4, v.2Novos coeficientes de angstrom para a estimação da radiação solar no Nordeste do BrasilO mercado brasileiro de energia elétrica lições e perspectivas decorrentes do racionamento author indexsubject indexsearch form
Home Pagealphabetic event listing  





An. 4. Enc. Energ. Meio Rural 2002

 

O fator de carga no custo do kwh em micros centrais hidrelétricas isoladas

 

 

Gilnei Carvalho Ocácia; Roberlaine Ribeiro Jorge; Anildo Bristoti; Antenor Balbinot

Universidade Luterana do Brasil

 

 


RESUMO

Sistemas isolados de suprimento de energia atendendo a um consumidor ou a um grupo de um mesmo padrão, requerem uma distribuição da carga considerando restrição de horário para determinadas utilizações, minimizando picos de demanda, diminuindo o valor do investimento e do kWh.
Neste trabalho são considerados três casos: a) uma MCH, 50 KVA, queda de 10m e vazão de 900 L.s-1, suprindo energia para onze residências e para irrigação de melão e funcionamento de uma agro-indústria de moagem e produção de embutidos; b) uma PicoCH, 5 kVA; para alimentar quatro residências e pontos de iluminação; e, c) uma PicoCH, 2 kVA, 12m e 30 L.s-1, para suprir energia residencial e para refrigeração de leite.
No primeiro caso, há disponibilidade mensal de 36 MWh, contra um consumo residencial médio de 2,5 MWh perfazendo um fator de carga de 6,94%. A agro-indústria viabilizará o investimento. O suprimento obedece a critérios de prioridades: a agro-indústria, funcionará somente durante o dia, exceto nos horários de irrigação e, o aquecimento de água, somente nos períodos de pequena demanda. A utilização de "freezers" requer seu acionamento na noite anterior a sua execução, para formação de banco de gelo.
No segundo caso, há uma disponibilidade de 540 kWh por residência devido ao elevado fator de carga. No terceiro, o fator de carga fica entre 25 e 33%. E uma pequena barragem de acumulação permite a geração por 6 a 8 horas diárias. O sistema atende o período de ordenha e a energia excedente é acumulada em baterias.


ABSTRACT

Isolated systems of energy supply assisting a consumer or a group of a same pattern, request a distribution of the load considering schedule restriction for certain uses, reducing the cost of the investment and of the price for kWh.
In this work tree cases are analyzed: a) a Small Hydro Power, of 50 KVA, fall of 10m and flow of 900 L.s-1, supplying energy for eleven houses and for irrigation of melon farmings and operation of a grinding agriculture-industry and production of sausages. b) a Pico Hydro Power, of 5 kVA to energy supply for four residences and illumination points; and,; e, c)a Pico Hydro Power, of 2 kVA, 12 m and 30 L.s-1, to supply residential energy and for cooling of milk.
In the first case, while the monthly energy available would be 36 MWh, only 2,5 MWh is used for residential supply. Therefore the load factor is. The entrance in operation of the agriculture-industry is what will make viable the investment. The supply obeys criteria of priorities. The agriculture-industry should only work during the day, except in the period for irrigation. Heating of water is accomplished in the periods of small demand of the other loads. The freezers should requests start working in the previous night before its use, in order to form a bank of ice.
In the second case, there is a readiness of 540 kWh for residence due to the high load factor. On installation (c) the construction of a small accumulation dam allows the electric power generation for a period from 6 to 8 hours daily The load factor is between 25 and 33%. The system is turned on during the period of milk cooling and the spare energy goes to a bank of batteries.


 

 

INTRODUÇÃO

PATTERSON (2000) defende a tese de que a eletricidade não é uma "commodity" (mercadoria). O motivo desta afirmação está no fato de que dos seis bilhões de habitantes existentes na Terra, cerca de dois bilhões não tem acesso à eletricidade. Estes só poderão ingressar na modernidade ( partindo do pressuposto de que a eletricidade é fundamental para este "desideratum"), produzindo eletricidade a partir de fontes primárias locais ou seja de forma descentralizada. As fontes primárias locais mais apropriadas são: hídrica, eólica e solar direta.

Por outro lado, na era da globalizaçào é inadmissível que cerca de um terço da humanidade não disponha de eletricidade. Esta assertiva não se baseia somente em sentimentos humanitários de solidariedade mas tambem tem motivos econômicos, pois o acesso à eletricidade traz consigo a necessidade da aquisição de eletrodomésticos, por exemplo. Situação que interessa muito aos fabricantes destes equipamentos.

Considerando as três fontes primárias de origem solar que podem suprir eletricidade para residências e comunidades distantes das redes públicas (BALBINOT, 2002),a energia fotovoltáica é sem sombra de dúvida a mais disponível ( o sol nasce para todos diz o adágio popular). No entanto, atualmente, a eletricidade fotovoltáica ainda é bastante cara. Quanto à energia eólica, a questão econômica é mais favorável do que a solar direta. Porém, além de apresentar uma disponibilidade muito mais restrita, também não é competitiva com os aproveitamentos hidráulicos.

Assim sendo, sempre que houver disponibilidade, a energia de origem hídrica tem prioridade sobre as outras duas. Esta situação deu origem a um movimento mundial para difundir aproveitamentos hidrelétricos de baixíssima potência (KAREKEZI, 1995), denominados de Pico Centrais Hidrelétricas (PiCHs ). A faixa das PiCHs vai até 5 kW.

Para cada região onde é pretendida a implantação de unidades de geração, constituem uma necessidade a avaliação dos aspectos técnicos e econômicos relativos à construção de PiCHs, levando-se em conta fatores tais como disponibilidade de materiais locais para a construção de pequenas barragens, tipo de formação geológica dos leitos dos arroios e rios, topografia, métodos expeditos de avaliação de vazão, etc. Porém, como em todo e qualquer sistema energético, o fator de carga da instalação é fator decisivo no custo final da energia utilizada.

 

FATOR DE CARGA

Tradicionalmente, o custo do kW instalado é utilizado como referência dos investimentos em geração hídrelétrica, servindo de parâmetro de comparação entre diferentes aproveitamentos, usualmente, na forma empregada para as usinas do sistema interligado que utilizam um referencial de fator de carga de 50%. Desse modo, a potência média utilizada apresenta um custo duas vezes maior do que o custo de instalação. Nesses sistemas, a carga total instalada é muito superior a demanda real a cada instante, porém, como apresentam os mais diversos fatores de carga e são independentes - somente os consumidores em tarifa horo-sazaonal são submetidos a condicionantes tarifários – sua distribuição estocástica ao longo do dia faz com que a demanda efetiva seja muito inferior ao somatório de todas as cargas supridas pelo sistema interligado. Na verdade, não são totalmente independentes pois existem alguns condicionantes externos como por exemplo, a necessidade de iluminação pública, as atividades pessoais relacionadas com início e final da jornada de trabalho, etc. Mas são tão diversas, que com a ajuda da política tarifária aplicada aos consumidores com contrato horo-sazaonal, perfazem um fator de carga de 50%.

Porém, para sistemas isolados, os padrões estatísticos utilizados para situações com grande número de eventos, como no sistema interligado, não são válidos. Quando o suprimento energético é realizado a um consumidor isolado, ou a um grupo de consumidores de um mesmo padrão, a situação deve ser analisada caso a caso. Estas unidades, sem exceção, requerem uma distribuição da carga, considerando restrição de horário para determinadas utilizações, de modo a eliminar picos de demanda, aplainando esta curva, e, em consequência, requerendo uma menor potência instalada, com um melhor fator de carga. Fatores de carga entre 25 e 20%, elevam o custo do kW médio utilizado, em relação ao custo do kW instalado, de 4 a 5 vezes, tornando o custo de geração entre 2 a 2,5 maior do que o custo de geração das unidades interligadas. Entretanto, convêm destacar que nos sistemas isolados a geração é realizado junto ao consumo, não incidindo custos do sistema interligado, como, por exemplo, os de transmissão.

 

CASOS

Neste trabalho são analisados três casos, todos em municípios situados no Rio Grande do Sul:

a) o primeiro, no município de Jóia, onde foi implantada uma micro-usina hidrelétrica, de 50 KVA, queda de 10m e vazão de 900 L.s-1, para suprir energia para onze residências rurais, onde vivem 52 pessoas, para irrigação de lavouras de melão e funcionamento de uma agro-indústria de moagem e produção de embutidos.
b) O segundo, no município de São Francisco de Paula, de 5kVA, queda de 75m e vazão de 12 L.s-1, para suprir energia elétrica para quatro residências e para iluminação de uma área de "camping".
c)  O terceiro, também no município de São Francisco de Paula, onde foi implantada uma pico-central hidrelétrica, de 2 kVA, queda de 12 m e vazão de 30 L.s-1, para suprir energia residencial e para refrigeração de leite.

Caso 1

Neste caso, o curso de água oferece uma vazão firme superior a vazão turbinada. Assim, não há necessidade de lago para armazenamento de água, no entanto, a declividade do terreno é pequena, de modo que a altura da barragem (figura 1), de 4 m, é decisiva para formar a queda de 10m.

 

 

A disponibilidade mensal de energia elétrica, é de 36 MWh, contra um consumo residencial médio estimado, de 2,5 MWh, para suprimento de 11 casas, perfazendo um total de 52 pessoas. A usina atendendo somente ao consumo residencial, apresenta fator de carga de 6,94%. Isto eleva o custo em torno de 7 vezes em relação a forma com que usualmente é calculado o custo para as unidades do sistema interligado quando é considerado um fator de carga de 50%. A entrada em operação de uma agro-indústria de moagem de grãos e de produção de embutidos de origem suina é que viabilizará o investimento.

Para atendimento de todas as cargas, com a manutenção de um fator de carga satisfatório, no projeto foi determinado que o suprimento da demanda obedeça a critérios de prioridades. A agro-indústria, que está em implantação, deverá funcionar somente durante o dia, exceto nos horários previstos para irrigação de lavouras de melão. No consumo residencial, o aquecimento de água somente pode ser realizado em horário noturno, nos períodos em que não houver atividades na agro-indústria. Para conservação da carne "in natura" e dos embutidos produzidos, há necessidade de utilização de "freezers". Estes equipamentos devem ser acionados na noite anterior ao dia em que é necessário sua utilização, de maneira a formar um banco de gelo no período em que há uma ociosidade da MCH, fazendo com que seu consumo durante os períodos em que exitem outras demandas, seja minimizado. Esta MCH apresenta um custo US$ 35.000,00 ou de US$ 700,00/kVA.

Caso 2

Neste caso, foi empregado um modo bastante interessante de manter um elevado fator de carga, em pequenas unidades isoladas. É o método apresentado por BRISTOT (2000). Consiste do emprego de cargas resistivas em reservatórios de água (boilers), montadas em paralelo com as demais cargas, e sendo acionadas sempre que uma carga sai de serviço. Quando isto acontece, é detectado pelo respectivo relé de corrente que aciona uma resistência de mesma potência da carga por ele monitorada, de modo que a demanda do sistema permanece constante.

O Núcleo de Energia da ULBRA está testando uma pico-central hidrelétrica implantada no município de São Francisco de Paula. Este aproveitamento foi realizado em uma queda d'água (figuras 2 e 3) situada no Parque das Cachoeiras, com potência limitada, para manutenção da cachoeira, mesmo nos períodos de estiagem, pois esta é uma atração turística do local. Assim, o máximo de água turbinada corresponde a 20% da menor vazão estimada. Foi instalada uma turbina Pelton, acionando um gerador de 5 kVA, atuando com uma vazão máxima de 12 L.s-1 e uma altura de 75 m. Esta unidade supre a energia de quatro residências e de iluminação de uma área de "camping".

 

 

 

 

Foi disponibilizada, para cada residência, uma potência firme (constante) de 750 W que supre energia para as demandas domésticas de iluminação, comunicações, refrigeração e, inclusive, água quente para o banheiro e para a cozinha. Embora o valor da potência seja pequeno, não permitindo a utilização de forma generalizada de equipamentos por limitação de demanda, a disponibilidade mensal de energia, por residência, fica em torno de 540 kWh. Esta unidade apresenta um custo estimado, BALBINOT (2002), de US$ 2.350,00, ou de US$ 470,00/kVA.

Caso 3

Neste caso, o curso de água apresenta uma vazão inferior a requerida para funcionamento contínuo do sistema, pois pela manhã há uma demanda muito superior à média diária devido as operações de ordenha e resfriamento do leite. A solução adotada foi a construção de uma pequena barragem de acumulação (figura 4) que permite a geração de energia elétrica por um período de 6 a 8 horas diárias, conforme a época do ano. Assim, o fator de carga fica entre 25 e 33%. O sistema é posto em marcha pela manhã, às seis horas, atende o período de ordenha e a energia excedente é armazenada em baterias para atendimento da residência no período em que a comporta está fechada para enchimento da barragem, através de um inversor cc/ca.

 

 

Foi instalada uma turbina Banki (figura 5), atuando com uma vazão de 30 L.s-1 e uma queda de 12 m. Esta PicoCH apresenta um custo de US$ 1.300,00, ou US$ 650,00/kVA (ver tabela 1).

 

 

Custos

O custo da MCH (50 kVA) resultou maior do que o das PicoCHs, devido as características topográficas e de solo dos locais de implantação. Para implantação desta unidade foi necessário a construção de um canal de adução de 600 m para obtenção da altura de 10 m, pois a declividade do local é muito pequena.

Na figura 6, são apresentadas curvas de estimativas de custos do kWh, considerando investimentos de US$ 400,00 a US$ 800,00 por kVA instalado, taxa de juros de 12%aa e 20 anos para amortização. Utilizando-se US$ 0,03/kWh como referência, verifica-se que para investimentos de US$ 400/kVA, um fator de carga de 20% já confere atratividade ao investimento. Verifica-se, também, que a cada US$ 100,00 de acréscimo no investimento, há necessidade de um acréscimo de 5% no fator de carga.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em relação aos casos considerados neste trabalho, verifica-se que para a unidade de 50 kVA, consideradas as condições acima referidas, é necessário um fator de carga mínimo de 35%. Já para a unidade de 2 kVA, um fator de carga mínimo de 33%. Ou seja esta unidade, como tem fator de carga inferior a este, atua com custo do kWh superior a US$ 0,03/kWh. A PicoCH de 5 kVA, demandaria um fator de carga de 24%, porém como trabalha com um fator elevadíssimo, apresenta um custo muito baixo do kWh, inferior a US$ 0,01.

O valor do fator de carga que torna a viável a implantação de uma unidade de geração, depende do valor do investimento e do custo admitido para o kWh, além é claro das condições de financiamento.

 

BIBLIOGRAFIA

[1] PATTERSON, Waltt. Transforming Electricity. Editora Earthscan. 2000.

[2] BALBINOT, A. Aspectos Técnicos e Econômicos na Construção de uma Pico Central Hidrelétrica. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Energia, Ambiente e Materiais. ULBRA. Canoas. 2002.

[3] KAREKEZI, S.; RANJA, T. e FRANCIS, O. Small Hydro Power in Africa. Renewable Energy for Development. October 1995, Vol. 8, No. 3.

[4] BRISTOT, Anildo, SANTOS, João Carlos Vernetti dos, BARRETO, Gelson Luis Fer nandes. A Model of Electric Power Distribution Starting from Community Micropower Systems. In: World Renewable Energy Congress VII, 2000, Brighton, Grã Bretanha. Anais. Oxford: Pergamon, 2000, p. 1608-10.