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An. 4. Enc. Energ. Meio Rural 2002

 

O programa de eletrificação rural "Luz no Campo": resultados iniciais

 

 

Marcos Vinícius GusmãoI; Sílvia Helena PiresI; Marcio GianniniI; Cristiane CamachoI; Fernando PertusierII; Ricardo PessoaII; Erardo LoreiroII; Marta OlivieriII

ICEPEL
IIELETROBRÁS

 

 


RESUMO

A noção de desenvolvimento sustentável no campo está intimamente relacionada com o atendimento das necessidades básicas da população rural, neste caso, de energia elétrica. Observa-se que o acesso a fonte de energia regular e segura é condição necessária, entretanto não é condição suficiente para incorporar este enorme contingente de brasileiros, mais de 10 milhões sem energia elétrica no meio rural, dadas as condições ainda insuficientes de acesso ao trabalho, alimentação, serviços de saúde, educação, moradia, água corrente e tratamento de esgoto, entre outros. Os dados iniciais da pesquisa de campo do Programa Nacional de Eletrificação Rural (PNER) "Luz no Campo" da fase ex-ante, realizadas em todo território nacional, destacam a enorme distância deste contingente populacional, das condições mínimas de cidadania. Desta forma, o perfil de precariedade econômica e social do homem do campo, ratifica a iminente necessidade de se incorporar programas paralelos, entre outros, de geração de renda, melhoria do nível de escolaridade do rurícola e de instrução agrícola, visando de fato permitir consolidar a inclusão social do homem do campo. Dessa forma o acesso a formas modernas de energia seria mais uma barreira que cai, carecendo no entanto de outras ações da sociedade brasileira com vistas a um efetivo desenvolvimento de seu espaço rural.

Palavras chaves: Eletrificação Rural; Programa "Luz no Campo"; Desenvolvimento Sustentável;


 

 

1. INTRODUÇÃO

O acesso à energia elétrica interfere na vida do homem do campo, tanto no aspecto de eficiência microeconômica quanto nos termos de sua integração social. As barreiras para universalização do atendimento ao meio rural são particularidades inerentes a este mercado, considerando, principalmente, sua dispersão espacial que induz a elevados custos iniciais de atendimento e seu padrão de baixo consumo per capita, aumentando assim o tempo necessário para a recuperação do capital investido (NASCIMENTO & GIANNINI [2002]).

Entretanto, para uma melhor avaliação da contribuição de qualquer programa de eletrificação rural, faz-se necessário modificar os critérios de análise de viabilidade para sua implementação, devendo-se incorporar outros componentes como o ambiental e social. Via de regra, os agentes diretos do projeto de eletrificação rural: agricultores, concessionárias e órgãos financiadores tendem a se concentrar nos resultados de curto prazo, colocando de lado, os benefícios sociais dos projetos, que uma análise puramente econômica não denota (NASCIMENTO & GIANNINI [2002]).

Constata-se assim que, apesar dos esforços concentrados no passado, apenas 39%1 das propriedades rurais no país possuem acesso de forma regular e segura à energia elétrica, significando a exclusão de milhões de brasileiros, sem energia necessária à satisfação de suas mínimas necessidades de sobrevivência e sem possibilidade de agregar o valor da energia ao produto agrícola, impedindo ainda tanto o aumento da renda quanto a geração de novos empregos.

Considerando as interações entre a energia e a qualidade de vida, eqüidade e o desenvolvimento econômico, e, por outro lado, entre a energia e a sustentabilidade ambiental, a promoção do desenvolvimento sustentável nas áreas rurais passa necessariamente pelo equacionamento da questão energética. Isto posto, o Programa de Eletrificação Rural "Luz no Campo" objetiva internalizar as premissas deste novo padrão de desenvolvimento, e a sua avaliação é realizada abrangendo os aspectos econômicos, técnicos, sociais e ambientais, buscando obter respostas sob a ótica de cada um dos agentes envolvidos: moradores/produtores rurais, concessionárias e governo.

 

2. CONTEXTUALIZAÇÃO

A noção de estilo de vida moderno está intimamente vinculada ao abastecimento energético regular. Sem ele, a vida moderna torna-se impensável pois a sociedade de consumo está alicerçada em sistemas técnicos de máquinas movimentadas pelas formas modernas de energia. O modus vivendi da sociedade contemporânea não seria viável sem o suprimento vital e regular da energia (Alveal in: De Oliveira [1998]).

Entende-se por desenvolvimento sustentável aquele que concilia métodos de proteção ambiental, eqüidade social e eficiência econômica, promovendo a inclusão econômica e social, por meio de políticas de emprego e renda (MMA [1999]).

Esse estilo de desenvolvimento necessita de uma forte ação social, através de um amplo conjunto de políticas públicas capaz de universalizar o acesso da população aos serviços de infra-estrutura econômica e social, mobilizando os recursos para satisfazer as necessidades presentes, sem comprometer a capacidade das gerações futuras de suprir suas próprias necessidades. Isto posto, neste ambiente se insere o Programa de Eletrificação Rural "Luz no Campo", onde é preconizado, num horizonte de 4 anos, a eletrificação de 1.000.000 de domicílios/propriedades rurais no país, beneficiando diretamente cerca de 5.000.000 de brasileiros, na redução a pobreza e na sua inclusão social.

A década de 90 é um divisor de águas no setor elétrico nacional, que passa por profundas modificações na sua estrutura, conduta e desempenho. Busca-se, em linhas gerais, a introdução da iniciativa privada como financiadora e, em alguns casos, executora de projetos de construção de termelétricas e hidroelétricas, visando, em última instância, o aumento da eficiência microeconômica e da oferta de eletricidade no Brasil. E ainda, na efetivação de um mercado onde se concentrará a concorrência entre os agentes, possibilitando assim que os riscos possam ser compartilhados.

Paralelamente a esta nova realidade da expansão da infra-estrutura energética para atendimento dos grandes centros de consumo, têm-se um Brasil onde há cerca de 4,8 milhões (1996) de estabelecimentos agropecuários, sendo que deste total 2,9 milhões necessitariam ser eletrificados (Tabela 1), grau de atendimento comparável ao dos EUA na década de 40. Esta situação traz à tona a necessidade de se atender a esta enorme demanda reprimida, incorrendo na necessidade de articulação das esferas governamentais tendo em vista desenvolver propostas e implementar políticas com o intuito de suplantar esta grande barreira para o desenvolvimento econômico e social do país.

 

 

Na busca de integrar este contingente, até então desprovido de acesso a energia elétrica, fez-se necessário um amplo programa de eletrificação rural que incorporasse, no seu planejamento, a alavancagem das potencialidades socio-econômicas do campo. Desta forma, este caráter indutor de desenvolvimento, tanto econômico quanto social, é percebido no Programa de Eletrificação Rural "Luz no Campo".

 

3. METODOLOGIA

A avaliação do Programa de Eletrificação Rural tem por objetivo subsidiar a correção de eventuais desvios de metas, bem como refinamento de estratégias de planejamento e dimensionamento de futuros programas. A diretriz básica da pesquisa de campo é avaliar os benefícios proporcionados pela energia elétrica na atividade agropecuária e nas condições de vida do rurícola, como a sua fixação ao campo e a redução dos níveis de pobreza. A sustentabilidade ambiental deve também ser objeto dessa avaliação (NASCIMENTO & GIANNINI [2002]).

A avaliação de um programa de Eletrificação Rural deve contemplar aspectos relativos à oferta e à demanda de energia, subsidiando a elaboração de projeções de demanda, a definição da tecnologia mais adequada de atendimento, bem como a estimativa dos custos, dos investimentos necessários e da capacidade e disposição a pagar por parte dos atendidos. Deve também abranger aspectos relativos à atividade agropecuária na área de estudo, em termos de sistemas de produção, valor da produção, produtividade, estrutura fundiária, aspectos demográficos, nível de emprego e renda. As inter-relações existentes entre os diversos vetores de desenvolvimento rural em cada região devem ser avaliadas, visando a identificação dos fatores restritivos a este desenvolvimento.

No que se refere ao atendimento das necessidades básicas da população, esta avaliação deve fornecer informações sobre as condições de vida da população nas áreas rurais estudadas, tendo em vista a verificação dos vínculos efetivos entre a energia e a eqüidade social. Com relação aos aspectos ambientais, deve considerar a forma e intensidade da utilização dos recursos naturais e da introdução de substâncias nocivas ao meio ambiente nas atividades humanas, potencialmente intensificadas pelo uso de eletricidade.

Para melhor embasar esta avaliação é necessário que seja caracterizada a situação anterior à eletrificação, através de um diagnóstico da situação atual em determinada área rural, bem como, a situação posterior à chegada da energia elétrica, tendo em vista identificar seus impactos efetivos.

A metodologia proposta para esta avaliação deverá ser passível de aplicação em todo o território nacional, resguardadas as especificidades regionais. Tendo em vista a formação de um banco de dados que possibilite análises pontuais (domicílios e propriedades), bem como a integração dos resultados para análises nos níveis regional e nacional, e levando em conta a diversidade de aspectos a serem enfocados, deve-se buscar trabalhar com indicadores representativos das várias situações para reduzir o número de informações requeridas.

A metodologia proposta definiu duas grandes etapas: (i) Caracterização da região de implementação do programa e respectivo mercado de energia - com o objetivo de gerar informações básicas que possibilitem a construção de um quadro de referência para a região de estudo servindo de referência para as análises, e também de um quadro representativo das condições existentes nas propriedades e domicílios rurais da região antes da implantação do programa. (ii) Avaliação dos impactos da eletrificação rural - a ser realizada após a implantação do "Luz no Campo", tendo como finalidade avaliar as externalidades positivas e negativas, tanto do ponto de vista do governo quanto do ponto de vista dos produtores rurais, e subsidiar as análises técnicas e de custo/benefício da concessionária.

A realização dessas duas etapas envolve o levantamento de um grande número de informações. Para o levantamento das informações relativas às condições das propriedades e domicílios (informações primárias por pesquisa direta aos proprietários), encontra-se em andamento uma pesquisa de campo, que está sendo empreendida praticamente em todas as unidades da federação2 abrangidas pelo Programa "Luz no Campo", em três etapas:

Ex-ante - antes da eletrificação da propriedade;

Intermediária - 1 ano após a eletrificação (realizada em uma parte da amostra);

Ex-post - Pelo menos 2 anos após a eletrificação.

Para as informações necessárias à caracterização regional, ganha destaque a coleta e análise de informações através de fontes secundárias, notadamente aquelas produzidas pelo IBGE, quais sejam: Censo Agropecuário e Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, entre outras.

Para a Pesquisa de Campo ex-ante foi elaborado um questionário que foi aplicado a proprietários e responsáveis por moradia em cerca de 440 amostras por estado (Tabela 2). O questionário é subdividido nas seguintes áreas de informação: 1- Identificação da propriedade e do proprietário ou responsável; 2- Caracterização básica da propriedade; 3- Caracterização da residência principal; 4- Nível de vida; 5- Informações econômico-familiares; 6- Recursos produtivos; 7- Questões ambientais e 8- Energia.

 

 

No momento, todos os 21 estados e o Distrito Federal abrangidos pelo PNER "Luz no Campo" inserem-se na etapa Ex-ante do processo (T0) conforme ilustra a Figura 1, esquemática das etapas da pesquisa. Nesta etapa, avalia-se os resultados da pesquisa - informações primárias - em comparação com as informações secundárias (outras fontes institucionais), e elabora-se um painel de informações, caracterizando o perfil do estado. Como desdobramento é elaborado um banco de dados contendo todas as informações obtidas no campo, possibilitando o cruzamento de dados e alimentações futuras. Entretanto, cabe ressaltar que este trabalho atêm-se a analisar as informações de campo por estado, não explicitando aqui informações secundárias.

Em relação ao tamanho da amostra da pesquisa de campo e do número de municípios pesquisados, observa-se a distribuição amostral de 4253 em média para cada estado, encontrando-se distante da média observada os estados de Minas Gerais, Sergipe, Rio de Janeiro e Distrito Federal. No que tange ao número de municípios destaca-se a média de 31 municípios por estado pesquisados, tendo ainda mínimo de 7 e máximo de 100. Mais ainda, quando observado a relação amostra por município pesquisado (Gráfico 1) destaca-se que os estados do Rio de Janeiro e Goiás possuem o menor índice de concentração da amostra por município, i.e., 7,08 e 10,36, respectivamente. Na outra ponta encontram-se os estados do Piauí com 36,67 e do Espírito Santo com 29,47.

 

4. RESULTADOS

Quando abordada a questão da escolaridade observamos um alto percentual de analfabetos. Entre estes destacam-se numa ponta os estados com o maior percentual de analfabetos: Piauí, Paraíba, Sergipe e Bahia com 45%, 42%, 31% e 24%, respectivamente. Na outra ponta observa-se com baixo percentual de analfabetos: Distrito Federal, São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais com 0%, 2%, 7% e 7%, respectivamente (Gráfico 2). Ratifica-se, assim, a idéia de que estados mais dinâmicos da federação possuem um menor percentual de analfabetos e na necessidade de elaboração e execução de políticas públicas que modifiquem tal quadro. Somando-se os percentuais de analfabetos e de indivíduos com o primeiro grau incompleto, chega-se a faixa de 70 a 97% dos entrevistados nas pesquisas de campo.

No que tange ao consumo familiar mensal de alimentos, o item leite possui maior consumo nos estados onde a participação da pecuária leiteira já se consolidou, tendo em vista uma economia agro-industrial mais dinâmica, por estados com maior renda per capita e, por último, por políticas públicas específicas para o consumo do específico item. Estes fatores conjugados explicam o comportamento de alto consumo do referido item para os estado do Mato Grosso do Sul (48 l), Santa Catarina (47 l) e Mato grosso (41 l). Em relação ao item carne (aves e bovina) observa-se seu alto consumo familiar para os estados de Sergipe (22 kg), Santa Catarina (21 kg), Mato Grosso (20 kg) e Mato Grosso do Sul (20 kg). Novamente, o maior consumo destes itens mais nobres são decorrentes da consolidação da pecuária de corte, maior renda per capita e de políticas públicas de aumento de consumo deste item. Com base no Gráfico 3 observa-se o padrão de consumo de alimentos mensal familiar4 dos estados pesquisados.

Em relação ao item pesquisado de renda familiar constata-se que na ampla maioria dos estados pesquisados a renda se concentra no intervalo de ½ a 1 Salário Mínimo (SM). Entretanto nos Estados de Tocantins e São Paulo a distribuição da renda familiar por faixas é mais homogênea. Observa-se, ainda, que para todos os estados pesquisados do Nordeste a faixa acima de 2 SM possui baixíssima participação e alta participação até 1 SM, denotando a característica destes de baixa renda (Gráfico 4).

Paralelamente a informação de renda das famílias pesquisadas, a jornada de trabalho típica varia de 8 a 9 horas diárias, de acordo com o estado. Ressalta-se que poucos trabalhadores rurais possuem carteira assinada, como por exemplo os estados da Paraíba (3%) e do Mato Grosso (4%) numa ponta e na outra ponta os estados com o maior percentual no Distrito Federal (26%) e no Paraná (16%).

Em relação ao lazer e entretenimento das famílias a pesquisa de campo informa grande diversidade de escolhas, entretanto constata-se a opção pela ampla maioria, independente do estado pesquisado, pela preferência por igreja e visitas aos amigos/familiares. Destaca-se, assim, a preferência de atividades de lazer que não necessitem de dispêndios, mais próximo da realidade financeira e cultural dos pesquisados.

Os dados da pesquisa de campo destacam que a grande maioria dos pesquisados são atendidos pela rede pública de saúde. Ressalta-se uma maior procura de atendimento médico particular para o estado do Mato Grosso do Sul com 29% de participação. Em relação as distâncias médias do Posto de Saúde e do Hospital constata-se grande distâncias para os estados do Mato Grosso do Sul (32 km e 42km) e do Mato Grosso (20 km e 50 km). Já para Paraíba (6 km e 12km) e Distrito Federal (7 km e 14 km) constata-se as menores distâncias médias observadas. Infere-se que as distâncias encontradas se relacionam diretamente com a extensão territorial do estado numa ponta e pelo dinamismo econômico do estado no outro extremo.

Em relação ao item de área média total e área média explorada, constata-se que os estados do Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e do Tocantins possuem perfis próximos, ocupando grande extensões. Na outra ponta constata-se que os estados nordestinos possuem perfis próximos, entretanto de pequena ocupação territorial. Esta informação converge para característica observada de estrutura agrária para as macroregiões do Centro-Oeste e do Nordeste (Gráfico 5).

Para o item valor médio da residência e da propriedade rural salienta-se que os maiores valores concentram-se nos estados onde a economia rural é mais dinâmica e ainda onde se verifica propriedades de maior dimensão territorial. Por outro lado, para os estados do Nordeste estes valores atingem os patamares mais baixos. Cabe destacar que devido ao baixo número de respondentes para alguns estados, o valor médio das residências não pôde ser avaliado (Gráfico 6).

Quando abordada a questão da produção pecuária destaca-se a maior participação dos estados do Centro-Oeste, Sul e Sudeste, na outra ponta se posiciona os estados do Nordeste com baixa produção pecuária. Quando desagregada tal informação, é trazido à tona a característica de produção de bovinos para Mato Grosso do Sul e Mato Grosso, para a produção de aves os estados do Paraná, Santa Catarina e Mato Grosso onde possuem maior participação. Destacam-se ainda, na produção de ovinos e caprinos os estados do Rio Grande do Norte e da Paraíba se destacam (Gráfico 7).

Em relação ao uso de crédito agrícola, orientação financeira e orientação técnica constata-se que, na ampla maioria dos estados, as famílias pesquisadas possuem baixo acesso para tais itens. Isto posto, verifica-se a necessidade de se agregar tais instrumentos no cotidiano destas famílias, principalmente quando analisados os efeitos multiplicadores destes itens na geração de emprego e renda.

Para o item pesquisado de gasto mensal das propriedades com "fontes" de energia, constata-se que, em média, as residências e propriedades no Brasil despendem R$ 62/mês distribuídos principalmente entre óleo diesel, gasolina, gás, querosene e lenha. No entanto, quando feito o corte por estado destacam-se algumas particularidades destes, como por exemplo o alto gasto observado nos estados do Mato Grosso (R$ 161), Mato Grosso do Sul (R$ 131), Santa Catarina (R$ 98) e Goiás (R$ 81) (Gráfico 8).

Mais ainda, quando desagregada tais informações, constata-se que nos estados em que as propriedades pesquisadas possuem maior dispêndio em "fontes" de energia, estes caracterizam-se tanto pelo uso final de conforto quanto de produção, i.e., grande participação do diesel, gasolina e GLP. Paralelamente, para os estados onde as propriedades pesquisadas possuem um menor dispêndio como Pernambuco (R$33) e Sergipe (R$ 28), estes inclinam-se a característica de "conforto", i.e, para cozimento tendo em vista a grande participação do GLP e ainda a alta participação do consumo de lenha. Cabe ressaltar que para estes dois últimos estados invariavelmente para o consumo de lenha não havia dispêndio.

Para o item de Eletrodomésticos e Equipamentos Eletrorrurais a adquirir constata-se que, em média para as propriedades pesquisadas, a demanda elevada principalmente para os itens de geladeira, televisão, chuveiro elétrico e ventilador. Estes itens possuem um cunho tipicamente de conforto, explicado pela imensa demanda reprimida por tal questão. Cabe ressaltar que para alguns estados constata-se uma demanda tanto para atendimento das necessidades de conforto quanto também de produção, são estes: Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás, Paraná, Santa Catarina e Tocantins (Gráfico 9).

A pesquisa de campo mostra que grande parte das famílias entrevistadas possuem a intenção de desenvolver novas atividades após a sua eletrificação, tendo destaque para os estados do Mato Grosso (93%), Mato Grosso do Sul (87%), Tocantins (85%) e Goiás (78%). Ratificando, assim, que o programa claramente vai ao encontro das necessidades iminentes destas famílias e ainda faz-se presente sua ampliação horizontal e vertical. Isto é, continuidade do programa tendo em vista integrar o restante da população que neste programa não pôde ser beneficiado e na elaboração de estratégias conjuntas visando não apenas eletrificar, mas sim integrar socialmente e economicamente tal contingente de brasileiros, tendo em vista que estes ficaram à margem do século 20 e que não fiquem a margem do século 21, século do conhecimento.

Por último, em relação ao item de insatisfação com as atuais fontes de energia das propriedades pesquisadas denota-se sua ampla insatisfação com média de 89% de insatisfação para os estados (gráfico 10). Denota-se, assim, a absoluta insatisfação dos proprietários sobre a ausência de acesso de forma regular e segura à energia elétrica. Estes ainda justificam sua resposta com os argumentos de que gostariam de ter mais conforto, que as atuais fontes fazem mal a saúde, caso da iluminação a querosene e diesel, além de ser perigosa sua utilização e, por último, que gostariam de energia elétrica de forma regular e segura tendo em vista a possibilidade de aumento/diversificação da produção.

 

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O elevado grau da pobreza do meio rural brasileiro, levanta o argumento de que grande parte deste contingente tem impedimento ao conforto e qualidade decorrente do acesso à energia elétrica de forma regular e segura. Mais ainda, observa-se que mesmo aqueles que possuem energia, o reduzido poder de compra destes levantam a hipótese de baixo consumo de energia elétrica, conjuntamente com permanência, mesmo que em menor grau, de fontes tradicionais de energia no meio rural, especialmente para cocção (lenha) e iluminação (querosene).

Mais ainda, a permanência do quadro de não acesso à energia elétrica, perpetua a grande desigualdade social observada entre o meio urbano e o meio rural. A chegada da "luz elétrica" possibilita vários benefícios pontuais ao rurícola, principalmente no que tange a melhoria da qualidade de vida, como por exemplo: obtenção de água, saneamento básico, conservação de alimentos, redução de emissões de gases decorrente da utilização de querosene e diesel, possibilidade de se estudar a noite, acesso à informação, comunicação, valorização das propriedades, redução do custo da energia (substituição de fontes tradicionais), geração de renda e emprego, entre outros.

É inegável que os impactos positivos advindos da eletrificação rural não estão limitados apenas às populações atendidas, pois ultrapassa as fronteiras destas, alcançando diversas esferas como econômica, social e ambiental. Os benefícios podem ser descritos, inicialmente, como: impacto do aumento da demanda efetiva da indústria de equipamentos elétricos e mecânicos, indústria de eletrodomésticos, arrecadação de impostos, migração para fontes de energia mais modernas (lenha x eletricidade), aumento da produção e produtividade agropecuária, aumento dos postos de trabalho, aumento da renda rural, redução da desigualdade social, melhoria da escolaridade, redução do êxodo rural, redução das importações de petróleo (derivados de petróleo), entre muitos outros.

Os impactos negativos surgem quando as estratégias de atendimento energético não contemplam os aspectos relacionados a diversidade social, ao ecossistema, a disponibilidade de fontes locais e ao fortalecimento de práticas danosas ao meio ambiente, seja na aplicação da estratégia de atendimento (projetos mal realizados de redes, sistemas de geração com níveis inaceitáveis de emissões, etc.) ou mesmo no uso inadequado de eletricidade (práticas de irrigação ambientalmente impróprias, ampliação do alcance dos "agropesticidas", etc). Alem disso, um processo de eletrificação mal conduzido pode levar ao agravamento e ampliação das assimetrias econômicas no campo, atendendo a grupos com potencial de auferirem ganhos econômicos mais rapidamente com o acesso a energia permitindo-lhes, por exemplo, adquirirem pequenas propriedades próximas, tendo em vista sua perspectiva futura de valorização.

Estas informações levam a afirmar a necessidade de se tratar os diferentes de forma diferente, i.e., outras esferas, além da econômica, devem ser incorporadas na análise em projetos de eletrificação rural, tendo em vista o conceito de desenvolvimento sustentável.

Com base nos resultados iniciais da pesquisa de campo, observa-se que caminha-se no atendimento de uma das necessidades básicas da população rural brasileira que é o acesso a energia elétrica. Entretanto, muito ainda deve ser feito tendo em vista o caráter precário das condições de vida do homem do campo. Para tanto, as esferas governamentais devem se articular junto aos representantes locais com o intuito de agregar maior esforço no efeito multiplicador do programa, visando a redução da desigualdade social e sua inclusibilidade social, em última instância.

Neste sentido o ''Luz no Campo" se apresenta hoje, devido a sua amplitude, como o grande instrumento da sociedade brasileira na busca da universalização do serviço de eletricidade. E ainda, a importância da eletrificação rural foi reforçada pela recente aprovação da Lei N. 10.438 (26/04/2002) que dispõe, entre outros da universalização do fornecimento, incorporando definitivamente na agenda política o acesso pleno de energia elétrica a todos os brasileiros nos próximos anos.

Por fim, para o pleno atendimento deste contingente de brasileiros ainda a margem da cidadania, faz-se necessário a continuação de programas de eletrificação rural, que redunde no fim da perversa estratificação da sociedade brasileira em duas classes: os que possuem acesso à energia elétrica de forma regular e segura e aqueles que não possuem.

 

6. BIBLIOGRAFIA

CEMIG - Diagnóstico Sócio-Econômico dos Produtores Rurais Integrantes do Projeto Piloto do Programa Iluminação Rural - ILUMINAR, 1988

CEPEL - "Aspectos Gerais do Setor Rural Brasileiro: Bases para Avaliação Integrada do Programa Nacional de Eletrificação Rural "Luz no Campo"". Relatório Técnico - ADG-A/PER 1035/2000, Número do Projeto 1437 - Área 1000 - Centro de Pesquisas de Energia Elétrica (CEPEL), 2000.

CEPEL - "Análise dos Dados Primários e Secundários das Mesorregiões do Estado do Mato Grosso para Apoio aos Resultados da Pesquisa Piloto de Impactos Socioeconômicos do Programa "Luz no Campo". Relatório Técnico - ADG-A/PER 801/2001, Número do Projeto 1437 - Área 1000 - Centro de Pesquisas de Energia Elétrica (CEPEL), 2001.

COPEL - Eletrificação Rural: monitoração e avaliação do programa de eletrificação rural - Relatório final de 1997.

DE OLIVEIRA, Adilson (coordenador). Energia e Desenvolvimento Sustentável, Relatório final, IE-UFRJ/ELETROBRÁS, 1998.

ELETROBRÁS - Avaliação de Programas de Eletrificação Rural: metodologia para seleção de áreas prioritárias, 1981.

IBGE - Censo Agropecuário, Brasil, 1980/1985/1995.

IBGE - Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, PNAD - Brasil, 1999.

NASCIMENTO, M. V., GIANNINI, M. et alli. Programa de Eletrificação Rural "Luz no Campo" e a Avaliação no Estado do Mato Grosso/CEMAT: caso piloto. In: Anais do IX Congresso Brasileiro de Energia, Vol. II, pp. 701-710, 2002.

MMA - Ministério do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais. Agenda 21: Infra-estrutura e Integração Regional, Brasília, 1999.

 

 

1 Quando abordada a questão por domicílios rurais eletrificados, observa-se que 75% destes possuem acesso à energia elétrica de forma regular e segura, segundo dados do PNAD Brasil - 1999.
2 De fato, são previstos 21 estados e o Distrito Federal para a conclusão da primeira etapa (pesquisa ex-ante), apenas o estados de Pará, Rondônia, Acre e do Rio Grande do Sul não concluíram tal fase.
3 Estabeleceu-se que para o intervalo de confiança de 95%, seriam pesquisadas 440 propriedades rurais para a primeira fase.
4 Cabe ressaltar que o número médio de pessoas para cada propriedade pesquisada é de 3,5.