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An. 4. Enc. Energ. Meio Rural 2002

 

O planejamento energético como ferramenta de auxílio às tomadas de decisão sobre a oferta de energia na zona rural

 

 

Marcos Vinicius Miranda da SilvaI; Célio BermannII

IDoutorando do Programa Interunidades de Pós-graduação em Energia, CEP 05508-900 São Paulo, SP Tel.: (11) 3091-2631/2632 Fax: (11) 3816-7828. E-mail: msilva@iee.usp.br
IIProf. Dr. Programa Interunidades de Pós-graduação em Energia, CEP 05508-900 São Paulo, SP Tel.: (11) 3091-2636/2632 Fax: (11) 3816-7828, E-mail: cbermann@iee.usp.br

 

 


RESUMO

O planejamento energético é a única ferramenta capaz de identificar as alternativas mais adequadas para atender as demandas da sociedade. No entanto, a influência de concepções reducionistas e os interesses político-econômicos têm colocado o planejamento energético em questão. Porém, isso não significa que o planejamento energético deva ser abandonado, uma vez que ele ainda apresenta um elevado grau de utilidade.
Este artigo procura resgatar a importância do planejamento energético como ferramenta de auxílio às tomadas de decisão sobre o atendimento das demandas energéticas da população rural. Para isso, utiliza-se como estudo de caso a comunidade do igarapé Combu.
A partir das análises de planejamento energético foi possível identificar entre as várias alternativas de oferta de eletricidade: grupo gerador a diesel, aerogerador, painéis fotovoltaicos, maré-motriz, gaseificador de resíduos de biomassa e conexão à rede elétrica via cabo submarino, e entre algumas alternativas de oferta de energia para a cocção de alimentos: GLP, lenha e carvão vegetal, aquelas que apresentam uma maior racionalidade em termos econômico, tecnológico, social e ambiental, comprovando-se, portanto, a utilidade do planejamento energético no auxílio às tomadas de decisão.

Palavras chaves: Planejamento energético rural; demanda energética rural; comunidade do igarapé Combu


ABSTRACT

The energy planning is only tool capable of identifying the more adequated alternatives to meet the society's energy demands. However, the influence of reductionist conceptions and the political-economic interests have been putting the energy planning in question. But that doesn't mean that the energy planning should be abandoned, for it still presents a high degree of utility.
This article tries to show the importance of the energy planning as a tool for helping in decision-takings on meeting of the rural population's energy demands. For that, the community of the Igarape Combu is used as case study.
Through analyses of energy planning it was possible to identify among several electricity supply alternatives - diesel engine sets, wind generator, photovoltaic panels, tidal generator, gasifier of biomass residues, and connection to electric grid through submarine cable - and among some energy supply alternatives for cooking - LPG, firewood, and charcoal - those that present a larger rationality in economic, technological, social and environmental terms, verifying therefore the utility of the energy planning for helping in decision-takings.


 

 

A UTILIDADE DO PLANEJAMENTO ENERGÉTICO

O planejamento energético apresenta um elevado grau de utilidade. Pelo lado da oferta de energia, ele permite identificar as fontes energéticas mais adequadas em termos tecnológico, econômico, social e ambiental para atender as demandas da sociedade. Pelo lado da demanda, ele permite identificar as tecnologias de uso final capazes de tornar mais eficiente e racional o uso das fontes de energia. Através da construção de cenários futuros sobre o comportamento das demandas, o planejamento energético é de fundamental importância na resolução de conflitos envolvendo oferta e demanda de energia, meio ambiente e desenvolvimento econômico.

A importância do planejamento energético foi reforçada com o surgimento do conceito de desenvolvimento sustentável, uma vez que a utilização dessa ferramenta pode evitar a degradação prematura dos recursos energéticos não-renováveis e/ou apontar alternativas de substituição de fontes de energia, garantindo a oferta necessária à manutenção do desenvolvimento da sociedade.

Esse elevado grau de utilidade torna o planejamento energético uma ferramenta indispensável para auxiliar não apenas as tomadas de decisão, mas também a elaboração de políticas energéticas sustentáveis.

 

OS PROBLEMAS DO PLANEJAMENTO ENERGÉTICO

Foell (1985) e Pearce & Webb (1987) reconhecem que para cumprir de forma satisfatória suas funções, o planejamento energético necessariamente deve estar integrado ao planejamento do desenvolvimento[1 e 2]. Por outro lado, é impossível planejar sem um suporte consistente de informações sobre os sistemas energéticos e áreas afins, portanto, torna-se necessário a existência de uma base de dados objetiva e de qualidade sobre, por exemplo, os recursos energéticos disponíveis, a evolução do consumo de energia nos diversos setores e dos indicadores sócio-econômicos, as diversas tecnologias de oferta e uso final disponíveis no mercado, os impactos sócio-ambientais provocados pelos diversos padrões de produção e consumo de energia. É indispensável também garantir uma certa flexibilidade ao próprio planejamento energético, com a finalidade de acompanhar as mudanças econômicas, tecnológicas e culturais da sociedade.

Na prática, no entanto, as concepções reducionistas têm tornado o planejamento energético pouco efetivo no que se refere a sua funcionalidade, porque elas simplificam os contextos e limitam as análises, sendo comum a construção de cenários sobre a evolução das demandas energéticas que em nada refletem a realidade. Como resultado, tem-se verificado um sobredimensionamento dos sistemas de oferta, grandes desperdícios de energia e de recursos financeiros, uma degradação acelerada dos recursos energéticos endógenos, impactos ambientais significativos, a elaboração de políticas de atendimento energético ineficientes, principalmente quando as demandas se localizam em regiões menos desenvolvidas. Além desses problemas, o planejamento energético está exposto a pressões de grupos econômicos, que defendem determinadas fontes de energia que lhes proporcionam maior lucratividade, e de políticos inescrupulosos, que utilizam a oferta de energia visando os resultados eleitorais.

Esses problemas têm colocado o planejamento energético em questão. Não são poucas as críticas sobre a própria validade do uso dessa ferramenta para auxiliar as tomadas de decisão, em virtude dos sucessivos equívocos ou da incapacidade de responder as demandas da sociedade sem degradar os recursos energéticos e de prever e/ou solucionar com rapidez e eficácia situações de crises na oferta de energia.

Embora essas críticas sejam consistentes, não se pode perder a racionalidade, negando a utilidade do planejamento energético, e abandonar essa ferramenta, pois o completo caos seria instalado. Porém, torna-se urgente retomar as metas do planejamento energético. Para isso, é preciso mostrar que as concepções reducionistas levam a um mal-planejamento e oferecer metodologias alternativas, onde os indicadores utilizados reflitam o mundo real. Sem nenhuma dúvida o passo inicial consiste em proporcionar uma maior flexibilidade ao planejamento energético, visando incorporar as externalidades e permitir a correção dos cenários construídos em tempo hábil. Com relação aos interesses particulares no planejamento energético, a solução para esse problema parece estar ligada à democratização dessa ferramenta, portanto, acredita-se que quanto maior é a participação da sociedade civil organizada no processo de planejamento energético menor é o risco dele privilegiar esses interesses e não as aspirações da sociedade como um todo.

 

O PLANEJAMENTO ENERGÉTICO NA OFERTA DE ENERGIA À ZONA RURAL

As políticas energéticas tradicionais direcionadas à zona rural sempre negligenciaram o planejamento energético, porque para elas o fornecimento de eletricidade via conexão à rede é a única alternativa factível.

Em regiões menos desenvolvidas e fisiograficamente complexas, essas políticas são extremamente excludentes, uma vez que envolvem custos relativamente elevados em muitas situações. Desta forma, há um privilégio para algumas regiões (Tabela 1). Correia (1992) mostra que as regiões economicamente mais desenvolvidas, densamente mais povoadas e com boa infra-estrutura de transporte foram beneficiadas com o acesso à eletrificação[3]. De Gouvello (1993) definiu essa tendência como uma discriminação sócio-econômica[4].

 

 

Com o advento do conceito de desenvolvimento sustentável, um forte apelo sócio-ambiental tomou conta dos escopos dos programas de atendimento energético rural a partir da metade da década de 90 no Brasil. Contudo, programas como o Prodeem (Programa de Desenvolvimento Energético de Estados e Municípios) e Luz no Campo, na prática, continuam negligenciando a importância do planejamento energético no atendimento à população rural pela mesma razão das políticas energéticas tradicionais, ou seja, porque partem com soluções pré-determinadas. No caso do Prodeem, privilegiam-se as fontes renováveis, principalmente os sistemas fotovoltaicos, enquanto que o Luz no Campo enfatiza a oferta centralizada de eletricidade através da conexão à rede.

Essa postura permite afirmar que o forte apelo sócio-ambiental presente nos escopos desses programas não passa de retórica, onde a essência principal é criar mercado para as fontes renováveis e ampliar o número de consumidores das concessionárias de energia elétrica. Essa afirmação fundamenta-se nas seguintes observações: a eletrificação via conexão à rede tem uma essência excludente, principalmente em regiões onde a população é dispersa e de baixo poder aquisitivo, pelas razões já mencionadas. Por outro lado, os sistemas de oferta baseados em fontes renováveis, como os fotovoltaicos, em geral apresentam custos elevados. Sendo assim, limitam-se as demandas da população atendida, geralmente a um ou dois pontos de luz, como forma de reduzir os custos de instalação desses sistemas, criando as condições que garantem o retorno dos investimentos. Desta forma, a renda torna-se pré-requisito para o atendimento, ou seja, populações que só produzem para o autoconsumo são naturalmente excluídas porque esses programas não estão integrados a um programa de desenvolvimento rural. Desta forma, deixa-se de lado o aspecto social.

Pelo contingente de pessoas sem acesso aos serviços energéticos na zona rural brasileira, principalmente em regiões menos desenvolvidas como a Amazônia, a função mais importante do planejamento energético é responder as demandas energéticas dessa população, com custos relativamente baixos, sem degradar os ecossistemas locais, que são a principal fonte de subsistência, e sem promover tensões sociais.

Baseado nessas premissas, Silva & Bermann (1999) elaboraram uma estrutura de planejamento energético a partir da proposta de vários autores[5]. Essa estrutura permite avaliar o leque de alternativas de oferta de energia e identificar aquelas mais adequadas em termos econômicos, social, ambiental e tecnológico (Figura 1). Ela é composta por três etapas de análise: diagnóstico local, constituído pela análise das potencialidades energéticas endógenas e das peculiaridades econômicas, sociais e energéticas das comunidades; análise da demanda, que consiste na identificação das demandas social e econômica através dos usos finais, e análise da oferta de energia e suas implicações econômica, social, tecnológica e ambiental. Silva (1997) também enfatiza a necessidade de uma postura ética dos planejadores, onde vantagens e desvantagens de cada alternativa sejam explicitadas em uma linguagem acessível, visando inserir a população no processo decisório[6].

 

 

ANÁLISES SÓCIO-ECONÔMICA E ENERGÉTICA DA COMUNIDADE DO IGARAPÉ COMBU

A comunidade do igarapé Combu1 localiza-se na ilha do Combu, distante cerca de 1,3 km da zona urbana do município de Belém. Esse igarapé situa-se na parte central da ilha, tendo uma extensão aproximada de 4 km (Figura 2).

 

 

Em 1996, sua população era formada por 211 habitantes, residindo em 42 residências, localizadas às margens do igarapé Combu. Como acontece em toda a ilha, existe uma migração de famílias de outras localidades para a comunidade do igarapé Combu, diferentemente do que ocorre no Pará como um todo, onde se verifica um forte êxodo rural. As causas para esse fenômeno provavelmente são decorrentes da produção do açaí e de sua proximidade em relação à zona urbana de Belém, onde esse produto é comercializado.

A comunidade do igarapé Combu possui a melhor infra-estrutura da ilha. Nela, há um centro comunitário, uma escola de ensino infantil, um posto médico e uma estação de captação e tratamento de água. Porém, a comunidade espera soluções para outros problemas de infra-estrutura. Por exemplo, como na comunidade não existe uma escola de ensino fundamental, os filhos dos moradores precisam se deslocar diariamente para a zona urbana de Belém, visando dar continuidade aos estudos. A estação de captação de água, por estar localizada no terço médio do igarapé Combu, não beneficia todas famílias, principalmente aquelas que residem mais distante dessa estação.

A principal atividade produtiva da comunidade do igarapé Combu é a colheita e a comercialização do açaí. Nos períodos de entressafra deste produto (janeiro, junho e dezembro) as famílias dessa comunidade comercializam palmito, camarão, frutas silvestres e a criação de animais domésticos (galinhas, patos e porcos).

Os maiores ganhos das famílias do igarapé Combu ocorrem entre julho a novembro, quando a produtividade do açaí é maior. Nesse período, a renda familiar fica distribuída da seguinte maneira: vinte e duas famílias com renda de no máximo R$ 295 (US$ 118), doze famílias com renda variando de R$ 295 a 490 (US$ 118 a 196) e oito famílias com renda superior a R$ 490 (US$ 196). No entanto, na entressafra do açaí apenas essas oito famílias conseguem manter os rendimentos elevados, porque elas possuem outras fontes de renda. Os ganhos da comunidade do igarapé Combu são gastos na compra de alimentos, roupas, lazer, educação, combustíveis. Além disso, muitas famílias possuem bens duráveis, destacando-se o fogão, a televisão e o rádio (Tabela 2).

 

 

A comunidade do igarapé Combu não tem acesso aos serviços de eletrificação fornecidos pela concessionária estadual. Em virtude da sua proximidade em relação à zona urbana de Belém e do seu poder aquisitivo, há uma diversificação no uso das fontes de energia: querosene, óleo diesel, gás liqüefeito de petróleo (GLP), lenha, carvão vegetal e baterias automotivas (Tabela 3).

 

 

O setor residencial é o maior consumidor de energia na comunidade do igarapé Combu com 65,7%. A fonte de energia mais consumida nessa comunidade é o óleo diesel com participação de 61%. No setor residencial, a elevada participação do óleo diesel está relacionada ao seu uso em grupos geradores para a geração de eletricidade e em lamparinas para iluminação, principalmente pelas famílias de poder aquisitivo mais baixo.

Em relação especificamente ao setor residencial, a cocção de alimentos participa com 79,4% de toda energia consumida nesse setor, sendo o GLP e a lenha as fontes mais utilizadas (Tabela 4). O elevado consumo de GLP está relacionado ao grande número de fogões a gás existente nessa comunidade, enquanto que o alto consumo da lenha está relacionado ao seu uso ineficiente, que leva a um consumo de grande quantidade dessa fonte de energia.

A perda energética total na comunidade do igarapé Combu está em torno de 25%. Essa perda ocorre especificamente no setor residencial. Dos 445,23 MWh anualmente ofertados neste setor apenas 275,23 MWh são efetivamente aproveitados, correspondendo a uma perda de cerca de 38%.

O principal responsável por essas perdas é o uso de grupos geradores sobredimensionados pelas famílias de maior poder aquisitivo. Na comunidade do igarapé Combu existem 8 grupos geradores a diesel, com potência total de 25 kVA, ou seja, uma potência média em torno de 3 kVA por família. O consumo anual de óleo diesel para abastecer essas máquinas é de 18,1 m3, correspondendo a quase 96% de todo o óleo diesel consumido por essa comunidade.

Os gastos com energia na comunidade do igarapé Combu chegam a R$ 29.623 (US$ 11.849). Embora o uso de baterias automotivas apresente o maior custo por energia fornecida R$ 15,3/kWh (US$ 6,1/kWh), a maior despesa está relacionada à compra de óleo diesel, que corresponde a aproximadamente 48% dos gastos totais com energia. Por outro lado, perda da qualidade de vida, provocada pela poluição no interior das residências devido a queima direta do óleo diesel em lamparinas, impactos ambientais locais, decorrentes da provável contaminação do igarapé Combu por metais pesados das baterias automotivas, e redução do poder aquisitivo, devido à utilização de fontes de energia de custos elevados como as baterias, são o ônus do não-atendimento energético na comunidade do igarapé Combu.

 

IDENTIFICAÇÃO DA DEMANDA ENERGÉTICA

A demanda pico social da comunidade do igarapé Combu foi determinada em função das atividades que são realizadas nas residências, no centro comunitário, no posto médico, na igreja, na escola, além da necessidade de energia para o bombeamento de água. A partir do uso de tecnologias de iluminação tanto convencional quanto eficiente, chega-se a uma demanda elétrica pico total variando entre 87,38 kWh/dia (com tecnologia de iluminação eficiente) e 138,02 kWh/dia (com tecnologia de iluminação convencional). Estima-se também um consumo de 248,2 kWh/dia de GLP para a cocção de alimentos, que corresponde a um botijão de GLP/mês por família (Tabela 5). Essa opção pelo GLP decorre do fato de 39 famílias já possuírem fogão a gás. Porém, trabalha-se com a perspectiva de que as três famílias restantes adquiram esse equipamento, o que significa apontar alternativas para que isso aconteça, como por exemplo o financiamento desses fogões.

 

 

Como a demanda elétrica pico ocorre entre as 17 e 23 horas, a potência pico exigida será de 14,89 kW com iluminação utilizando tecnologia eficiente ou de 23,97 kW para iluminação com tecnologia convencional.

Percebe-se que a demanda elétrica da comunidade do igarapé Combu irá variar em função da tecnologia utilizada para a iluminação. Se por um lado, a utilização das lâmpadas fluorescentes compactas contribui para reduzir os investimentos de capital e o custo de combustível, por outro há a necessidade de investimentos mais elevados para a aquisição dessa tecnologia. Com as lâmpadas incandescentes, a situação se inverte. Portanto, que tecnologia traria mais benefícios econômicos para a comunidade do igarapé Combu? Silva (1999) afirma que a viabilidade econômica das lâmpadas fluorescentes compactas é maior do que a das lâmpadas incandescentes[7]. Desta forma, as análises das alternativas energéticas serão realizadas a partir da demanda elétrica mais racional em termos de tecnologia de iluminação.

 

ANÁLISE DAS ALTERNATIVAS DE OFERTA DE ENERGIA

Existem várias alternativas possíveis para efetuar o atendimento da demanda elétrica da comunidade do igarapé Combu: grupo gerador a diesel, sistema fotovoltaico, aerogeradores, gaseificação a partir de resíduos de biomassa, maré-motriz, conexão à rede elétrica via cabo submerso. Porém surge uma pergunta inevitável. Qual destas alternativas possui custos mais baixos, impactos sócio-ambientais gerenciáveis e viabilidade tecnológica? Para obter resposta para essa pergunta é necessário analisar cada uma das alternativas energéticas em questão em termos de viabilidade econômica, sócio-ambiental e tecnológica, conforme mostra a tabela 6.

Os resultados das análises permitem identificar a gaseificação como a alternativa mais racional para o atendimento energético da demanda elétrica pico da comunidade do igarapé Combu, desde que os resíduos de biomassa sejam produzidos nessa comunidade, caso contrário o grupo gerador a diesel torna-se a alternativa mais racional.

Em relação à emissão anual de 64 toneladas de CO2, ou seja, 23 toneladas acima da emissão do grupo gerador a diesel, ela não inviabiliza a racionalidade da gaseificação. Deve ser ressaltado que no período de entressafra do açaí a comunidade realiza o manejo do açaizal, permitindo uma constante renovação das palmeiras de açaí. Embora o potencial de seqüestro de CO2 das palmeiras de açaí não seja conhecido, há fortes evidências de que a diferença entre as emissões do grupo gerador e do gaseificador não inviabiliza esta alternativa, pois a área de manejo é muito grande.

O sistema fotovoltaico apresenta o menor impacto ambiental entre as alternativas analisadas, mas isso é insuficiente para tornar essa alternativa a mais adequada ao atendimento da demanda da comunidade do igarapé Combu, porque ela ainda apresenta custo de geração elevado. Em decorrência disto, bem como dos custos de geração do gaseificador e do grupo gerador a diesel e de seus impactos ambientais de fácil mitigação, o sistema fotovoltaico acaba sendo a terceira alternativa mais interessante. Isso reforça a argumentação de que o planejamento energético não deve considerar apenas um aspecto, seja ele econômico, tecnológico social ou ambiental, mas todos eles.

A pior alternativa é a maré-motriz, porque ela, além de apresentar um elevado custo de geração e causar impactos ambientais de difíceis mitigação, apresenta inviabilidade tecnológica, uma vez que na comunidade do igarapé Combu não existem cursos d'água suficientes para instalar as plantas de geração.

 

OS GASTOS FUTUROS DA COMUNIDADE

Como mostrado na tabela 6, o custo de geração e distribuição de energia, este sem incluir o custo da terra, é de R$ 0,52/kWh (US$ 0,208/kWh). Para cada família de baixa renda o gasto mensal com energia elétrica seria de R$ 13,73 (US$ 5,49), enquanto que o gasto de cada família de média renda seria de R$ 39,47 (US$ 15,79) e de cada família de alta renda de R$ 63,96 (US$ 25,58), sem incluir subsídios na compra do equipamento e do óleo diesel usado na geração.

É evidente que esse custo do kWh da gaseificação ainda está elevado quando comparado com o preço médio do kWh praticado pela concessionária estadual. Porém, percebe-se que ele pode ser suportado pela comunidade no período de maior safra do açaí. Contudo, como forma de tornar mais eqüitativo o acesso à eletricidade, torna-se necessário subsidiar esse custo, pratica que é adotada em relação à energia elétrica comercializada pela concessionária.

 

CONCLUSÕES

Os resultados obtido neste trabalho comprovam a importância do planejamento energético como ferramenta de auxílio às tomadas de decisão no atendimento das demandas energéticas rurais.

A complexidade que caracteriza essas demandas exige metodologias e procedimentos capazes de responder de forma adequada à multiplicidade de questões, sejam elas tecnológicas, econômico-financeiras, sociais e ambientais.

Ficou demonstrado também que sem esse auxílio, as tomadas de decisão apresentam um alto grau de incerteza em termos de racionalidade econômica, tecnológica e sócio-ambiental. Isso significa que sem as análises de planejamento energético torna-se praticamente impossível falar em sustentabilidade dos sistemas de oferta de energia para o atendimento das demandas rurais.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

[1] FOELL, W.K. Energy planning in developing countries; Energy Policy - special issue; v.13; n.4; aug.1985; p.350-354.

[2] PEARCE, D. & WEBB, M.; Rural electrification in developing countries: a reappraisal; Energy Policy; v.15; n.4; aug.1987; p. 329-338.

[3] CORREIA, J.S.S. Eletrificação rural de baixo custo: avaliação e prática; Escola Politécnica - USP; Dissertação de mestrado; São Paulo; 1992; 242p.

[4] DE GOUVELLO, C. Problemática energética no campo. primeira parte: análise dos limites da problemática energética convencional no caso das zonas rurais dos países em desenvolvimento. Reformulação incluindo o meio rural pouco ou não desenvolvido; Anais do VI Congresso Brasileiro de Energia; COPPE-UFRJ / Clube de Engenharia; Rio de Janeiro; 1993; p. 337-341.

[5] SILVA, M.V.M & BERMANN, C.; Estrutura de planejamento energético para pequenas comunidades da Amazônia; Anais do I Encontro de Ciência e Tecnologia da Amazônia; UFPA/GEDAE/CT; CD-ROM; Belém; 1999.

[6] SILVA, M.V.M.; Planejamento energético para pequenas comunidades da Amazônia; Programa Interunidades de Pós-graduação em Energia - USP; Dissertação de mestrado; São Paulo; 1997; 138p.

[7] SILVA, M.V.M.; Benefícios econômicos e ambientais da conservação de energia em pequenas comunidades rurais; Anais do VIII Congresso Brasileiro de Energia; COPPE-UFRJ / Clube de Engenharia; Rio de Janeiro; 1999; p. 50-59.

 

 

1 As informações apresentadas neste trabalho sobre essa comunidade são de 1996, com correção dos ganhos e gastos com energia em valores de 2002. Esse fato não invalida as análises realizadas, pois a intenção é somente demonstrar a utilidade do planejamento energético, utilizando uma situação real.