4, v.1Eletrificação rural fotovoltaica domiciliar no Brasil: uma proposta para implementação e operação considerando a universalização eqüitativa do atendimentoEnergia da gaseificação de biomassa como opção energética de desenvolvimento limpo author indexsubject indexsearch form
Home Pagealphabetic event listing  





An. 4. Enc. Energ. Meio Rural 2002

 

Eletrificação rural: um levantamento da legislação

 

 

Rodolfo Dourado Maia GomesI; Gilberto De Martino JannuzziII

IUniversidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Departamento de Energia (DE) da Faculdade de Engenharia Mecânica (FEM) C.P.: 6122. Campinas, SP, Brasil. CEP: 13083-970. E-mail: dourado@fem.unicamp.br
IIUniversidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Departamento de Energia (DE) da Faculdade de Engenharia Mecânica (FEM) C.P.: 6122. Campinas, SP, Brasil. CEP: 13083-970. E-mail: jannuzzi@fem.unicamp.br

 

 


RESUMO

A separação entre poder concedente, regulador e operador de serviços de utilidade pública, através do processo de privatização das empresas estatais, introduz demandas inéditas para os formuladores de política econômica. Em particular, o desenho de tarifas e a alocação de investimentos, se efetuados pelas firmas privadas concessionárias dos serviços, passam a atender ao objetivo de maximização dos lucros, diferentemente dos objetivos sociais. Desta maneira, o papel das agências reguladoras, como no caso da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), é o de zelar pelo atendimento das demandas sociais pelos agentes privados e, ao mesmo tempo, promover um mercado competitivo e eficiente. Para o caso do setor elétrico, a ANEEL contaria, então, com o apoio da legislação vigente para os regimes de concessão de serviços públicos de eletricidade para fiscalizar, cobrar e garantir a universalização do acesso a esse serviço. Esta foi a inspiração para este trabalho, que é o de procurar responder se o homem do campo está amparado na forma de legislação para receber o serviço público de energia elétrica.

Palavras chaves: Eletrificação rural; regulação; serviço essencial


ABSTRACT

The separation of the public services' conceding, regulating and operating power, through the state utilities privatization process, introduces unprecedented demands to the economic policy makers. In particular, the tariffs formulation and the investments allocation, if made by the investor-owned utilities, seek to maximize their profits, instead of social objectives. Therefore, the regulatory agencies' role, as is the case of the Brazilian Electricity Regulatory Agency (ANEEL), is to watch over the achievement of social demands by the private agents and, at the same time, to promote a competitive and efficient electricity market. For the Brazilian electric sector, ANEEL could make use of the existing legislation related to the concession of electricity public services to oversee, charge and guarantee the access of this service to all. This was the inspiration to this work, which is to answer if the people who live in Brazilian rural areas are supported by the legislation in order to access electricity services.


 

 

1. INTRODUÇÃO

O consumidor rural está protegido legalmente para ver atendida a sua necessidade de eletricidade?

O presente trabalho busca levantar a legislação vigente referente à eletrificação rural para fins informativos do leitor buscando responder a essa pergunta, porém sem entrar na difícil questão jurídica da sua interpretação. Interpretar está além do escopo deste trabalho, que terá cumprido a sua missão ao suscitar discussões sobre o tema, inclusive críticas e sugestões serão sempre bem-vindas para o seu contínuo aperfeiçoamento.

Em momento como esse em que o setor elétrico está sendo reestruturado para torná-lo mais competitivo e eficiente, e ao mesmo tempo procurando garantir com que as demandas sociais sejam atendidas, tem-se a necessidade de suscitar questões ainda não resolvidas, que é o baixo índice de eletrificação rural do Brasil, com a garantia legal para atendimento desse segmento marginalizado que é o meio rural.

O presente artigo é uma breve referência aos resultados obtidos em Gomes & Jannuzzi (2001), que procurou levantar a legislação pertinente a eletrificação rural a fim de responder a questão colocada no início, realizando compilação dos principais dispositivos legais vigentes e em trâmite referentes ao tema.

As leis, decretos, resoluções e demais instrumentos legais utilizados em Gomes & Jannuzzi (2001) encontram-se atualizados até 30 de agosto de 2000. Excetua-se dessa situação a Resolução ANEEL nº 456, de 20 de novembro de 2000. No entanto, como recentemente foi aprovada a Lei nº 10.438, de 26 de abril de 2002, onde, dentre outras disposições, trata do estabelecimento de metas de universalização do atendimento por parte das concessionárias ou permissionárias, este dispositivo é acrescentado neste artigo sem, no entanto, comprometer a análise histórica do tema eletrificação rural sob o ponto de vista da legislação e, ao mesmo tempo, atualizando o trabalho anteriormente elaborado.

Uma vez estabelecido o período utilizado da legislação, organizou-se o trabalho em vários itens, sendo eles: atividades essenciais, direitos e deveres, programas e políticas, estrutura tarifária, regularização das cooperativas de eletrificação rural e financiamento. A divisão tem por finalidade responder à pergunta-objetivo de todo o trabalho, uma vez que parte da resposta encontra-se em cada um desses itens.

Devido à extensão da análise, preferimos compilar as informações principais referentes à eletrificação rural na forma da Tabela abaixo, dando uma idéia geral da legislação, e resumir seus pontos nos itens que se seguem. Uma análise mais detalhada encontra-se em Gomes & Jannuzzi (2001).

 

2. LEVANTAMENTO DA LEGISLAÇÃO ATUAL

2.1. ATIVIDADES ESSENCIAIS

O acesso à eletricidade é considerado uma atividade, ou serviço, essencial? Duas leis nos garantem que sim: a Lei nº 7.783/89 e a Lei nº 8.171/91.

A Lei nº 7.783, de 28 de junho de 1989, conhecida como lei da greve, define como sendo serviços ou atividades essenciais a produção e distribuição de energia elétrica, gás e combustíveis, dentre outras.

A Lei nº 8.171, de 17 de janeiro de 1991, dispõe sobre a Política Agrícola, na qual "fixa os fundamentos, define os objetivos e as competências institucionais, prevê os recursos e estabelece as ações e instrumentos da política agrícola, relativamente às atividades agropecuárias, agro-industriais e de planejamento das atividades pesqueira e florestal" (Art. 1º).

Em relação aos serviços ou atividades essenciais, estabelece, em seu artigo 2º, que a política agrícola fundamenta-se em vários pressupostos, onde um deles (inciso VI), afirma que o "processo de desenvolvimento agrícola deve proporcionar ao homem do campo acesso aos serviços essenciais: saúde, educação, segurança pública, transporte, eletrificação, comunicação, habitação, saneamento, lazer e outros bens-físicos sociais". Portanto, esta lei estabelece a eletrificação rural como sendo um serviço essencial.

2.2. DIREITOS E DEVERES

2.2.1 CONSTITUIÇÃO FEDERAL

Uma vez disposta como serviços ou atividades essenciais a produção e distribuição de energia elétrica, é obrigação do Poder Público, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, a prestação de serviços públicos, conforme expressa o artigo 175 da Constituição brasileira. E esses serviços deverão ser, obrigatoriamente, prestados de forma adequada. Portanto, é obrigação do Estado, diretamente ou sob concessão, a prestação do serviço público de energia elétrica de forma adequada.

Já a regulamentação do artigo constitucional n° 175 e do que vem a ser prestação de serviço adequado foi dada pela Lei nº 8.987/95, conhecida como a lei das concessões, uma vez que regulamenta as concessões e permissões de serviços públicos de energia elétrica, como mais adiante será mostrado.

Porém, existe diferença entre prestação e fornecimento de serviços públicos. Pasqualoto (1992), citado por França et al. (2000), afirma que "a prestação propriamente dita refere-se à manutenção do serviço em adequado funcionamento, atendendo-se às necessidades dos usuários/consumidores". Já o fornecimento "tange à extensão de um serviço a usuários que dele ainda não dispunham".

Em relação à política agrícola, a própria Constituição, em seu artigo 187, afirma que elas serão planejadas e executadas levando-se em consideração, dentre outras, a eletrificação rural e irrigação (inciso VII). Portanto, o acesso à eletricidade será contemplado pela política agrícola do Governo.

2.2.2. LEI Nº 4.504, DE 30 DE NOVEMBRO DE 1964

Conhecida como Estatuto da Terra, esta lei "regula os direitos e obrigações concernentes aos bens imóveis rurais, para os fins de execução da Reforma Agrária e promoção da Política Agrícola".

Afirma que serão mobilizadas a eletrificação rural e a infra-estrutura básica, entre outros meios, dentro das diretrizes fixadas para a política de desenvolvimento rural (Art. 73, Inciso IX). E estabelece, no seu parágrafo primeiro, que a eletrificação rural, incluindo todos os outros meios descritos no artigo, deverá ser utilizada para "dar plena capacitação do agricultor e sua família", "garantindo sua integração social e ativa participação no processo de desenvolvimento rural". Portanto, a eletrificação rural é um dos meios que, conjuntamente com outros, assegura a plena capacitação do agricultor e sua família, integrando-o socialmente e tornando-o parte do desenvolvimento rural.

Em relação aos planos nacional e regional de Reforma Agrária, é obrigatório para o seu sucesso instituir a eletrificação rural e obras de infra-estrutura indispensáveis (Art. 89).

E como forma de incentivar as cooperativas de eletrificação rural, estabelece três dispositivos. Um deles (Art. 90) estabelece que os órgãos públicos federais ou estaduais, definidos na lei, devem promover a expansão da eletrificação rural, "na medida de suas disponibilidades técnicas e financeiras", exclusivamente através das cooperativas de eletrificação rural. Outro estabelece que os "consumidores rurais de energia elétrica distribuída através de cooperativa de eletrificação e industrialização rural ficarão isentos do respectivo empréstimo compulsório" (parágrafo 2º, Art. 90), ou seja, não arcarão com o ônus da ligação elétrica. E, finalmente, a lei estabelece que os "projetos de eletrificação rural feitos pelas cooperativas rurais terão prioridade nos financiamentos e poderão receber auxílio do Governo Federal, estadual e municipal" (parágrafo 3º, Art. 90).

Ainda no que diz respeito ao artigo 90, o seu parágrafo primeiro ressalta que caberá aos órgãos públicos federais e estaduais a responsabilidade de orientar, planificar, executar e fiscalizar as obras de melhoria da infra-estrutura do sistema elétrico destinado à população rural.

O órgão atualmente responsável pelas atribuições do Estatuto da Terra é o Ministério da Agricultura, através da Lei nº 7.231, de 23 de outubro de 1984. Esta Lei transferiu a competência do INCRA para o Ministério da Agricultura. E, assim, os seus artigos 1º e 2º passam para a competência do Ministério da Agricultura as atividades relacionadas com o desenvolvimento rural no campo do cooperativismo, associativismo rural e eletrificação rural (Art. 1º) e a fiscalização e o controle das sociedades cooperativas, de que trata a Lei nº 5.764, de 16 de dezembro de 1971, bem como as atribuições de extensão rural e eletrificação rural, a cargo do INCRA (Art. 2º). Então, observa-se que cabe ao hoje denominado Ministério da Agricultura e Abastecimento a responsabilidade sobre a eletrificação rural.

2.2.3. LEI Nº 8.171, DE 17 DE JANEIRO DE 1991.

Esta lei, que especificou a eletrificação rural como um serviço essencial, dispõe sobre a Política Agrícola.

As políticas agrícolas devem proporcionar ao homem do campo o acesso à eletricidade. Porém, essa lei abrange a questão da eletricidade no meio rural quando conceitua energização rural e agroenergia. Estas são entendidas como "a produção e utilização de insumos energéticos relevantes à produção e produtividade agrícola e ao bem-estar social dos agricultores e trabalhadores rurais" (Art. 93, parágrafo 2º). Note que a eletrificação e a energia foram consideradas como um meio que proporciona o bem-estar social ao homem do campo.

Tendo isto em mente, quem será o responsável por levar a energia para o meio rural? O artigo 47, que trata dos investimentos públicos, afirma que o "Poder Público deverá implantar obras que tenham como objetivo o bem-estar social de comunidades rurais", compreendendo, dentre outras, obras referentes à energia (alínea "f"). E mais: "compete ao Poder Público implementar a política de eletrificação rural, com a participação dos produtores rurais, cooperativas e outras entidades associativas" (artigo 93), incentivando, prioritariamente, "atividades de eletrificação rural e cooperativas rurais, através de financiamentos das instituições de crédito oficiais, assistência técnica na implantação de projetos e tarifas de compra e venda de energia elétrica compatíveis com os custos de prestação de serviços" (Art. 94, inciso I). Portanto, legitimado o direito do homem do campo de ter acesso à eletricidade, como um meio que proporciona o seu bem-estar, cabe ao Poder Público implantar as obras e implementar a política de eletrificação rural, priorizando as cooperativas rurais.

E no que diz respeito aos órgãos responsáveis pelo setor agrícola, é estabelecido (Art. 6º, inciso II) que a ação governamental para o setor desenvolvida pela União, pelos Estados, Distrito Federal, Territórios e Municípios, respeitada a autonomia constitucional, é exercida em sintonia, evitando-se superposições e paralelismos. Portanto, instituiu-se o que é importante para qualquer ação voltada para o desenvolvimento pleno da região rural: o sincronismo de ações entre os vários órgãos responsáveis, evitando-se, assim, perdas de esforços e recursos.

No que se trata do planejamento agrícola, estabelece-se que o "Ministério da Agricultura e Reforma Agrária - MARA coordenará, a nível nacional, as atividades de planejamento agrícola, em articulação com os Estados, o Distrito Federal, os Territórios e os Municípios" (Art. 9º).

2.2.4. A LEI Nº 8.987, DE 13 DE FEVEREIRO DE 1995

Como dito no item 2.1, essa lei dispõe sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos previsto no artigo 175 da Constituição Federal.

Ela define o serviço adequado como sendo aquele que "satisfaz as condições de regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas" (Art. 6º). E estabelece como direito dos usuários receber serviço adequado (Art. 7º, inciso I), enquanto é encargo da concessionária e permissionária a prestação de serviço adequado (Art. 31).

É importante notar, dado o caráter desta lei, que ela não menciona a questão da universalização, somente encontrando-se menção à obrigatoriedade de atendimento universal aos diversos segmentos da população na cláusula quinta e na cláusula décima segunda (que trata da eletrificação rural) dos contratos de concessão.

2.2.5. LEI Nº 9.074, DE 7 DE JULHO DE 1995.

Esta lei estabelece normas para outorga e prorrogações das concessões e permissões de serviços públicos.

Condiciona a aplicação do seu artigo 3º ao que se refere os artigos 42, 43 e 44 da Lei nº 8.987/95. Estes três artigos estabelece que, para os casos em que as concessões ou permissões foram outorgadas anteriormente à essa lei (13 de fevereiro de 1995), e através de licitação, elas permanecerão válidas pelo prazo fixado no contrato ou no ato de outorga. Para esses casos, a Lei nº 9.074/95 estabelece que será observada pelo poder concedente várias determinações para essas concessões e permissões. Uma delas determina o "atendimento abrangente ao mercado, sem exclusão das populações de baixa renda e das áreas de baixa densidade populacional inclusive as rurais".

Portanto, é amparada por essa lei a universalidade do atendimento por parte das concessionárias e permissionárias, com outorgas concedidas antes de 13 de fevereiro de 1995, até o final do prazo de suas concessões e permissões. E, ainda, esses contratos de concessão possuem a mesma característica em relação à universalização do atendimento daqueles contratos firmados em 1997 e 1998, ou seja, não consta de diretrizes e metas a serem cumpridas e, por conseguinte, fiscalizadas.

2.3. PROGRAMAS E POLÍTICAS

Vários são os programas de eletrificação rural em andamento atualmente, como o Luz no Campo, PRODEEM, Luz da Terra e outros. Os dois primeiros são programas de iniciativa do Governo Federal e o último por parte do Governo Estadual de São Paulo.

Existem também os programas de espectro mais amplo, ou seja, cujo enfoque abrange outros aspectos econômicos e sociais, ao possibilitar o acesso do agricultor familiar à educação, água tratada, habitação, novas técnicas de gerenciamento e tecnológicas e outros benefícios para o bem-estar do homem do campo. Exemplos desses programas são o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF) e o Programa Nacional de Reforma Agrária. Os decretos especificando alguns deles encontram-se na Tabela 1.

2.4. ESTRUTURA TARIFÁRIA

Gomes (2001) trata aqui das questões que compõem a estrutura tarifária de energia elétrica correspondente ao setor rural, uma vez que a distribuição da eletricidade está diretamente ligada à localização e renda da população (SANTOS et al., 1999). E uma vez que são as tarifas de energia elétrica que determinam o quanto os consumidores irão usufruir o serviço proporcionado, elas podem ser consideradas como uma restrição ou promoção do desenvolvimento social.

A Resolução ANEEL nº 456, de 29 de novembro de 2000, estabelece, de forma atualizada e consolidada, as Condições Gerais de Fornecimento de Energia Elétrica. Em vista disso, define uma série de conceitos, dentre eles a estrutura tarifária e onde se enquadra o setor rural.

2.5. REGULARIZAÇÃO DAS COOPERATIVAS DE ELETRIFICAÇÃO RURAL

A figura da cooperativa de eletrificação rural somente foi judicialmente criada em 1967, com o Decreto 1.033, também estabelecendo uma dupla configuração para o serviço de eletrificação rural, que se caracterizaria como "serviço público", quando prestado pelas concessionárias, e "uso exclusivo", quando realizado pelo consumidor em seu próprio interesse, incluindo aqui as cooperativas de eletrificação rural. Este decreto foi posteriormente revogado por outros diplomas legais que não trataram diretamente da questão das cooperativas, e sim abordaram de forma genérica a atividade de eletrificação rural.

No caso específico das CER, os marcos jurídicos que se apresentam de forma mais relevante são: o Decreto nº 62.655, de 1968, que estabelece as condições de atuação das CER e as caracteriza como entidades de prestação de serviço de uso exclusivo; a Lei 9.064, de 1995, no artigo 23, que determina a necessidade de compatibilizar as áreas de atuação das cooperativas e concessionárias na ocasião da prorrogação das atuais concessões para distribuição de energia elétrica; e a Resolução ANEEL nº 333, de 2 de dezembro de 1999, que fixa regras para regularização de cooperativa de eletrificação rural (ANDRADE et al., 1999).

2.6. FINANCIAMENTO

Vários são os dispositivos para financiamento de atividades de eletrificação rural. Dentre eles, menciona-se a Reserva Global de Reversão (RGR) e o fundo de Utilização de Bem Público (UBP) que, por exemplo, financiam o "Luz no Campo". Estes fundos foram criados e modificados ao longo dos anos, fazendo necessário a ANEEL ter publicado a Resolução nº 23, de 5 de dezembro de 1999, com o intuito de atualizar a RGR. Também o faz, por sua vez, a Lei nº 10.438/02.

Estima-se que a quota anual da RGR recolhida pela ELETROBRÁS em 2000 seja da ordem de US$ 450 milhões. Com estes montantes definidos legalmente, tem-se anualmente garantidos os recursos para fins da eletrificação rural, inclusive boa parte deles destinados para as regiões mais carentes do ponto de vista da distribuição da energia elétrica. Porém, conforme estabelece a Lei nº 9.648, de 27 de maio de 1998 (Art. 8º), o fim do prazo de vigência da RGR ocorreria no fim do exercício de 2002, ou seja, a fonte dos recursos a serem destinados para a eletrificação rural estaria comprometida a partir de 2003. Entretanto, a Lei nº 10.438, de 26 de abril de 2002, prorroga o prazo para o fim do exercício de 2010, garantindo recursos para eletrificação rural (inclusive a partir de fontes renováveis), dentre outros fins.

 

3. LEGISLAÇÃO EM TRÂMITE

Existiam no país duas propostas que tratam diretamente da eletrificação rural: proposta de Resolução da ANEEL para universalização da prestação do serviço público de energia elétrica e o Substitutivo ao Projeto de Lei nº 2.905, de 2000, hoje aprovado como a Lei 10.438/02.

3.1 PROPOSTA DE RESOLUÇÃO DA ANEEL PARA UNIVERSALIZAÇÃO DO ATENDIMENTO

A ANEEL, ciente de que não existe nenhuma garantia por parte das concessionárias de energia elétrica para o atendimento pleno da sua área de concessão, apesar de constar em vários contratos de concessão o compromisso delas para essa questão, propôs resolução, em meados de 2000, visando estabelecer as responsabilidades do concessionário e permissionário quanto à universalização da prestação do serviço público de energia elétrica, estabelecendo metas de universalização do atendimento para as áreas rurais e urbanas sem ônus para o consumidor em no máximo cinco anos a partir da publicação da resolução.

Esta proposta de resolução, ao mesmo tempo em que isenta os consumidores do pagamento de obras na rede elétrica para seu atendimento próprio, vai obrigar que as empresas elaborem um plano de universalização para cobrir toda a área urbana, de forma imediata, dentro dos prazos estabelecidos nas Condições Gerais de Fornecimento de Energia Elétrica (Resolução n°456/00) e a área rural em até cinco anos.

Por outro lado, esta proposta de resolução foi amplamente criticada pelos setores relacionados às concessionárias, abrindo a oportunidade para o surgimento de discussões importantes para o aprimoramento da proposta.

No entanto, esta resolução deverá mudar, ou simplesmente deixar de existir, a fim de se adequar com as novas diretrizes fixadas pela Lei 10.438/02. Esta lei cria e altera uma série de disposições relacionadas a financiamentos, direitos e deveres, programas e questões tarifárias relacionadas à eletrificação rural e de baixa renda, bem como torna defasadas várias disposições da proposta de resolução da ANEEL.

Portanto, caberá a ANEEL, a partir das colaborações recebidas, das discussões com a sociedade e das novas implicações decorrentes da Lei 10.438/02, definir os termos dessa proposta, se não a criação de outra nova e, dessa forma, a realização de nova audiência pública, com vistas a garantir, estabelecendo prazos e metas, o atendimento universal e a prestação adequada do serviço público de energia elétrica, precisando focar, porém, o atendimento das demandas sociais, principalmente em relação à questão tarifária, ou seja, compatibilizar as tarifas com a capacidade de pagamento da população de baixa renda, incluindo-se aí a grande maioria da população rural.

 

4. A LEI 10.438, DE 26 DE ABRIL DE 2002

Esta lei, dentre outros objetivos a que se propõe, torna-se um importante marco jurídico para a questão da universalização do atendimento ao serviço público de energia elétrica ao fixar seus procedimentos, estabelecer responsabilidades e criar e atualizar mecanismos para alocação de recursos relativos ao tema.

Esta lei cria a Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), com duração de vinte e cinco anos, a ser regulamentada pelo Poder Executivo e movimentada pela ELETROBRÁS, a fim de promover a universalização do serviço de energia elétrica em todo o território nacional e visando o desenvolvimento energético dos Estados e a competitividade da energia produzida a partir de fontes eólicas, pequenas centrais hidrelétricas, biomassa, gás natural e carvão mineral nacional nas áreas atendidas pelos sistemas interligados. Os recursos da CDE serão provenientes dos pagamentos anuais realizados a título de uso de bem público, das multas aplicadas pela ANEEL a concessionários, permissionários e autorizados e, a partir do ano de 2003, das quotas anuais pagas por todos os agentes que comercializem energia com o consumidor final. Curiosamente, a energia solar não é mencionada pela lei e, portanto, a energia elétrica gerada por esta fonte não será contemplada pelos recursos da CDE.

Fica estabelecido que os recursos da CDE "provenientes do pagamento pelo uso de bem público e das multas impostas aos agentes do Setor serão aplicados, prioritariamente, no desenvolvimento da universalização do serviço público de energia elétrica, na forma da regulamentação da ANEEL". Verifica-se, portanto, o estabelecimento de mais um mecanismo pelo qual são destinados recursos para a universalização do acesso, além daqueles provenientes da RGR.

A lei estabelece dois critérios a serem utilizados para fixar as metas de universalização, a serem estabelecidas pela ANEEL, que deverão ser atendidos por cada concessionária e permissionária de serviço público de distribuição de energia elétrica, sendo eles: (a) "áreas, progressivamente crescentes, em torno das redes de distribuição, no interior das quais a ligação ou aumento de carga de consumidores deverá ser atendida sem ônus de qualquer espécie para o solicitante"; e (b) "áreas, progressivamente decrescentes, no interior das quais a ligação de novos consumidores poderá ser diferida pela concessionária ou permissionária para horizontes temporais pré-estabelecidos pela ANEEL, quando os solicitantes do serviço serão então atendidos sem ônus de qualquer espécie" (Art. 14).

Como um dos avanços em relação à proposta de resolução da ANEEL mencionada anteriormente, quando se estabelecia para todas as concessionárias e permissionárias um prazo máximo de cinco anos para a universalização do atendimento, independentemente das características econômicas e técnicas destes agentes, e geográficas das respectivas áreas de concessão, a lei estabelece que, para a regulamentação do Art. 14 supramencionado, a ANEEL levará em conta, dentre outros fatores, a taxa de atendimento da concessionária ou permissionária, considerada no global e desagregada por Município e a capacidade técnica e econômica necessárias ao atendimento das metas de universalização.

No entanto, existem algumas preocupações. Apesar de considerarmos a lei um avanço e, particularmente, no que se refere ao estabelecimento de metas de universalização estar vinculado às características particulares das concessionárias e permissionárias, preocupa-nos a maneira como o processo de estabelecimento de metas e a sua futura fiscalização ocorrerão sob o ponto de vista de atender a necessidade de toda a população rural (e urbana) que ainda não tem acesso ao serviço essencial e público de energia elétrica com a maior rapidez possível, com qualidade e de forma eficiente e eficaz no uso dos recursos públicos disponibilizados.

De forma específica, preocupa-nos a forma como a ANEEL e, conforme o caso, as agências estaduais de regulação, fiscalizarão o cumprimento das metas de universalização estabelecidas. Dessa forma, é necessário que a fiscalização seja suficientemente capaz de verificar se as metas estariam realmente sendo atendidas, incluindo realmente todos aqueles sem acesso à eletricidade, e dentro de padrões de qualidade previamente estabelecidos.

Adicionalmente, esta é uma oportunidade importante e única que existe para que seja definida uma política energética e tecnológica para o meio rural a fim de aproveitar as oportunidades e possibilidades que a eletrificação rural, por meio dessa lei, proporciona como nicho de mercado para as fontes renováveis de energia, por exemplo, e uma oportunidade importante para que os diversos agentes envolvidos e suas diversas políticas e programas relacionados ao desenvolvimento rural unam seus esforços para definir e cumprir um plano conjunto de ação e metas. Este plano proporcionaria uma ação articulada capaz de integrar coordenadamente e ordenadamente o amplo conjunto de aspectos sociais, políticos, econômicos, culturais e tecnológicos relacionados ao desenvolvimento rural.

 

5. CONCLUSÕES

A eletrificação rural, assim como a energização, é considerada, por lei, um serviço essencial, devendo ser disponibilizada pelo Poder Público ao homem do campo para dar plena capacitação para seu desenvolvimento e bem-estar.

O aparato legal da eletrificação rural encontra-se disperso ao longo do tempo. No entanto, grande parte do seu desenvolvimento ocorreu após a promulgação da Constituição Federal (1988).

A grande pergunta a ser respondida é: está hoje o homem do campo legalmente amparado a ter o acesso à eletricidade como serviço público?

Quando se trata do Poder Público, a resposta é sim. O Estatuto da Terra e a Lei 8.171/91 garantem a eletrificação rural nas políticas agrícolas, nos planos de reforma agrária e colonização federal.

Já quando se trata das concessionárias e permissionárias distribuidoras de energia elétrica, antes da recente aprovação da Lei 10.438/02, a legislação não expressava explicitamente a obrigatoriedade da universalidade do atendimento. Há apenas a menção em lei para o atendimento abrangente do mercado, inclusive o rural e de baixa renda, para aquelas cujos atos de outorga foram concedidos, através de licitação, antes de 13 de fevereiro de 1995 conforme a Lei 9.074/95. Isso exclui todas as outras concessões que não se encaixariam nessa situação.

Em relação às cláusulas previstas nos contratos de concessão entre a concessionária e o poder concedente, mencionando a obrigatoriedade do atendimento abrangente do mercado rural e de baixa renda, elas não continham objetivos e metas específicos, tornando-se difícil sua verificação por parte do órgão regulador. Apesar de algumas prefeituras, através de financiamento proveniente do Programa Luz no Campo, juntamente com as distribuidoras, terem levado energia elétrica para o meio rural de forma sem precedentes em relação ao número de famílias atendidas, esta prática não era satisfatoriamente realizada pelas concessionárias por uma série de motivos.

Portanto, a legislação deixa claro quando diz que o Estado deve atender à necessidade essencial de atendimento de serviços de eletricidade a população rural. Mas quando se trata de comprometer a ação das concessionárias, a legislação deixava em aberto a responsabilidade da universalização do atendimento da população rural, descaracterizando o processo da outorga de concessão de serviço público de energia elétrica. De agora em diante, a Lei nº 10.438/02 deixa evidente a responsabilidade das concessionárias frente à universalização do atendimento.

A Lei nº 10.438/02 foi, sem dúvida, um passo positivo frente ao desafio histórico do acesso à eletricidade. Caberá o sucesso da universalização do acesso ao serviço essencial de eletricidade à capacidade da ANEEL estabelecer, fiscalizar e fazer cumprir, com o apoio das agências de regulação estaduais e, talvez, outros agentes, as metas de atendimento pelas concessionárias ou permissionárias de energia elétrica.

Por fim, é importante deixar claro a idéia de que a eletrificação rural por si só não garante o pleno atendimento das necessidades básicas da sua população e o desenvolvimento rural, sendo necessário que outros programas sejam implantados, como de saneamento, água tratada, educação, saúde, capacitação tecnológica, incentivos, financiamentos, dentre outros. É por conta disto que esta é uma oportunidade importante para que se busque a articulação destes programas e seus agentes dentro da esfera mais ampla do desenvolvimento rural caso se queira combater a pobreza rural e promover o crescimento econômico ordenadamente.

 

AGRADECIMENTO

Agradeço ao prof. Jannuzzi, pois sem sua ajuda a realização deste trabalho não seria possível. Obrigado, Jannuzzi!

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

[1] ANDRADE, C.S., NETO, E.C., GUERRA, H.N. Outorga de permissão de serviços públicos de energia elétrica às cooperativas de eletrificação rural. Revista Brasileira de Energia, v.7, n.2, 2º sem./1999.

[2] FRANÇA, C. R. A, BERMANN, C. Análise da legislação pertinente aos programas de atendimento social para extensões de redes de distribuição de eletricidade. Disponível no site da ANEEL (www.aneel.gov.br), 2000.

[3] GOMES, R.D.M, JANNUZZI, G.M. Eletrificação rural: um levantamento da legislação. Trabalho de Graduação. Departamento de Energia da Faculdade de Engenharia Mecânica. UNICAMP, 2001.

[4] PASQUALOTO, A. Os serviços públicos no Código de Defesa do Consumidor. Revista de direito do Consumidor; Num.1; pp.130-148; 1992.

[5] SANTOS, R. R.; MERCEDES, S. S. P.; SAUER, I. L. A reestruturação do setor elétrico brasileiro e a universalização do acesso ao serviço de energia elétrica. Revista Brasileira de Energia; v.7, n.2; SBPE; 2º sem./1999.