An. 4. Enc. Energ. Meio Rural 2002
Aspectos da co-gaseificação de resíduos agroindustriais e municipais
Fernando Aurélio Parodi; Caio Glauco Sánchez
Depto. de Engenharia Térmica de Fluídos - Faculdade de Engenharia Mecânica - UNICAMP. CEP 13083-970 - Campinas - SP tel: (019) 3788-3389 fax: (019) 3289-3722. e-mails: jambock@rocketmail.com - caio@fem.unicamp.br
RESUMO
Este trabalho aborda aspectos teóricos e das tecnologias de gaseificação para a conversão de biomassas residuais agrícolas e industriais em fontes alternativas de energia. Exemplos de tecnologias encontrados na literatura sobre o assunto demonstram que os sistemas de gaseificação têm despertado interesse devido seu potencial para tratamento e destruição térmica de resíduos, bem como para geração de energia. Também são abordados aspectos técnicos sobre as dificuldades, ou limitações impostas por estes materiais devido suas propriedades físicas muito particulares. O lodo gerado nas estações de tratamento de água e esgoto é alvo particular desta discussão, tendo em vista a experiência do projeto de co-gaseificação em curso no DETF/FEM da UNICAMP. Por fim, é comentado o potencial para aplicação da tecnologia de gaseificação em leito fluidizado como meio de geração de energia renovável e sustentável, e enquanto solução de problemas de tratamento de resíduos para comunidades isoladas e pequenos centros urbanos.
Palavras chaves: Co-gaseificação; Impacto Ambiental, Misturas de Biomassas; Leito Fluidizado; Sustentabilidade; Resíduos Orgânicos; Energia Renovável.
ABSTRACT
This work approaches both the theoretical and practical aspects of the gasification technologies for the energetic conversion of residual biomasses from industrial, agricultural and urban activities into alternative energetic resources. Examples of technologies presented on the international literature regarded to this subject show that gasification systems have been attracting the attention due to their potentials on residues treatment through their thermal destruction, as well as energy generation process. Also, technical aspects are approached on the particular physical and chemical properties of these materials, that may impose limitations or obstacles on the use and development of gasification processes. The sludge generated on water and sewage treatment facilities is a particular subject of this discussion, in view of the on going experience of the DETF/FEM from UNICAMP project on co-gasification. Finally, the potential of the usage of fluidised bed gasification was discussed as a method for renewable energy generation, as well as solution for problems faced on the treatment of residues for isolated communities and small urban centres.
INTRODUÇÃO
Nos últimos anos, uma série de problemas cumulativos têm motivado grande preocupação para as sociedades. O crescimento populacional tem-se acentuado e levado a um correspondente aumento no consumo de recursos energéticos, materiais e naturais. A expansão dos centros urbanos, e da produção industrial e agrícola são dois importantes aspectos que retratam a intensificação das atividades antropogênicas, causando o agravamento da questão ambiental. Reverter este processo é um grande desafio que envolve o desenvolvimento e a aplicação de tecnologias e políticas que realizem e regulem, respectivamente, o processo produtivo de forma mais eficaz e racional.
A partir dos anos 70, e principalmente nos anos 90, lideranças políticas e a comunidade científica internacional passaram a enfatizar a necessidade de busca e implantação de tecnologias e processos menos agressivos ao meio ambiente, e mais recentemente, a pesquisa por métodos voltados para o desenvolvimento sustentável. Eventos de grande repercussão como a conferência Rio 92 das Nações Unidas para o Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, são reflexos de uma clara tendência de orientação das iniciativas objetivando obter soluções nos planos político, econômico e científico, visando equacionar dois aspectos que até o presente momento têm se mostrado contraditórios: desenvolvimento e redução de impactos ambientais.
Entre as muitas preocupações, destacamos a busca por soluções de tratamento para resíduos agrícolas, industriais e municipais, como o lixo urbano e o lodo gerado em estações de tratamento de água e esgotos. Outro evento motivador de pesquisas científicas são as fontes energéticas renováveis, que possibilitem o seqüestro de carbono e de outros subprodutos provendo a redução da concentração de gases de efeito estufa na atmosfera. Nos últimos anos têm sido investigadas diversas alternativas de tecnologias para aproveitamento de fontes de energia renováveis de biomassas residuais. Estes materiais são gerados na fase de pós-colheita da produção agrícola, ou durante o processamento de matérias-primas como a madeira, fibras vegetais.
Uma destas tecnologias empregadas para a conversão da energia química presente nestes materiais é a gaseificação, a qual será objeto de interesse deste trabalho.
GASEIFICAÇÃO DE BIOMASSA
Ao longo das últimas duas décadas, a gaseificação de biomassa vem sendo intensivamente estudada como processo alternativo de conversão da energia química contida em materiais de origem orgânica em gases para aproveitamento como combustível, ou como matéria-prima para processos químicos.
Os projetos são conduzidos em instituições de pesquisa ao redor do mundo, e focam o aproveitamento de materiais residuais tais como cascas, palhas, e outros resíduos gerados durante o processo de beneficiamento e industrialização de madeira como cavacos, serragem, restos de podas, folhas, ou de resíduos agroindustriais como bagaço de cana, casca de arroz, casca de sementes de algodão, etc. (SANCHEZ, LORA, & GÓMEZ, 1997)
O mérito destes projetos encontra-se principalmente no fato que objetivam investigar o aproveitamento de resíduos que normalmente constituem em estorvo para o ambiente e sociedade onde são gerados, e, que demandam recursos financeiros e materiais para sua correta disposição. Deste modo, permite-se ao mesmo tempo, agregar valor a estes materiais residuais, e tratá-los, fazendo com que seja diminuído o potencial impactante ao meio ambiente, oferecendo a estes materiais um novo caráter: o de combustível renovável.
Um outro aspecto positivo é que a aplicação de resíduos para a geração de energia envolve a redução, ainda que em termos relativamente pequenos, da dependência dos combustíveis fósseis, e, permite o desenvolvimento de unidades de geração de energia autônomas em comunidades afastadas, ou de pequeno porte, que quando comparadas com os centros urbanos já organizados e estruturados, tornam a construção de linhas de transmissão muito onerosas e pouco rentáveis. Este último aspecto faz com que as concessionárias de energia não desenvolvam interesse em investir na eletrificação destas localidades.
Uma característica comum à maioria dos projetos de pesquisa sobre a gaseificação é que os equipamentos são construídos e avaliados para operar segundo as características de um único tipo de combustível. Assim, por exemplo, há projetos dedicados ao emprego exclusivo de bagaço de cana, ou de capim elefante, ou de casca de arroz, ou serragem.
Entretanto, ao longo do ano, a produção agrícola varia em função de um calendário ao longo do qual cada cultura, conforme suas características particulares, deve ser semeada, plantada, cultivada e colhida em diferentes épocas do ano. Só após a realização da colheita é que a produção agrícola é processada para o consumo, gerando assim os resíduos de interesse para o aproveitamento através da gaseificação. Além disto, este processo pode ser fortemente afetado pela evolução das condições agrometeorológicas ao longo do mesmo, as quais podem ser determinantes para que os materiais não sejam produzidos em quantidades suficientes para o fornecimento estável da quantidade dos combustíveis disponíveis.
Outro aspecto a ser considerado é a questão do múltiplo emprego de alguns destes materiais, os quais podem ser aproveitados em outros processos produtivos, gerando assim uma competição por um recurso de interesse que pode fazer com que seja ainda mais reduzida a disponibilidade de uma determinada biomassa, pondo em risco a operacionalidade da planta de gaseificação.
Visando oferecer uma resposta a estas reflexões, encontra-se em curso no Departamento de Engenharia Térmica de Fluídos - DETF -, Faculdade de Engenharia Mecânica da UNICAMP, um trabalho de pesquisa sobre a co-gaseificação em leito fluidizado, isto é, a gaseificação conjunta, ou simultânea, de duas ou mais biomassas misturadas. Supostamente, a vantagem de se gaseificar uma determinada mistura de biomassa proporciona uma maior flexibilidade e versatilidade aos sistemas de gaseificação. Deste modo permite-se conferir-lhes maiores vantagens competitivas frente a outros sistemas de geração e aproveitamento de energia.
ASPECTOS DA CO-GASEIFICAÇÃO
Os estudos sobre a co-gaseificação publicados até o presente momento concentram-se na determinação de dados e parâmetros de qualidade do processo de gaseificação de misturas de biomassa, como resíduos de madeira. e lodo de esgoto com carvão mineral. Tal opção é compreensível, uma vez que estes estudos são realizados por pesquisadores de instituições localizadas em países como a Alemanha, Espanha, Estados Unidos, Grã-Bretanha, Polônia e Suécia, que dispõem de grandes reservas destes materiais.
Os métodos de investigação variam de autor para autor, porém em linhas gerais consistem em primeiro realizar a gaseificação dos materiais individualmente, e após esta etapa, seguem-se as misturas em diversas proporções. Os gaseificadores empregados são de diversos tipos: leito fluidizado, fixo, concorrente, com ou sem pressurização, e utilizam ar, nitrogênio ou oxigênio "puros" como agentes de gaseificação. Deste modo, procura-se determinar se as influências dos parâmetros e das misturas dos combustíveis promovem alterações nos resultados esperados para os produtos de gaseificação.
Um grande destaque é dado à busca de fundamentos que evidenciem a existência de efeitos sinergéticos da co-gaseificação de misturas de combustível fóssil com a biomassa. Acredita-se que a união destes dois materiais possa promover um aumento da eficiência global do processo de gaseificação, proporcionando uma produção de um volume maior de gases, e, ao mesmo tempo, geração de menores volumes de alcatrão, resíduos de carbono fixo (char) e cinzas que os verificados no tratamento individual deste combustíveis.
Uma das primeiras realizações do projeto de pesquisa em co-gaseificação de lodo de esgoto com bagaço de cana em curso no DETF/FEM da UNICAMP, foi a acumulação de informações e conhecimentos teóricos que visam antecipar as dificuldades e possibilidades técnicas a respeito do desempenho da gaseificação destes materiais. O DETF/FEM vem seguindo ao longo dos anos uma linha de pesquisa envolvendo algumas biomassas como casca de arroz, bagaço de cana, capim elefante, cavaco de madeira, e outros materiais como carvão mineral de baixa qualidade oriundo de Santa Catarina.
As propriedades das biomassas de origem vegetal são relativamente bem conhecidas e cobertas pela literatura científica. Assim, acreditamos ser de maior interesse concentrar o foco deste trabalho no estudo dos aspectos particulares da gaseificação do lodo de esgoto.
Em um estudo empreendido por STORM ET AL (1999), procurou-se caracterizar a gaseificação de misturas de combustíveis envolvendo carvão mineral de baixa qualidade, palha e lodo de esgoto, com o objetivo de produzir um gás combustível de baixo a médio poder calorífico. Estes autores empregaram um reator de bancada de fluxo concorrente, e nitrogênio como agente de gaseificação. As temperaturas de operação oscilaram entre 600°C e 1.200°C. Estes autores procuraram encontrar nos resultados experimentais dados que comprovassem a existência de efeitos sinergéticos, bem como a caracterização da eficiência do processo de conversão da biomassa em uma mistura de gases combustíveis. Embora os resultados não indicassem a existência de efeitos sinergéticos, o experimento comprovou com sucesso que é possível obter um gás de baixo a médio poder calorífico a partir da mistura das biomassas com o carvão mineral. Estes autores entretanto não investigaram a mistura entre palha e lodo de esgoto, uma vez que o objetivo era produzir gás combustível a partir de um refugo não renovável.
É necessário destacar que o lodo não é um material produzido exclusivamente no tratamento do esgoto. Este material também é produzido em grande quantidade durante o processo de tratamento e purificação de água. Tal destaque assume uma grande importância se atentarmos para o seguinte fato. A maioria dos municípios brasileiros apresentam redes de coleta e tratamento de esgotos que não abrangem a totalidade de residências, e estabelecimentos comerciais, mas por outro lado, quase todos apresentam estações de tratamento de água. Deste modo, se o problema de disposição deste material não for causado pelos grandes volumes de lodo gerados a partir do tratamento dos esgotos, ele pode existir para o material gerado nas estações de tratamento de água.
Um outro destaque a ser feito é que nos próximos anos deverá haver um progressivo aumento da cobertura das redes de coleta de esgotos, bem como da construção de novas estações, fazendo com que este material seja gerado em volumes consideráveis, tornando a sua disposição tão problemática e custosa quanto a do grande volume de lixo produzido pelos centros urbanos brasileiros da atualidade.
O lodo é um material apresenta características físicas, químicas e biológicas que tornam a sua disposição problemática, pois incorre em perigo de contaminação do meio ambiente por microorganismos patogênicos e metais pesados. (METCALF & EDDY INC.,1979).
Nos últimos anos, em particular nos países mais desenvolvidos, políticas tarifárias, leis e acordos internacionais têm procurado restringir, limitar, ou mesmo proibir o emprego de algumas tecnologias e processos tradicionais de disposição de resíduos tais como o aterramento, a reciclagem agrícola e o lançamento em oceanos. Além destas medidas, a falta de áreas disponíveis para a realização destas práticas devido à expansão urbana têm tornado os custos de disposição dos grandes volumes de lodo gerados em estações de tratamento de água e esgoto, bem como os dos resíduos sólidos municipais (RSM) têm tornado cada vez mais competitivos a construção de grandes instalações para destruição térmica dos mesmos.
WERTHER & OGADA (1999) afirmam que os processos de destruição térmica, tais como a incineração e a gaseificação, são métodos eficientes de tratamento e destruição de resíduos de uma forma geral. Nos Estados Unidos, Japão e em diversos países da Comunidade Européia, é comum o emprego de plantas de incineração e de gaseificação de grande porte para tratamento de lixo, lodo e outros resíduos. Estas instalações podem ou não envolver a recuperação de energia, produzindo vapor e eletricidade a partir da energia térmica liberada pelo tratamento dos materiais em questão. As plantas de incineração, entretanto, têm enfrentado grandes obstáculos para instalação e expansão de suas atividades devido aos impactos ambientais que causam junto às áreas em que são construídas. Entre os principais impactos destacam-se: geração de odores fortes, de NOx, e de uma grande quantidade de gases e cinzas contaminadas com metais pesados. Além disto, o lodo e o lixo apresentam teores elevados de umidade, o que implica na formação de grandes volumes de vapor de água durante o processo de destruição térmica. Esta característica é um aspecto que não deve ser subestimado, pois no caso específico das plantas de incineração, o maior volume de umidade implica na geração correspondente de um grande volume de vapor, impondo a necessidade de se projetar equipamentos de exaustão e limpeza de gases de grandes dimensões.
Este problema em particular não ocorre com os gaseificadores, que consomem volumes muito menores de ar e oxigênio em seus processos, sendo portanto uma vantagem competitiva sobre o métodos incineradores. Este é um dos principais motivos pelo qual a gaseificação tem sido apontada como o meio seguro de redução dos grandes volumes iniciais de resíduos a um pequeno volume de cinzas. (WERTHER & OGADA, 1999)
A gaseificação quando realizada em sistemas pressurizados, e, em temperaturas superiores à de fusão de cinzas, formam aglomerados vitrificados inertes ao meio ambiente, que podem ser empregados como matérias-primas na fabricação de outros materiais como cimento, tijolos, cerâmicas ou serem empregados como substrato de fundações de obras civis prediais ou de estradas de rodagem, por exemplo. (WERTHER & OGADA, 1999)
Espera-se, portanto, a ocorrência de duas oportunidades de ganhos com a co-gaseificação de misturas de biomassas. A primeira delas é oferecer uma fonte de energia sustentável e renovável à pequenas comunidades, que hoje não são atendidas pelas concessionárias de energia elétrica. A segunda é proporcionar através da co-gaseificação um regime operacional mais flexível que a gaseificação de um único tipo de combustível, pois permite o uso de plantas ao longo de todo o ano sem prejuízo devido à falta de uma fonte específica de biomassa. Um terceiro aspecto positivo é o emprego da co-gaseificação como meio de tratamento e disposição de resíduos como o lodo de esgoto, gerado nas estações de tratamento de esgoto dos centros urbanos, agroindústrias, e de propriedades que exploram sistemas intensivos de criação animal. Deste modo, tem-se a expectativa de se obter o duplo benefício de geração de energia e matérias-primas para outros processos produtivos, tratamento, e disposição de resíduos de natureza problemática e de alto poder impactante.
SISTEMAS DE TRATAMENTO E DESTRUIÇÃO TÉRMICA DE RESÍDUOS
WERTHER & OGADA (1999) apontam que a intensificação do processo de restrição e banimento de métodos passivos de disposição de resíduos agrícolas, industriais e urbanos têm tornado economicamente competitiva a opção por investimentos na construção de instalações de grande porte para a destruição térmica destes materiais. Isto decorre do fato que tanto o lodo, como os RSM, apresentam grandes volumes, e, após a incineração ou gaseificação, são reduzidos a quantidades de cinzas muito inferiores ao seus respectivos volumes iniciais.
Do ponto de vista histórico, os sistemas de incineração vem sendo empregados para a destruição de resíduos em escala comercial desde o início dos anos 50. Além de estarem presentes há mais tempo no cenário internacional, apresentam uma grande variedade de tecnologias e sistemas, o que justifica haver na literatura muito mais referências sobre instalações de incineração que sobre a gaseificação. No caso destes últimos, a literatura aponta que as primeiras instalações comerciais de grande escala para tratamento de resíduos começaram a operar somente no final dos anos 70.
WERTHER & OGADA (1999), enumeram algumas ponderações sobre os métodos de destruição térmica de resíduos, sobretudo quando se considera as seguintes particularidades do lodo:
- Após a destruição térmica, pouco mais de 50% da massa de lodo (em base seca) inicialmente introduzida é convertida em cinza, a qual contém grande parte dos metais pesados tóxicos presentes no lodo, o que pode, portanto, tornar delicada a disposição deste material.
- Durante a secagem, o lodo de esgoto passa por uma fase de aumento da viscosidade quando o teor de material sólido em peso (base seca) corresponde a cerca de 50 a 60%. Neste intervalo, o lodo deixa de fluir livremente, complicando o seu processo de secagem e manejo.
- No caso das instalações de incineração, elementos como nitrogênio, cloro, enxofre, dioxinas e furanos podem estar presentes no lodo, e são liberados na forma de gases poluentes, e partículas em suspensão, impondo, portanto, a necessidade de uso intensivo de sistemas de limpeza de gases garantindo assim que as emissões causadas pelas plantas estejam dentro dos limites normalmente aceitos pela legislação reguladora da atividade destas unidades.
- Com um teor de umidade variando entre 70 e 80% (em peso, base seca), o poder calorífico inferior do lodo desumidificado mecanicamente não é suficiente para garantir uma combustão auto-térmica, podendo ser necessário o consumo de algum tipo de combustível suplementar para a realização do processo.
O lodo de esgoto, em comparação com outras biomassas, apresenta características físico-químicas muito particulares, que certamente influem significativamente na eficiência de combustão e gaseificação deste material.
As principais tecnologias de tratamento térmico do lodo e demais resíduos orgânicos, em particular a gaseificação, envolvem etapas ou processos preliminares como a desumidificação e a secagem. Estes métodos são necessários ao pré-condicionamento físico do lodo para que o processo de destruição do material possa realizar-se sem problemas.
A gaseificação entretanto oferece uma perspectiva inteiramente diferente. Os resíduos enquanto fontes de energia, precisam ser avaliados em termos do teor de matéria orgânica como componente de principal interesse. A umidade e as cinzas desempenham papéis negativos no processo de gaseificação, pois uma porção considerável da energia do combustível é consumida para a sua evaporação, e na geração do carbono residual (char) presente nos partículas em suspensão, e nas cinzas produzidas. (HAMILTON, 2000).
A umidade, principalmente no caso do lodo, pode atingir volumes consideráveis, influi não apenas no desempenho e na eficiência do processo de gaseificação, mas também nos parâmetros físicos de projeto dos equipamentos. Deste modo recomenda-se a adoção de pré-processamento dos resíduos para que sejam condicionados antes de sua introdução no gaseificador.
FURNESS, HOGGETT & JUDD (2000) sugerem, por exemplo, o uso de dispositivos como secadores aquecidos indiretamente para o pré-condicionamento dos resíduos como o lixo e o lodo devido estes materiais apresentarem teores elevados de umidade. Estes autores destacam as seguintes vantagens de se realizar a secagem prévia do material residual a ser gaseificado:
- Volume mais compacto do material na condição seca, reduzindo espaço, potência, dimensões de equipamentos, e tubulações necessárias.
- Aumento da eficiência global da instalação através do uso conveniente de recuperação de calor do gaseificador.
- Redução do volume de gases a ser gerado, tornando mais difícil e dispendiosa a sua limpeza, pois um volume maior de gases exige mais equipamentos, e de maior capacidade de tratamento adequado.
Com relação ao processo de secagem, estes autores recomendam a manutenção da temperatura de secagem tão baixa quanto o possível, entre 110°C e 165°C, para minimizar as perdas de voláteis, os quais são responsáveis pela produção do gás combustível em estágio posterior. Estes autores também recomendam a moagem e peneiragem do material para que apresente granulometria variando entre 0,1 mm a 0,5 mm, para garantir uma boa eficiência de gaseificação. Uma das principais vantagens da pirólise e da gaseificação sobre os tradicionais processos de incineração, é que estes processos empregam sistemas para limpeza de gases com equipamentos de dimensões menores, e com operações mais simples, devido à emissão menor de resíduos.
PROCESSO DE GASEIFICAÇÃO TÉRMICA
O processo de gaseificação se caracteriza por ser de natureza endotérmica, isto é, se faz através do fornecimento inicial de calor, que no caso é obtido através do pré-aquecimento do leito de fluidização. O leito pré-aquecido age como uma superfície de troca de calor, levando o combustível à temperaturas de regime através da condução e convecção, realizando um processo de craqueamento térmico que pode ser aplicado à biomassas de um modo geral, em temperaturas variando em entre 800°C a 900°C. Nesta faixa, tem sido demonstrado que é possível atingir uma ótima taxa de conversão gasosa dos componentes constituintes dos resíduos. O principal ponto é que o aproveitamento do gás produzido nesta condição apresenta um poder calorífico muito superior, tornando-o apropriado para alimentar uma turbina a gás em um ciclo combinado de gaseificação e geração de energia elétrica. (HAMILTON, 2000).
INFLUÊNCIA DA CINZA.
O teor de cinza, principalmente o do lodo de esgoto, depende não apenas de sua fonte, mas também de como ele foi manejado ao longo do processo de tratamento dos efluentes. Para efeitos de disposição de resíduos, é importante destacar que as cinzas geradas através do processo de gaseificação deixam o gaseificador em uma forma relativamente inerte, embora a quantidade ser disposta possa ser significativa. (HAMILTON, 2000).
EMISSÕES DE METAIS PESADOS
Os metais pesados são provavelmente o segundo aspecto mais importante dos possíveis impactos ambientais a serem considerados na gaseificação de materiais residuais como o lixo e o lodo. A explicação está no fato de que a qualidade do lodo varia em função de sua fonte (residencial, comercial, institucional, industrial), e época do ano. Estes dois aspectos combinados são determinantes para a variação das concentrações de elementos potencialmente tóxicos em sua composição. Alguns dos metais pesados presentes em materiais residuais são voláteis como por exemplo o mercúrio, cádmio, chumbo, cobre e zinco. Dependendo da temperatura e pressão com que o gás gerado durante a gaseificação deixa o freeboard, os metais pesados podem ser volatilizados assumindo a forma gasosa. Isto torna, portanto, necessária a adoção de sistemas e equipamentos para o tratamento do gás de exaustão, para que o mesmo atenda às restrições de emissões ambientais previstas pela regulamentação aplicável. Além de beneficiar o meio ambiente, estes sistemas podem permitir o tratamento necessário para que o gás seja fornecido aos sistemas de geração de energia na condição de operação. Consequentemente, a qualidade da composição química do resíduo dita o grau de tratamento necessário. (HAMILTON, 2000).
As altas temperaturas, e/ou meios redutores característicos dos sistemas de gaseificação geralmente levam à simplificação dos equipamentos do sistema de limpeza de gases de exaustão. Deste modo, proporciona redução de custos de investimentos para a aquisição destes dispositivos, quando comparados com os métodos tradicionais de incineração. Além do mais, os resíduos sólidos calcinados produzidos durante a gaseificação, apresentam menor toxicidade, e portanto, podem ser dispostos na maioria dos aterros de resíduos industriais disponíveis. Outro ponto a favor da gaseificação é que as descargas dos equipamentos do sistema de lavagem dos gases de exaustão podem ser retornados, isto é reciclados, no início do processo de tratamento. (FURNESS, HOGGETT & JUDD, 2000).
EXEMPLOS DE TECNOLOGIAS E PROCESSOS DE GASEIFICAÇÃO DE RESÍDUOS
Podemos encontrar na literatura a respeito de métodos de tratamento e destruição de resíduos muitos exemplos de instalações e sistemas, que permite traçar em linhas gerais as características do grau de complexidade e sofisticação que algumas das tecnologias de gaseificação em uso podem apresentar. A seguir, são expostos exemplos apresentados na literatura especializada.
PROCESSO SVZ
Em 1996, a companhia Lurgi assinou um contrato com a empresa alemã Sekundärrohstoff Verwertungszentrum (SVZ), com sede em Berlim, para projetar e construir um sistema de gaseificação destinado à recuperação de matérias-primas secundárias de resíduos. Por volta de 1999, o centro apresentava duas plantas de gaseificação, uma com capacidade de 400.000 t/ano, com um gaseificador pressurizado de leito fixo, para processamento de materiais residuais sólidos, e um com capacidade de 50.000 t/ano para gaseificação de combustível líquido pulverizado para resíduos líquidos e borras.
Vários resíduos, inclusive combustíveis derivados de refugos (Refused-Derived Fuel - RDF), lodo de esgoto pré-seco, plásticos, borracha, resíduos de lã e tecidos, madeira contaminada, resíduos eletrônicos e resíduos perigosos, bem como carvão mineral marrom são encaminhados ao centro. Após a remoção dos componentes metálicos, os materiais residuais sólidos são triturados, moídos, comprimidos, briquetados ou peletizados. Em seguida, são gaseificados com oxigênio e vapor à 1.300ºC. O gás de síntese formado a partir do processo de gaseificação consiste de CO, H2, CH4 e CO2, bem como óleo leve e alcatrão. O gás é limpo para remoção do óleo leve e do alcatrão, os quais junto com outros resíduos líquidos são gaseificados no gaseificador de combustível pulverizado a uma temperatura de 1.600°C a 2.000ºC. Os gases de síntese de ambos gaseificadores são usados para produção de metanol e para geração de energia. (WERTHER & OGADA, 1999).
Ainda em 1996, estimava-se que a produção anual de metanol atingiria o volume de 100.000 t, e de gás com um poder calorífico nominal de 12 MJ/Nm3. O gás produzido pode ser empregado tanto na produção de metanol, quanto para a geração de 60 MW de energia elétrica através de uma planta de ciclo combinado. (HAMILTON, 2000)
Além de resíduos, uma mistura de carvão marrom com o lodo de esgoto pré-seco era também gaseificada no centro. Entre 1992 e 1995, cerca de 28.000 t (7.000 t/ano) de lodo da estação de tratamento de esgoto de Wassmanndorf, em Berlim, foi co-gaseificado, e planejava-se, então, ampliar a capacidade de co-gaseificação para uma cerca de 80.000 t/ano de lodo a partir de 1997. (WERTHER & OGADA, 1999)
LEITO FLUIDIZADO CIRCULANTE - LFC
Muitas das plantas construídas para a destruição térmica do lodo de esgoto e de resíduos sólidos municipais, envolvem a incineração através de fornalhas de leito fluidizado (WERTHER & OGADA, 1999), (HAMILTON, 2000), sendo por isso mesmo considerada uma tecnologia clássica como meio de destruição dos resíduos. Uma outra alternativa entretanto é apontada por estes autores: o processo de leito fluidizado circulante (LFC) para tratamento de resíduos, ou combustão de carvão marrom com alto teor de cinzas para geração de vapor e energia elétrica.
HAMILTON (2000) comenta que o sistema LFC apresenta altas velocidades de fluidização fazendo com que os combustíveis sólidos sejam alimentados a partir da porção inferior do leito dos reatores; porém, para manter o volume de material do leito que é carreado junto com os gases gerados, o sistema apresenta um ciclone para realizar a separação e coleta do material inerte do leito. O material coletado é reintroduzido no leito através de um sistema de vazo de pressão. O fluxo de ar para a fluidização em plantas LFC é realizado em velocidades próximas da velocidade terminal da interface gás-sólido, e consequentemente, permite que sejam atingidas altas taxas de transferência de calor e massa, além de gerar uma boa uniformização da temperatura do leito. Este autor acrescenta que o processo LFC tem encontrado ampla aplicação para tratamento de calcinação de alumina, fundição de minério de ouro, redução de minério de ferro e por fim a partir dos anos 1990, para a gaseificação de biomassas residuais (lixo, lodo de esgoto, etc.).
No Centro de Pesquisas da Companhia Lurgi em Frankfurt, Alemanha, foi instalada uma planta experimental com capacidade de geração de energia equivalente a 1,7 MW para estudo do comportamento de gaseificação de vários tipos de combustíveis: coque, carvão mineral negro e marrom, três tipos de cascas e resíduos similares de madeira, combustível derivado de refugos (RDF), resíduos de papel, borracha, lodo de esgoto e cinzas contendo carvão residual (char) de lignita. Os testes comprovaram com sucesso a aplicabilidade da tecnologia, e a companhia teve com isto assegurado contratos para a construção de plantas de gaseificação envolvendo o sistema LFC para tratamento e recuperação de matérias-primas secundárias de diversos materiais residuais. (HAMILTON, 2000).
O sistema de manejo do gás de síntese gerado depende basicamente das necessidades definidas pelo usuário do mesmo. O gás combustível resultante da gaseificação com ar atmosférico apresenta um PCI de cerca de 6,0 MJ/Nm3, e pode ser empregado para:
(a) Substituir combustíveis de plantas em funcionamento.
(b) Alimentar fornos rotativos para fabricação de cimento, ou de calcário.
O gás produzido através da gaseificação com oxigênio pode ser empregado tanto para fabricação de metanol, como combustível para a geração de energia elétrica em sistemas combinados com turbinas à gás. (HAMILTON, 2000).
No caso específico do lodo de esgoto, apesar de já haver sido demonstrado experimentalmente que a tecnologia LFC é capaz de tratar este resíduo. Até o presente momento entretanto não foram publicadas na literatura especializada informações que evidenciem a sua aplicação em escala comercial. Entretanto, o interesse pela gaseificação do como método de disposição lodo de esgotos tem crescido, sobretudo na Europa Ocidental. A tecnologia LFC é sem dúvida uma alternativa a ser considerada, segundo afirma HAMILTON, (2000).
PROCESSO LURGI_RUHRGAS DE GASEIFICAÇÃO DE LODO
HAMILTON (2000) afirma que ensaios em laboratório têm demonstrado que, aquecendo-se rapidamente o lodo seco à temperatura de 850°C, a maior parte do material orgânico presente no lodo pode ser convertido à fase gasosa. O processo Lurgi-Ruhrgas aplicado à gaseificação de lodo emprega este mesmo princípio ocorrendo da seguinte forma (WERTHER & OGADA, 1999): o lodo seco é alimentado por sistema de rosca transportadora a um reator cilíndrico vertical junto com os resíduos sólidos reciclados à alta temperatura (cinzas e material de leito separados no ciclone). A gaseificação térmica gera imediatamente gás, o qual fluidifica a mistura, proporcionando transferências de massa e de calor. A taxa de reciclagem de sólidos é ajustada para que o reator atinja e mantenha a temperatura em torno de 850°C. O gás de exaustão ao deixar o reator passa por um ciclone, e depois pelo processo subseqüente de tratamento e limpeza. As cinzas são coletadas na base do reator, e recicladas, isto é, alimentadas em condições de fluxo controlado na base da coluna de gaseificação. Um pré-aquecedor de ar realiza o reaquecimento dos sólidos recuperados. Para tanto, são transportados pneumaticamente para um depósito de coleta, onde são queimados junto com carvão residual (char). O calor liberado pelo processo reaquece o material inerte à uma temperatura em torno de 900°C. Deste modo, o material inerte e as cinzas resultantes atingem novamente a condição para gaseificação do combustível a ser introduzido no reator. O volume de sólidos é mantido através da remoção de uma fração das cinzas residuais acumuladas no depósito de coleta do sistema. As cinzas descarregadas se apresentam, na forma de um resíduo virtualmente isento de carbono livre. (HAMILTON, 2000).
PROCESSO KRUPP UHDE PRECON
O processo Kupp Uhde PreCon também envolve a gaseificação e utiliza um gaseificador Winkler de alta temperatura seguido de processo de extração catalítica (PEC) para a recuperação produtos cerâmicos e metais. É realizada a remoção de algumas substâncias orgânicas e inorgânicas do material a ser tratado, seguindo, portanto, para a etapa de trituração. O processo inclui ainda a pré-secagem para a redução da umidade inicial a um teor de residual de cerca de 10%, sendo então introduzido no gaseificador Winkler de alta temperatura (WAT) e leito fluidizado circulante, operando de 700°C a 1.000ºC. Os materiais sólidos se depositam no fundo, e são separados em um ciclone, sendo então processados na câmara PEC. O processo PEC, que foi desenvolvido por uma companhia americana, a Molten Metal Technology, opera entre 1.300°C e 1.800ºC. Consiste de uma fornalha de fundição aquecida através de indução, abastecida com aditivos e oxigênio. As reações levam à conversão do material derretido em três fases: uma fase cerâmica, onde são separados CaO, SIO2, e Al2O3; uma fase metálica onde são separados os metais remanescentes, por exemplo, ferro, níquel, e cobre que mais tarde são recuperados; e uma fase gasosa (H2 e CO) resultante da gaseificação de traços de carbono contidos no material derretido. (WERTHER & OGADA, 1999)
A tecnologia WAT já foi amplamente testada ao longo de cerca de 38.000 horas de operação em uma planta piloto em Frechen, situada nas proximidades do município de Colônia, Alemanha, e de duas plantas de larga escala, uma com capacidade de 30,5 t/h, em Berrenrath, também próxima de Colônia, e outra com capacidade de 27 t/h na Finlândia. As plantas de Frechen, Berrenrath e na Finlândia entraram em operação em 1978, 1985 e 1988, respectivamente. (WERTHER & OGADA, 1999)
SISTEMA DE CONVERSÃO NOELL
O sistema de conversão Noell envolve o processo de pirólise seguido pelo de gaseificação. O coração desta tecnologia é um gaseificador de alta pressão, que opera à pressões acima de 3,5 MPa e temperaturas acima de 2.000ºC. Os resíduos são triturados, pirolisados a 550ºC, e após separação dos materiais mais grosseiros e de maiores dimensões, como metais, rochas, e materiais inorgânicos, os materiais remanescentes são moídos, formando um pó fino, e introduzidos no gaseificador. O gás de pirólise é esfriado, primeiro, para remoção de vapores condensáveis, e então, comprimido e alimentado em queimadores de gás, enquanto que o produto resultante da condensação é alimentado através de uma bomba de lodo. A gaseificação emprega oxigênio puro. Para ser gaseificado, o lodo é pré-seco, pulverizado e então introduzido pneumaticamente na câmara do gaseificador através de um queimador. A companhia Noell adquiriu uma experiência significativa nesta tecnologia através da operação de uma planta piloto instalada em Freiburg-Sachsen, a qual entrou em operação em 1979. A experiência possibilitou a construção e operação de uma planta de larga escala (130 MW) em Berlim, e que encontra-se em operação desde 1988. O principal produto gerado pelo processo é um gás de síntese de alta qualidade, constituído principalmente por CO2 e H2, o qual pode ser empregado em turbinas a gás para geração de energia elétrica. (WERTHER & OGADA, 1999)
PROCESSO THERMOSELECT
A tecnologia Thermoselect também envolve processos de pirólise e de gaseificação, porém estas etapas são realizadas em uma única unidade. Os estágios de preparação e classificação dos resíduos são eliminados. Os resíduos, incluindo-se o lodo de esgoto, são comprimidos através de um pistão hidráulico dentro de um longo canal envolto em uma camisa a qual serve para aquecer o material no interior do mesmo. Os resíduos são progressivamente aquecidos até atingir uma temperatura acima de 600ºC. A compressão mecânica realizada pelo pistão permite que o canal seja à prova de infiltração de ar. À medida que os resíduos avançam pelo canal, eles são aquecidos, secos e quase totalmente pirolisados quando chegam ao fim do canal. O material pirolisado é então introduzido na zona de gaseificação, onde os materiais são gaseificados com oxigênio a uma temperatura em torno de 2.000°C. Como resultado, são gerados: gás de síntese de alta qualidade; e aglomerados (sinterizados). O gás é rapidamente esfriado de 1.200ºC para 90ºC para reduzir e eliminar o risco de formação de dioxinas e furanos, e, após isto, realiza-se a limpeza e disponibilização do material para uso tanto em geração de energia elétrica, como matéria-prima de processos químicos. O resíduo derretido é escoado para uma câmara e combustão onde, através da adição oxigênio, e gás propano, ocorre a queima a uma temperatura acima de 1.600ºC, assegurando assim a destruição térmica de todo o carbono clorado e outras impurezas. A companhia Thermoselect opera desde 1992, e obteve experiência operacional em sua planta piloto com capacidade de processamento de 100t/dia localizada em Verbania, Itália. Em março de 1997 estava prevista o início de construção de uma planta de larga escala com capacidade de 225.000 t/ano em Karlsruhe, Alemanha, com início de operação previsto para 1999. (WERTHER & OGADA, 1999)
DISCUSSÃO
O crescimento populacional e econômico deverá ser acompanhado nos próximos anos por aumentos correspondentes da produção de resíduos urbanos, agrícolas e industriais, os quais deverão se acumular e demandar soluções mais eficazes para a redução de seus volumes iniciais.
No Brasil, entretanto, temos obtido provas concretas de que o poder público e a sociedade não se encontram organizados e aparelhados para lidar com este problema. As leis e normas que regulam a questão de tratamento e disposição e resíduos existem, mas o Estado não tem sido eficiente no exercício de sua observação. As recentes notícias veiculadas nos grandes órgãos de imprensa têm revelado a fragilidade representada pelo tradicional método de aterramento. Moradores de conjuntos residenciais estão sendo vitimados pelo descaso de nossas autoridades, pois suas casas, chácaras e prédios de apartamento foram construídos sobre áreas de aterros clandestinos, que em outros tempos eram situados nos fundos dos terrenos ocupados por indústrias que lidavam com substâncias químicas de elevada toxidade. Os prejuízos de natureza ambiental, material e de saúde pública estão se multiplicando e revelando o triste quadro de negligência para a questão do tratamento de resíduos.
A gaseificação pode ser uma solução para os problemas ambientais causados pela disposição e tratamento de resíduos agrícolas, industriais e urbanos? Nos países em que a questão da produção, tratamento e disposição de resíduos já atingiram níveis críticos, como aqueles pertencentes da Europa Ocidental e o Japão, a adoção de plantas e instalações envolvendo a gaseificação como alternativa para este tratamento está, conforme afirmam WERTHER & OGADA (1999), sendo considerada seriamente, principalmente para a substituição das dispendiosas e indesejáveis instalações de incineração.
Por outro lado, se atentarmos para os exemplos de tecnologias e sistemas apresentados, é preciso considerar que estas instalações se caracterizam por uma grande complexidade e sofisticação, que demandam recursos financeiros de grande porte. Instalações que operam à temperaturas que podem atingir até 2.000°C e usam oxigênio "puro" como agente de gaseificação para realização da fusão de cinzas, conforme visto, permitem a reciclagem de metais e elementos de grande complexidade como placas de circuito impressos e componentes eletrônicos, além é claro das biomassas residuais. Isto sem dúvida é uma boa notícia, por outro lado, estas tecnologias envolve elevados recursos para seu desenvolvimento, instalação e operação, bem como necessitam de mão-de-obra com alto grau de especialização, que dificilmente se encontrariam disponíveis em pequenas comunidades.
Além disto, se considerarmos as dificuldades econômicas crônicas da economia brasileira, as reflexões acima apresentam-se como sérios obstáculos à popularização destes tipos de instalações, limitando-as apenas a unidades que atenderiam às necessidades específicas de indústrias e corporações mais preocupadas em obter junto à sociedade, aos seus clientes e seus acionistas a imagem de empresa ambientalmente responsável, comprometida com o desenvolvimento sustentável.
CONCLUSÃO
Os processos de gaseificação apontados pelos exemplos aqui apresentados dificilmente se prestariam para solucionar problemas de geração de energia simultâneo ao tratamento de resíduos agrícolas, industriais e urbanos, de pequenas comunidades face à sua complexidade e altos custos. Por outro lado, acreditamos que a gaseificação em leito fluidizado pode ser uma alternativa com maior chance de sucesso, pois apresenta uma perspectiva inteiramente diferente.
Os sistemas de leito fluidizado, como os que estão sendo pesquisados no DETF/FEM da UNICAMP, apresentam aspectos positivos a seu favor tais como o emprego de equipamentos, processos, e materiais mais acessíveis, além de operam em temperaturas entre 850°C e 900°C, abaixo, portanto, da temperatura de fusão de cinzas. Isto por um lado implica dizer que as cinzas geradas pelo sistema não se apresentam na forma vitrificada, ou seja, na forma inerte de pequeno volume que permite ser aproveitada como matéria-prima para construção civil.
Por outro lado, é preciso salientar que esta tecnologia ainda se encontra em fase experimental e necessita ainda ser amadurecida para que atinja um nível de confiabilidade e praticidade que permitam a aplicação e difusão em escala comercial, e com custos e condições operacionais mais acessíveis.
Confiamos, porém, no potencial desta tecnologia como meio eficiente e flexível de geração de energia a partir de fontes renováveis, associado ao tratamento de resíduos, através do aproveitamento de recursos que hoje causam impactos ambientais junto às comunidades em que são gerados.
AGRADECIMENTOS
Agradecemos a CAPES pelo suporte financeiro prestado até o presente estágio de desenvolvimento do projeto de pesquisa em co-gaseificação de lodo de esgoto com bagaço de cana em curso. Também agradecemos a equipe de técnicos e pesquisadores do Depto. de Engenharia Térmica de Fluídos da Faculdade de Engenharia Mecânica da UNICAMP pelo apoio, dedicação, e sugestões fundamentais para o bom andamento de nosso projeto.
REFERÊNCIAS
[1] SANCHEZ, C. G, LORA, E. S. & GÓMEZ, E. O: GASEIFICAÇÃO. IN: CORTEZ, L. A. B. & LORA, E. S: Tecnologias de Conversão Energética da Biomassa. Manaus: EDUA/EFEI, 1997. Parte 3, Cap. 7, p. 254-347
[2] STORM, C, RÜDIGER, H, SPLIETHOFF, H, & HEIN, K. R. G: Co-Pyrolysis of Coal/Biomass and Coal/Sewage Sludge Mixtures, Journal of Engineering for Gas Turbines and Power, Vol. 121, Num. 1, p. 55-63, 1999.
[3] METCALF & EDDY, INC: Wastewater Engineering: treatment, disposal, reuse. 2nd ed. New York: McGraw-Hill, 1979. 920 p.
[4] WERTHER, J & OGADA, T: Sewage Sludge Combustion, Progress in Energy and Combustion Science. Vol. 25, Num.1, p. 55-116, 1999.
[5] HAMILTON, C. J: Gasification as an innovative method of sewage-sludge disposal. Journal of the Chartered Institution of Water and Environment Management, Vol. 14, Num. 2, p. 89-93, 2000.
[6] FURNESS, D. T., HOGGETT, L. A. & JUDD, S. J: Thermochemical treatment of sewage sludge, Journal of the Chartered Institution of Water and Environment Management, Vol. 14, Num. 1 p. 57-65, 2000.