An. 4. Enc. Energ. Meio Rural 2002
Instalação de painéis fotovoltáicos em comunidades isoladas: a experiência da Ilha da Ferradura - Ilha Solteira (SP)
Dionízio Paschoareli Jr.; Luís A. Maia; Rodrigo R. Paula; Falcondes J. M. Seixas
Grupo de Pesquisa em Fontes Alternativas e Aproveitamento de Energia, UNESP - Universidade Estadual Paulista - DEE - Departamento de Engenharia Elétrica, Av. Brasil, 364 - Caixa Postal 31 - CEP: 15385-000 - Ilha Solteira - SP. Fone: (18) 3743-1150 Fax: (18) 3743-1163 - http://www.dee.feis.unesp.br
RESUMO
Este trabalho trata da experiência da implantação de sistemas fotovoltáicos em residências de pescadores na Ilha da Ferradura, situada no Rio Paraná, na região de Ilha Solteira (SP). Os painéis foram doados por um fabricante de painéis fotovoltáicos à Prefeitura Municipal de Ilha Solteira. A instalação e acompanhamento contou com o apoio técnico de pesquisadores do Grupo de Pesquisa em Fontes Alternativas e Aproveitamento de Energia, certificado junto ao CNPq.
Aspectos relacionados às mudanças no cotidiano dos moradores são apresentados com o levantamento de dados com indicativos sociais. São feitas medições elétricas e uma análise das dificuldade técnicas e econômicas para a manutenção do funcionamento dos sistemas. São apresentados detalhes construtivos da instalação dos painéis fotovoltáicos bem como a dificuldade de acesso desde o centro urbano até as residências, a falta de conhecimento técnico dos moradores e até mesmo a falta de percepção do custo associado ao benefício adquirido são abordados.
Palavras-chave: Sistemas fotovoltáicos, sistemas isolados, fontes alternativas.
ABSTRACT
This work presents the experience of installing photovoltaic systems in a fishermen village called Ilha da Ferradura ("Horse Shoe" island), in the Paraná River, by the Ilha Solteira city (SP). The PV systems were donated by a manufacturer to the City Council of Ilha Solteira. The installation and technical support was followed by the Group of Studies in Alternative Energy Sources, which is certified by the CNPq (a Brazilian federal research agency).
Aspects related to the changes in the householder lifestyle are presented, along with a social condition analysis. Electric measurements and studies on technical and economical problems related to the system maintenance are carried out.
Technical details about the installed system are presented as well as the problems to access the island, the lack of technical knowledge and even the misunderstanding about the costs of the system by the householders.
INTRODUÇÃO
A utilização de fontes alternativas de energia em comunidades isoladas tem sido apresentada como uma alternativa bastante promissora sob o ponto de vista econômico e ambiental. Tipicamente, as fontes alternativas utilizam energia primária renovável e limpa (não agridem o meio ambiente) e são de simples manutenção. Como atendem a uma pequena demanda de energia elétrica, têm dimensões bastante reduzidas quando comparadas com as usinas geradoras dos grandes sistemas de energia. Por funcionarem independentemente, não necessitam das longas linhas de transmissão que deveriam conectar as comunidades isoladas ao sistema principal, reduzindo os custos de implantação.
No cenário internacional, várias experiência demonstram a viabilidade de se utilizar a geração alternativa, independente, para alimentar comunidades distantes dos centros urbanos, que muitas vezes são constituídas por moradores de baixa renda ou baixo nível de educação formal.
Uma característica desta forma descentralizada de geração é que tanto a manutenção como a operação do sistema é, normalmente, de responsabilidade do proprietário do sistema. Neste caso, quando as comunidades isoladas são economicamente carentes, surgem dificuldades adicionais quanto a confiabilidade e continuidade dos serviços destes pequenos sistemas elétricos.
Em algumas regiões do Brasil, distantes dos centros urbanos ou em locais de difícil acesso, torna-se impraticável o fornecimento de energia elétrica através dos sistemas de transmissão de energia, sendo necessária a geração elétrica local.
Um caso típico é a Ilha da Ferradura, localizada à jusante da Usina Hidrelétrica de Ilha Solteira e à montante da Usina Hidrelétrica de Jupiá, no Rio Paraná, o qual divide os Estados do Mato Grosso do Sul e de São Paulo. A Fig. 1 mostra uma vista aérea da Ilha. Observa-se no alto da imagem parte da barragem da UH de Ilha Solteira. Nesta ilha vive uma comunidade de pescadores que necessitam se deslocar por aproximadamente trinta minutos pelo Rio Paraná (no caso de utilizarem um bote com motor de 15HP, e em condições ideais de navegação), para vencerem os cerca de 10km que separam a Ilha da Ferradura (pelo rio) de um pequeno trapiche que serve aos pescadores e visitantes do município de Ilha Solteira (SP).
O nível de consumo esperado destes moradores não justificaria, sob qualquer hipótese, a conexão a rede principal de transmissão de energia (ainda que as restrições ambientais não existissem).
Devido às condições climáticas da região, onde a insolação é abundante em quase todos os dias do ano, as soluções que utilizam sistemas de aproveitamento da energia solar são altamente vantajosas.
Pelas razões apontadas, a Prefeitura Municipal de Ilha Solteira implantou quatro sistemas fotovoltáicos, doados pela Siemens [1] e instalado pela Energia Pura [2], em quatro ranchos de pescadores da Ilha da Ferradura.
Com o objetivo de realizar pesquisas sobre o uso de fontes alternativas de energia, pesquisadores do Departamento de Engenharia Elétrica da Faculdade de Engenharia da UNESP, do câmpus de Ilha Solteira, estão acompanhando os resultados da utilização dos sistemas fotovoltáicos, cujos resultados são apresentados neste artigo.
EXPERIÊNCIA EM COMUNIDADES ISOLADAS PELO MUNDO
Para que comunidades isoladas tenham acesso a algum conforto da vida moderna, através da utilização da energia elétrica, é necessário que se produza localmente sua própria energia, por razões anteriormente expostas.
O tipo de fonte primária a ser utilizada varia de acordo com a localização da comunidade a ser atendida. Uma análise de dados climáticos e das características geográficas da região permite uma determinação precisa da fonte primária de energia mais adequada. Pode ser considerada a força dos ventos para a geração eólica, a incidência solar para a geração fotovoltáica, a biomassa para os geradores termelétricos ou mesmo a tradicional disponibilidade hídrica, ainda que seja em quantidade suficiente para tocar uma roda d'água acoplada a um pequeno hidrogerador
Algumas experiências na utilização da energia elétrica em comunidades isoladas de países em desenvolvimento têm sido relatadas na literatura, de onde extraímos alguns casos típicos[3].
Nepal. Algumas comunidades isoladas, utilizam-se de micro-geradores, que geram uma potência entre 0,5 e 100 kW. Estes geradores aproveitam a rotação do eixo de um engenho, movidos por pequenas rodas d'água, que atende a pequena demanda desta comunidade. A mesma forma tem sido utilizada em algumas regiões no Peru e da África do Sul.
Sri Lanka. Na província de North Western, aparelhos de rádio e televisão utilizam baterias recarregáveis a partir da geração eólica produzida por pequenas correntes de vento.
Kenya Normalmente, os painéis fotovoltáicos disponíveis no mercado apresentam potência nominal entre 40 e 100 W. Esta limitação é relacionada a área do painel, já que os painéis fotovoltáicos apresentam um rendimento bastante baixo (normalmente abaixo de 10%) para um nível de insolação médio (típico) de 1kWh/m2. Para a utilização destes painéis na alimentação de pequenas potências, da ordem de 10 W, os custos serão proibitivos. Entretanto, estudo feitos em pequenas comunidades no Kenya, onde moradores utilizam energia elétrica apenas para iluminação, são produzido pequenos painéis, entre 5 e 10 W, a custo reduzido em relação aos convencionais.
Honduras. No segundo maior pais da América Central, onde cerca de 65% da população vive em áreas rurais, é grande o uso de fontes alternativas de energia. Destaca-se a utilização da biomassa, originária das sobras vegetais após as colheitas. Este tipo de fonte primária é responsável por 44% da energia total neste pais.
INSTALAÇÃO DO SISTEMA DE ENERGIA SOLAR NA ILHA DA FERRADURA
A Ilha da Ferradura possui uma comunidade ribeirinha de baixa renda, com algumas dezenas de moradores, quase que totalmente composta de homens, que vivem basicamente da pesca, cultivo de roças e da zeladoria de pequenos ranchos de moradores de Ilha Solteira e região. O acesso ao local é feito por meio de pequenos botes.
Em maio de 2001, no auge da crise energética, uma emissora de televisão levou ao ar, em cadeia nacional, uma reportagem que descrevia as dificuldades dos moradores da Ilha da Ferradura, situada a poucos quilômetros de uma das maiores usinas hidrelétricas do Brasil, devido à indisponibilidade de energia elétrica.
Atenta ao fato, a empresa Siemens do Brasil, fabricante de painéis fotovoltáicos, ofereceu à Prefeitura Municipal de Ilha Solteira a doação de uma quantidade de sistemas fotovoltáicos suficiente para atender a moradores comprovadamente carentes da Ilha da Ferradura. A partir de um levantamento sócio-econômico dos moradores, realizado pela Secretaria de Promoção Social, quatro residências foram selecionadas para receber os sistemas de energia solar. Na Fig. 2 estão fotos dos moradores que foram beneficiados pelos equipamentos.
Sistema de Energia Solar. Pode-se observar na Fig. 3 um sistema básico de aproveitamento de energia solar através de painéis fotovoltáicos. O sistema fotovoltáicos instalados na Ilha da Ferraduras, cuja seqüência de montagem está representada na Fig. 4, tem as características descritas pelos itens a seguir:
Painel Fotovoltaico. A Fig. 5 mostra os dados do painel modelo SP70 utilizado [2]. É neste painel que estão as células fotovoltáicas semicondutoras que transformam a energia da radiação solar em energia elétrica, na forma contínua. Ele é capaz de gerar uma potência de 70W e tensão de 16,5V. Nesta região, a radiação média varia de 4 a 6kWh/m2 [4]. A Fig. 6 mostra um dos painéis instalado.
Bateria. A bateria de 12V, com capacidade de 150 Ah, é do tipo chumbo-ácido, como as utilizada em veículos automotores. É recarregável, "selada" e de ciclo profundo. Ela é responsável pelo armazenamento da energia elétrica que provem do painel fotovoltáico. A Fig. 7 mostra uma bateria instalada num dos sistemas.
Inversor. O inversor utilizado disponibiliza tensão cuja forma de onda é "quase-senoidal" ou "senoidal modificada". É responsável pela conversão de energia elétrica da forma contínua (CC) para a forma alternada (CA), com uma tensão alternada de saída de 110 V, podendo alimentar uma carga de até 140 W. A Fig. 8 mostra uma carga CA alimentada pela tensão de 110V, e uma das residências beneficiadas.
Benefícios. Dos quatro moradores atendidos pelos painéis instalados, dois estão na Ilha da Ferradura há mais de vinte anos. Um deles se utilizava da energia gerada por um gerador a diesel em um rancho vizinho a sua residência, do qual é o zelador. O outro morador nunca havia possuído energia elétrica. Os outros dois moradores estão na Ilha há pelo menos dez anos e não utilizavam qualquer fonte de energia elétrica.
A ausência de hábito no uso da energia causou uma certa apreensão ao Grupo de Estudos, uma vez que os custos dos módulos, na ordem de R$ 1.500,00 (US$ 500,00), poderia induzir os moradores a negociar os painéis doados, o que poderia valer um novo bote ou mesmo um motor mais potente. Para felicidade geral, passados quinze meses os painéis continuam no mesmo local.
A instalação dos painéis fotovoltáicos possibilitou algumas mudanças de hábitos, assim como algumas atividades domésticas noturnas, tão simples como preparar uma comida ou arrumar as louças. Assistir a um programa de televisão ou ter luz elétrica, hoje possível, era impensável. Entretanto, a falta de conhecimento técnico tem restringindo a utilização do equipamento em toda a sua capacidade. Dos quatro painéis, apenas um dos moradores tem usado o equipamento de forma integral. Os outros, com receio de descarregar a bateria ou "desgastar" os equipamentos, têm usado apenas a iluminação compacta com duas lâmpadas de 9W, por apenas uma hora, durante a noite.
Esta sub-utilização do equipamento retrata uma falta de orientação técnica que o grupo de pesquisa está tratando de eliminar, a partir de instruções aos moradores.
Visitas Técnicas para Manutenção. Foram feitas até o momento duas visitas técnicas, após a instalação, para a observação e manutenção dos painéis. Conforme anteriormente descrito, das quatro moradias visitadas apenas uma está usando a capacidade normal da energia.
Alguns moradores estão usando a energia de forma indevida, conectando equipamentos sem observar os valores nominais de tensão e corrente, o que tem ocasionado problemas ao sistema. Em todos os sistemas, pelo menos uma lâmpada das originais já está queimada. Alguns equipamentos apresentam problemas de mal contato, decorridos das pequenas alterações, que os moradores fazem nas instalações. Além dos problemas ocasionados pelo uso indevido, as condições locais de quando os painéis foram instalados já não são exatamente as mesmas.
Como exemplo, os painéis foram inicialmente instalados em lugares onde havia sol durante quase todo dia. Na última visita, notou-se que, devido ao crescimento de árvores, alguns estão parcialmente na sombra. Uma das baterias está com problema de oxidação nas conexões dos cabos, devido às variações climáticas.
CONCLUSÕES
A experiência da Ilha da Ferradura tem demonstrado que, não obstante as indiscutíveis vantagens advindas do fornecimento de energia elétrica a comunidades isoladas, um acompanhamento técnico e social é fundamental para que se utilize o sistema de forma racional e com o mínimo de funcionalidade.
Devido a dificuldades de acesso, ao pouco conhecimento técnico dos usuários dos sistemas e mesmo a falta de hábito na utilização da energia, o sistema pode apresentar deficiência de utilização e funcionamento.
As vantagens do conforto que a eletricidade traz para moradores de centros urbanos não têm a mesma dimensão para moradores habituados a vida em comunidades remotas.
Entretanto, é absolutamente visível a satisfação dos moradores com seus sistemas de geração. Exibem com orgulho o painel relativamente limpo e cercado para evitar a aproximação de animais e aves, as coberturas construídas para abrigar as baterias e demais equipamentos, a iluminação precária. Pode-se afirmar que, se os painéis solares não mudaram radicalmente os hábitos dos usuários, ao menos deu-lhes um diferencial em relação aos "sem-energia elétrica", resultando numa certa "ascensão social".
Observa-se a necessidade de um acompanhamento técnico mais constante para que os usuários aprendam a utilizar o sistema. Além, evidentemente, de uma manutenção permanente e eficaz.
De um modo geral, e experiência está sendo bem sucedida e poderá ser estendida a outras comunidades da região.
AGRADECIMENTOS
Os autores gostariam de agradecer à Prefeitura Municipal de Ilha Solteira, particularmente à Secretaria de Promoção Social, pela iniciativa do projeto. Ao Zé da Roça, ao Zezão, ao Gaúcho e ao Mané, moradores contemplados com os sistemas fotovoltáicos, por abrirem suas residências e colaborarem para que o Grupo realizasse seu trabalho. Aos Professores Alexandre C. R Silva e Francisco C. V. Malange pela "carona de barco" e acompanhamento das visitas.
REFERÊNCIAS
[1] http://www.siemenssolar.com
[2] http://www.energiapura.com
[3] Doig, A.: "Off-grid electricity for developing countries", IEE Review, vol. 45 no. 1, Jan/1999, pp. 25-28
[4] http://www.cresesb.cepel.br