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An. 4. Enc. Energ. Meio Rural 2002

 

Luz para todos no campo: a universalização do atendimento de energia elétrica na zona rural brasileira

 

 

Luiz Henrique Alves PazziniI; Fernando Selles RibeiroII; Luiz Fernando KurahassiIII; Luiz Cláudio Ribeiro GalvãoIV; Marcelo Aparecido PelegriniV; Octávio Ferreira AffonsoVI

IPesquisador do GEPEA-USP. Professor das Faculdades Integradas de São Paulo (FISP) e do Centro Universitário de Santo André (UNI-A). Escola Politécnica da Universidade de São Paulo. Grupo de Energia do Departamento de Engenharia de Energia e Automação Elétricas. Av. Prof. Luciano Gualberto, Trav., 3, 158 - Bloco A - Sala A2-35 - Cidade Universitária, 05508-900 - São Paulo - SP - Brasil - Telefone: 11-3091-5277 - Fax: 11-3032-3595, pazzini@pea.usp.br
IIProfessor Titular da Escola Politécnica da USP e da Faculdade de Engenharia de Guaratinguetá - UNESP. Pesuisador do GEPEA-USP. Escola Politécnica da Universidade de São Paulo. Grupo de Energia do Departamento de Engenharia de Energia e Automação Elétricas. Av. Prof. Luciano Gualberto, Trav., 3, 158 - Bloco A - Sala A2-35 - Cidade Universitária, 05508-900 - São Paulo - SP - Brasil - Telefone: 11-3091-5277 - Fax: 11-3032-3595, fribeiro@pea.usp.br
IIIPesquisador do GEPEA-USP. Professor da Universidade Cidade de São Paulo (UNICID). Escola Politécnica da Universidade de São Paulo. Grupo de Energia do Departamento de Engenharia de Energia e Automação Elétricas. Av. Prof. Luciano Gualberto, Trav., 3, 158 - Bloco A - Sala A2-35 - Cidade Universitária, 05508-900 - São Paulo - SP - Brasil - Telefone: 11-3091-5277 - Fax: 11-3032-3595
, kurahass@pea.usp.br
IVProfessor Titular da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo. Chefe do Departamento de Engenharia de Energia e Automação Elétricas da EPUSP. Pesquisador do GEPEA-USP. Escola Politécnica da Universidade de São Paulo. Grupo de Energia do Departamento de Engenharia de Energia e Automação Elétricas. Av. Prof. Luciano Gualberto, Trav., 3, 158 - Bloco A - Sala A2-35 - Cidade Universitária, 05508-900 - São Paulo - SP - Brasil - Telefone: 11-3091-5277 - Fax: 11-3032-3595, lgalvão@pea.usp.br
VPesquisador do Enerq-USP. Professor da Universidade Cidade de São Paulo (UNICID). Professor da Universidade Ibirapuera (UNIB). Escola Politécnica da Universidade de São Paulo. Grupo de Energia do Departamento de Engenharia de Energia e Automação Elétricas. Av. Prof. Luciano Gualberto, Trav., 3, 158 - Bloco A - Sala A2-35 - Cidade Universitária, 05508-900 - São Paulo - SP - Brasil - Telefone: 11-3091-5277 - Fax: 11-3032-3595, macpel@pea.usp.br
VIProfessor da Escola Politécnica da USP. Pesquisador do GEPEA-USP. Escola Politécnica da Universidade de São Paulo. Grupo de Energia do Departamento de Engenharia de Energia e Automação Elétricas. Av. Prof. Luciano Gualberto, Trav., 3, 158 - Bloco A - Sala A2-35 - Cidade Universitária, 05508-900 - São Paulo - SP - Brasil - Telefone: 11-3091-5277 - Fax: 11-3032-3595, octavio@pea.usp.br

 

 


RESUMO

Os serviços públicos do Brasil, entre os quais se insere o setor elétrico, vem passando nos últimos anos por alterações em sua estrutura, através da desverticalização e privatização de empresas estatais e surgimento de novos atores e de um novo arcabouço regulatório. O setor elétrico assiste ao desmembramento das empresas nos segmentos de geração, transmissão e distribuição de eletricidade, bem como o surgimento de empresas exclusivas para comercialização de energia elétrica. Também os novos atores, em especial a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), proporcionam profundas alterações na vida das empresas e de seus consumidores. Essas mudanças têm por objetivo aprimorar a qualidade dos serviços de energia elétrica prestados pelas concessionárias através do incentivo à competição e de uma constante fiscalização por parte dos órgãos reguladores. No entanto, a questão da universalização de atendimento da eletricidade, particularmente às áreas rurais, foi relegada a um segundo plano nos anos iniciais da reestruturação do setor elétrico brasileiro. Somente no final de ano 2000 a ANEEL iniciou discussão pública sobre um projeto de Resolução que visava acabar com a carência de luz elétrica para milhões de pessoas, a maioria localizada nos rincões mais distantes e isolados do Brasil. Em outra esfera do Poder Público também se agiu. Assim, em abril de 2002 foi promulgada a Lei 10.496 que, entre outros assuntos, trata da universalização do atendimento de energia elétrica no Brasil. Este trabalho faz uma avaliação da lei e apresenta propostas para auxiliar a ANEEL em seu trabalho de regulamentação da lei.

Palavras chaves: universalização; eletrificação rural; reestruturação; legislação.


ABSTRACT

The present global efforts of privatization and deverticalization have brought, in the last few years, changes to the structure of the state-owned electric industry of Brazil, including the up-bringing of new agents and of a new regulatory framework. The electric industry has been the field for the breaking-up of state-owned giants into segments for generation, transmission and distribution and also for the up-bringing of companies devoted exclusively to electric energy commercialization. The new agents, specially ANEEL, the "Agência Nacional de Energia Elétrica", are the cause of profound changes in the daily life of companies and people. These changes aim at increasing the quality of electric services through incentive to competition and tighter fiscalization on the enforcement of the new regulation. But the subject of universalization of electrical services, particularly in rural areas, has not even been considered in the initial years of the Brazilian electric industry restructuration. Only by the of year 2000 has ANEEL started public discussion of new legislation intending to put an end to the lack of electric service to millions of people located in remote isolated areas of Brazil. Along with this action of the Executive Power, the Legislative Power has also started self-motivated action. As a result Law 10.496 has been approved, in April 2002, to set new objectives for the effort of electric service universalization in Brazil. The present paper analyses the Law and forwards suggestions to help ANEEL in their job of regulamentation of the subject.


 

 

INTRODUÇÃO

O processo de reestruturação do Estado brasileiro, ainda em curso e marcado pela adoção de novos paradigmas liberais, tem como um dos seus pilares a reorganização da forma de provimento dos serviços públicos, entre os quais se inclui a eletricidade. Nesse sentido, há uma profunda transformação desse setor. Lamounier (1998) ressalta as mudanças em curso, mostrando a passagem de um cenário estatal para outro fortemente marcado pelas empresas privadas, e destaca a importância de garantir o acesso à eletricidade a todos os cidadãos:

"...naquela época (final do século XIX), eletricidade e telefone eram privilégios, coisas ao alcance de muitos poucos, ao passo que hoje são... Ia dizer apenas coisas ao alcance de muitos, mas na verdade quero dizer mais: coisas que, hoje, são direitos básicos. São claims, ou 'títulos de direito', absolutamente básicos. Estranho, anormal, hoje, é não tê-las. Mesmo quem aluga uma residência, e mesmo num bairro de baixa renda, espera, como direito seu, que tais serviços (água, eletricidade, esgoto, transporte público e, cada vez mais, telefone) lhe serão supridos. É normal que assim seja. O serviço só não será suprido a determinada família se não o puder ser (por razões técnicas ou econômicas de caráter geral) a toda uma coletividade. A todo o bairro, por exemplo. Se é um serviço disponível para alguns, terá de sê-lo a todos. Admitir o contrário eqüivaleria a negar a determinada pessoa algo que não está vinculado à propriedade ou a uma condição de status social, e sim à sua condição de cidadã. Um direito básico, portanto" (Lamounier, 1998).

O conceito de universalização do atendimento de serviços surgiu na formação da comunidade européia.

Stoffaes (1994) mostra que havia, no continente europeu, diversos contrastes na concepção dos serviços públicos em virtude das diferentes correntes ideológicas dos governos. Tal diversidade fez com que os serviços públicos permanecessem fora da lei, em relação ao Mercado Comum Europeu. Tal situação começou a mudar com o advento do Traité de l'Acte Unique de 1985, que introduziu uma mudança fundamental na natureza da Comunidade Européia, qual seja: a instituição do início do poder econômico europeu federal, o que criou a necessidade de unanimidade dos signatários (Stoffaes, 1994).

Mensbrugghe (1996) aponta esta ausência de uma teoria abrangente de serviço público como sendo um dos fundamentos para a emergência recente da noção de serviço universal. A universalização, portanto, estaria diretamente relacionada com a necessidade de se unificar os procedimentos dos diversos países da Comunidade Européia. Por exemplo, a universalização do setor de telecomunicações passou a ser encarado como indispensável à liberalização completa do setor, pois se passou a considerar impensável a existência de duas classes de cidadãos: os que detém informações e os que não as detém.

Barros (1999) mostra que esse conceito de universalização dos serviços públicos foi ampliado por uma jurisprudência da Corte de Justiça de Luxemburgo:

"...em abril de 1994, a Corte proferiu julgamento em que frisa que a companhia de transmissão em questão é concessionária de serviço público e, como conseqüência, tem certo número de obrigações: assegurar o fornecimento ininterrupto de energia elétrica (continuidade do serviço), na integralidade do território de concessão (universalidade do serviço), a todos os consumidores, distribuidores locais ou usuários finais (obrigação de fornecimento - dessert), nas quantidades demandadas a todo momento (adaptabilidade do serviço), sob tarifas uniformes e em condições que não podem variar salvo mediante critérios objetivos aplicáveis a todos os clientes (igualdade de tratamento).

As principais características dos serviços universais foram ainda assinaladas em Comunicação da Comissão Européia (n° C 48, J.O.C.E., 16 de fevereiro de 1994). Para a Comissão, os serviços universais impõem, a seus prestadores a obrigação de assegurar um serviço universal, igual e contínuo (Barros, 1999)".

O reconhecimento da eletricidade como direito básico e, portanto, que deva ser provido a todos, sem distinção ou privilégios, está sendo explicitado agora no Brasil, num contexto em que a privatização das empresas provedoras dos serviços de eletricidade coloca componentes como o lucro e a competição com maior ênfase. Acrescenta-se também o fato da sociedade brasileira ser marcada por profundas desigualdades sociais e econômicas, em que grande parte da população encontra-se desprovida de vários direitos básicos, entre os quais a eletricidade, e encontra-se aqui a motivação pare este trabalho: o que está sendo feito e quais as perspectivas, dentro desse contexto, para que realmente haja a universalização do serviço público de energia elétrica, particularmente que se garanta o atendimento na zona rural.

 

A UNIVERSALIZAÇÃO DO SERVIÇO DE ENERGIA ELÉTRICA

Como conceituar universalização? No nosso entender, o termo universalização pressupõe duas vertentes, distintas e interligadas, que afetam de maneira diversa grupos de pessoas que se distinguem pela classe social e área geográfica.

Uma primeira vertente refere-se ao acesso ao serviço de energia elétrica. No caso brasileiro, dados da Eletrobrás (1999) indicam que 20 milhões de pessoas não tem acesso ao serviço de eletricidade, basicamente nas áreas rurais dos estados.

A segunda vertente é a questão do acesso contínuo ao serviço de energia de eletricidade. Mesmo as pessoas que possuem uma conexão física à rede podem não possuir capacidade econômica para manter esse acesso, ou seja, não possuem renda para poder arcar com os custos do serviço. Sendo a energia elétrica um serviço público básico com grande inelasticidade oferta-demanda (aumento em seu preço não implica em redução em seu consumo), ocorre uma alocação desproporcional de renda das famílias para esse segmento ou o corte ao acesso que, via de regra, não é efetivo, levando a uma ligação clandestina. A existência de grupos de pessoas nessa condição caracteriza um problema de acesso, que está sendo discutido agora pelo setor.

Uma característica que liga os dois pontos é o público afetado. Tanto em relação à questão da conexão, quanto à questão econômica do acesso, a população atingida é a mesma: os extratos sociais mais pobres e excluídos.

Esses dois pontos caracterizam o problema da universalização e remetem a um outro conceito, o de segurança energética, ou seja, garantir a cada cidadão o direito ao acesso e a um nível mínimo de eletricidade para satisfazer suas necessidades básicas.

Este trabalho se dedica a uma analise da primeira questão, ou seja, a questão da conexão à rede elétrica (ou prover o fornecimento de energia elétrica através de geração descentralizada), particularmente nas áreas rurais.

No antigo modelo do setor elétrico brasileiro, com o predomínio de empresas estatais na atividade de distribuição de energia elétrica, existiam condições para implantação de programas sociais em função da sobreposição dos fins econômicos destas concessionárias com os objetivos sociais e políticos do governo que as controlava, mesmo estando essas metas à margem da regulamentação. Essa situação, no entanto, ficou profundamente modificada desde a introdução das empresas privadas nas atividades de distribuição e comercialização de energia elétrica.

Naturalmente, assumir programas deficitários não faz parte dos planos dos novos controladores e, por isso, é fundamental ter definido com clareza o que significa "rentabilidade" quando se tratam de programas de eletrificação de interesse social.

Contudo, o novo modelo não deve fazer com que os programas de eletrificação de interesse social venham a ser considerados como um desvio que existiu nas empresas de serviços públicos enquanto elas eram administradas pelo poder público. Cumpre à legislação garantir as condições para que esses serviços possam servir à população em geral, garantindo a universalização. Cumpre ao Estado fazer cumprir a lei.

 

O CONCEITO DE SERVIÇO ADEQUADO

A Constituição Federal faz distinção conceitual entre serviço público e atividade econômica, mas não distingue quais atividades seriam enquadradas essencialmente como serviços públicos. Certos tipos de atividade econômica passam a ser serviços públicos e vice-versa, dependendo da natureza e amplitude das demandas sociais, econômicas e políticas ao longo do tempo. A energia elétrica, antes tipicamente uma atividade privada, hoje tem uma conotação pública marcante, em função da demanda da sociedade e da sua importância para promover o desenvolvimento sócio-econômico do país (Barros, 1999).

A questão da universalização do atendimento não está explicitamente mencionada nos decretos, portarias e leis, ficando subentendida como parte da prestação obrigatória, por parte dos concessionários, de serviço adequado mencionado no art. 175 da Constituição Federal e na lei 8.987 de 13/02/95.

CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL

"Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos.

Parágrafo Único. A lei disporá sobre:

IV - a obrigação de manter serviço adequado."

LEI 8.987, DE 13 DE FEVEREIRO DE 1995

"Art. 6º Toda concessão ou permissão pressupõe a prestação do serviço adequado ao pleno atendimento dos usuários, conforme estabelecido nesta Lei, nas normas pertinentes e no respectivo contrato.

§ 1º Serviço adequado é o que satisfaz as condições de regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas."

Na expressão serviço adequado foram sintetizados os princípios regedores de todo serviço público ou utilidade pública, quais sejam, regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas, cabendo ao concedente o poder-dever de fiscalizar e zelar pelo atendimento dos mesmos, agora elevados à categoria de direitos ao consumidor. Entretanto, o arcabouço legal da reestruturação do setor elétrico não estabelece metas de universalização, transferindo parte da responsabilidade e liberdade da definição desses patamares aos concessionários, via contrato.

A obrigatoriedade de atendimento universal aos diversos segmentos da população consta dos contratos de concessão, não constando, no entanto, diretrizes e metas a serem cumpridas e por conseguinte, fiscalizadas.

Por exemplo, no inciso II da Cláusula Quinta - Encargos da Concessionária do contrato de concessão da Eletropaulo consta o dever do atendimento a populações de baixa renda, atendidas as normas do poder concedente:

II - dar atendimento abrangente ao mercado, sem exclusão das populações de baixa rena e das áreas de baixa densidade populacional, inclusive as rurais, atendidas as normas do Poder Concedente e da ANEEL;"

Na Quinta Subcláusula da Cláusula Segunda - Condições de Prestação do Serviço, está definida a obrigatoriedade de realizar obras necessárias ao fornecimento de energia, com uma restrição explícita aos "limites de investimento estabelecidos pela legislação":

"Quinta Subcláusula - A concessionária é obrigada a realizar, por sua conta, até os limites de investimento estabelecidos pela legislação, os projetos e as obras necessárias ao fornecimento de energia elétrica aos interessados, até o ponto de entrega."

Na Cláusula Quarta - Expansão e Ampliação dos Sistemas Elétricos está definida a obrigatoriedade de garantir o atendimento da demanda não constando, no entanto, diretrizes a serem seguidas:

Cláusula Quarta - Expansão e Ampliação dos Sistemas Elétricos

"A concessionária obriga-se a implantar novas instalações e a ampliar e modificar as existentes, de modo a garantir o atendimento da atual e futura demanda de seu mercado de energia elétrica, observadas as normas e recomendações dos órgãos gerenciadores do Sistema Elétrico Nacional, do Poder Concedente e da ANEEL."

Porém, a Segunda Subcláusula da Cláusula Quarta refere-se à implementação de extensões de rede para atender núcleos distantes, através da solicitação do governo do Estado, que responderá financeiramente, de acordo com as normas estabelecidas:

"Segunda Subcláusula - A concessionária obriga-se a realizar as obras de expansão e/ou ampliação do sistema elétrico, que representem a alternativa de mínimo custo e tecnologia adequada, necessárias ao atendimento de um conjunto de consumidores solicitado pelo Governo do Estado de São Paulo, mediante acordo escrito. A execução das obras fica condicionada ao recebimento, pela concessionária, de contribuição do Estado de São Paulo no valor correspondente à diferença entre o custeio das obras e o limite de investimento de responsabilidade da concessionária, segundo as normas estabelecidas pelo poder concedente e pela ANEEL.".

Assim, pelo que consta no contrato de concessão, a concessionária transfere ao Estado o atendimento de populações em condições que não estejam claramente inseridas em suas obrigações legais e os possíveis ônus de investimentos deficitários. É interessante notar que há cláusulas com a mesma redação nos contratos firmados entre a União e a COELBA, na Bahia, em 8 de agosto de 1997; a CEMAT, no Mato Grosso, em 11 de dezembro de 1997; e a CELPA, no Pará, em 28 de julho de 1998.

O mecanismo pelo qual se deve implementar tal compromisso passa por incentivos e financiamento para expansão e melhoria do sistema para atendimento de populações carentes, bem como tarifas de fornecimento que sejam compatíveis com a situação social e econômica dos beneficiários.

Tal situação foi revista pelo Poder Concedente. Em 2000 a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) lançou uma Minuta de Resolução que tratava da universalização. A Minuta foi objeto de Audiência Pública na qual foi arduamente discutida pelos agentes do setor. Em paralelo era discutido no Congresso Nacional um projeto de lei que, entre outros assuntos do setor elétrico, também discutia a questão da universalização do atendimento. Em função da crise de abastecimento de eletricidade de 2001, foi editada, em dezembro de 2001, a Medida Provisória 14, aprovada como Lei 10.496 pelo Congresso Nacional em abril de 2002. Esta nova lei, embora traga diversos pontos controversos referentes a pagamentos que deverão ser efetuados pelos consumidores às concessionárias decorrente do racionamento de energia, traz um importante avanço para a sociedade: explicita que novas ligações deverão ser custeadas pelas concessionárias. No entanto, para que a lei possa realmente ser aplicada, ainda falta sua regulamentação pela ANEEL.

 

ANÁLISE DAS PROPOSTAS DE LEGISLAÇÃO SOBRE A UNIVERSALIZAÇÃO DO ATENDIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA

Em 2000 a Agência Nacional de Energia Elétrica expediu Minuta de Resolução que tratava especificamente da universalização do atendimento. Foi um importante passo para proporcionar os benefícios da eletricidade a todos os cidadãos brasileiros. Em abril de 2002, o Congresso Nacional promulgou lei que, entre outros assuntos, transfere os custos das novas ligações para os concessionários. Uma batalha para garantir luz elétrica em todas as residências estava ganha. No entanto, ainda se faz necessário que a ANEEL estabeleça uma resolução que regulamente a aplicação da lei. A seguir será feita uma avaliação da antiga Minuta de resolução da ANEEL e da nova Lei. Sugestões serão apresentadas visando proporcionar elementos para o aprimoramento dos trabalhos da ANEEL sobre universalização do atendimento.

Projeto de Resolução da ANEEL sobre universalização do atendimento de energia elétrica.

A antiga proposta de resolução da ANEEL que trata do acesso universal à energia elétrica, em áreas rurais, pode ser resumida através dos pontos seguintes:

• a concessionária ou permissionária de energia elétrica será responsável, até o ponto de entrega, pelos custos das obras para atender novas ligações ou para efetuar eventuais aumentos de carga;

• o concessionário deverá entregar à ANEEL um Plano de Universalização do Atendimento Rural que contenha, no mínimo, as seguintes informações:

sendo:

TUC(r) - total de unidades consumidoras rurais do conjunto, no período considerado;

TU(r) - total de unidades rurais eletrificadas e não eletrificadas do conjunto considerado.

A lei 10.496.

A lei 10.496 versa sobre a regulamentação do setor elétrico brasileiro. Um dos pontos é a questão da universalização do atendimento.

Pela lei, caberá a ANEEL, através de Resolução específica, fixar metas de atendimento para cada concessionária ou permissionária, considerando as seguintes condições:

• a ANEEL fixará áreas, progressivamente crescentes, em torno das redes de distribuição, nas quais o atendimento de novas ligações, ou aumento de carga, deverá ser totalmente custeado pelas concessionárias e permissionárias de energia elétrica;

• fixar áreas progressivamente decrescentes, nas quais o atendimento de novas ligações poderá ser postergado para um horizonte temporal definido pela ANEEL, sendo que, após vencido o prazo, os custos do atendimento serão de responsabilidade exclusiva das concessionárias e permissionárias de energia elétrica.

A lei também estabelece que, caso haja interesse, interessados poderão antecipar suas ligações, financiando em parte ou no todo os custos necessários para efetuar o atendimento, sendo que após a carência do prazo fixado pela ANEEL, as concessionárias e permissionárias terão de restituir os valores despendidos pelos consumidores.

Também está previsto a possibilidade da ANEEL vir a licitar, para contratação de permissão de serviço público, áreas já concedidas cujos contratos contenham cláusula de não exclusividade. Estas licitações ocorreriam caso as concessionárias detentoras das áreas não atendessem as exigências de atendimento fixadas pela ANEEL.

A lei também prevê que caberá a ANEEL fiscalizar o atendimento, por parte das concessionárias, das metas fixadas de universalização do serviços de energia elétrica, sendo que os desvios das metas devem ser considerados na época da revisão tarifária das concessionárias.

Um ponto importante previsto na lei é que, caso não haja regulamentação por parte da ANEEL no prazo de um ano de sua publicação, todas as novas ligações nas áreas de concessão ou de permissão passarão a ter seu custo bancado pelas concessionárias e permissionárias.

Comentários, criticas e sugestões.

A nova Lei, quando devidamente regulamentada pela ANEEL, altera significativamente a questão da eletrificação rural no Brasil, pois inverte o ônus do investimento: atualmente, a legislação prevê que a maior parte do custo de uma obra é de responsabilidade do interessado, sendo que o concessionário investe seu limite obrigatório (fixado por Portaria do antigo DNAEE - Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica) e ainda incorpora a nova rede em seu patrimônio, assumindo os encargos de sua operação e manutenção (que são pagos pelos consumidores - estão embutidos no valor da tarifa de energia elétrica).

Com a modificação da legislação, caberá ao concessionário arcar com todo o investimento. Este custo será, posteriormente, repassado aos consumidores na época das revisões tarifárias, previstas para ocorrer a cada cinco anos. Assim, a sociedade vai estar contribuindo para reduzir o déficit social no campo. Estudos preliminares indicaram que o impacto nas tarifas serão de, no máximo, na ordem de 1%, referentes ao valores atuais. Outros estudos chegaram a números maiores, porém ainda pequenos.

A mudança da legislação tende a conduzir as concessionárias a buscar alternativas mais econômicas de atendimento, pois, embora os custos sejam repassados para a tarifa, a concessionária terá de arcar com os investimentos iniciais. Portanto, cria-se a expectativa das empresas de energia elétrica buscarem alternativas simplificadas para o atendimento, através de sistemas monofásicos ou de geração descentralizada.

A Lei prevê a possibilidade de licitações de áreas já concedidas nas quais as concessionárias não cumpram com suas obrigações. Tal fato cria um leque de possibilidades, pois pode-se procurar elaborar alternativas de atendimento para estas regiões utilizando-se as ferramentas do Planejamento Integrado de Recursos. Um estudo inicial sobre essa possibilidade foi apresentada por Galvão et al (1999) na XVII Conferência Latino Americana de Eletrificação Rural (XVII CLER), no Recife.

No que se refere à futura Resolução da ANEEL, Pazzini et al (2001) destacam alguns pontos discutidos por ocasião da Audiência Pública realizada no final de 2000 que ainda são pertinentes:

• a metodologia utilizada para a identificação do mercado não atendido deveria ser elaborada pela ANEEL, ou por esta delegada para entidades competentes, devendo o custo para a confecção desta metodologia ser de responsabilidade das concessionárias. Isso permitiria um maior controle por parte da ANEEL, tornando o processo mais confiável. Também, a participação de agentes qualificados e isentos no processo aumentaria as garantias de que todo o mercado existente está sendo coberto;

• deveriam ser realizadas Audiências Públicas municipais ou regionais para divulgar o Plano de Universalização do Atendimento Rural. Isto permitiria que entidades vinculadas ao desenvolvimento rural dos municípios ou regiões, geralmente os detentores de maior conhecimento das carências da zona rural, proporcionassem subsídios para garantir a validade dos números de propriedades rurais sem energia elétrica;

• deve estar claro na Resolução que o atendimento sem ônus para o consumidor será de forma perene, evitando dúvidas quanto as responsabilidades por novas ligações em horizontes de mais longo prazo;

• quanto à devolução de recursos utilizados para antecipação das ligações, seria mais justo que as concessionárias realizem a devolução dos investimentos de forma integral, logo após o término do prazo de carência que vier a ser estipulado.

Na época da Audiência Pública promovida pela ANEEL os principais questionamentos das concessionárias referia-se à legalidade da extinção da participação financeira por meio de resolução, já que há decretos presidenciais que prevêem essa participação e a um possível desequilíbrio econômico-financeiro da concessão, motivado pela carga adicional de investimentos necessários à universalização. Parece que a lei aponta um novo horizonte para a questão, ao explicitar a necessidade dos investimentos das concessionárias. Também, as concessionárias propunham uma universalização qualificada", excluindo alguns setores, o que contraria o próprio princípio. Outra questão levantada na audiência pública foi a necessidade de diferenciar os prazos de atendimento por região, levando em conta as disparidades regionais brasileiras.

Em relação ao possível rompimento do equilíbrio econômico-financeiro das concessões, decorrente da adoção da universalização, as concessionárias argumentavam que deve ser, então, concedida uma revisão tarifária especial, que aumente as tarifas, para restaurar o suposto equilíbrio perdido. À época a ANEEL respondia que eventuais desequilíbrios, por força da universalização ou de qualquer outro fato, pode sempre ser corrigido pelo instrumento da revisão extraordinária. Esse processo de revisão, porém, implica na análise de toda a situação econômica da concessionária, inclusive prevendo a repartição dos ganhos de eficiência obtidos, com a possível redução das tarifas.

O que se pode perceber é a existência de um jogo entre a agência reguladora e as concessionárias. A adoção da resolução proposta vai seguramente levar a um aumento nos custos da concessionária. A questão é saber de quanto será esse aumento, dado que ainda não foi explicitado por nenhuma delas. A agência aposta que tais custos sejam absorvidos pela concessionária sem que ela peça uma revisão tarifária. Segundo estudos da ANEEL, a rentabilidade atual das distribuidoras está bastante elevada, decorrente dos cortes de custos efetuados e da majoração das tarifas acima do aumento de custos das empresas, o que inibe o pedido de uma revisão que, provavelmente, irá fazer com que a empresa deixe de capturar todos esses ganhos. De certa forma, a tomada de posição da ANEEL em exigir a universalização nesse momento é uma maneira indireta de compensar esses ganhos excessivos.

Também, antiga proposta de resolução, não sendo clara em muitos aspectos, centralizava as decisões e as carregava com um alto grau de subjetividade, na medida em que seria a ANEEL que iria julgar os Planos de Universalização, as metas propostas, a fiscalização do seu cumprimento e a decisão sobre a qualidade dos investimentos a serem feitos (seus custos - prudentes ou não -, a opção pelo uso de energias alternativas ou extensão de rede, a educação do público a ser atendido, etc.). Os critérios de julgamento, apesar de possivelmente ainda não estarem disponíveis, deveriam ser mais objetivos para evitar favorecimentos ou captura da agência causada pela assimetria nas informações.

Outro ponto relevante, contemplado tanto na antiga proposta de resolução como no Programa "Luz no Campo", seria a possibilidade de utilização de energias alternativas para prover o serviço de energia elétrica, ao invés da extensão da rede. Há grandes regiões no Brasil onde tais instalações são mais viáveis economicamente e é importante o seu fomento.

 

CONCLUSÕES

As mudanças que afetam os serviços públicos brasileiros já são uma realidade. Empresas privadas ocupam, atualmente, o lugar de companhias conhecidas dos consumidores, gerando dúvidas quanto suas políticas de procedimentos.

Ao Estado cabe a árdua tarefa de fiscalizar o desempenho da prestação dos serviços públicos, zelando pelo bom atendimento aos consumidores. Para tanto, é necessário um arcabouço legal sólido, permanente e que seja fruto de um amplo debate com os mais variados segmentos da sociedade.

A presente discussão sobre universalização de atendimento de propriedades rurais vem cobrir uma lacuna que perdurava a muitos anos no setor elétrico brasileiro. A parte da lei 10.496 que trata da universalização do atendimento de eletricidade é objeto de lutas de pesquisadores e engenheiros que se embrenham por essa área da distribuição de energia. A concretização desse marco legislativo será, sem a menor dúvida, um marco fundamental para iluminar todas as propriedades do campo brasileiro, proporcionando dignidade e uma melhor qualidade de vida a milhões de cidadãos.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

[1]Lamounier, B. Utilidades públicas, cidadania e participação. In: A privatização no Brasil - o caso dos serviços de utilidade pública. Editado pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social. Rio de Janeiro, fevereiro de 2000. Material disponível na Internet - www.bndes.gov.br/publica/ocde.htm

[2]Stoffaes, C. "L'Europe à l'épreuve de l'intérêt général". Aspeurope, Paris, França, 1994.

[3]Mensbrugghe, F.R. van der. "Synthèse des rapports nationaux - vers um service public européen". Aspeeurope, Paris, França, 1996.

[4]Barros, C.V.M. de "Reestruturação do setor elétrico e concorrência". Tese apresentada à Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo para obtenção do Título de Doutor em Direito. 222 p. São Paulo, 1999.

[5]Eletrobrás - Centrais Elétricas Brasileiras S.A. "Luz no Campo" - programa nacional de eletrificação rural - normas operacionais (versão preliminar). Brasil, março de 1999.

[6]ANEEL - Agência Nacional de Energia Elétrica. Minuta de Resolução que estabelece as responsabilidades do concessionário e permissionário quanto à universalização da prestação do serviço público de energia. Brasília, 2000. Material disponível na Internet - www.aneel.gov.br

[7]Câmara Federal. Lei 10.946 - regulamenta o setor elétrico. Brasília, 2002 - www.energiabrasil.com.br .

[8]Galvão, L.C.R. "Uma proposta básica para eletrificação rural no novo cenário elétrico brasileiro: aspectos público e privado". In: XVII Conferência Latino Americana de Eletrificação Rural - XVII CLER. Recife, 1999.

[9]Pazzini, L.H.A. et al "Universalização do atendimento de energia elétrica em áreas rurais - perspectivas do Brasil". In: XVIII Conferência Latino Americana de Eletrificação Rural - XVIII CLER. San Jose, Costa Rica, abril de 2001.