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An. 5. Enc. Energ. Meio Rural 2004

 

A Organização Mundial do Comércio e as novas oportunidades no mercado internacional para o setor sucroalcooleiro brasileiro

 

 

Marili Arruda MariotoniI; André Tosi FurtadoII

INIPE-FEM-UNICAMP e Faculdade Municipal Prof. Franco Montoro
IIInstituto de Geociências - IG/NIPE/FEM - UNICAMP

 

 


RESUMO

Este trabalho tem como objetivo apresentar as principais dificuldades da participação do Brasil no comércio internacional de açúcar e álcool, particularmente nas questões que envolvem interesses comerciais com a União Européia. Nesse sentido, enfatizou-se os motivos que levaram o Brasil, como maior produtor/exportador de açúcar e álcool, a questionar na Organização Mundial do Comércio a imposição de cotas de produção e os pesados subsídios às exportações praticados pela União Européia. Apesar dos avanços nas negociações mais recentes da OMC, o Brasil enfrenta as barreiras internacionais que penalizam o açúcar com altas taxas de importação, como ocorre na União Européia. A vitória inicial do dia 4 de agosto passado, do recurso brasileiro na Organização Mundial do Comércio, contra os subsídios concedidos pela UE ao açúcar, provocou rejeição de vários países da Comunidade Européia, que pretendem se unir para barrar a reforma.
Diante dessas dificuldades, surge como alternativa a abertura de um mercado maior para o álcool, principalmente nos países que têm interesse de reduzir a emissão de poluente, através da mistura do álcool anidro à gasolina. Na realidade, membros da UE alegam razões estratégicas para manterem os elevados subsídios da produção de açúcar. O Brasil e a União Européia têm discutido um acordo para reduzir os subsídios.

Palavras chaves: Agroindústria Canavieira. Organização Mundial do Comércio. Açúcar. Álcool. Mercado Internacional.


ABSTRACT

This main objective of this work is to present the obstacles to the Brazilian participation in the international ethanol and sugar market, specially in the European Union. Therefore it is emphasysed the main reasons which conduct Brazil to discuss in the International Trade Organization the production quota system impositions and the heavy subsidy exportation used in the European Union. In despite of improving the negotiation arguments, it has been felt at the most recent International Trade Organization meeting that the Brazilian interests has got to confront international barriers to punish the Brazilian sugar with an high tax importation as in the European Union. Due to those difficulties, the possibility of opening a larger ethanol market, mainly in those countries which wish to reduce pollution emission, mixing anhydrous alcohol to gasoline appeared as a good alternative. Actually the European Community members have strategic reasons to maintain the sugar production subsidies. Brazil and most of the European Community members have been discussing an agreement to reduce the subsidies . The brazilian victory on the appeal made in the International Trade Organization, on august the 4rd; against the subsidies to the sugar conceded by EU, provoked rejection of many.


 

 

1. Introdução

O açúcar é um dos produtos mais protegidos no mercado internacional. O açúcar brasileiro tem que pagar uma taxa de 417 euros por tonelada para entrar no mercado europeu segundo dados da Câmara de Comércio Exterior (Camex, 2002). O otimismo do Brasil em relação ao maior acesso ao mercado internacional deve-se à conquista obtida na reunião em Doha (Catar) em novembro de 2001, quando, pela primeira vez, os 142 países membros participantes da Organização Mundial do Comércio (OMC) concordaram em fazer negociações para eliminação dos pesados subsídios à agricultura, existentes sobretudo nos países desenvolvidos.

No final de 2001, o Brasil, depois do sucesso das negociações de Doha, defendeu, sobretudo no setor agrícola, a redução dos subsídios às exportações e à produção e a eliminação dos protecionismos "disfarçados", tais como o fim das barreiras fitossanitárias, as tarifas de importação e a imposição de cotas de entrada de produtos (Gazeta. Mercantil, 25/01/2002).

O Brasil contou com o apoio de um grande número de países nos contenciosos agrícolas que abriu contra os Estados Unidos para o algodão e contra a União Européia em relação ao açúcar, na Organização Mundial de Comércio (OMC). A tendência verificada nessas disputas recentes na OMC envolveu a participação recorde dos países com interesses comerciais que tratam das políticas agrícolas das duas maiores potências mundiais.

No caso do açúcar, o Brasil contou com uma ação concertada com a Austrália em setembro de 2002, ao submeter os documentos na OMC, atacando os subsídios europeus ao açúcar. A reação da União Européia foi imediata em relação a essa denúncia; o revide veio contra o Brasil sob forma de contestação do Proálcool na OMC por supostos subsídios ilegais. A ameaça da União Européia ao questionar o Proálcool não preocupou o Governo Brasileiro que, através do Ministério da Agricultura, preparou um documento para provar que o setor sucroalcooleiro brasileiro não tem subsídios e, portanto, não viola regras internacionais. Esse documento apresentou explicações detalhadas sobre as condições de produção de álcool no Brasil e acrescenta que o antigo programa de apoio às lavouras de cana-de-açúcar do Nordeste era de apoio interno, descaracterizando a possibilidade de ser interpretado como subsídio. Com relação ao mecanismo de compensação entre consumidores de gasolina e os de álcool, o Ministério da Agricultura afirma que o produtor de álcool, individualmente, não tem mercado garantido para sua produção. O documento enfatiza ainda que o diferencial de preços representou ônus e não medida de apoio para o produtor de álcool e, assim, não poderia ser considerado como subsídio doméstico. Com relação à formação de estoque público de álcool combustível, o documento demonstra que não provocou distorções ao comércio internacional.

 

2. Sistema de cotas de produção & União Européia

O açúcar europeu é o maior concorrente do produto brasileiro. Isto se deve, a subsídios autorizados pela OMC, se não houvesse subsídios a produção desses países seria praticamente nula, segundo a Confederação Nacional da Agricultura. O sistema de proteção do açúcar europeu é basicamente um sistema de preços mínimos, a UE estabeleceu três tipos de cotas.

A Comissão Européia estabelece o preço único, chamado "preço de intervenção", para as cotas do açúcar "A" (produção destinada ao consumo interno) e do "B" (que completa a cota em caso de necessidade ou é exportado com subsídio, chamado de "restituição", correspondendo à diferença entre o preço garantido na UE e o preço mundial pelo qual é vendido). E ainda tem o "C", que é a parte excedente da produção fora da cota, destinado à exportação sem garantia de preço, mas recebe benefícios indiretos.

O Brasil contesta na Organização Mundial do Comércio as exportações de açúcar tipo "C", que é vendido no mercado internacional com preços inferiores ao seu custo de produção devido um sistema de subsídios cruzados das cotas "A" e "B". Além disso, a UE compra açúcar bruto de suas ex colônias a preços subsidiados e reexporta o açúcar refinado em volumes que ultrapassam ao acertado na Rodada Uruguai do Gatt (Ricupero, 1994).

A União Européia mantém uma política que agrada a seus produtores e exportadores de açúcar, pagando em torno de 631,9 euros/t em vez do preço mundial de 240 euros, quase três vezes mais. Pratica também uma política interessante para suas ex-colônias na África, Caribe e Pacífico (ACP), importando 1,6 milhão de toneladas ao preço de 496 euros/t de açúcar bruto, que é refinado e depois reexportado.

Durante o ano de 2000, a produção comunitária ficou em torno de 15,9 milhões de toneladas; considerando o que importa da ACP, ficou em torno de 18 milhões de toneladas. Para o consumo interno foram destinados 12 milhões de toneladas. Os 4 milhões que sobram são exportados por preços mais baixos provocando distorções no mercado internacional e deprimindo o preço do produto. Para o Brasil, a União Européia infringe o nível de subsídios às exportações de açúcar.

Esse sistema europeu foi criado em 1967 para assegurar a rentabilidade dessa atividade e o controle da quantidade produzida de açúcar de beterraba. Mas esse regime transformou os 450 mil produtores de beterraba na Europa em privilegiados, principalmente os da França, que se tornou o primeiro produtor, responsável por 25% da produção global.

 

 

3. Maiores empresas produtoras internacionais de açúcar

Metade das dez maiores empresas produtoras de açúcar do mundo estão situadas na Europa e detêm atualmente 21% da produção global, ou seja, 27,7 milhões de toneladas de açúcar. Apesar disso, os europeus apresentam os maiores custos de produção, em torno de US$ 710 por tonelada, enquanto o Brasil apresenta custos bem menores, por volta de US$ 180 a tonelada. (Netherlandas Economics Institute in Gazeta Mercantil. 26/04/2002).

Os custos de produção de açúcar na Austrália e Tailândia, que utilizam como matéria-prima a cana-de-açúcar, aproximam-se de US$ 335 a tonelada. Os Estados Unidos apresentam um custo de produção, em média, de US$ 450 a tonelada, e utilizam como matérias-primas o milho, a beterraba e um pouco de cana-de-açúcar (Netherlands Economic Institute/NEI-2002).

Apesar dos elevados custos de produção do açúcar, os produtores europeus recebem também incentivos para exportação. A Züdzucker, multinacional alemã, venceu a liderança no ranking mundial no final de 2001, com a compra da francesa Saint Louis, e rebaixou a inglesa Tate & Lyle, para a segunda colocação na produção internacional. A terceira posição fica com a franco-italiana Eridiana Béghin-Say. O quarto lugar é ocupado pela norte-americana Imperial. De acordo com um levantamento anterior realizado pela Ersuc (empresa de estudo do açúcar, localizada em Paris), o quarto lugar era ocupado por Ilovo.

 

 

As maiores empresas produtoras de açúcar do mundo são as companhias européias e norte-americanas; isso se deve, principalmente, ao sistema subsidiado de produção. Mesmo com os custos europeus quase três vezes maiores que os do Brasil, os produtores de açúcar do continente recebem incentivos para exportar, enfatiza Júlio Maria Borges, diretor da JOB Economia e Planejamento (entrevista para o jornal Gazeta Mercantil. 28/02/2002).

De acordo com estudos recentes seis das maiores empresas exportadoras de açúcar receberam subsídios no valor de US$ 1,22 bilhão em 2003. A francesa Beghin-Say lidera a lista com US$ 283,2 milhões seguida da alemã Sudzucker, a maior da Europa, com US$ 241,2 milhões e a Tate &Lyle com US$ 189, 6 milhões. (Oxfam.2004).

Com o fim dos subsídios para o açúcar, as principais companhias estrangeiras devem buscar novos negócios em países mais competitivos como o Brasil, como já ocorreu em 2000, com a instalação no Brasil das francesas Louis Dreyfus, Béghin-Say e a cooperativa Union de Sucreries et Destilleries de l'Aisne, que mantém parceria com o Grupo Cosan - maior companhia individual no Brasil.

 

3. Busca de novas oportunidades do setor sucroalcooleiro no mercado internacional: abertura de novos mercados para a exportação brasileira de álcool

O Brasil detém em torno de 30% do mercado internacional de açúcar e só poderá crescer lutando para derrubar os subsídios. A capacidade produtiva competitiva do Brasil e a ausência de um órgão regulador podem ocasionar a expansão da cana e, para evitar uma crise de superprodução, o setor procura abrir novos mercados e desenvolvê-los em outras partes (entrevista concedida por Eduardo de Carvalho, presidente da União da Agroindústria Canavieira de São Paulo - Unica- 2003)

Os usineiros brasileiros buscam então novas oportunidades para o setor e, como alternativa, procuram comercializar o álcool no mercado exterior. Japão e Coréia são os dois principais importadores de álcool tipo hidratado, utilizado pelas indústrias farmacêuticas, químicas e de bebidas. Também têm crescido, a cada ano no mercado internacional, as exportações do álcool anidro usado na mistura com a gasolina.

A negociação do álcool no mercado internacional é ainda muito reduzida, ficando em torno de 4 bilhões de litros, dos quais o Brasil contribuía com 12,5% em 2002.As negociações no mercado mundial do álcool começam a ganhar espaço. A mistura do álcool à gasolina, como é feita no Brasil começa a ser copiada na Índia, Tailândia, Austrália, Estados Unidos e China (Gazeta Mercantil, 19/09/2002).

Nos Estados Unidos, o mercado de álcool combustível fica em torno de 7 bilhões de litros por ano. E o álcool de milho custa o dobro do álcool de cana produzido no Brasil; segundo os especialistas do setor, a solução seria lutar para baixar as tarifas de importação dos Estados Unidos.

O Brasil apresenta também com relação ao álcool o menor custo de produção do mundo, de US$ 0,19 por litro; o dos Estados Unidos gira em torno de US$ 0,33 e o da União Européia de US$ 0,55 (Gazeta Mercantil, 26/04/2002).

A expectativa do setor é de que a expansão do mercado internacional de álcool deve regular os preços internacionais do açúcar no exterior (Boletim da União da Agroindústria Canavieira do Estado de São Paulo Única.2002).

O Banco de Cooperação Internacional do Japão (JBIC. 2004), instituição do fomento do governo japonês, quer investir na produção brasileira de etanol US$ 600 milhões para pesquisa e desenvolvimento do setor.

A metade desse montante será direcionada para o plantio e a agroindústria alcooleira. O restante seria investido nos projetos de logística e infra-estrutura para realizar o escoamento da produção.

Atualmente, o Brasil exporta aproximadamente 150 milhões de litros de álcool por ano para o Japão. Esse acordo entre Brasil e Japão para a produção e exportação do etanol brasileiro está em andamento. O governo japonês quer garantias do Brasil para o fornecimento de 2 a 3 bilhões de litros de etanol por ano.

Esse acordo está gerando grande expectativa no setor; caso essa experiência tenha sucesso, abrirá novos mercados para o etanol brasileiro nos mercados asiáticos, China, Tailândia e Índia. Já se observa uma tendência bastante grande nos países para a utilização de fontes alternativas de petróleo e para o consumo de álcool anidro - utilizado na mistura com a gasolina.

 

4. Considerações finais

O Brasil se prepara para aumentar sua participação no mercado externo como fornecedor de álcool anidro. Vários fatores beneficiam os produtores brasileiros em relação aos outros países, tais como: condições climáticas favoráveis, baixos preços da terra, elevados investimentos em tecnologia e desenvolvimento de variedades mais produtivas. Isso proporciona aos produtores brasileiros maior vantagem competitiva no mercado internacional.

De acordo com a análise do presidente da Câmara Setorial do Açúcar e Álcool, Luiz Carlos Carvalho, a valorização álcool, de imediato, no mercado internacional é uma tendência muito forte. Tendo em vista, que o aumento da demanda do etanol ocorrerá, devido à queda da safra da Índia para 2004 e à redução das exportações feitas pela União Européia.

Mesmo considerando-se as dificuldades da participação efetiva dos países em desenvolvimento no sistema multilateral de comércio, o Brasil apresenta potencial de abrir novos mercados para a produção brasileira de álcool combustível. O consumo do álcool anidro ( usado na mistura com a gasolina), apresenta uma tendência natural de crescimento do mercado internacional. O programa de mistura do álcool na gasolina no México está em torno de 5% . e, em escala menor na Austrália, Índia e Tailândia. A implantação desse programa também está sendo analisada pela Espanha, França e Suécia.

Apesar dos princípios que balizam a atuação da OMC continuarem a gerar desigualdades socioeconômicas entre países desenvolvidos e subdesenvolvidos, a OMC representa um avanço institucional ao garantir a participação efetiva dos países em desenvolvimento no mercado internacional, em especial no acesso aos grandes mercados.

 

5. Bibliografia

INSTITUTO DE PESQUISA ECONOMIA APLICADA, IPEA. "Organização Mundial de Comércio". Texto para discussão nº 517. João Paulo G. Leal. 1997.

KRUGMAN, P., OBSTFELD, M. Internacional economics theory and policy. 5ª ed. Illinois: Scott, Foresman and Company. 2000.

LARSON, A. Eletronic Journal of the U. S. State. Vol. 7, nº 1. January. Trade in the Post Doha Global Economy. Revista Eletrônica. Janeiro; 2002.

OXFAM - ONG inglesa. Dumping on the World: How EU sugar policies hurt poor countries. Relatório. Março; 2004.

RICUPERO, R. Notas sobre a Rodada Uruguai e seu impacto sobre o Brasil. Boletim de Diplomacia, nº 18. Agosto; 1994.

UNICA. Boletim Informação Única, da União da Agroindústria Canavieira do Estado de São Paulo. Vários números.

GAZETA MERCANTIL - Várias edições.

VALOR ECONÔMICO - Várias edições.