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An. 4. Enc. Energ. Meio Rural 2002

 

Geração de energia elétrica: as novas regulamentações para as fontes renováveis alternativas

 

 

Carla Kazue Nakao Cavaliero; Ennio Peres da Silva

Planejamento de Sistemas Energéticos - Faculdade de Engenharia Mecânica - UNICAMP, Campinas - SP - Tel: 0055 19 32891860 / 37883262 / 37883245, cavaliero@hydra.com.br - lh2ennio@ifi.unicamp.br

 

 


RESUMO

A geração de energia elétrica a partir de fontes renováveis alternativas vem experimentando uma nova fase de crescimento no Brasil. Até bem pouco tempo, o apelo ambiental era utilizado fortemente para incentivar tais fontes, não sendo, no entanto, suficiente para atingir seu objetivo. Com a crise de energia elétrica e o plano de racionamento vividos em 2001, chamou-se a atenção para um outro fator importante: a necessidade de diversificar as fontes de energia. Atualmente existe uma certa expectativa quanto ao incremento de tais fontes, especialmente após a divulgação do Plano de Revitalização do Modelo do Setor Elétrico, em fevereiro de 2002, desenvolvido durante a crise de energia. De acordo com este plano, uma das medidas de implementação imediata consiste na modificação do sistema de financiamento dos programas de fontes alternativas de energia. Dentro deste contexto, este trabalho tem como objetivo analisar os mecanismos regulatórios desenvolvidos recentemente para estimular a geração de energia elétrica a partir de fontes renováveis alternativas, em especial nos sistemas isolados.

Palavras chaves: Fontes renováveis alternativas, Mecanismos regulatórios, Sistemas isolados.


ABSTRACT

The use of alternative renewable energies in the production of electricity is being experienced a new moment in Brazil. Until now, the environmental aspect was strongly explored to improve this sources, although they weren't sufficient to reach these purpose. The electricity crises that occurred in the last year showed another important reason to improve them: the necessity to diversify the energy sources. Nowadays there is an expectation with the increase of these sources after the publication of the Revitalization Plan of the Electricity Sector. This plan has many measures to be adopted immediately and one of them deals with the financial system of the alternative renewable energies programs. This article shows the analyses of the recently regulatory mechanisms developed to improve the electricity production with alternative renewable energy, specially in the isolated systems.


 

 

INTRODUÇÃO

Grande parte das experiências com fontes renováveis alternativas em todo o mundo foram desenvolvidas em função da aplicação de mecanismos específicos que incentivassem o seu uso. Entende-se aqui como fontes renováveis alternativas a energia eólica, solar fotovoltaica e algumas biomassas como óleos vegetais, resíduos da atividade madereira e outras. Infelizmente, uma das grandes barreiras para a disseminação de tais fontes na geração de energia elétrica é o seu custo mais elevado quando comparado às fontes convencionais. O estágio de desenvolvimento em que ainda se encontram algumas tecnologias de aproveitamento das fontes renováveis alternativas e a produção em escala não industrial ainda não as tornam atrativas sob o ponto de vista estritamente econômico. Entretanto, caso a forma tradicional de avaliação dos custos dos energéticos considerasse os custos ambientais das fontes convencionais e as vantagens ao meio ambiente das fontes renováveis alternativas, seguramente este quadro seria modificado (Cavaliero & Silva, 2002).

No Brasil, apesar do apelo ambiental ser utilizado para estimular o uso das fontes renováveis alternativas, ele nunca chegou a ser decisivo para incrementá-lo no setor elétrico, especialmente em função do baixo custo da energia de base hidráulica (renovável, diga-se de passagem) e da incorporação do gás natural à base térmica com custos interessantes.

Todo este cenário passa a tomar um novo rumo a partir de 2001. A crise de fornecimento de energia elétrica vivida naquele ano trouxe à tona não apenas as discussões sobre o modelo de reestruturação adotado para o setor elétrico, mas especialmente a importância da diversificação das fontes energéticas, tão mencionada na Política Energética Nacional e no Planejamento Energético do setor, mas efetivamente pouco buscada até então (Cavaliero et al, 2001). Como resultado, volta-se a discutir a importância das fontes renováveis alternativas e a necessidade de investir em sua disseminação. As novas regulamentações que surgem a partir deste momento quanto à estas fontes são o objeto deste trabalho e serão analisadas a seguir.

 

A CRISE DE ENERGIA E O PLANO DE REVITALIZAÇÃO

Diante da crise de energia elétrica, foi criada a Câmara de Gestão da Crise de Energia Elétrica - GCE com o objetivo de atuar de forma imediatista, inserindo metas de redução do consumo de eletricidade configuradas no Plano de Racionamento, e também de buscar soluções de curto e médio prazo para incentivar investimentos em geração e diversificar a matriz energética do setor (CSPE, 2001). Entretanto, todas as regulamentações desenvolvidas foram direcionadas para atenderem o sistema interligado, já que o racionamento foi iniciado nas Regiões Sudeste, Centro-Oeste e Nordeste e estendido apenas aos Estado do Pará, Tocantins e Maranhão em função da transferência de energia da Usina Hidrelétrica de Tucuruí, que abastece grande parte destes estados, à Região Nordeste.

Para tentar corrigir algumas disfunções detectadas no modelo de reestruturação durante o período de racionamento, foi introduzido em janeiro de 2002 o Plano de Revitalização do Modelo do Setor Elétrico. Em seu Relatório de Progresso nº 1 foram elencadas várias medidas, algumas de implementação imediata e outras a serem submetidas à consulta pública. Dentre as imediatas encontram-se as fontes alternativas de energia. O Plano sugere a modificação do sistema de financiamento dos programas dessas fontes com o objetivo de estimular o desenvolvimento de tecnologias cujo estado atual impede que sejam competitivas. Além disto, busca-se com esta medida explicitar os subsídios à essas fontes e ratear os custos entre todos os consumidores do país, evitando que todos os custos destas tecnologias recaiam sobre apenas um grupo de consumidores (Energia Brasil, 2002 a).

Visando iniciar a regulamentação das medidas do Plano de Revitalização e outros pontos, como a compensação das perdas de receita das distribuidoras durante o racionamento, foi elaborada a Medida Provisória nº 14, conhecida como MP 14. Esta medida incorporou também alguns pontos previstos no Projeto de Lei 2.905/00, de autoria do Deputado Federal José Carlos Aleluia (PFL-BA), como a universalização dos serviços de energia elétrica e a criação da Conta de Desenvolvimento Energético - CDE (Canal Energia, 2002 a). O projeto de conversão da MP 14 em lei teve como relator o próprio Deputado José Carlos Aleluia, sendo aprovado pela Câmara dos Deputados em 10 de abril de 2002 e pelo Senado 6 dias após. Em 26 de abril de 2002 foi publicado em Diário Oficial a Lei nº 10.438/02 regulamentando praticamente todos os pontos da MP 14, já que dois deles acabaram sendo vetados pelo Presidente da República Fernando Henrique Cardoso, ambos relacionados à celebração dos contratos de compra de energia com consumidores industriais (Canal Energia, 2002 b).

 

PROINFA

A Lei nº 10.438/02 dispôs sobre vários pontos, entre eles um dos mais importantes foi a criação do Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia, chamado de PROINFA. Em seu Art. 3º são delineadas as características do programa, que tem como objetivo aumentar a participação da energia elétrica produzida por empreendimentos de Produtores Independentes Autônomos - PIA a partir de fontes eólica, PCH's e biomassa no sistema interligado nacional (Presidência da República Federativa do Brasil, 2002).

Para atender este objetivo, o PROINFA apresenta-se dividido em duas etapas. Na primeira serão contratados pela Centrais Elétricas Brasileiras S.A. - ELETROBRÁS, em até 24 meses após a publicação da lei, 3.330 MW de capacidade provenientes de instalações que venham a entrar em operação até o dia 30 de dezembro de 2006. A compra de energia elétrica estará assegurada por 15 anos, após a entrada em operação, a um valor econômico correspondente à tecnologia específica de cada fonte, a ser definido pelo Poder Executivo. Entretanto, este valor não pode ultrapassar um piso, definido como 80% da tarifa média nacional de fornecimento ao consumidor final. Todos os custos serão rateados por todas as classes de consumidores pertencentes ao sistema interligado, proporcionalmente ao consumo individual verificado. A capacidade total a ser contratada, mencionada anteriormente, deverá ser distribuída igualmente entre as três fontes alternativas: eólica, PCH e biomassa, e ocorrerá através de chamada pública. Será dada prioridade na contratação às instalações que já possuírem a Licença Ambiental de Instalação - LI e posteriormente, a Licença Prévia Ambiental - LP. Além disto, fabricantes de equipamentos de geração poderão participar constituindo-se como PIA's, desde que o índice de nacionalização dos equipamentos seja de no mínimo 50% em valor (Presidência da República Federativa do Brasil, 2002).

Atingida a meta de 3.300 MW de capacidade, a segunda etapa do programa prevê que tais fontes alternativas deverão atender, no prazo de 20 anos, a 10% do consumo nacional anual de energia elétrica. Os contratos continuarão sendo celebrados com a ELETROBRÁS, com o prazo de 15 anos, mas haverá uma programação anual de compra da energia, de forma que as referidas fontes atendam o mínimo de 15% do incremento anual de eletricidade a ser fornecida ao mercado consumidor nacional. O preço de compra corresponderá ao valor econômico da geração de energia competitiva, definida na lei como o custo médio ponderado de geração de novos aproveitamentos hidráulicos com potência superior a 30 MW e centrais termoelétricas a gás natural. Como este valor certamente será insuficiente para cobrir os custos de geração destas fontes, será dado ao produtor um crédito complementar com recursos provenientes da CDE, calculado pela diferença entre o valor econômico específico de cada fonte, a ser definido pelo Poder Executivo mas sempre respeitando o piso definido na primeira etapa, e o valor recebido da ELETROBRÁS (geração competitiva). Esta etapa prevê ainda a criação de um Certificado de Energia Renovável - CER, a ser emitido pelo produtor, no qual deverão constar informações jurídicas sobre o mesmo, o tipo de fonte primária utilizada e a quantidade de energia comercializada. Este certificado será apresentado à Agência Nacional de Energia Elétrica - ANEEL para que as metas sejam anualmente fiscalizadas e controladas (Presidência da República Federativa do Brasil, 2002).

A contratação continuará sendo realizada através de chamada pública e a ordenação manterá os graus de prioridade definidos na primeira etapa, sendo no entanto estipulado um prazo mínimo de 24 meses entre a assinatura do contrato e o início de funcionamento das instalações. A distribuição igualitária entre as fontes deverá ser mantida, havendo a possibilidade do Poder Executivo, a cada 5 anos de implantação da segunda etapa, transferir para as outras fontes o saldo de capacidade não contratado por falta de interessados. Além disto, o Poder Executivo poderá autorizar a ELETROBRÁS a realizar contratações com produtores independentes, que não se configurem como PIA's, desde que não resulte em preterição à estes e não ultrapasse a 25% da programação anual de contratação (no caso da energia eólica, este valor não deve ultrapassar a 50% na primeira etapa do programa). E por fim, todos os custos continuarão sendo rateados por todos os consumidores finais do sistema interligado (Presidência da República Federativa do Brasil, 2002).

Desde a votação da MP 14, a criação do PROINFA foi cercada de repercussões positivas e negativas. Já em seu objetivo, o programa denomina uma nova figura no setor elétrico: o produtor independente autônomo, que se refere à empresa cujo controle acionário não pertence à qualquer concessionária de geração, transmissão ou distribuição de energia elétrica. De acordo com a lei, estes novos agentes terão prioridade na contratação de energia elétrica, o que deixou muitos segmentos do mercado descontentes, especificamente os produtores de energia eólica. A empresa espanhola Enerbrasil, por exemplo, controlada pelo grupo Iberdrola (com participação acionária em três concessionárias de distribuição do Nordeste) possui projetos autorizados pela ANEEL que totalizam 2.245 MW, representando cerca de 60% dos empreendimentos a partir da energia eólica autorizados pela agência até abril de 2002 (Canal Energia, 2002 c).

Por outro lado, não se pode negar que a inserção do PIA torna mais competitivo o segmento de energia eólica, pois somado à Enerbrasil, há ainda a Siif, empresa controlada pela EDF, que detinha na mesma época 20% dos projetos autorizados pela ANEEL. Além disto, a lei especifica que na primeira etapa os produtores independentes (não autônomos) poderão participar com até 50% do total da capacidade a ser contratada a partir da energia eólica, o que na verdade não impede mas restringe a sua participação, evitando a formação de poder de mercado e permitindo a entrada de outras empresas. Um ponto importante que precisará ser regulamentado é a compatibilidade deste programa com outros já existentes, como por exemplo os projetos do Programa Emergencial de Energia Eólica - PROEÓLICA. Criada pela GCE durante a crise de energia elétrica através da Resolução nº 24, de 05 de julho de 2001, este programa tem como objetivo viabilizar a implantação de 1.050 MW a partir da fonte eólica até dezembro de 2003 (Cavaliero & Silva, 2001). Não havendo esta compatibilização, do ponto de vista legal deverá prevalecer o que determina a lei sobre o que estabelece a resolução.

Um ponto favorável nos procedimentos do programa foi a determinação de distribuir igualmente a contratação de capacidade entre as três fontes alternativas: eólica, PCH e biomassa. Desta forma, evita-se que os empreendimentos fossem direcionados apenas para a fonte cuja tecnologia apresenta-se mais competitiva, como é o caso da energia eólica, frente às demais. É também compreensível que este programa seja, pelo menos inicialmente, direcionado para tais fontes, já que o aproveitamento solar fotovoltaico possui ainda custos muito elevados no sistema interligado quando comparado às outras fontes alternativas, situação esta agravada no caso brasileiro pela ausência de uma indústria fotovoltaica nacional.

Entretanto, existem dúvidas quanto a capacidade deste programa em desenvolver as tecnologias a ponto de reduzir os seus custos e torna-las competitivas. Isto porque foi adotado um sistema onde a energia terá um valor garantido ao longo do programa. Na primeira etapa este sistema pode ser interessante para atrair investidores. No entanto, na segunda etapa, onde se prevê a expansão de longo prazo destas fontes, este sistema pode ser muito pouco eficaz e até mesmo vicioso, já que as empresas não terão motivações para melhorarem a sua eficiência e buscarem reduzir seus custos. Uma característica fundamental de qualquer mecanismo de incentivo consiste na redução gradual destes incentivos dentro de um prazo estipulado. Somente assim as empresas seriam obrigadas a investir em suas tecnologias ao longo do tempo, a ponto de reduzir os seus custos e gradualmente torná-las competitivas com as das fontes tradicionais.

Um ponto interessante no programa refere-se ao rateio dos custos entre todos os consumidores. Esta é uma tendência que vem sendo observada em vários países. Apesar de existirem diferentes linhas de incentivo às fontes renováveis alternativas adotadas no setor elétrico, o que se verifica atualmente é a convergência para um sistema específico: o pagamento de uma tarifa especial, mais elevada, por todos os consumidores de energia elétrica. Quando analisa-se este sistema, observa-se que algo semelhante já vem sendo realizado no Brasil: um rateio entre todos os consumidores para suportar a geração de energia elétrica mais cara dos sistemas isolados através da Conta de Consumo de Combustíveis - CCC. O agravante é que, infelizmente até o momento, este recurso não conseguiu dar suporte à geração a partir de fontes renováveis alternativas, como prevê a CCC para os sistemas isolados, mas apenas à geração termoelétrica a partir de óleo Diesel e óleo combustível.

O programa prevê também a emissão de certificados atestando a produção de energia renovável. Este é um ponto que traz algumas dúvidas, pois não fica claro na lei se trata-se apenas das fontes alternativas ou se das fontes renováveis em geral, incluindo-se a geração hidroelétrica. Neste caso, praticamente todas as empresas geradoras iriam emitir os CER's, já que há o predomínio da geração hidroelétrica no país. Seria mais interessante que os certificados se referissem às fontes alternativas, podendo-se imaginar no futuro um mercado transacionável de certificados verdes alternativos, com a garantia de que a tecnologia utilizada gerasse o menor impacto ambiental possível.

É importante ressaltar que apesar dos pontos analisados apresentarem-se dispostos em lei desde o final de abril de 2002, ainda não foi publicada nenhuma regulamentação específica para o PROINFA, definindo, por exemplo, o valor econômico de cada fonte, os procedimentos da chamada pública, etc.. Este fato tem deixado produtores independentes e PIA's apreensivos, já que muitos projetos estão aguardando esta regulamentação para que seja dada continuidade às suas obras (Canal Energia, 2002 d).

Por outro lado existem alguns pontos de extrema importância que não constam do programa. Um deles refere-se ao desenvolvimento de uma indústria de tecnologias a partir de fontes alternativas. Com todo o potencial energético de biomassa, energia solar e energia eólica conhecido, o país ainda se mantém à margem das pesquisas que visam o desenvolvimento de novos aproveitamentos destas fontes. Em princípio, nenhum mecanismo implementado para incentivar as fontes renováveis alternativas no setor elétrico menciona qualquer compromisso em desenvolver uma indústria nacional de tecnologias, mesmo sabendo que a instalação de qualquer sistema a partir de tais fontes dependerá da utilização de equipamentos importados, que encarecem o seu custo final.

Assim, uma proposta que se faz é que sejam incluídos índices mínimos de nacionalização quando se incentivar a geração de eletricidade a partir de qualquer fonte renovável alternativa no Brasil, como por exemplo um percentual obrigatório de equipamentos nacionais utilizados. Somado ao mecanismo legal, deveriam ser criados mecanismos financeiros, para fomentar a pesquisa e desenvolvimento destes equipamentos, e mecanismos fiscais, que estimulassem a instalação de fabricantes no país. Estes mecanismos deveriam ser gradualmente retirados na medida em que se consolidasse o mercado de tecnologia das fontes renováveis alternativas. Com isto se estaria atacando o principal entrave à disseminação destas fontes, a saber seu maior custo quando comparado às fontes tradicionais, e compensando a sociedade (que estará pagando mais por estas fontes) com outros benefícios como a geração de empregos, domínio de tecnologias e menores impactos ambientais.

Por fim, um dos grandes desafios do PROINFA será a sua compatibilização com a universalização dos serviços de energia elétrica. Atualmente, a região que possui os menores índices de não atendimento de energia elétrica é a Região Norte, onde se encontra a maior parte dos sistemas isolados. A Lei 10.438/02 também dispõe sobre a universalização e em seu Art. 15º determina que a prestadora do serviço público de energia elétrica poderá utilizar a forma convencional de distribuição, através da expansão da rede, ou simultaneamente se associar ou contratar empresas que tenham autorização para implantar instalações a partir da energia solar, eólica, biomassa e PCH (Presidência da República Federativa do Brasil, 2002). Entretanto, no caso dos atendimento aos sistemas isolados, as empresas não poderiam utilizar os benefícios do PROINFA, já que este se destina apenas ao atendimento dos sistemas interligados. Este é um ponto que deveria ser reavaliado, uma vez que os sistemas isolados são um grande nicho de mercado para as fontes alternativas. As grandes distâncias, somadas ao difícil acesso e à baixa demanda de energia elétrica, fazem com que a geração nestes sistemas mantenha-se de forma descentralizada. Além disto, deve-se levar em conta que estes sistemas estão inseridos na Região Amazônica Brasileira, ocupada pela floresta tropical úmida, da qual depende todo o seu ciclo hidrológico e seu ecossistema frágil. É também nessa região que se encontra a maior parte das populações e comunidades indígenas e uma grande riqueza potencial de minérios, madeira, biodiversidade, etc. (Amaral, 1996). Todas essas características conferiram à Região Amazônica a importância como regulador climático continental, criando o interesse nacional e internacional para a sua preservação (embora o cenário atual ainda inclua crescentes áreas desmatadas, sem reflorestamento). Estas peculiaridades conferem às fontes renováveis alternativas uma excelente opção para a garantia da manutenção do desenvolvimento sustentável da região (Silva & Cavaliero, 2001).

 

CDE

Através do Art. 13º da Lei nº 10.438/02 foi criada a Conta de Desenvolvimento Energético, visando não apenas o desenvolvimento energético dos Estados como também a competitividade da energia produzida por fontes eólica, PCH's, biomassa, gás natural e carvão mineral e a promoção da universalização do serviço de energia elétrica em todo o território nacional.

Os recursos do CDE serão provenientes dos pagamentos anuais realizados a título de uso do bem público, das multas aplicadas pela ANEEL e, a partir de 2003, das quotas anuais pagas por todos os agentes comercializadores de energia com o consumidor final. A conta terá duração de 25 anos e será regulamentada pelo Poder Executivo e movimentada pela ELETROBRÁS (Presidência da República Federativa do Brasil, 2002).

Um ponto importante definido na lei diz que nenhuma das fontes poderá receber anualmente recursos cujo valor total ultrapasse a 30% do recolhimento anual da CDE. Entretanto, ela não define a distribuição igualitária para cada fonte, o que poderá acabar direcionando o uso dos recursos para algumas fontes específicas, privilegiando algumas em detrimento de outras. Isto já pode ser vislumbrado nos procedimentos de utilização da CDE, que incorpora a cobertura do custo de combustível de empreendimentos termoelétricos que utilizem apenas carvão mineral nacional e do custo das instalações de transporte de gás natural onde não exista o fornecimento de gás natural canalizado.

Espera-se que esta conta não venha a seguir os passos da CCC, conta especial criada para subsidiar o consumo de combustíveis fósseis na geração termelétrica, de forma a diminuir a diferença do custo da geração entre estes empreendimentos e os hidroelétricos. O rateio é realizado entre todas as concessionárias distribuidoras de energia elétrica do país pertencentes aos sistemas interligados e isolados. Entretanto, através da Resolução ANEEL nº 245/99, de 11/08/99, foi estendido o uso da CCC para empreendimentos que se enquadrem como aproveitamentos hidrelétricos de potência superior a 1.000 kW e igual ou inferior a 30.000 kW, mantidas as características de PCH; e a partir de fontes alternativas que façam uso de recursos naturais renováveis (Cavaliero & Silva, 2000). Infelizmente, até o momento apenas uma PCH recebe os recursos da CCC para fontes alternativas no sistema isolado.

Ainda sobre a CCC, a Lei nº 10.438/02 alterou o Art. 11º da Lei nº 9.648/98, estendendo por mais 20 anos, a partir da data de publicação, a aplicação da CCC nos sistemas isolados e incorporando ao seu direito de uso a geração de energia elétrica a partir do gás natural (Presidência da República Federativa do Brasil, 2002)

 

OUTRAS DETERMINAÇÕES SOBRE AS FONTES ALTERNATIVAS NA LEI Nº 10.438/02

Esta lei também alterou alguns pontos existentes em outras leis que regem o setor elétrico brasileiro. Uma destas alterações refere-se ao Art. 26º da Lei nº 9.427/96, no qual ficou estabelecido que a ANEEL estipulará um percentual de redução, não inferior a 50%, a ser aplicado às tarifas de uso dos sistemas elétricos de transmissão e distribuição, incidindo deste a produção até a comercialização, aos empreendimentos a partir de fontes eólica e biomassa e a cogeração qualificada. Além disto, o aproveitamento a partir de fontes eólica, biomassa e solar poderão comercializar energia elétrica com o consumidor ou conjunto de consumidores, cuja carga seja maior ou igual a 500 kW (Presidência da República Federativa do Brasil, 2002). Estas alterações já faziam parte do Projeto de lei 2905/00 e acabaram sendo incorporadas nesta lei. De uma maneira geral, elas permitem uma redução no custo total da energia elétrica a partir das referidas fontes alternativas, podendo atrair maiores investimentos. No entanto, ainda aguarda-se a atuação da ANEEL na regulamentação específica destes pontos.

 

VALOR NORMATIVO

Dentro do ambiente de mercado do setor elétrico brasileiro, passaram a existir os consumidores cativos e os consumidores livres. Estes últimos negociam livremente os seus contratos junto às geradoras de energia elétrica. Entretanto, no caso de consumidores cativos, o agente regulador deve assegurar que não haja abuso de poder de mercado por parte da distribuidora, oferecendo condições contratuais extremamente vantajosas para os consumidores livres e compensando a diferença de receita com o aumento do montante de repasse aos cativos (Energia Brasil, 2002 b). Desta forma, foi criado o Valor Normativo - VN, como o custo de referência para a comparação com o preço de compra da energia e para o repasse a ser realizado às tarifas de fornecimento de energia elétrica. Cabe ressaltar que os preços de compra de energia até 5% maiores que os respectivos VN's serão integralmente repassados para as tarifas do consumidor final (ANEEL, 1999).

O processo regulatório para o estabelecimento destes limites iniciou-se com a publicação da Resolução ANEEL nº 266/98, no qual foi estabelecida a metodologia de cálculo do repasse. Após o processo de audiência pública, a ANEEL divulgou a Resolução nº 233/99 (ANEEL, 2002), que definia os valores normativos discriminados por fonte de geração (competitiva, termoelétrica a carvão nacional, PCH, termoelétrica a biomassa, eólica e solar fotovoltaica) esperando-se, desta forma, incentivar a diversificação da matriz energética nacional. Entretanto, segundo muitos pesquisadores, os VN's apresentados para as fontes renováveis alternativas eram baixos, inclusive para o nível tecnológico e para a escala de produção dos fabricantes das tecnologias de conversão em vários países europeus, tornando-os ainda pouco atrativos (Walter, 2000).

Em fevereiro de 2001 a ANEEL emitiu uma nova resolução, a Resolução ANEEL nº 22/01, apresentando a revisão dos valores de repasse e o aumento de todos os VN's. Esta revisão já estava prevista em legislação na ocorrência de mudanças estruturais relevantes na cadeia de produção de eletricidade e nas diretrizes do Governo Federal. A Tabela 1 mostra os VN's adotados em cada uma das resoluções comentadas.

 

 

Diante da crise de energia elétrica, a GCE reavaliou as características do VN, apresentando seus resultados no Relatório de Progresso nº 2 divulgado pelo Comitê de Revitalização do Modelo do Setor Elétrico. A partir deste relatório, apontam-se alguns problemas, entre eles a estratificação do VN por fontes e a fixação do VN a ser adotado em todo o território nacional (Energia Brasil, 2002 b). O primeiro problema identificado refere-se ao livre arbítrio que cada distribuidora teria em contratar geradoras a partir de fontes energéticas caras, repassando os custos aos consumidores cativos. Em tese, isto seria um problema caso houvessem investimentos em projetos energéticos a partir das fontes alternativas, o que na prática acabou não sendo verificado, pois poucos investidores foram efetivamente atraídos pelos VN's.

Na tentativa de resolver este problema, o relatório propõe estabelecer um valor único para o VN, tendo como referência o valor que representa o preço da fonte mais competitiva. Este ponto foi regulamentado na Lei nº 10.438/02, quando definiu-se o preço de compra da energia elétrica contratada a partir de fontes alternativas na segunda etapa do PROINFA. Este preço de compra, como mencionado anteriormente, será o VN da geração competitiva e já foi regulamentado pela ANEEL, em sua Resolução nº 248/02, como o VN único, estabelecido em R$ 72,35/MWh. Ele já está vigorando desde a publicação da resolução e enquanto não houver uma regulamentação específica para o PROINFA e para o CDE, manterá paralisados os investimentos nas fontes renováveis alternativas.

O segundo problema é de grande relevância, pois estipulou-se VN's para cada fonte que na realidade não são os mesmos para todos os submercados, já que existe uma disponibilidade de fontes energéticas e um custo associado a cada uma que varia de região para região. Um exemplo disto é a geração de energia elétrica nos sistemas isolados da Região Norte, onde se encontram as tarifas mais elevadas do país. Segundo Souza (2000), o custo médio da geração termoelétrica a Diesel nos sistemas isolados gira em torno de R$ 220,00/MWh sem o subsídio da CCC e R$ 170,00/MWh com a CCC. Isto mostra que sem a CCC até a geração fotovoltaica, a mais cara de todas, pode se tornar mais competitiva e uma opção para o suprimento energético desta região.

A proposta para corrigir este problema consiste em adotar um VN diferenciado para cada submercado, levando em conta as suas respectivas caraterísticas energéticas e refletindo os diferentes custos de produção. Até o momento não foi publicado nenhum mecanismo legal regulamentando este ponto.

 

CONCLUSÃO

Diante da crise de fornecimento de energia elétrica e da reavaliação do modelo de reestruturação adotado, foi introduzida uma série de medidas para revitalizar o modelo do setor elétrico. Uma das medidas de implementação imediata refere-se à mudança na forma de financiamento das fontes alternativas de energia, regulamentada através da Lei nº 10.438/02 com a criação do PROINFA.

Este programa apresenta pontos interessantes, como a meta de expandir no longo prazo a participação das fontes alternativas na matriz energética do setor e o rateio dos custos desta geração entre todos os consumidores. Entretanto, existem alguns pontos que trazem receios quanto ao real estímulo que estaria sendo dado à tais fontes. Neste sentido, destaca-se a falta de um comprometimento em reduzir gradativamente os incentivos à geração alternativa na medida em que se buscasse o desenvolvimento da tecnologia, o aumento de produtividade e a redução dos custos. Um outro ponto importante que aumenta este receio trata-se da falta de incentivo em desenvolver uma indústria de tecnologias para a geração de energia elétrica a partir das fontes alternativas. A criação desta indústria nacional é de extrema relevância no desenvolvimento da tecnologia e na redução dos custos destas fontes, tornando-as efetivamente competitivas com as fontes convencionais.

Para auxiliar no desenvolvimento do PROINFA criou-se a CDE, que irá incentivar não apenas as fontes renováveis alternativas como também a geração termoelétrica a partir do carvão mineral nacional e do gás natural. Neste sentido, deve-se tomar cuidado para que esta conta não venha a se transformar numa outra CCC.

E por fim, a adoção do VN único poderá afetar negativamente a expansão das fontes alternativas caso não sejam regulamentados rapidamente os procedimentos do PROINFA e da CDE, uma vez que este valor único já foi definido pela ANEEL e está em vigor; e caso não sejam adotados VN's para cada submercado, refletindo o real custo de geração em cada região.

 

AGRADECIMENTOS

À FAPESP pelo apoio financeiro sem o qual este estudo não poderia ter sido realizado.

 

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[8] CANAL ENERGIA (2002 c) Newsletter 23 04 2002: Produtores autônomos apostam na abertura do mercado com a criação do PROINFA. 23/04/2002. Referência disponível na Internet. http://www.canalenergia.com.br

[9] CAVALIERO, C. K. N.; SILVA, E. P. (2001) A Regulação do Setor Elétrico Brasileiro e o Incentivo às Fontes Renováveis Alternativas de Energia. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE REGULAÇÃO DE SERVIÇOS PÚBLICOS CONCEDIDOS, 2, 2001, São Paulo/SP. Anais... São Paulo: Associação Brasileira de Agências de Regulação, 2001. CD-ROM.

[10] CANAL ENERGIA (2002 d) Newsletter 27 06 2002: PROINFA: demora na regulamentação deixa projetos de PCH em compasso de espera. 27/06/2002. Referência disponível na Internet. http://www.canalenergia.com.br

[11] AMARAL, A. C. (1996) A Incorporação das Variáveis Sócio-Ambientais ao Processo de Planejamento do Setor Elétrico: o Caso da Amazônia. Revista Brasileira de Energia, Rio de Janeiro, v. 5, n.2, p.271-282, 1996.

[12] SILVA, E. P.; CAVALIERO, C. K. N. (2001) Regulação Energética e Meio Ambiente: Propostas para a Região Amazônica Isolada. Campinas: NIPE/UNICAMP, 2001.

[13] CAVALIERO, C. K. N.; SILVA, E. P. (2000) Os Sistemas Isolados e o Uso e Fontes Renováveis Alternativas de Energia no Contexto de Regulação do Setor Elétrico Nacional In: CONGRESSO BRASILEIRO DE REGULAÇÃO DE SERVIÇOS PÚBLICOS CONCEDIDOS, 1, 2000, Salvador. Anais... Salvador, 2000.

[14] ENERGIA BRASIL (2002 b) Relatório de Progresso nº 2. 09/04/2002. Referência disponível na Internet. http://www.energiabrasil.gov.br

[15] ANEEL- AGÊNCIA NACIONAL DE ENERGIA ELÉTRICA (1999) Nota de Esclarecimento do Valor Normativo. 26/10/1999. Referência disponível na Internet. http://www.aneel.gov.br

[16] ANEEL- AGÊNCIA NACIONAL DE ENERGIA ELÉTRICA (2002) Legislação. 15/05/2002. Referência disponível na Internet. http://www.aneel.gov.br

[17] WALTER, A. (2000) Fomento à Geração Elétrica com Fontes Renováveis de Energia no Meio Rural Brasileiro: Barreiras, Ações e Perspectivas. In: ENCONTRO DE ENERGIA NO MEIO RURAL - AGRENER, 3, 2000, Campinas/SP. Anais... Campinas: Universidade Estadual de Campinas, 2000. CD-ROM.

[18] SOUZA, R.C.R. (2000) Planejamento do Suprimento de Eletricidade dos Sistemas Isolados a Região Amazônica: Uma Abordagem Multiobjetiva. Campinas: UNICAMP. Faculdade de Engenharia Mecânica - FEM, 2000. (Tese, Doutorado).