An. 4. Enc. Energ. Meio Rural 2002
Bombas de fluxo operando como turbinas - procedimento de seleção
Augusto Nelson Carvalho VianaI; Fabio José Horta NogueiraII
ICurso de Engenharia Hídrica - Universidade Federal de Itajubá - UNIFEI. Avenida BPS, 1303 - Pinheirinho - CEP: 37500-903 - Itajubá - MG. augusto@iem.efei.br
IICurso de Engenharia Hídrica - Universidade Federal de Itajubá - UNIFEI. Avenida BPS, 1303 - Pinheirinho - CEP: 37500-903 - Itajubá - MG. fabioh@efei.br
RESUMO
Este trabalho apresenta o comportamento da bomba centrífuga operando como bomba e como turbina e mostra as vantagens da operação desse tipo de bomba em reverso como turbina hidráulicas. Coeficientes experimentais são apresentados para a correção da altura e vazão da bomba como turbina em função das condições da bomba funcionando como bomba. Propõe-se uma metodologia de seleção da bomba para operar como turbina e utiliza-se um exemplo de escolha da bomba, baseado em dados de um aproveitamento hidráulico no meio rural menor que 50kw de potência.
INTRODUÇÃO
Países como EUA, Alemanha e França vem utilizando as bombas hidráulicas de fluxo desde as centrífugas de vários estágios, de um estágio, mistas, até as axiais, em reverso como turbinas, substituindo as turbinas Pelton, Hélice e Francis, para gerar energia em pequenos recursos hidroenergéticos. A razão disso é devido ao bom funcionamento das bombas como turbinas e seus baixos custos se comparadas com as turbinas convencionais para mesma potência.
Com a inversão do fluxo e conseqüente inversão do sentido de rotação, a bomba funcionando como turbina (BFT), para manter praticamente o mesmo rendimento, opera com uma altura e vazão maiores do que as da bomba original. Esses aumentos variam de máquina para máquina, o que dificulta a seleção da bomba para funcionar como turbina, partindo-se da altura e vazão disponíveis em uma propriedade rural.
O Laboratório Hidromecânico para Pequenas Centrais Hidrelétricas da Escola Federal de Engenharia de Itajubá (LHPCH - EFEI) desenvolveu pesquisas sobre as bombas funcionando como turbinas de 1987 a 1990. Os trabalhos de Viana (1987) e Viana e Nogueira (1990) testaram duas bombas centrífugas operando como turbinas e obtiveram coeficientes de altura e vazão. Com os coeficientes, a seleção da bomba para operar com turbina fica facilitada.
Este artigo apresenta as vantagens da operação de bombas centrífugas operarem como turbinas e dá uma idéia de como selecioná-la a partir da vazão e altura de queda líquida disponíveis em uma propriedade rural, limitando-se à potência em 50 [kW].
A OPERAÇÃO DA BOMBA CENTRÍFUGA COMO BOMBA E COMO TURBINA
Para que a bomba centrífuga funcione como turbina, o sentido do fluxo de escoamento de água se inverterá e, conseqüentemente, haverá a inversão no sentido de rotação. A figura 1 ilustra uma bomba centrífuga funcionando como bomba e como turbina, bem como suas partes principais.
No caso do funcionamento como bomba (figura 1a), o líquido entra na sucção à baixa pressão, transforma energia de velocidade em pressão através do rotor e sai pela descarga. No funcionamento como turbina (figura 1b), o líquido entra com energia de pressão, aciona o rotor em reverso e sai com baixa pressão.
COMPARAÇÃO DA BOMBA E DA BFT
Através de resultados experimentais a figura 2 fornece as curvas de altura, potência de eixo e rendimento total versus vazão de uma bomba típica e sua aplicação como BFT, na mesma rotação.
Note que a vazão e a altura da BFT são maiores do que os valores correspondentes da bomba no máximo rendimento, resultando uma potência de eixo maior para BFT.
Com o aumento de vazão e de altura para as BFTs pode-se definir os seguintes coeficientes:
Coeficiente de vazão:
Coeficiente de altura:
Essas relações variam de bomba para bomba e são funções da rotação específica (Viana,1987).
A rotação específica no sistema internacional é dada por:
COEFICIENTES EXPERIMENTAIS
Para selecionar uma bomba correta para funcionar como turbina, o ideal é o fabricante ter os resultados experimentais como bomba e como turbina, da linha padrão de fabricação. Os fabricantes possuem em seus catálogos resultados como bombas de fabricação seriada. Como no Brasil isto não ocorre, Viana e Nogueira (1990), baseados em resultados experimentais obtidos em duas bombas da fabricação nacional e retirados dos trabalhos de Kittredge (1961) e Buse (1981), levantaram os coeficientes de vazão kq e altura ka em função da rotação específica nqA da BFT na faixa de 40 a 200, como mostra a figura 3.
- Dados: Ht [m] e Q [m3/s] ⇒ Altura de queda e vazão obtidas no aproveitamento.
- Rotação específica:
Calcula-se nqA com nt = 3600 [rpm] = 60 [rps] e nt = 1800 [rpm] = 30 [rps]. Caso resulte pelo menos um dos nqA dentro do intervalo de 40 < nqA < 200, escolhem-se nqA e nt correspondentes a rotação de turbina.
- Determinação da altura e vazão da bomba Hb e Qb:
Na figura 3, com nqA, determinam-se ka e kq, obtendo-se Hb = ka.Ht e Qb = kq.Qt.
- Seleção da bomba: nos catálogos de fabricantes de bombas, com Hb, Qb e nb = nt, escolhe-se a bomba que irá operar como turbina, retirando-se o seu rendimento, que será o mesmo como turbina, ηb = ηt .
- Determinação da potência do gerador Pel: Pel = 9,81 . Qt . Ht . ηt . ηg . ηac [kW].
Onde ηg é o rendimento do gerador e ηac é o rendimento da transmissão ou do acoplamento, que poderá ser 100% se for direto.
- Determinação da altura geométrica de sucção Hs:
A equação para turbinas Francis (Souza - 1983) fornece uma boa estimativa no sentido da prevenção da cavitação para BFT. Assim determina-se Hs, que é a distância vertical entre o centro do eixo da BFT e o nível mínimo da água no canal de fuga.
Hb - altura barométrica
A - altitude local em metros
σ - coeficiente de cavitação
VERIFICAÇÕES A SEREM REALIZADAS
- Como no caso da BFT, a altura é aumentada, deve-se verificar se a carcaça suporta a nova pressão. A máxima pressão na BFT não deve exceder a uma e meia vezes com o registro fechado da bomba original.
- Verificar a rotação máxima ou de disparo da BFT. A BFT pode alcançar : nd = 1,6.nb, (Viana, 1987).
- Como o resultado do aumento de pressão e vazão deve ser limitado, a potência que pode ser seguramente manipulada pelo eixo, mancais e acoplamento. Deve-se verificar a solicitação do eixo com a seguinte relação:
Onde τ [N/m2] tensão máxima aplicada ao eixo; n [rps] é a rotação; d [m] é o diâmetro do eixo; Pe [W] é a potência de eixo. Deve-se ter: τ ' τadm (tensão admissível tabelada em função do material do eixo).
- No caso de bomba, em que o rotor é fixado com parafusos ou cubo de fixação, o sentido da rosca é contrário ao sentido de rotação. Como na BFT o sentido de rotação é invertido, deve-se verificar se as roscas necessitam de pinagem ou chavetamento.
MODIFICAÇÃO PROVIDÊNCIAS A SEREM REALIZADAS
- Como a unidade BFT não possui um sistema de pás diretrizes para controlar a vazão, deve ser providenciada uma válvula borboleta na entrada da BFT, para funcionar e parar a unidade.
- Deve ser providenciada, na saída da BFT, uma curva de raio longo, para diminuir a perda de carga na linha de sucção.
- Para melhorar o rendimento da BFT, deve-se providenciar um tubo de sucção ligeiramente divergente na saída da BFT, possibilitando a recuperação da maior parte do gradiente de velocidade da água. A figura 4 apresenta uma sugestão de um arranjo típico de BFT.
GERADOR E CONTROLE DE ROTAÇÃO
Para geração de energia em microaproveitamentos em sistemas isolados, deve-se utilizar geradores síncronos. Os geradores nacionais com rotação de 1800 [rpm] para potências inferiores a 50 KW, alimentando circuitos trifásicos têm rendimentos de 75 [%] a 90 [%].
No caso do controle da rotação, para esse tipo de aproveitamento que se deseja ter um custo reduzido, a melhor maneira é operar com válvula de entrada totalmente aberta, fornecendo a máxima energia hidráulica e a regulagem do sistema sendo feita através de um regulador de carga. O trabalho de Viana e outros (1990) apresenta uma proposta de um regulador de carga simples e de baixo custo, que mantém a energia elétrica constante, utilizando em função da curva de carga da propriedade rural a energia excedente para outros fins agrícolas como secagem de grãos, aquecimento de água, entre outros. Neste regulador, são usados circuitos eletrônicos de controle para manter a freqüência e tensão constantes e também a rotação do grupo.
EXEMPLO DE APLICAÇÃO
Seja um aproveitamento com as seguintes características:
Vazão de projeto: 0,10 m3/s
Altura de queda: 25 m
Quais as características da bomba que deve ser escolhida para operar como turbina nas condições acima?
Primeiramente calculamos o nqa do aproveitamento adotando-se rotações de 3600 e de 1800 rpm.
Usando-se (3) temos para 3600 rpm:
E para 1800 rpm:
Como apenas o nqA para rotação de 1800 rpm se encontra entre 40 e 200, essa deverá ser a rotação adotada para a operação da BFT.
O próximo passo será determinar pelo gráfico da figura 3 os coeficientes ka e kq, em função do nqA determinado. Nesse caso:
Desse modo podemos calcular os valores para a o equipamento operando como bomba:
Verificando-se nos catálogos dos fabricantes cujas bombas foram ensaiadas podemos selecionar o equipamento adequado, nesse caso um modelo 125x25, com rendimento aproximado de 78% nesse ponto.
O gerador que deverá ser utilizado será de:
Adotou-se rendimento do gerador igual a 86% e do acoplamento igual 100%, supondo-se que esse fosse direto. Dessa forma a potência do gerador é:
Conforme recomendado, deve-se verificar se a carcaça do equipamento selecionado suporta a sobre-pressão como turbina, se o eixo está bem dimensionado (equação 5) e se não é necessário um sistema adicional para fixação do rotor ao eixo.
Também deverá ser observado se a altura de sucção não ultrapassa o máximo recomendado pela equação 4.
CONCLUSÕES
A operação da bomba em reverso como turbina é real e plausível pois, além do baixo custo, a mesma tem um bom funcionamento como turbina.
A seleção da bomba para funcionar como turbina é uma aproximação, baseada em resultados experimentais de 4 bombas centrífugas. Novos testes em bombas de rotações específicas diferentes deverão ser realizados, principalmente em bombas tipo hélice, ou seja, atendendo baixas quedas.
REFERÊNCIAS
[1] VIANA, A.N.C; Comportamento de Bombas Centrífugas Funcionando como Turbinas Hidráulicas. Dissertação de Mestrado. EFEI. Itajubá/MG. Dez./1987. 95 pp.
[2] VIANA, A.N.C.; Nogueira, F. J. H.; Bombas Centrífugas Funcionando como Turbinas. Trabalho de pesquisa. Departamento de Mecânica. EFEI. Itajubá/MG. Março/1990.
[3] BUSE, F.; Using Centrifugal Pumps Hydraulic Turbines. Chemical Engineering. January/1981. pp. 113-117
[4] KITTREDGE, C.P.; Centrifugal Pumps Used a Hydraulic Turbines. Journal of Engineering for Power. Trans. ASME. January/1961. pp. 74-78.
[5] Souza, Z., FUCHS, R.D., SANTOS, A. H. M.; Centrais Hidro e Termelétricas. Edgard Blücher Ltda. São Paulo/SP.1983.
[6] VIANA, A. N. C., BERNARDES, D.F., RODRIGUES, J.C.G.; Reguladores de Velocidades para Microturbinas Hidráulicas. Anais do V Seminário de Pesquisa da EFEI. 22 a 26 de outubro de 1990. pp. 166-168.