An. 4. Enc. Energ. Meio Rural 2002
Avaliação da difusão de sistemas fotovoltaicos domiciliares em comunidades tradicionais
Paulo Serpa; Roberto Zilles
Universidade de São Paulo - Laboratório de Sistemas Fotovoltaicos - Instituto de Eletrotécnica e Energia, USP. Av. Prof. Luciano Gualberto 1289, CEP 05508-900, São Paulo, SP - Fax: 11 38167828 e-mail: serpapaulo@hotmail.com
RESUMO
O trabalho apresenta, na perspectiva dos usuários, uma avaliação da difusão dos sistemas fotovoltaicos domiciliares (SFD's) na região do Lagamar, tendo como referência três programas de eletrificação rural: o programa ECOWATT desenvolvido pela CESP no Parque Estadual da Ilha do Cardoso, o programa COPEL desenvolvido pela Companhia Paranaense de Eletricidade na comunidade da Barra do Ararapira e o programa AEDENAT, desenvolvido pelo Instituto de Eletrotécnica e Energia/USP em parceria com a Cooperação Espanhola, em duas comunidades rurais de Cananéia.
O desenvolvimento dessa avaliação, relativo ao grau de satisfação dos usuários, possibilitou avaliar, a partir de atributos relevantes, a importância dessas três experiências de difusão fotovoltaica de eletrificação de comunidades rurais tradicionais isoladas.
Palavras chaves: Sistemas Fotovoltaicos, Difusão de tecnologia, Comunidades Tradicionais, Energização Rural
ABSTRACT
This work introduces, in the users perspective, a diffusion evaluation of Solar Home System's SFD's" at Lagamar area, and has as reference three programs of rural electrification: The ECOWATT program, developed by CESP at Ilha do Cardoso State Park; The COPEL program developed by Campanhia Paranaense de Eletricidade at Barra do Ararapira community and AEDENAT program, developed by Instituto de Eletrotécnica e Energia/USP with Spanish Cooperation as partnership in two rural communities at Cananéia (SP).
This evaluation development related to the user extent satisfaction helped the assessment beginning with relevant attributes, the importance of these three photovoltaic diffusion programs of electrification in isolated traditional rural communities.
INTRODUÇÃO
A difusão de sistemas fotovoltaicos para a iluminação de domicílios em comunidades rurais do litoral sul de São Paulo, é o tema do estudo, intitulado "Eletrificação Fotovoltaica em Comunidades Caiçaras e seus Impactos Socioculturais"1 que compreende a análise e avaliação do processo de difusão de tecnologia de eletrificação baseada em recursos renováveis e, dos impactos que essa inovação tecnológica vem produzindo no contexto das comunidades tradicionais da região do Lagamar.
Neste sentido, este estudo é uma análise multidisciplinar de um processo de mudança sociocultural, que incorpora aos preceitos do planejamento energético local a contribuição da antropologia no contexto da mudança dirigida. Assim, vincula-se ao instrumental metodológico desenvolvido pela ação antropológica denominada historicamente de antropologia aplicada.
A análise da mudança sociocultural teve como paradigma o projeto AEDENAT que compreende a ação prática do Laboratório de Sistemas Fotovoltaicos do Instituto de Eletrotécnica e Energia da Universidade de São Paulo - LSF/IEE-USP, em duas comunidades rurais de Cananéia (SP). Como contraponto, o projeto ECOWATT, desenvolvido pela CESP/ELEKTRO na Ilha do Cardoso (Cananéia) e o projeto COPEL, implementado pela Companhia Paranaense de Eletricidade na comunidade da Barra do Ararapira.
O presente artigo compreende um aspecto deste estudo de mudança tecnológica e apresenta os resultados da aplicação de um instrumento desenvolvido para a avaliação de programas de eletrificação fotovoltaica em comunidades caiçaras do Lagamar, principalmente, aquelas localizadas ao longo do Canal do Ararapira.
PROGRAMAS DE ELETRIFICAÇÃO FOTOVOLTAICA NO LAGAMAR
Os três projetos analisados neste artigo compreendem a implementação de três programas diferenciados. Estes programas têm por objetivo geral dotar as comunidades caiçaras de recursos tecnológicos de energia renovável, de modo a satisfazer suas necessidades de iluminação domiciliar, considerando as incidentes restrições econômicas, geográficas e legais. Essas últimas visam impedir os impactos ambientais que a extensão de rede convencional pode provocar nas áreas de conservação ambiental.
O programa ECOWATT, primeira experiência comercial brasileira de eletrificação rural fotovoltaica, foi iniciado em 1997, nos municípios paulistas de Cananéia, Iguape e Iporanga, localizados no Vale do Ribeira. Nesse programa, mais de 60% dos sistemas foram instalados no Parque Estadual da Ilha do Cardoso, nas comunidades de Itacuruçá, e Perequê, localizadas na Baía de Trapandé e nas comunidades de Pontal do Leste, Enseada da Baleia, Vila Rápida e Marujá, no Canal do Ararapira.
No presente artigo, a avaliação da implementação desse programa terá como foco as quatro comunidades do Canal do Ararapira e será denominada de projeto ECOWATT.
O programa desenvolvido pela CESP, hoje ELEKTRO, propunha, como está sintetizado em seu próprio nome, conciliar o atendimento de energia elétrica com a proteção ambiental, atendendo os consumidores que apresentavam baixa renda, pequena demanda de energia e ocupavam áreas de preservação ambiental, o que não justificava elevados investimentos com linhas elétricas convencionais (ZILLES et al., 1997).
A alternativa fotovoltaica foi a escolhida por que não existiam estudos mais aprofundados sobre outras alternativas, como a eólica ou sistemas híbridos, que poderiam atender os diferentes níveis de demanda energética em algumas dessas comunidades, principalmente àquelas com atividades de ecoturismo e pesca comercial.
A configuração dos sistemas fotovoltaicos domiciliares- SFD's, definida na licitação do programa, foi elaborada pela SIEMENS S/A, empresa vencedora, que forneceu os equipamentos e ficou encarregada em promover as instalações (ALMEIDA PRADO & PEREIRA, 1998).
Esse atendimento comercial considerou uma taxa interna de retorno de 10%, ao longo dos 20 anos de vida útil dos módulos fotovoltaicos, e a reposição das baterias a cada quatro anos. Essas variáveis levaram ao cálculo de uma tarifa mensal de aproximadamente US$ 13,00 (1997), regulamentada por um contrato celebrado entre a CESP e cada consumidor (ZILLES & MORANTE, 2000).
No processo de introdução da tecnologia não estava prevista nenhuma participação dos usuários nas etapas de instalação dos sistemas, nenhuma atividade prático-demonstrativa do seu funcionamento, nem mesmo qualquer organização local para gestão e manutenção dos sistemas.
A este respeito, um dos idealizadores do programa comenta que, "considerando a característica socioeconômica da população local, a CESP considerou necessária a confecção de um manual do equipamento redigido em linguagem acessível. Além desse manual também foram oferecidas palestras em condições didáticas à população" (ALMEIDA PRADO & PEREIRA, 1998).
Uma avaliação desse programa, baseada em visitas e estudos técnicos desenvolvidos pelo LSF/IEE-USP, é apresentada por Zilles, Morante e Fedrizzi onde afirmam que, "embora a concessionária tenha criado um programa inovador e com grandes chances de sucesso as observações apresentadas revelam que na hora de implantar o programa, não foram levados em conta uma série de fatores que, sem dúvida, poderiam garantir melhores resultados" (ZILLES et al., 2000 ).
Em março de 2001, a atividade de campo registrou a falência do programa: ninguém pagava a tarifa, a ELEKTRO não tinha fornecido nenhuma assistência técnica e a quantidade de geradores a óleo diesel aumentava a cada dia.
O programa COPEL pode ser caracterizado como uma experiência de eletrificação fotovoltaica totalmente subsidiada. Com as primeiras aplicações da tecnologia fotovoltaica, em comunidades isoladas, realizadas na região do Lagamar paranaense, o que revela as intenções da COPEL no desenvolvimento de um projeto piloto para adquirir experiência e estabelecer padrões de comercialização. Essa aplicação compreendeu seis comunidades caiçaras do município de Guaraqueçaba, assentadas em áreas de proteção ambiental, principalmente no Parque Nacional de Superagüi. O epicentro dessa experiência foi a comunidade da Barra do Ararapira, localizada na divisa com o Estado de São Paulo. Essa é a aplicação avaliada neste trabalho e será denominada de projeto COPEL.
Em 1996, a COPEL, em colaboração com o PRODEEM, instalou na comunidade da Barra do Ararapira um Centro Fotovoltaico de Carga de Bateria - CFCB, de 1.000Wp, para atender 35 famílias. O centro de carga funcionou por quase dois anos, sendo abandonado em favor de sistemas fotovoltaicos domiciliares - SFD's.
Problemas técnicos, financeiros, políticos e socioculturais podem explicar esse insucesso, mas a questão principal, segundo alegam os usuários, estava na quantidade de energia diária disponibilizada por domicílio. O SFD veio resolver essa insatisfação, oferecendo um serviço contínuo, sem os problemas de transporte, freqüência de recargas e custos de tarifas.
Entretanto, a gestão dos SFD's é ainda um desafio para os moradores da Barra do Ararapira. O surgimento da figura de um empresário-gestor, prevista no contexto do CFCB, não logrou os resultados esperados e, a substituição do CFCB pela geração domiciliar não garantiu a autonomia da gestão do usuário, que ainda é dependente da assistência técnica. A solução indicada pela COPEL, capacitando um técnico local, que é pago com contribuição dos moradores, é insuficiente.
O Programa AEDENAT pode ser considerado uma experiência participativa. AEDENAT é a sigla da ação de difusão da tecnologia fotovoltaica desenvolvida no município de Cananéia, com apoio da Cooperação Espanhola2 que, possibilitou o desenvolvimento do Projeto de Eletrificação Fotovoltaica e Dinamização Social, que foi aplicado LSF-IEE/USP, em parceria com o CEPAM3 e a Prefeitura Municipal de Cananéia nas comunidades caiçaras do Retiro e do Varadouro.
Essa aplicação, denominada de projeto AEDENAT, objetivava a satisfação de necessidades de energia elétrica, a partir da tecnologia fotovoltaica, e o auto-gerenciamento dos sistemas elétricos pelas associações comunitárias, como uma estratégia para a (re) construção de uma identidade sociocultural, que assegurasse os meios e instrumentos de uma sociedade sustentável, numa relação harmoniosa entre o homem e a natureza.
As atividades e o cronograma de execução foram desenvolvidos ao longo de nove meses, compreendendo a aquisição, o controle de qualidade e o transporte dos equipamentos; as instalações nas escolas e residências; a constituição das associações de moradores; e a capacitação de uma equipe técnica local de usuários.
O que diferencia esse projeto dos outros, anteriormente descritos, foi a constituição de uma equipe multidisciplinar (engenheiros e cientista social); a realização de estudos prévios sobre a demanda de energia; a caracterização socioeconômica e cultural das comunidades; a construção de uma etnografia aplicada ao contexto da mudança tecnológica; a aplicação das técnicas e dinâmicas do planejamento participativo em todas as etapas de implementação do projeto; a construção de estratégias pedagógicas para a introdução da tecnologia; a constituição de uma poupança comunitária para garantir a reposição de componentes do sistema; a capacitação técnica dos usuários e, a capacitação gerencial das associações.
A tabela I apresenta um quadro-resumo dos principais aspectos dos projetos analisados.
O INSTRUMENTO DE AVALIAÇÃO DA DIFUSÃO
A avaliação da difusão da tecnologia fotovoltaica na região do Lagamar, a partir da análise comparativa dos três projetos descritos, foi desenvolvida a partir de um instrumento de pesquisa, inspirado na metodologia esboçada por Lorenzo (1999), que propõe uma matriz analítica de regras concretas para o desenho e avaliação de projetos de eletrificação rural fotovoltaica.
Esse instrumento, desenhado sob a forma de um questionário e estruturado com oito pontos de inquirição, buscou um conjunto de informações sobre os principais aspectos do processo de difusão, no universo domiciliar. A pesquisa foi realizada em janeiro e março de 2001 e, compreendeu a aplicação de 20 questionários, perfazendo uma amostragem de 70% para o projeto AEDENAT, 13% para o projeto ECOWATT e 6% para o projeto COPEL.
CARACTERIZAÇÃO DOS ENTREVISTADOS
No universo total dos entrevistados, os questionários foram respondidos por 13 homens e 7 mulheres, compreendendo indivíduos na faixa de 20 a 70 anos aproximadamente, sendo 14 entrevistados alfabetizados e 6 analfabetos, em igual proporção por sexo.
A profissão principal, com referência a atividade de maior renda, compreendeu 8 pescadores, 4 aposentados e/ou pensionistas, 3 agricultores, 2 funcionários públicos, 2 donas de casa e um artesão.
CARACTERIZAÇÃO TÉCNICA DOS SFD´S
As diferentes configurações e dimensionamentos dos sistemas fotovoltaicos domiciliares instalados pelos três projetos direcionou análise e avaliação dos aspectos técnicos mais relevantes dos sistemas instalados. A tabela II apresenta detalhes básicos das configurações encontradas.
AVALIAÇÃO DO SFD PELOS USUÁRIOS
A avaliação do sistema energético pelo usuário, inspirada em Lorenzo (1999), já aplicada na avaliação do sistema de iluminação preexistente4, foi ampliada para analisar as três situações de difusão da tecnologia. Aqui, foram percebidos como importantes os atributos como a Facilidade de Uso, a Funcionalidade, a Manutenção, a Segurança, a Salubridade, o Grau de Dispêndio (investimento) e o Grau de Ampliação (capacidade de ampliação do SFD).
Em termos metodológicos, esta avaliação, que tem um enfoque qualitativo, apoiou-se numa adaptação da técnica de análise conjunta5 (KLERING et al., 1998), usada especificamente para compreender como os entrevistados desenvolvem preferências por produtos ou serviços
A análise baseou-se no pressuposto de que os usuários dos SFD's avaliam o valor ou utilidade de produtos ou serviços, reais ou ideais, combinando partes ou frações de utilidades de diferentes atributos. Nessa avaliação a idéia central foi apreender a direção das respectivas preferências, a partir dos comportamentos observados, quando vários atributos são considerados ao mesmo tempo, comparativamente.
Para descobrir as importâncias dos atributos, conferiu-se os níveis de baixa, média e alta para a presença de cada um, nos projetos em análise e, considerando o tamanho da amostra, optou-se por empregar na descrição dos resultados a quantidade de usuários envolvidos nas respostas referentes aos atributos analisados.
As questões apresentadas pelo questionário são reproduzidas no desenvolvimento das avaliações que se seguem:
1 - Comparado ao sistema preexistente, como avalia o SFD, em termos de facilidade de uso (acessibilidade), para a obtenção do serviço de iluminação?
A primeira avaliação do SFD indicou que, em termos de facilidade de uso/acessibilidade, quando comparado ao sistema de iluminação preexistente, esse atributo foi qualificado como importante por todos os usuários, nos três projetos analisados.
2 - Comparado com o sistema preexistente, como avalia o SFD, em termos de funcionalidade (fidelidade), para a obtenção do serviço de iluminação?
A segunda avaliação do SFD indicou que, em termos de desenvolvimento da tecnologia, a sua funcionalidade respondeu satisfatoriamente às expectativas do seus usuários. Entretanto, a situação de média fidelidade, observada no projeto ECOWATT refletiu os problemas registrados no processo de introdução da tecnologia, principalmente, com relação a qualidade dos equipamentos de controle de carga, os efeitos do sobredimensionamento do sistemas e a falta de assistência técnica e de capacitação do usuário.
3 - Considerando esforço do usuário na manutenção do sistema preexistente, como avalia o SFD ?
A terceira avaliação do SFD indicou que, nos projetos ECOWATT e COPEL a avaliação de alta facilidade de manutenção deveu-se às baterias de baixa manutenção instaladas. No projeto AEDENAT, que usa as baterias abertas, registrou-se a necessidade de continuidade da capacitação técnica de alguns usuários6.
4- Considerando que no sistema preexistente a forma de estocagem de energéticos merecia cuidados especiais para evitar acidentes, como avalia o SFD em termos de segurança?
A quarta avaliação do SFD indicou que o fator segurança é fundamental no processo de apropriação da tecnologia de iluminação fotovoltaica e os resultados da pesquisa indicaram, em parte, a satisfação dessa condição.
5- Considerando, por exemplo, o desconforto da fumaça do diesel e querosene, como avalia o SFD em termos de salubridade?
A quinta avaliação indicou que a salubridade é reconhecida pelos usuários como sendo fundamental para sua satisfação. Entretanto, o aumento de insetos, apenas observado nas comunidades do projeto AEDENAT, pode ser explicado pelo padrão de ocupação dessas comunidades que estão localizadas nas imediações de áreas de transição entre mangues, restingas e mata de encosta. São áreas úmidas, geralmente alagadas, o que propicia a reprodução de diferentes espécies de insetos.
No caso das comunidades dos projetos ECOWATT e COPEL, as condições geográficas são outras. Essas comunidades ocupam áreas de transição entre a restingas e vegetação de praias e, geralmente, descaracterizada pela intensa ocupação humana, com a vegetação natural substituída por gramados, plantas ornamentais ou frutíferas. Nesta situação, a menor incidência de insetos como pernilongos, mutucas, moscas e mosquitos parece estar relacionada ao maior uso de inseticidas para o conforto dos moradores e turistas.
6- Considerando os gastos com iluminação no sistema preexistente, como avalia o custo para a manutenção do SFD?
A sexta avaliação indicou que os custos de manutenção, desde que o equipamento básico seja subsidiado, foram considerados baixos por mais da metade dos usuários, nos três projetos analisados. As outras avaliações refletiram situações particulares, e principalmente, o descrédito da tecnologia, no caso do ECOWATT. Em situações normais, a avaliação de baixo custo seria muito maior. Este aspecto do SFD é uma das condições que garante sua aceitação, principalmente por diminuir os gastos mensais com energéticos fósseis e o consumo de pilhas.
7-Considerando os anos de uso do SFD, a forma de subsídio empregada e o tipo de gestão desenvolvida, como avalia sua capacidade - financeira ou de organização - para a ampliação do SFD?
A sétima avaliação indicou que o processo de difusão da tecnologia estruturado sob bases participativas pode garantir o desenvolvimento das capacidades de ampliação dos SFD´s. Na medida em que os usuários compreendem os aspectos básicos da tecnologia, podem aspirar novos usos da eletricidade e planejar ações sustentadas por parcerias, que levem em conta o nível das organizações comunitárias.
Quando o processo de difusão assume aspectos comerciais, onde os usuários são vistos apenas como consumidores, ou quando o processo assume aspectos assistencialistas, como subsídio integral, reforçando lideranças autoritárias, as capacidades de ampliação do SFD são reprimidas, pois a organização dos usuários não encontra condições de desenvolvimento.
PRINCIPAIS PROBLEMAS E SOLUÇÕES
O primeiro problema, presente nos três projetos analisados, refere-se ao controlador de carga, componente eletrônico relacionado ao desempenho da bateria e a garantia de sua durabilidade. Este aparelho tem apresentado alguns problemas técnicos de funcionamento, principalmente pela sua sensibilidade e fragilidade, frente às variações climáticas ou às descargas elétricas. Por isso, vem acompanhado de um fusível que protege seus elementos mais sensíveis, evitando acidentes maiores. A troca do fusível avariado é uma ação simples que deve ser aprendida pelo usuário no programa de capacitação técnica.
O controlador de carga é um aspecto da tecnologia fotovoltaica que ainda está em desenvolvimento e, portanto, necessita de controle da qualidade do produto oferecido no mercado, o que nem sempre é feito pelos implementadores dos projetos. Esse controle que vai além do desempenho técnico do produto, implica na escolha das marcas comerciais que apresentam no seu painel frontal um dispositivo didático adequado à realidade educacional do usuário, já que indica o nível de carga da bateria e, conseqüentemente, o nível de consumo que se pode extrair do SFD.
A experiência tem demonstrado que os recursos didáticos, como as lâmpadas de significados e cores de orientação de transito ou as explicações escritas, não são compreendidos, ou porque as cores das luzes não têm significados referentes no mundo rural, ou porque a maioria dos usuários é analfabeta. Os melhores resultados são obtidos pelas marcas comerciais, que têm inserido, abaixo das lâmpadas de sinalização, um desenho correspondente ao nível da carga sugerida.
O segundo problema técnico refere-se ao funcionamento das luminárias fluorescentes. Aqui, as respostas apresentadas foram agrupadas e o problema foi analisado compreendendo o conjunto de lâmpadas e reatores eletrônicos. O problema está geralmente relacionado à qualidade técnica do reator, dispositivo usado para estabilizar a corrente na descarga. Esse componente eletrônico é muito sensível, sujeito à falhas ou defeitos, e como o controlador de carga, esse produto oferecido no mercado é, muitas vezes, de baixa qualidade, que nem sempre é avaliada pelos implementadores dos projetos.
Outro aspecto crítico, também relacionado ao mercado, é o uso de lâmpadas de 9W PL pelo ECOWATT, que não são encontradas no mercado regional. Esse fato inibe o processo de adoção ou apropriação da tecnologia.
O terceiro problema técnico refere-se exclusivamente às baterias7. Nos projetos AEDENAT e ECOWATT, esse problema foi indicado pela metade dos usuários. No COPEL, não foi um problema citado pelos usuários pesquisados.
No projeto AEDENAT, as respostas obtidas revelaram situações como a compra de baterias com defeito ou descarregadas, o excesso de consumo domiciliar, ou simplesmente, a situação de esgotamento da bateria, após três anos e meio de uso.
No projeto ECOWATT, os problemas estavam relacionados com o excesso de carga e a conseqüente morte prematura das baterias. Essa situação revelou a má qualidade do controlador usado, assim como os efeitos do sobredimensionamento dos sistemas.
No caso do projeto COPEL, que não apresentou problemas com relação às baterias, vale registrar que a capacitação para o uso da bateria ocorreu, muitas vezes, de forma impositiva, quando do funcionamento do Centro Fotovoltaico de Carga de Bateria (CFCB).
Neste contexto, o mau uso (descargas além do nível possível) comprometeu a vida útil das baterias recarregadas, o tempo de uso diminuiu, o gasto aumentou e as contínuas trocas provocou a insatisfação geral, a ponto de levar à falência essa forma de aplicação da tecnologia fotovoltaica. A substituição do CFCB pelos sistemas fotovoltaicos domiciliares (SFD's), não alterou a relação da COPEL com os usuários, que persistiu na forma do subsídio total. Assim, a manutenção da bateria não se apresentou para o usuário como um problema técnico, já que a COPEL sempre pode resolvê-lo, trocando regularmente as baterias.
O segundo momento dessa avaliação tratou das soluções desenvolvidas para resolver os problemas técnicos apontados. No AEDENAT, a assistência do IEE/USP correspondeu a metade das respostas e as soluções desenvolvidas por conta própria à outra metade. Essa assistência compreendeu a solução dos problemas técnicos do controlador de carga, que afetaram os circuitos eletrônicos. Outras situações compreenderam o conserto de luminárias móveis e o abastecimento de lâmpadas e reatores a pedido das associações de moradores, por serem produtos que faltam no mercado regional.
As soluções desenvolvidas por conta própria, no caso do AEDENAT, compreenderam, principalmente, as trocas de baterias inertes e as trocas de reatores e lâmpadas, aspectos já dominados pelos usuários.
No ECOWATT, as soluções e situações apresentadas foram muito diferentes daquelas do AEDENAT. A assistência da CESP/ELEKTRO, indicada por dois usuários compreendeu a troca de reator e fusível, no período de instalação dos SFD´s, e depois nenhuma outra forma de assistência foi oferecida. As soluções por conta própria, realizadas pela metade dos usuários, compreenderam desde a troca de luminárias, lâmpadas, reator e baterias. Alguns usuários recorreram ao serviço de outros para efetuar essas trocas, que nem sempre corresponderam as exigências do SFD.
O que surpreende é o número expressivo de problemas que ficaram sem solução. Neste contexto, o SFD foi desligado ou permaneceu ativo, mas sem produzir o serviço necessário. A validez da amostra indica que 90% dos SFD's instalados pelo projeto ECOWATT, estão abandonados, e o aumento do número de geradores a óleo diesel, registrado na pesquisa de campo, confirmou o fracasso do projeto.
No COPEL, os usuários confirmaram o papel da assistência técnica contínua da empresa, o que garantiu o alto grau de satisfação dos usuários com relação à eficiência do SFD.
AVALIAÇÃO DA CAPACITAÇÃO, PARTICIPAÇÃO E ORGANIZAÇÃO DOS USUÁRIOS
A avaliação da difusão tecnológica é ampliada quando são incluídos outros temas de análise no questionário, visando: a) mensurar o nível de compreensão dos termos e aspectos básicos da tecnologia; b) avaliar o nível de conhecimento referentes aos cuidados e manutenção do SFD; c) apreender o grau de participação dos usuários na implementação do projeto e a auto avaliação desse processo; f) avaliar as formas de gestão desenvolvidas e sua avaliação pelos usuários.
A compreensão8 de termos e aspectos básicos da tecnologia fotovoltaica foi mensurada a partir da atribuição das categorias alta, média, baixa e nenhuma para as respostas apresentadas. Essa mensuração orientou-se pela seguinte graduação: 1- Identifica os componentes do SFD; 2- Compreende a função básica de cada componente; 3- Compreende as relações básicas do funcionamento do sistema; 4- Identifica a polaridade da fiação;
No projeto AEDENAT as avaliações foram diferenciadas. A compreensão foi alta para os domicílios que apresentavam maior número de homens jovens, alfabetizados e conhecedores de mecanismos, como motores de barcos, ou simplesmente homens adultos que freqüentam ou viveram em núcleos urbanos. A metade dos domicílios apresentou uma avaliação média, pois há ainda dificuldades em compreender o funcionamento do SFD e as relações entre alguns componentes do sistema. Neste caso, a capacitação continuada, poderá resolver essa dificuldade.
A baixa compreensão compreendeu aqueles indivíduos que, apesar de identificarem os componentes do sistema, até mesmo identificando alguns problemas técnicos, ainda não absorveram as idéias básicas do sistema. Nestes casos, a capacitação continuada deve ser reforçada para que, no mínimo, consigam perder o medo, fazendo por conta própria uma troca de bateria ou de reator.
No projeto ECOWATT, a falta de atividade de capacitação técnica apresentou um quadro diferente do AEDENAT. Naquele, registrou-se uma única avaliação alta, no caso, o usuário que hospedou o instalador dos SFD's, contratado pela CESP. Essa vivência veio qualifica-lo como um 'técnico' para soluções de problemas mais simples. Os domicílios com nível médio de compreensão caracterizaram-se pela presença de homens jovens e alfabetizados, geralmente vinculados à atividade de pesca onde o contato com os mecanismos dos barcos e com o uso de baterias veio conferir condições para alguma compreensão do SFD. No entanto, a maioria dos domicílios apresentou um nível baixo ou nenhuma compreensão, neste caso encontram-se os usuários idosos e analfabetos.
No projeto COPEL, a avaliação refletiu o resultado do processo de introdução da tecnologia onde um dos usuários foi capacitado e, na sua prática diária, transmitiu informações, que vieram conferir os níveis alto e médio registrados para os domicílios entrevistados.
A capacitação para uso, cuidados e manutenção da tecnologia fotovoltaica foi avaliada a partir da atribuição das categorias bom, regular e insuficiente para as respostas apresentadas. A avaliação orientou-se pela seguinte graduação de capacitação: 1-Identifica o papel do fusível; 2- Identifica a carga da bateria pela orientação das lâmpadas do regulador; 3- Sabe controlar o consumo pelo nível da carga; 4- Sabe trocar a bateria atentando para a fiação (cor e polaridade); 5- Sabe manter o nível de água da bateria 'clássica'; 6- Sabe trocar luminárias, lâmpadas e reator; 7- Sabe montar e desmontar o SFD; 8- Sabe ler o voltímetro e identificar problemas de carga da bateria; 9- Sabe o grau de inclinação do painel, no período de inverno.
O resultado desse questionamento indicou, no AEDENAT, que o nível de capacitação da maioria dos usuários estava entre bom e regular. Esses resultados sugeriram que o processo de capacitação para uso e manutenção do sistema estava ainda em desenvolvimento, mas já apresentava um nível satisfatório, que garantia o desempenho ideal de um SFD. Entretanto, isso não vem dispensar a atividade continuada de capacitação técnica, principalmente porque os níveis regular e insuficiente são ainda expressivos.
Nesta situação, devem ser desenvolvidas novas estratégias pedagógicas que venham complementar a capacitação para uso e manutenção dos SFD's e ampliar o processo de inclusão das mulheres.
No projeto ECOWATT, os resultados indicaram uma situação crítica, já pontuada ao longo dessa avaliação. Havia um único domicílio com nível regular devido o contato com o instalador dos SFD's; os domicílios restantes, a grande maioria, situavam-se num nível insuficiente de capacitação técnica. Esse quadro revelou as falhas do planejador/implementador do projeto, que não cumpriu os compromissos do contrato celebrado, principalmente com relação à capacitação dos usuários.
No projeto COPEL, a avaliação indicou os níveis: bom e regular. A categoria bom refletiu o resultado de um processo diferenciado, o aprendizado de controle de consumo, exigido pela experiência do centro de carga (CFCB) e a capacitação de um usuário, feita pela COPEL, para a manutenção dos SFD's posteriormente instalados. O padrão regular indicou que a capacitação deve ser ampliada e descentralizada, garantindo dessa forma maior responsabilidade do usuário para com a manutenção do SFD.
A avaliação dos aspectos técnicos básicos e da capacitação para o uso e manutenção do SFD revelou, nos projetos analisados, um dos aspectos da metodologia para a introdução da tecnologia, e preparou terreno para o exame de outro lado do processo, que é a participação dos usuários e as formas de gestão do sistema.
A participação9 refere-se a um princípio e a uma estratégia pedagógica desenvolvida no projeto AEDENAT, onde a inclusão dos usuários nas etapas de instalação e implementação dos SFD's é vista como um aspecto básico do processo educativo, imprescindível para otimizar o processo de apropriação da tecnologia.
Na visão dos entrevistados vinculados ao AEDENAT, o grau de participação dos usuários nas etapas de instalação e implementação dos SFD's foi considerada alta pela maior parte e média pela minoria.
Essa avaliação de participação, no contexto dos projetos ECOWATT e COPEL, apresentou um resultado geral de baixa participação. Isso revelou, no caso ECOWATT, a falta de atividade de capacitação técnica, substituída pela distribuição de um manual técnico, e, no caso do COPEL, a opção de capacitar apenas um membro da comunidade, visando a formação de um 'empresário' para a gestão da energia elétrica.
A avaliação da gestão dos SFD's, buscou identificar os tipos de organizações desenvolvidas ou potencializadas para a gestão da inovação e conhecer as avaliações dos usuários sobre essas (re)organizações locais.
No AEDENAT, a formação de uma organização local para a gestão dos SFD's, precondição para a obtenção dos equipamentos e para garantir a sustentabilidade do projeto, despertou as capacidades locais, imprimiu uma nova identidade nas comunidades envolvidas e um novo papel no contexto das suas relações com o mundo urbano. Quando inquiridos sobre o grau de importância da associação de moradores, para a implementação do projeto e para a gestão dos SFD's, as respostas foram unânimes para sua alta importância.
Essa avaliação sustenta-se na eficácia e funcionalidade do sistema, mesmo considerando-se as questões que levaram à suspensão temporária da associação do Retiro ou as dificuldades presentes no Varadouro. O amadurecimento e a solidificação dessas associações é ainda um processo em desenvolvimento que depende das soluções criativas dos associados, frente às divergências locais.
No ECOWATT, a situação foi diferente. Não foi formada nenhuma organização para auxiliar o processo de adoção da tecnologia e gestão dos SFD's. Aliás, a organização comunitária existente, a AMICARD - Associação dos Moradores da Ilha do Cardoso, foi desmobilizada no inicio da implementação dos SFD's pela interferência de moradores não tradicionais, que exploram o turismo local. Entretanto, o resultado da inquirição indicou que mais da metade dos usuários reconheceu que é alto o grau de importância de uma organização, para a implementação e gestão do sistema.
No COPEL, a associação comunitária, existente desde 1985, foi reconhecida pelos entrevistados como de alta importância para a concretização do processo de implementação e gestão dos SFD's. A associação, personificada pelo seu presidente, negociou com a COPEL a inclusão da Barra do Ararapira no programa de difusão da tecnologia fotovoltaica, que abrangeu também outras comunidades paranaenses da região do Lagamar.
Neste contexto, negociou as condições de subsídios dos projetos de eletrificação e acompanhou a gestão do centro de cargas (CFCB). Com o abandono dessa experiência, assumiu a gestão dos SFD's instalados, responsabilizando-se pela cobrança das mensalidades para o pagamento do técnico local, o interlocutor local junto a COPEL para a reposição de componentes do sistema.
AVALIAÇÃO DA GESTÃO DOS USUÁRIOS
Nesta avaliação, foram examinados, com mais profundidade, a manutenção e a gestão dos SFD's. Avaliou-se a capacitação dos usuários nas ações básicas, como trocar lâmpadas, consertar fiação, trocar reatores, abastecer as baterias com água, trocar baterias e suas condições econômicas para o pagamento de mensalidades, de empréstimos ou taxas de manutenção, estipuladas pelas formas de gestão dos SFD's.
O questionamento de cada um desses aspectos foi feito a partir da identificação do grau de dificuldade para a realização da ação e das soluções desenvolvidas pelo usuário.
No projeto AEDENAT, o maior nível de dificuldade foi encontrado nas ações de troca de reatores e baterias. Essa observação indica a necessidade de novas ações demonstrativas e práticas de capacitação.
No ECOWATT, o nível de dificuldade foi considerado alto em todas as ações de manutenção técnica. Essa situação decorre da falta de capacitação e sugere ações imediatas para a superação dessas dificuldades.
Quanto ao COPEL, não foi revelada nenhuma dificuldade para as ações analisadas. Essa situação indica uma capacitação técnica adquirida na prática, principalmente quando do funcionamento do centro de carga (CFCB) e a assistência contínua do técnico local.
Analisando o pagamento de mensalidades ou taxas, as respostas indicaram que, no projeto AEDENAT, o baixo nível de renda não pode explicar as dificuldades apresentadas, mas sim que o fluxo dessa renda era problemático. Na comunidade do Retiro, essa capacidade de pagamento dependia das condições de pesca, principalmente no inverno, quando é pouco produtiva. No caso do Varadouro, o fluxo de renda dependia da exploração do palmito, cada vez mais escasso, devido a falta de qualquer manejo. Nestes dois casos, o acúmulo de mensalidades, negociado com a Associação, foi a solução encontrada.
No contexto do ECOWATT, apesar de sustarem o pagamento das mensalidades definidas pelo contrato com a CESP/ELEKTRO, as dificuldades apresentadas foram aquelas dependentes das condições de pesca. O atraso no pagamento da taxa de consumo foi a solução encontrada por uma pequena parcela da população.
No projeto COPEL, o pagamento mensal de R$1,00 não se qualificou com uma dificuldade para os usuários pesquisados.
ASPIRAÇÕES DOS USUÁRIOS PARA NOVOS USOS FINAIS
O objetivo desse levantamento foi identificar, no atual estágio da introdução da tecnologia fotovoltaica, as aspirações individuais ou coletivas na ampliação dos usos da eletricidade. Os resultados apresentados refletiram desejos variados que vêm, em sua maior parte, satisfazer as necessidades de conforto, lazer e, principalmente, para aumentar a produção local.
No projeto AEDENAT, chamou a atenção a televisão, o liquidificador e o ferro elétrico, nos domicílios, e a necessidade comunitária de um rádio comunicador VHF.
Nos projetos ECOWATT e COPEL, a análise apresentou, no âmbito doméstico, um grande interesse pelas geladeiras. Essa aspiração refletiu as necessidades para a conservação de pescado, para consumo domiciliar ou venda aos turistas.
A refrigeração do pescado para o comércio, principal atividade econômica das comunidades do Canal do Ararapira, é ainda dependente da compra de gelo em Cananéia, e a experiência de aplicação da tecnologia fotovoltaica, na Barra do Ararapira, ainda não apresentou resultados satisfatórios.
PROPOSTAS DOS USUÁRIOS
O último questionamento tratou das sugestões dos usuários para ampliar o grau de satisfação com os serviços oferecidos pelos sistemas fotovoltaicos domiciliares.
No projeto AEDENAT, a continuidade da capacitação técnica foi a sugestão, indicada pela metade dos usuários. Outros indicaram a ampliação dos SFD's e a instalação de uma televisão comunitária.
No ECOWATT, a sugestão majoritária revelou à necessidade de assistência técnica da ELEKTRO. Uma minoria cobrou um papel mais ativo do Comitê de Gestão do Parque da Ilha do Cardoso.
No COPEL, as sugestões foram atribuídas à ampliação dos SFD's e financiamento para a compra de conversores necessários para usufruir de outros usos finais da eletricidade. Isso indicou que a forma de introdução da tecnologia foi considerada satisfatória pelos usuários, tanto que não manifestaram a necessidade de capacitação técnica.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O instrumento desenvolvido para a avaliação da difusão dos sistemas fotovoltaicos domiciliares na região do Lagamar possibilitou uma primeira caracterização do processo de difusão tecnológica a partir do ponto de vista do usuário. Nesta perspectiva, tornou-se possível compreender o processo de construção do grau de satisfação do usuário nos diferentes projetos analisados e, através dessa análise, identificar as principais questões metodológicas da implementação de um projeto de mudança tecnológica em comunidades tradicionais.
Concomitantemente, a aplicação desse instrumento, possibilitou uma análise comparativa dos três projetos quanto aos princípios éticos da ação de mudança sociocultural e estratégias pedagógicas desenvolvidas para a introdução da tecnologia fotovoltaica. Essa forma de avaliação proporcionou uma visão do processo de difusão da tecnologia fotovoltaica até então ausente na literatura. O mérito dessa análise multidisciplinar está, portanto, em apresentar aqueles aspectos críticos de um projeto de aplicação, muitas vezes menosprezados pelo agente da difusão, mas que podem produzir resistências inconciliáveis a ponto de levar ao fracasso do projeto e, desta forma, ao descrédito da tecnologia.
As lições apreendidas descritas na apresentação da aplicação do instrumento, apontam para os aspectos da capacitação técnica dos usuários e as formas de gestão dos sistemas, que levando em conta as características singulares das populações envolvidas, podem substancialmente orientar os futuros programas e projetos de difusão fotovoltaica. Neste sentido, o instrumental antropológico aplicado vem garantir um processo menos impactante ao potencializar positivamente alguns aspectos da mudança tecnológica e, assim, ampliar o grau de sustentabilidade da ação, uma vez que são consideradas as questões socioculturais que geralmente escapam ao controle do técnico da implementação.
Por último, as referências obtidas com a aplicação do instrumento de avaliação, se ampliadas com outras observações de campo, fornecerão as bases para a análise das três experiências de difusão enquanto ações inovadoras de políticas públicas de eletrificação fotovoltaica de comunidades rurais tradicionais isoladas.
REFERÊNCIAS
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1 Tese de Doutorado defendida em 2001 junto ao Programa Interunidades de Pós-Graduação em Energia do Instituto de Eletrotécnica e Energia da Universidade de São Paulo.
2 A Cooperação Espanhola compreendeu os recursos financeiros disponibilizados pela Entidade Riojana Ambientalista - ERA, vinculada à Associação Espanhola de Defesa da Natureza - AEDENAT, como também os recursos técnicos do instituto de Energia Solar - IES, da Universidade Politécnica de Madri -UPM.
3 CEPAM : Centro de Estudos e Pesquisas em Administração Municipal, Fundação Pública vinculada a Secretaria Estadual de Economia e Planejamento.
4 Na descrição etnográfica das comunidades do Retiro e Varadouro (SERPA, 2001), a avaliação do sistema de iluminação preexistente, feita pelos usuários, foi inspirada nos atributos sugeridos por Lorenzo (1999).
5 Para Klering et al. (1998), a análise conjunta é uma técnica estatística que possui vantagens em relação a outras técnicas tradicionais, como a escala de Likert. Naquela, o entrevistado atribui valores, dentre as opções de uma escala discreta, intervalar e paramétrica, que vai de um valor mínimo, a pior situação ou opção, até um máximo, a melhor situação. Ao responder, focaliza somente uma questão ou atributo específico, sem se preocupar em compará-lo com os outros. Resultam daí dificuldades para efetivamente mensurar a real importância do atributo, que faz parte de um conjunto de características de produtos e serviços.
6 A capacitação continuada é uma estratégia pedagógica que o projeto AEDENAT tem desenvolvido, como mais intensidade nos primeiros anos de implantação dos SFD e, esporadicamente, quando das visitas técnicas trimensais. A capacitação foi reforçada logo que se completou três anos e meio de uso, e iniciada a reposição. Neste período, foram revistos os aspectos básicos da manutenção, com destaque para as baterias e estímulo para maior participação das mulheres.
7 As diferentes marcas comerciais e os diferentes tipos de baterias, clássica, alterada ou de baixa manutenção, não representam aspectos técnicos que podem criar problemas no funcionamento do SFD, se a capacitação do usuário for satisfatória. No mais, essas diferenças representam, apenas pontos de vista técnicos distintos.
8 A compreensão foi avaliada levando em conta a resposta do inquirido e o grau de compreensão de todos os moradores do domicílio, presentes ou não no momento da pesquisa.
9 A participação avaliada significa mais que "tomar parte", compreende o processo educativo denominado, por Paulo Freire (1982), de comunicação verdadeira, onde o ato de apreender não se limita a uma transmissão de conhecimento de um sujeito para outro, mas na sua co-participação no ato de compreender a significação do significado.