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An. 4. Enc. Energ. Meio Rural 2002

 

Fornecimento de energia elétrica através de células a combustível utilizando reforma de etanol em comunidade isolada do Estado de Mato Grosso

 

 

João Carlos CamargoI; Ennio Peres da SilvaII; Otacílio Borges CanavarrosIII; Carla Kazue Nakao CavalieroIV; Paula Duarte AraújoV

IDepartamento de Energia - Faculdade de Engenharia Mecânica - UNICAMP, CEP 13083-970 Campinas - SP tel: 19 3289 1860
IILaboratório de Hidrogênio - Instituto de Física - UNICAMP, CEP 13083-970 Campinas - SP tel: 19 3289 1860

IIINúcleo Interdisciplinar de Estudos em Planejamento Energético NIEPE - UFMT, CEP 78 085 8000 Cuiabá - MT tel: (65) 624 8797
IVNúcleo Interdisciplinar de Planejamento Energético NIPE - UNICAMP, CEP 13083-970 Campinas - SP tel: (19) 3788 5040
VDepartamento de Energia - Faculdade de Engenharia Mecânica - UNICAMP, CEP 13083-970 Campinas - SP tel: 19 3289 1860

 

 


RESUMO

A geração de energia elétrica utilizando células a combustível constitui-se atualmente uma alternativa promissora que concilia alta eficiência de conversão e baixos impactos ambientais. Este equipamento é um dispositivo eletroquímico que combina hidrogênio com oxigênio do ar para produzir energia elétrica, tendo como subprodutos, calor e água. O hidrogênio necessário para o funcionamento das células pode ser obtido de várias fontes, tanto renováveis como não-renováveis. Dessa maneira o etanol produzido no Brasil a partir da cana-de-açúcar é um candidato natural, de onde se pode extrair o hidrogênio através do processo de reforma. Este processo é uma alternativa ao óleo Diesel largamente utilizado para geração de energia elétrica em comunidades isoladas, principalmente nas regiões Norte e Centro-Oeste do país. Este trabalho propõe-se a apresentar os aspectos principais do projeto que está sendo realizado pelo Núcleo Interdisciplinar de Planejamento Energético - NIPE da UNICAMP em conjunto com a Universidade Federal de Mato Grosso - UFMT para a instalação de uma unidade de geração de energia elétrica com célula a combustível em uma comunidade isolada do Estado do Mato Grosso.

Palavras-chave: Reforma etanol, célula a combustível, geração de energia elétrica, comunidades isoladas.


ABSTRACT

Nowadays the electric power generation using fuel cells has become a promising alternative that conciliates high efficiency and low environmental impacts. A fuel cell is an electrochemical device that combines hydrogen with oxygen from air to produce electric energy with heat and water as byproducts. The hydrogen necessary to feed the fuel cell can be obtained from renewable and non-renewable sources. Indeed, the ethanol produced from sugar cane in Brazil is a natural candidate from which hydrogen can be extracted through a process called reforming. This would be an alternative to Diesel largely used to electric generation in isolated communities mainly in the North and Central West country's regions. This work intends to show the main aspects of the project that has been carried out by UNICAMP's Núcleo Interdisciplinar de Planejamento Energético - NIPE associated with Federal University of Mato Grosso - UFMT to install an electric generation unit powered by a fuel cell in a Mato Grosso's isolated community.


 

 

INTRODUÇÃO

O abastecimento de energia elétrica às comunidades isoladas tem sido sempre um grande desafio no Brasil. Apesar do sistema elétrico interligado brasileiro já cobrir grande parte do território brasileiro - cerca de 96,6 % [1], ainda há extensas regiões principalmente no norte e centro-oeste sem acesso à rede de energia.

Tradicionalmente, essas comunidades são atendidas em suas necessidades de energia elétrica através de geradores a óleo Diesel, que lhes é vendido subsidiado, pois as grandes distâncias envolvidas na distribuição encareceriam sobremaneira o custo, inviabilizando a sua utilização.

Nesse sentido a substituição do óleo Diesel por alternativas energéticas disponíveis no local da comunidade tem mobilizado instituições de pesquisa para encontrar soluções. As fontes renováveis como solar, eólica e biomassa se colocam como opções que contemplam aspectos como disponibilidade no local, sustentabilidade, fortalecimento da economia local, etc. Dentre as alternativas que preenchem esses requisitos está o etanol.

O Brasil é o maior produtor mundial de cana-de-açúcar e de etanol, com sua produção concentrada principalmente na região sudeste, mas também encontrada em regiões isoladas como o Estado do Mato Grosso.

O etanol, um álcool oriundo da cana, é uma fonte de hidrogênio, o combustível para a nova tecnologia de células a combustível que está emergindo no mercado mundial. As células a combustível são dispositivos eletroquímicos que transformam energia química em eletricidade. Utilizando na maioria dos casos o hidrogênio em combinação com o oxigênio do ar, produz energia elétrica, calor e água, num processo de eletrólise reversa. Sua eficiência de transformação é superior aos dispositivos tradicionais que utilizam a combustão como uma etapa térmica intermediária para retirar energia de um combustível fóssil [2].

O projeto aqui descrito procura conciliar as necessidades energéticas de uma comunidade isolada partindo do uso de um combustível local e renovável, o etanol, associado à nova tecnologia das células a combustível, promissora no sentido de eficiência de conversão e baixo impactos negativos ao ambiente.

As etapas desenvolvidas no projeto são as etapas descritas a seguir.

 

OS SISTEMAS ISOLADOS DO ESTADO DO MATO GROSSO

O Estado de Mato Grosso é o terceiro em dimensões territoriais no Brasil, com 906.806,9 km², apresentando em um total de 126 municípios distribuídos em seis mesorregiões, compostas por 17 microrregiões [3]. O abastecimento de energia elétrica no estado fica a cargo das Centrais Elétricas Matogrossenses - CEMAT, cuja atuação é agrupada nas seis regionais da empresa: Cuiabá, Rondonópolis, Cáceres, Tangará da Serra, Barra do Garças e Sinop. O atendimento aos consumidores de energia elétrica é feito pelo sistema interligado Sul/Sudeste/Centro-Oeste e pelo conjunto de pequenos sistemas isolados em muitos municípios do interior do Estado [4]. Os sistemas isolados estão presentes em quatro das seis regionais da CEMAT, distribuídos nas mesorregiões norte, leste e oeste do Estado, beneficiando 42 municípios assim agrupados: um na regional de Cáceres, oito na regional de Tangará da Serra, 15 na regional de Barra do Garças e 18 na regional de Sinop. Esses sistemas, constituídos pelas várias usinas térmicas à óleo diesel e apenas duas PCHs, caracterizam-se pela insuficiência da oferta e ainda pela baixa qualidade da energia elétrica gerada, com atendimento precário, não satisfazendo a totalidade da demanda nas classes rural e industrial [4[.

Os municípios atendidos em 1998 pelos sistemas isolados, distribuídos pelas regionais da CEMAT, estão abaixo apresentados.

Regional de Cáceres: Vila Bela da Santíssima Trindade

Regional de Tangará da Serra: Brasnorte, Castanheira, Cotriguaçu, Gaúcha do Norte, Juruena, Juína, São José do Rio Claro e Aripuanã.

Regional de Barra do Garças: Água Boa, Alto da Boa Vista, Araguaiana, Canabrava do Norte, Canarana, Cascalheira, Cocalinho, Confresa, Luciara, Porto Alegre do Norte, Querência do Norte, São Felix do Araguaia, São José do Xingu, Santa Terezinha e Vila Rica.

Regional de Sinop: Apiacás, Carmen, Cláudia, Feliz Natal, Juara, Lucas do Rio Verde, Nova Monte Verde, Marcelândia, Nova Bandeirantes, Nova Canaã, Nova Maringá, Novo Horizonte, Paranaíta, Porto dos Gaúchos, Tabaporã, Tapurah, União do Sul e Vera.

Em 1998 a capacidade instalada dos sistemas elétricos isolados totalizava 60,10 MW, em 185 unidades geradoras, tendo sido de 61.302.000 litros o consumo de óleo diesel utilizado nas termoelétricas.

Ao final de 1998 os municípios de Água Boa (Mesorregião Leste) e de Lucas do Rio Verde na (Mesorregião Norte), passaram a integrar o sistema interligado, ressaltando que os municípios de Araguaiana e Cocalinho, situados nas proximidades do Rio Araguaia, são atendidos com energia elétrica proveniente do sistema CELG - Centrais Elétricas de Goiás, estando portanto nos sistemas isolados apenas 38 dos 42 municípios [3].

Em 1999 foram integrados seis municípios ao sistema interligado, a saber: Carmen, Feliz Natal, Vera, Cláudia, Marcelândia e União do Sul.também em 1999 a transferência para a CEMAT do atendimento de energia elétrica aos quatro municípios atualmente atendidos precariamente pela administração municipal, a saber: Comodoro e Nova Lacerda na Regional de Cáceres e Campos de Júlio e Sapezal na Regional de Tangará.

 

PROTÓTIPO DE GERAÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA ATRAVÉS DE CÉLULA A COMBUSTÍVEL COM REFORMA DE ETANOL

O processo de retirada do hidrogênio de um combustível líquido como o etanol utilizando uma reação com água é chamado de reforma. O etanol é reformado numa reação geral do tipo:

A reação de reforma do etanol, Eq. (1), pode ser representada pelas seguintes reações parciais:

As Eq. (2) e (3) representam as etapas intermediárias principais do processo de reforma, pois as reações que acontecem no reformador são complexas [5]. A mistura água/etanol no reformador deve ser aquecida a temperaturas superiores a 550 K. A partir de 650 K a produção de hidrogênio cresce rapidamente [6]. A proporção água/etanol de acordo com a Eq. (1), tem sido abordada por alguns autores que mostram que quanto maior a relação molar água/etanol, maior a produção de hidrogênio e menor a incidência de compostos como CH3CHO, CH4, C2H4 e carbono no produto da reação.

No que diz respeito aos processos de purificação do hidrogênio produzido pela reforma do etanol, as maiores atenções estão voltadas à remoção do monóxido de carbono (CO), reduzindo-o a níveis de partes por milhão (ppm) quando o tipo de célula a combustível utilizada assim o requerer (caso das células tipo PEM) e à remoção do dióxido de carbono (CO2), que apesar de não contaminar os elementos da célula afetam seu desempenho ao reduzir a área de contato dos eletrodos com o hidrogênio. No caso do CO busca- se reduzi-lo significativamente no próprio reator, através de sua reação com água (reação de "shift"), produzindo-se mais hidrogênio, podendo-se utilizar também processos de absorção molecular, se necessário [7].

A Figura 1 mostra o esquema geral de um sistema completo com reformador, células a combustível e inversor de freqüência, para geração de energia elétrica.

As células a combustível utilizada são do tipo membrana de troca de prótons que opera em baixa temperatura (80 °C). A célula gera energia elétrica em corrente contínua (CC), havendo necessidade de um inversor de freqüência para transformá-la em corrente alternada (CA), necessária para acionar os equipamentos. A Figura 2 mostra o protótipo em desenvolvimento no Laboratório de Hidrogênio da UNICAMP.

 

 

A purificação dos gases de reforma de hidrocarbonetos é um processo amplamente usado pelas indústrias, inclusive para se impedir que o hidrogênio reaja com o dióxido de carbono (CO2), havendo consecutiva perda de parte do hidrogênio que possa ser produzido [9].

 

ESTUDO DE CASO: SELEÇÃO DE UMA COMUNIDADE ISOLADA

Nesta etapa do projeto está sendo analisada a localização da comunidade mato-grossense onde o sistema de geração será instalado. A comunidade selecionada estará localizada em local não servido por rede elétrica, mas próxima de uma usina produtora de álcool, devendo ser constituída principalmente por residências, escolas e outras instalações que demandem energia para iluminação.

 

DIMENSIONAMENTO DO SISTEMA PARA A COMUNIDADE SELECIONADA

Feita a seleção da comunidade, o protótipo será adaptado para atender às características de carga da comunidade. As cargas das residências serão preferencialmente de iluminação. O protótipo está sendo construído para uma potência de saída de 1 kVA. Essa potência poderá alimentar em torno de 30 lâmpadas fluorescentes compactas de 20 W.

 

IMPLANTAÇÃO DO PROTÓTIPO NA COMUNIDADE SELECIONADA: TESTES E DESEMPENHO

Nesta etapa, já implantado o protótipo na comunidade, será feito o acompanhamento do funcionamento do sistema de acordo com as especificações do projeto. Dadas as condições locais de pessoal qualificado e disponibilidade de peças e serviços de manutenção, todo o equipamento está sendo construído para operar de forma automatizada, havendo apenas a necessidade de abastecimento do combustível. O sistema de aquisição de dados, computadorizado, deverá enviar os dados à UFMT e à UNICAMP por via telefônica (celular).

 

RESULTADOS ESPERADOS

Com a operação efetiva do sistema na comunidade espera-se obter dados em condições reais de seu uso em regiões isoladas, permitindo se conhecer os problemas e os custos desta aplicação, bem como se verificar as possibilidades de sua extensão a outras comunidades das regiões Norte e Centro-Oeste. A base para comparação inicial da competitividade econômica do sistema será os custos dos projetos de atendimento com o uso de painéis fotovoltaicos, nos moldes que vêm sendo implantados pelo Programa PRODEEN. Apesar dos custos ainda elevados das células a combustível, espera-se desenvolver uma alternativa mais competitiva ao uso dos painéis fotovoltaicos, cuja tecnologia é praticamente toda ela importada.

Evidentemente que estes resultados também permitirão se obter informações importantes para o uso desta tecnologia em sistemas de geração distribuída, junto aos sistemas interligados à rede onde, entretanto, os aspectos econômicos ainda manterão a competitividade das células a combustível abaixo dos sistemas tradicionais (motores-geradores e turbinas).

Por último, espera-se criar nichos de mercado para o uso das células a combustível na geração de energia elétrica, sendo que o atendimento destes nichos acabará por reduzir os custos destes equipamentos, abrindo novos nichos e ampliando a competitividade econômica desta tecnologia, cujos benefícios em termos de eficiência energética e impactos ambientais justificam os investimentos e os incentivos iniciais necessários.

 

REFERÊNCIAS

[1] ONS Operador Nacional do Sistema Elétrico. Referência disponível na internet: www.ons.org.br

[2] APPLEBY, A. J. et al. Conversion of hydrogen in fuel cells. Wendt, H. Electrochemical Hydrogen Technology Amsterdam: Elsevier Science Publishers B.V., 1990. 512 p.

[3] SEPLAN/MT - Secretaria de Estado de Planejamento e Coordenação Geral (1995). Regionalização Administrativa para fins de Planejamento. Cuiabá/MT, 1995.

[4] SILVA, E. P.; CAVALIERO, C. K. N. (2001) Regulação Energética e Meio Ambiente: Propostas para a Região Amazônica Isolada. Campinas: NIPE/UNICAMP, 2001. 193 p.

[5] FISHTIK, I, ALEXANDER A., DATTA, R., GEANA, D. (2000). "A thermodynamic analysis of hydrogen production by steam reforming of ethanol via response reactions". International Journal of Hydrogen Energy 25, p. 31-45.

[6] GARCÍA, E. Y., LABORDE, M. A. (1991) "Hydrogen production by the steam reforming of ethanol: thermodynamic analysis". International Journal Hydrogen Energy 16, n° 5, p. 307-312.

[7] SILVA, E. P., CAMARGO, J. C., CAROLINO, I. R. A reforma do etanol e sua aplicação em células a combustível. IX Congresso Brasileiro de Energia. Vol 1. p.

[8] CEMAT- Centrais Elétricas Matogrossenses (1997). Relatório Técnico 004/DVES. Cuiabá/MT, 1997

[9] NEWMAN, S. A.; Acid and Sour Gas Treating Processes, 1985