4, v.2Development and assessment of tray dryer for medicinal and aromatic plantsSíntese e otimização de uma unidade de geração de energia usando esgotos urbanos e resíduos sólidos auxiliado por software simulador author indexsubject indexsearch form
Home Pagealphabetic event listing  





An. 4. Enc. Energ. Meio Rural 2002

 

Secador solar multi-uso para beneficiamento de produtos naturais da amazônia

 

 

Rejane Moraes-Duzat; Humberto Macedo; Leonardo Caldas Rocha; Ray Claise do Nascimento; Ana Paula Barbosa

Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA). Cx. Postal 478, CEP 69011-970, Manaus/AM/Brasil Tel.: (92)643-3083 Fax: (92)642-1240 E-mail: duzat@inpa.gov.br; humberto@inpa.gov.br

 

 


RESUMO

A utilização da energia solar para a secagem de grãos, alimentos e outros produtos florestais apresenta-se como uma excelente alternativa para regiões de clima tropical, como a Amazônia. O uso de secadores solares permite que o beneficiamento dos produtos possa ser feito com baixo capital inicial, além de exigir apenas um treinamento básico para sua operação. Visando incentivar os produtores rurais a utilizarem técnicas simples e eficientes, foi desenvolvido e testado pelo INPA um secador solar multi-uso para produtos naturais (grãos, sementes, castanhas e ervas medicinais, entre outros). A inovação deste secador é que ele é totalmente independente de energia convencional, pois o suprimento de energia para operar os ventiladores é feito através de painéis solares fotovoltaicos, permitindo 100% de autonomia em termos de energia, ou seja, poderá ser utilizado em áreas remotas, a custo energético operacional zero. A construção é simples e todos os materiais empregados podem ser adquiridos localmente. Nos testes já efetuados com o protótipo foi possível secar cargas de até 600kg de sementes de cupuaçu (que atualmente detém um imenso potencial comercial na produção de chocolate, cosméticos, óleos, etc.). No presente trabalho, detalhes de construção e operação do secador são discutidos, além dos primeiros resultados da secagem de alguns produtos naturais da região Amazônica.

Palavras-chave: Secadores solares, energias renováveis, secagem de produtos naturais, eletrificação rural, tecnologias alternativas.


ABSTRACT

The use of solar energy for drying seeds, food crops and other forest products is an excellent possibility in tropical regions such as Amazônia. In processing and storing natural products, drying is the fundamental process for preventing biodegradation, especially when food products are concerned. The use of solar dryers needs little capital investment, allows the product to be processed near where it was produced and requires no specialised operational skills. A new multi-purpose solar dryer for natural products (grain, fruit seeds, nuts, medicinal plants and others) was developed with a view to encourage local farmers to use simple, efficient techniques. In one batch, the prototype is capable of drying up to 600 Kg of cupuaçu seeds (which currently have an immense commercial potential in the manufacture of chocolate, cosmetics, oils etc). It is simple to build and all the materials necessary for construction can be obtained locally. One innovation of the dryer is that it is totally independent of conventional energy, in that the energy used to power the circulating fans is obtained by the use of solar panels, the photocells of which convert sunlight directly into electricity. This means that the unit is 100% self sufficient and can be used in the remotest areas, where there is no electricity grid available, with an operational energy cost of zero. In this work, details of the construction and operation of the dryer are discussed, along with the first practical results concerning the drying of some Amazonian natural products.


 

 

INTRODUÇÃO

O setor industrial de produtos naturais na Amazônia atualmente se ressente com a falta de uma tecnologia economicamente adequada para secagem de produtos naturais. No beneficiamento e armazenagem desse tipo de produto, a secagem é o processo fundamental para evitar a biodegradação desses materiais, especialmente quando se trata de produtos para alimentação.

A técnica de secagem ao ar livre não permite a obtenção de produtos de boa qualidade, devido aos altos índices de umidade da região. Além disso, secadores convencionais exigem um alto investimento na sua instalação, têm custos operacionais muito elevados, por causa da demanda de energia, e necessitam de mão-de-obra especializada para efetuar uma secagem adequada e que resulte em produtos de qualidade.

Por outro lado, as características geográficas da região Amazônica (grandes distâncias, extensa bacia hidrográfica, baixa densidade demográfica, etc.) e uma taxa de eletrificação rural de apenas 2% compõem um cenário adequado para o uso de fontes renováveis de energia, como a energia solar, que normalmente é abundante nessas áreas.

A utilização de energia solar para a secagem de sementes e outros produtos vegetais apresenta-se como uma excelente alternativa, e nesta área, o INPA já desenvolveu diversos estudos, e domina a técnica da secagem solar desde 1986, detendo inclusive patente de um secador solar para madeira [1], [2].

Secadores solares de boa eficiência geralmente necessitam de energia elétrica para suprir o sistema de ventilação. Se um secador deve ser instalado em uma área remota, distante da rede de eletricidade, ou simplesmente quando se deseja ter um secador solar completamente autônomo em energia para sua operação, uma solução bastante favorável é utilizar energia elétrica a partir de painéis fotovoltaicos para acionar seus ventiladores.

Na região Amazônica, sabe-se que nos últimos anos um novo mercado vem se estabelecendo para o beneficiamento da semente de cupuaçu na produção de chocolate (CUPULATE), e também na aplicação em cosméticos, óleos, e outros produtos. Portanto, tendo-se como objetivo incentivar este tipo de produtor a utilizar técnicas simples e eficientes, e assim obter produtos de melhor qualidade, foi desenvolvido e testado no INPA um novo secador solar multi-uso para produtos naturais, destacando-se aí sementes de cupuaçu, castanhas e ervas medicinais. O secador multi-uso é totalmente independente de energia convencional e funciona exclusivamente com energia solar. A construção é simples e os materiais empregados podem ser adquiridos localmente, e os estudos estão sendo desenvolvido com recursos financeiros do Banco da Amazônia S.A. - BASA.

Uma vista geral do secador solar multi-uso do INPA está mostrada na Figura 1, com descrição dos detalhes de construção. Um manual completo sobre a construção e operação do secador está sendo preparado.

 

 

DESIGN E INSTALAÇÃO DO PROTÓTIPO DO SECADOR MULTI-USO

O critério principal para o desenvolvimento do protótipo foi a simplicidade, de forma que os futuros usuários possam construir o secador utilizando apenas material disponível no mercado local. O protótipo se baseia num secador solar "tipo túnel" originalmente desenvolvido e testado na Universidade de Hohenheim, na Alemanha [3], [4], [5], [6]. O secador original foi concebido para condições climáticas diferentes da Amazônia, além de ter sido dimensionado para diversos tipos de produtos. Portanto, a fase inicial das atividades consistiu em adaptações estruturais e cálculos de dimensionamento para os diversos produtos a serem testados, considerando-se as características físicas e químicas de cada produto que se quer secar, para determinação da área e volume do secador, fluxo do ar necessário, área do coletor solar , pressão do ar no secador, etc.

A partir das análises e dos cálculos dos parâmetros acima citados, chegou-se ao design final do protótipo, que está apresentado nas Figuras 2 e 3, juntamente com uma descrição sucinta de suas características físicas e do princípio de funcionamento do mesmo. O protótipo foi instalado no campus principal do INPA, em área livre de sombreamento e adjacente ao secador solar de madeiras já existente, medindo aproximadamente 24m².

 

 

 

 

O secador possui quatro componentes principais: um coletor solar, como fonte de aquecimento, uma câmara de secagem, dois ventiladores axiais para circulação do ar e os painéis fotovoltaicos, para suprir os ventiladores com energia solar.

Esse modelo foi construído em metal e madeira, utilizando-se placas de isopor entre elas para promover o isolamento térmico necessário a secadores solares eficientes. Até o presente momento foram instalados ventiladores de corrente contínua (CC), mas também serão testados ventiladores de corrente alternada (AC). Este é um detalhe fundamental para a disseminação desta tecnologia e para a sustentabilidade do projeto, uma vez que todos os componentes do protótipo poderão ser encontrados no mercado local a um custo aceitável.

 

TESTES OPERACIONAIS INICIAIS COM O PROTÓTIPO

Os testes operacionais do secador foram realizados em primeiro lugar para testar e ajustar os equipamentos (ventiladores, sensores, fluxo de ar, etc.), além da performance geral.

Porém, antes dos testes de secagem propriamente ditos, foram efetuadas primeiramente algumas modificações estruturais do Secador Solar para Madeiras do INPA (Patente INPI 9303302, junho/1993), para avaliação de programas de secagem de produtos não madeireiros, tais como sementes, ervas medicinais, bambu, e outros. Assim, foram desenvolvidos programas de secagem para sementes de cupuaçu (Theobroma grandiflorum) [7] no secador solar, para fins de comparação.

Um programa de secagem é composto de uma série de procedimentos práticos que é utilizado para controlar o processo de secagem de um produto. A base para o desenvolvimento do programa é a análise dos dados coletados durante os testes de laboratório, além dos testes operacionais.

Dados como nível de radiação solar (energia captada), umidade relativa do ar fora e dentro da câmara, perda de umidade do produto, umidade de equilíbrio final, velocidade do ar, pressão do ar, etc., foram monitorados e trabalhados, resultando em procedimentos de controle da secagem para cada produto.

No secador solar adaptado foram realizados diversos testes de secagem com diferentes cargas de sementes de cupuaçu (T. grandiflorum), fornecidas pela firma CUPUAMA IND. COM. E EXP. Ltda que mantém interesse em construir secadores baseados nesse protótipo. Na Figura 4 pode ser observado o aspecto das sementes de cupuaçu após a secagem, enquanto que na Tabela 1 estão apresentados os dados mais relevantes dos testes efetuados.

 

 

 

 

RESULTADOS EXPERIMENTAIS COM O SECADOR MULTI-USO

Para avaliação do funcionamento e eficiência do secador multi-uso foram analisadas cargas de sementes de cupuaçu, com peso entre 400 a 600kg. O processo foi desenvolvido de forma bem eficiente e o tempo de secagem para este material ficou entre quatro a seis dias, chegando-se a um teor de umidade de 6%.

Os dados técnicos da secagem em si podem ser enumerados como:

TEOR DE UMIDADE: 85% (Inicial) até 6% (Final). TEMPERATURAS MÁXIMAS ALCANÇADAS: 90°C (Coletor) e até 70°C (Câmara de secagem). TEMPO DE SECAGEM: 72 horas (com clima misto - chuva e sol).

Como exemplo dos resultados obtidos durante os ensaios de secagem de sementes de cupuaçu, apresentam-se nas Figuras 5, 6 e 7 e na Tabela 2, os dados mais relevantes sobre a performance operacional do secador.

 

 

 

 

Na Figura 5 está apresentada uma curva de secagem que pode ser considerada como padrão para a operação do secador solar multi-uso. Nesta curva, pode-se observar que a carga atingiu um teor de umidade final de 4,19%, após 96 horas de secagem. Este resultado demonstra o bom rendimento do secador, principalmente quando se leva em consideração que o teste ocorreu num período de pouca oferta de energia solar (tempo misto, com chuvas fortes), e quando se compara com resultados citados na literatura para secagem de sementes de cacau (semelhantes ao cupuaçu) num secador convencional, no qual levou-se 72 horas para atingir aproximadamente o mesmo teor de umidade final [5].

Os dados de temperatura contidos na Figura 6, para os dias do período da secagem, permitem também estimar a eficiência térmica do secador desenvolvido. Nas curvas estão representadas as variações da temperatura ambiente, temperaturas no coletor solar e na câmara de secagem. Como se pode ver, as temperaturas no secador seguem as tendências da temperatura externa, e durante os períodos de boa oferta de energia solar, conseguiu-se alcançar valores médios de até 43°C no secador, enquanto no coletor chegou-se a 55°C, no período correspondente. Vale ainda ressaltar que essas temperaturas foram alcançadas durante tempo parcialmente nublado, o que permite prever que sob condições climáticas mais favoráveis poderão ser atingidos temperaturas mais altas e consequentemente menor tempo de secagem. Interessante também nestes gráficos é o fato que durante o período da noite consegue-se manter a temperatura interna do secador cerca de 10°C acima da temperatura ambiente, demonstrando o bom isolamento térmico do protótipo desenvolvido, que é um ponto crucial para se obter boa secagem solar, nas condições climáticas da Amazônia.

As informações contidas nas Figuras 7 e 8 permitem estimar a eficiência dos painéis fotovoltaicos para um dia de secagem, cuja determinação se faz necessária para se efetuar o cálculo da eficiência global do sistema elétrico (ventiladores + painéis fotovoltaicos) e do secador em si. Como pode ser visto, a eficiência do sistema variou pouco durante o período, o que resultou numa eficiência média diária de 9,5%. Esses valores estão de acordo com os valores encontrados na literatura, que apresenta valores típicos na faixa de 10% para condições climáticas semelhantes [9].

Essas informações mostram que a performance do secador é muito boa se comparada a outros resultados de secagem sem o uso de ventilação forçada. O tempo de secagem diminuiu por um fator de 2, e isso se deve em grande parte ao bom funcionamento do sistema de ventilação solar. Com estes valores, pode-se também analisar a resposta do sistema para os diferentes valores de insolação.

Na Tabela 2 é mostrado um resumo dos resultados da secagem de três cargas de cupuaçu realizadas entre os meses de abril e junho de 2002. É importante notar nestes resultados, que o tempo de duração da secagem durante o período com tempo bom foi de apenas um dia a menos que no período de tempo misto. Isto quer dizer que o secador é capaz de operar com boa eficiência também no período chuvoso. Este resultado é um dado importante para a implementação de secadores solares do tipo estudado, na região Amazônica, principalmente para produtos como a semente de cupuaçu, cuja colheita do fruto acontece justamente no período de chuvas.

Na continuação dos estudos serão ainda realizados alguns testes com regimes diferentes do arranjo do ventilador e dos painéis fotovoltaicos, onde serão testados ventiladores de corrente alternada (AC), utilizando-se um inversor DC/AC além de diferentes posições dos ventiladores no secador. O objetivo é se obter um acoplamento elétrico, hidráulico e térmico o mais otimizado possível, para conseguir alta eficiência e diminuir a quantidade de painéis fotovoltaicos que representam uma parte considerável do custo do secador solar.

 

VANTAGENS DO SECADOR SOLAR MULTI-USO

SECAGEM RÁPIDA E EFICIENTE.
CONSTRUÇÃO SIMPLES E MODULAR (as dimensões podem ser adequadas às necessidades de produção).
CUSTO ZERO DE ENERGIA ELÉTRICA.
FÁCIL DE OPERAR.
CUSTO ESTIMADO: US$ 2.000 - 2.500 (dependendo do local de instalação).

 

CONCLUSÃO

O estágio atual dos estudos, permite que se chega às seguintes conclusões:

- Com o protótipo do secador solar desenvolvido é possível secar sementes de cupuaçu (T. grandiflorum) até o teor de umidade final desejado (de 4% a 6%) em quatro dias, utilizando-se um sistema de ventilação forçada, suprido com eletricidade através de painéis fotovoltaicos.

- A utilização de painéis fotovoltaicos para suprir os ventiladores é perfeitamente possível através do uso de baterias ou ligando-se os ventiladores diretamente aos painéis.

- Para se chegar a uma definição quanto ao tipo de ventiladores mais adequados ao secador, é necessário ainda realizar testes de secagem com ventiladores de corrente alternada, ligados diretamente à rede elétrica convencional, porém os resultados alcançados com os ventiladores de corrente contínua já demonstram que a questão técnica não representa nenhum problema.

- O secador desenvolvido pode ser utilizado em áreas remotas, distantes da rede elétrica convencional, com o uso de painéis fotovoltaicos, mas poderá também ser operado com energia elétrica da rede, para suprir o sistemas de ventilação em locais onde já exista energia elétrica, permitindo desta forma um menor investimento para a sua construção.

 

AGRADECIMENTOS

O projeto do secador solar para produtos naturais foi desenvolvido com o suporte financeiro do Banco da Amazônia S/A-BASA e gestão da Fundação Djalma Batista, a quem os autores apresentam seus agradecimentos.

 

REFERÊNCIAS

[1] Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) and International Development Research Centre (IDRC). 1993. Construction and Operation of the INPA's Solar Timber Dryer - A Manual. 1st edition, revised in January 1993.

[2] Vetter, R., Moraes-Duzat, R. Secagem Solar da Madeira-Uma Solução Econômica para a Região Amazônica. I Encontro para Ciência e Tecnologia para a Amazônia, Belém-Brazil, 6 p., 20-23/09/1999.

[3] Lutz, K., Mühlbauer, W. , Solar Tunnel Dryer with Integrated Collector. Drying Technology 4, Nr. 4, 583-603, 1986.

[4] Henning, H.M., Moraes, R., Sasse, M.; DGS;Direct Coupling of Solar Dryers Fans to a Photovoltaic Generator - Electrical and Thermal Behaviour; Proceedings of the VII Sonnenforum, , Frankfurt, Alemanha, 1990.

[5] Deutscher Gesellschaft fuer Technische Zusammenarbeit (GTZ). Relatório Anual do Programm Energétique Spécial Maroc-Séchage Solaire. Alemanha, 1990.

[6] Corvalan, R., Horn, M., Roman, R, Saraiva, L. Ingenieria Del Secado Solar CYTED-D Programa de Ciencia e Tecnología Para El Desarrollo V Centenario, Peru, 1996.

[7] Aragão, C.G. Mudanças Físicas e Químicas da Semente de Cupuaçu (Theobroma grandflorum Schum) Durante O Processo Fermentativo. Dissertação de Metrado, Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia / Universidade Federal do Amazonas, Manaus-AM, 1992.

[8] Mendes, A.S. A Secagem da Madeira, Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, Manaus, 1996.

[9] Palz, W. Energia Solar e Fontes Alternativas p. 115-301. 1981.