes de fornecimento de eletricidade devido às descargas elétricas, são freqüentes e duradouros e algumas estradas podem apresentar dificuldades para o transporte do GLP. Muitas atividades rurais esbarram com sérios problemas operacionais e financeiros devido a estes problemas apontados: o da eliminação dos subsídios a energia no meio rural, e à irregularidade no fornecimento. Além do mais, os produtores rurais poderiam agregar valor a muitos produtos que podem ser produzidos na região caso o fornecimento de energia fosse autônomo e garantido. Assim poderiam ser comercializadas mais frutas, bulbos ou tubérculos se dessecadas com equipamentos de secadores solares, ou processados excessos de leite localmente para produzir queijo ou derivados.

Optou-se primeiro por estudar um protótipo de pequena escala para poder noutra etapa das pesquisas, desenvolver equipamentos de escalas maiores como os mencionados na Índia.

No trabalho e apresentada a concepção de sistema simples de aquecimento solar de água para tanque de fabricação de queijo de 200 l de leite aplicável para a região Centro-Oeste e Nordeste. Aqui a insolação é alta em boa parte do ano com variação de intensidade, na média, menor do que 15 % (Colle e Pereira, 1998). O aquecimento solar é dimensionado para fornecer água quente para o banho-maria do tanque de leite a 60-65 ºC. A regulagem fina da temperatura de trabalho é feita por sistema de aquecimento elétrico regulado por termostato eletrônico.

O mercado de coletores solares térmicos para uso de aquecimento de água residencial apresenta taxas de crescimento notáveis nos últimos anos. Mesmo sem o fantasma da crise de abastecimento de eletricidade, o crescimento foi de 10,2 % por ano nos últimos 5 anos (Freidenraich, 2002). As cifras absolutas de vendas acumuladas são similares as dos países que mais se utilizam desses sistemas. O Brasil acumula vendas desde 1983 de 2,037 x106 de m2. A Alemanha, país que mais utiliza coletores solares, acumulou desde 1975 1,07 x106 m2.

No meio rural, no Brasil, estes equipamentos são quase inexistentes. Nos referimos tanto aos usos residenciais como aos usos úteis à produção em pequena escala como aquecimento de água até os 60 ou 80 ºC para pasteurização do leite, fabricação do queijo, aquecimento de ambientes, secagem de produtos agrícolas como madeira, frutas, sementes, e tubérculos. Também são praticamente inexistentes os equipamentos de uso agro-industrial de grande escala como o aquecimento de água para processos industriais de, óleos vegetais, ovos e carnes, fabricação de queijo, pasteurização, desinfeção de frutas para exportação, etc.

É apresentado no artigo, o diagrama do sistema completo para um protótipo a ser construído para ser testado em condições reais de funcionamento. Também serão apresentados os cálculos de dimensionamento completo do sistema, o balanço de energia prevista com o aquecimento solar tendo em conta todas as perdas energéticas do sistema, e cálculos financeiros demonstrando a viabilidade econômica do sistema.

 

SISTEMA DE AQUECIMENTO SOLAR DE ÁGUA PROPOSTO

O sistema proposto pretende ser simples de construção, barato e fácil de operar. O modelo básico serve para aquecer o banho-maria de um tanque de fabricação de queijo de 200 l de leite. Ele se compõe de um coletor solar com cobertura de vidro convencional. O coletor deve estar localizado ao exterior orientado ao norte e a um nível do terreno inferior de onde se localiza o tanque de fabricação do queijo. Desta forma teremos circulação da água por termosifão. Na simulação do balanço energético no foi considerada a possibilidade de que a circulação por termosifão seja cortada durante a noite. Isto poderá ser feito com sistema de controle acoplado entre temporizador e termostato. A resistência elétrica seria ligada pelo temporizador a partir do horário mais conveniente de madrugada, toda vez que a temperatura de serviço não seja atingida. O temporizador também ativaria registros elétricos que se fechariam as 18 horas e se abririam ao nascer do sol. Nesta primeira modelagem evitamos incluir os registros elétricos para diminuir os custos do equipamento.

O coletor solar está ligado hidraulicamente em circuito fechado com o banho-maria do tanque. Tanto os encanamentos como o tanque e sua respectiva tampa são isolados termicamente. A tampa fica cobrindo o tanque quando o sistema não está em uso. O aquecimento suplementar é fornecido por resistência elétrica de 2000 Wh instalada no banho-maria.

Nas figuras 2 e 3 onde se apresenta a simulação energética, aparece o suplemento elétrico como aquecimento externo.

 

 

 

 

 

 

SIMULAÇÃO ENERGÉTICA

O sistema foi simulado com os seguintes parâmetros:

Volume de água no banho-maria                         301

Área do coletor solar classe A                          3 m2

Ângulo azimutal com relação ao Norte                  0 º

Inclinação do coletor                                       15 º

Ta Temperatura ambiente janeiro                     25 ºC

Ta Temperatura ambiente agosto                     20 ºC

P Perda calórica do sistema                       15 Wh/ºC

Q Irradiância solar no coletor                         Wh/m2

η Eficiência do coletor solar                            0,568

C Calor específico da água                        4190 J/ºC

Tbm Temperatura em ºC da água no banho-maria

Tbm+ Temperatura em º C da água no banho-maria uma hora depois de receber o aquecimento solar ou a complementação elétrica

O balanço energético horário (Dufie e Beckman, 1980) foi calculado pela equação (1):

A simulação de funcionamento do sistema ao longo do dia, toma em conta a equação anterior e foi desenvolvido para os meses de janeiro e agosto. Esses meses são, respectivamente, os meses de menor e de maior insolação para Brasília. Os valores de irradiância solar diária para esses meses foram baseados no modelo Klucher utilizado no programa de cálculo desenvolvido pelo Laboratório de Energia Solar da UFRGS chamado de RADIASOL (ver http://www.mecanica.ufrgs.br/solar ) O programa está disponível em: ftp://ftp.mecanica.ufrgs.br/solar/ .

O resultado do cálculo de balanço energético para os meses de janeiro e agosto pode ser visto nas figuras nºs. 2 e 3. Estes gráficos mostram que é possível manter uma temperatura interna do banho-maria, de pelo menos 60 ºC. A temperatura necessária para a fabricação do queijo é de, pelo menos 65 ºC. A temperatura de operação é mantida dentro dos limites necessários para a fabricação do queijo entre as 6:30 e as 9:30 horas. É necessária uma pequena complementação energética para compensar as perdas que ocorrerão quando da abertura da tampa do tanque, do despejo do leite e da formação dos coalhos. Normalmente é feito o queijo nesse intervalo horário. Se o queijo fosse feito mais tarde, a temperatura do banho-maria teria que ser rebaixada com adição de água fria.

 

ESTIMATIVA DE CUSTOS

Os custos adicionais em R$ do equipamento de aquecimento solar, incluindo a mão de obra, são (tabela nº 1):

 

 

ECONOMIA OBTIDA PELO AQUECIMENTO SOLAR

Os custos energéticos evitados com o sistema de aquecimento solar correspondem ao aquecimento elétrico evitado. Para aquecer os 30l, contando com as perdas do sistema, são necessários, no mínimo, uns 7 kWh/dia ou seja 210 kWh/mês. Com uma tarifa de R$ 0,22/kWh a economia anual é de R$ 479,00. Como o custo do investimento adicional para instalar o aquecedor solar é de R$ 1.782,00 o tempo de recuperação do investimento é de 3 anos e meio aproximadamente. Isto torna muito viável o aquecimento solar já que a vida útil do aquecimento solar é de 25 anos.

 

CONCLUSÕES

Tanto a simulação do Balanço energético como o cálculo de custos adicionais mostram que o sistema de aquecimento solar proposto pode ser viável para um produtor de queijo de pequena escala. O balanço energético mostra que o fornecimento da energia solar no Centro-oeste é suficientemente alto como para garantir uma grande independência energética. Além do mais as incertezas de fornecimento são muito baixas porque a variabilidade sobre as médias estimadas de insolação não ultrapassam os 15 %. Além do mais, tem a vantagem de não exigir do operador do equipamento nenhuma outra operação adicional a não se de manter a tampa fechada durante a noite.

O sistema pode ser aproveitar mais eficientemente a radiação solar e a energia elétrica suplementar com a inclusão de dispositivos de controle automático da entrada e saída da água entre o coletor e o tanque, bem como com a programação de liga-desliga automatizadas e temporizadas da resistência elétrica que fornece o aquecimento suplementar.

 

REFERÊNCIAS

[1] VERDESIO, J. J. Conflitos no Oriente Médio. Correio Braziliense. Seção Opinião. In: http://usr.solar.com.br/~verdesio/reno/Conflitos no Oriente Médio.pdf. 28/02/2002. Ver também http://www2.correioweb.com.br/cw/EDICAO_20020429/pri_opi_290402_93.htm .

[2] JANNUZZI, G. DE M.; SWISHER, J. N. P. Planejamento Integrado de Recursos. Meio Ambiente, Conservação de Energia e Fontes Renováveis. Campinas, Autores Associados. 1997

[3] NAGARAJI J..; GARUD, S.S; ASHOK KUMAR, K.; RAMAKRISHNA RAO, M. 1 MWth industrial solar hot water system and its performance; Solar Energy; Vol. 39; Num. 5/6, pp 415-420. Elsevier Science Ltd.; Londres; 1999.

[4] COLLE, S.; PEREIRA, E. B. Atlas de Irradiação Solar do Brasil. In http://www.labsolar.ufsc.br/portug/atlas/Arquivo/atlas98.pdf .

[5] FREIDENRAICH, N,Tecnologia Solar no Brasil. Os próximos 20 anos. In: Conferência sobre Sustentabilidade na geração e uso da energia no Brasil: os próximos 20 anos. 18 a 20 de Fevereiro de 2002 Centro de Convenções da UNICAMPCampinas, SP. 11 pp2002. http://www.cgu.rei.unicamp.br/energia2020/papers/paper_Fraidenraich.pdf

[6] DUFIE, J.A.; BECKMAN, W. A. Solar Engineering of Thermal Processes. John Wiley and Sons. 762 pp. New York. 1980

[7] BEZERRA, A. M. Energia Solar. Aquecedores de água. Ed. LITEL. Curitiba. 1982. 129 pp.