An. 5. Enc. Energ. Meio Rural 2004
A regulamentação da universalização
Sérgio Kinya FugimotoI; Carlos Márcio Vieira TahanII; Marcelo Aparecido PelegriniIII
IMestrando pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo. Departamento de Engenharia de Energia e Automação Elétricas Escola Politécnica da Universidade de São Paulo Avenida Professor Luciano Gualberto, travessa 3, 157 - Sala A2-35 Cidade Universitária - São Paulo - SP - 05508-900 (011) 3091-5277 / 3091-5279 / 3091-5404 sergio.fugimoto@edpbr.com.brIIProfessor Doutor da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo. Departamento de Engenharia de Energia e Automação Elétricas Escola Politécnica da Universidade de São Paulo Avenida Professor Luciano Gualberto, travessa 3, 157 - Sala A2-35 Cidade Universitária - São Paulo - SP - 05508-900 (011) 3091-5277 / 3091-5279 / 3091-5404 marcpel@pea.usp.br
IIIPesquisador do Centro de Estudos em Regulação e Qualidade de Energia do Departamento de Engenharia de Energia e Automação Elétricas da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (ENERQ-USP). Professor Doutor da Universidade Cidade de São Paulo (UNICID)
Departamento de Engenharia de Energia e Automação Elétricas Escola Politécnica da Universidade de São Paulo Avenida Professor Luciano Gualberto, travessa 3, 157 - Sala A2-35 Cidade Universitária - São Paulo - SP - 05508-900 (011) 3091-5277 / 3091-5279 / 3091-5404 cmvtahan@pea.usp.br
RESUMO
Este artigo tem como objetivo discutir a regulamentação da universalização do acesso ao serviço de energia elétrica. Apresenta estimativas preliminares do não-atendimento, os recursos previstos, a Lei n° 10.438/2002 - marco legal da universalização -, e a regulamentação elaborada pela ANEEL. Discute o tratamento dado à participação financeira do consumidor, desde o Decreto n° 41.019/57 e as recentes alterações promovidas, em 2002, que a extinguiu e, em 2003, que a restabeleceu para consumidores com carga acima de 50 kW.
ABSTRACT
This paper argues the regulation about universal electrification. It presents preliminary estimates of domiciles do not have access to electricity service, resources destined to promote the extension of electric power services, Law 10,438/200 - legal landmark of universal electrification - and regulation established by ANEEL. It argues about financial participation of the consumer, since the Decree 41,019/57 until recent alterations in 2002 and 2003.
1. Introdução
Estima-se, com base nos dados do Censo 2000 do IBGE, que 2,4 milhões de domicílios não têm acesso à iluminação elétrica1, correspondendo a aproximadamente 11 milhões de brasileiros. A maioria desses domicílios está localizada na área rural do país e geograficamente nas Regiões Norte (21,2%) e Nordeste (57,3%), conforme se observa na Tabela 1.
É justamente na área rural, apesar do acréscimo de cerca de 3,7 milhões de novos domicílios com acesso a energia elétrica nos últimos 20 anos, onde se concentra hoje a maior parte da população sem acesso a este serviço, com cerca de 9,7 milhões de pessoas. A universalização na área rural compreenderá um esforço para o atendimento de 2,1 milhões de novos domicílios rurais, segundo dados do IBGE 2.
É justamente na área rural, apesar do acréscimo de cerca de 3,7 milhões de novos domicílios com acesso a energia elétrica nos últimos 20 anos, onde se concentra hoje a maior parte da população sem acesso a este serviço, com cerca de 9,7 milhões de pessoas. A universalização na área rural compreenderá um esforço para o atendimento de 2,1 milhões de novos domicílios rurais, segundo dados do IBGE. O atendimento às áreas urbanas, por sua vez, está praticamente equacionado, haja vista que cerca de 330 mil domicílios não são atendidos; segundo dados do Censo-2000, o índice de atendimento nas áreas urbanas é de 99,1 %.
Estimativas preliminares3 indicam que seriam necessários recursos da ordem de R$ 7,3 bilhões para levar o acesso da energia elétrica a estes 11 milhões de brasileiros, conforme a Tabela 2.
Na situação anterior à Lei n° 10.438/2002, esses custos seriam rateados entre distribuidoras e solicitantes por meio da denominada participação financeira do consumidor. Todavia, a Lei transfere esta responsabilidade para as concessionárias de distribuição, o que poderá provocar, no caso de ser custeado pelas tarifas dos consumidores já conectados, um aumento significativo nas tarifas de energia elétrica da população, atingindo as mais carentes, em especial nas Regiões Norte e Nordeste, onde estão a maioria dos domicílios não atendidos e as distribuidoras com menor poder econômico4.
2. Recursos previstos
Como fonte de recursos para financiar parte do processo de universalização, a Lei n° 10.438/2002, criou a Conta de Desenvolvimento Energético - CDE que, além da universalização, tem diversas outras aplicações.
A CDE é constituída por três parcelas: pagamentos anuais realizados a título de uso de bem público (UBP), multas aplicadas pela ANEEL e quotas anuais pagas por todos os consumidores finais, por meio da TUST ou TUSD. As quotas, segundo a Lei n° 10.438/2002, terão "valor idêntico àquelas estipuladas para o ano de 2001 mediante aplicação do mecanismo estabelecido no § 1° do art. 11 da Lei n° 9.648, de 27 de maio de 1998", ou seja, o mesmo valor da Conta Consumo de Combustíveis (CCC) de 2001, "deduzidas em 2003, 2004 e 2005, dos valores a serem recolhidos a título da sistemática de rateio de ônus e vantagens para as usinas termelétricas, situadas nas Regiões atendidas pelos sistemas elétricos interligados".
O Despacho ANEEL n° 921, de 28 de novembro de 2003, publicado em cumprimento ao estabelecido no art. 42 do Decreto n° 4.541/2002, indica que majoritariamente os recursos da CDE provêm das quotas decorrentes da CCC do sistema interligado que corresponderá, em 2004, a R$ 1,782 bilhão5. Desse montante, denominado neste artigo para fins didáticos como quotas "brutas", devem ser descontadas os valores previstos para a CCC do sistema interligado calculado com o decremento de 25% ao ano previsto pela Resolução ANEEL n° 261/98.
Assim, em 2003, a Resolução n° 42, de 31 de janeiro de 2003, estabeleceu as quotas brutas em R$ 1.591.862.709,44 e as líquidas em R$ 1.075.957.826,13 resultando em R$ 515.904.883,31 como CCC do sistema interligado. Da mesma forma, a Resolução Homologatória n° 12, de 2 de fevereiro de 2004, estabeleceu os valores das quotas "brutas" e "líquidas" da CDE para 2004 em R$ 1.782.103.170,83 e R$ 1.449.608.645,89, respectivamente, resultando a diferença em R$ 332.494.524,94 como CCC de 2004. O valor das quotas líquidas da CDE representa um incremento de 34,73% em relação ao de 2003. O impacto da CDE, segundo a ANEEL, será, em média, de 0,79%.
O Despacho ANEEL n° 921/2003, também apresenta a previsão da arrecadação do pagamento pelo uso do bem público (UBP) que passará a recolher valores maiores a partir de 2007, conforme demonstrado na tabela 3.
Portanto, mantendo o nível das multas recolhidas pelos agentes no mesmo valor de 2003, o que não prejudica a análise (representam apenas 0,1% dos valores da CDE), pode-se estimar o valor previsto de arrecadação da CDE, conforme tabela 4. Observa-se que as quotas representam 97,2% da CDE.
Outra fonte de financiamento prevista na legislação é a Reserva Global de Reversão - RGR que tem por finalidade prover recursos para reversão, encampação, expansão e melhoria dos serviços públicos de energia elétrica. Dos valores arrecadados, 50%, no mínimo, devem ser destinados para investimentos nas Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, dos quais a metade em programas de eletrificação rural, conservação e uso racional de energia, além do atendimento de comunidades de baixa renda. A sua extinção estava prevista para 2002, mas a Lei n° 10.438/2002 prorrogou este prazo para 2010.
De acordo com os Relatórios de Administração da Eletrobrás, a arrecadação de quotas da RGR mantém-se no patamar de R$ 1 bilhão por ano, no período de 2000 a 2003. Destaca-se o nível de aplicações no Programa "Luz no Campo", ao qual foram destinados, até 2003, R$ 735,6 milhões atendendo a todas as Regiões do Brasil. Porém, a RGR também está destinada à cobertura das perdas de algumas distribuidoras decorrentes da nova classificação para as unidades consumidoras da Subclasse Residencial Baixa Renda, conforme nova redação dada recentemente pela Lei n°10.762/2003.
3. Participação financeira do consumidor
Historicamente a responsabilidade pelo atendimento ao consumidor distante da rede de distribuição era compartilhada com o próprio solicitante. A existência de um limite de investimento obrigatório da concessionária buscava vincular a expansão da empresa a um montante que não provocasse impacto tarifário significativo para os demais consumidores. Este deveria ser o objetivo do mecanismo de participação financeira do consumidor, conforme já discutido anteriormente. Porém, ao longo do tempo e principalmente com o congelamento da tarifa fiscal, o limite de investimento obrigatório da distribuidora para atendimento da expansão se reduziu, aumento, conseqüentemente, a participação financeira do consumidor.
O Decreto n° 41.019, de 26 de fevereiro de 1957, considerado como "Regulamento dos serviços de eletricidade" estabelecia originalmente a obrigatoriedade e responsabilidade da concessionária de distribuição de energia quanto ao fornecimento a uma região com concentração de população, configurada em plantas organizadas de comum acordo com as Prefeituras Municipais e aprovadas pela Fiscalização do DNAEE. As ampliações para o atendimento desse perímetro também seriam executadas à custa das distribuidoras. Essas áreas poderiam ser revistas atendendo ao crescimento das concentrações de população, porém observado o princípio econômico de que as extensões não compreendidas nas áreas "demarcadas" seriam custeadas até o limite de três vezes a receita anual estimada do novo consumo.
Alterações posteriores possibilitaram que o DNAEE estabelecesse limites de investimentos que não resultassem em acréscimo ao custo total do serviço superior ao acréscimo de receitas. Dessa forma, o órgão vinculou o limite de investimentos à tarifa fiscal para facilitar a correção da parcela de responsabilidade da empresa. No entanto, a tarifa fiscal permanece, desde a Portaria n° 2, de 4 de janeiro de 1996, constante no valor de R$ 64,48. Por exemplo, o limite de investimento da concessionária previsto na Portaria DNAEE n° 5/1990 era de R$ 257,92 (quatro vezes a tarifa fiscal) por consumidor residencial.
Considerando somente a correção da tarifa fiscal pelo IGP-DI e IGP-M de janeiro de 1996 até dezembro de 2003, o limite de investimento da distribuidora para o atendimento de um consumidor residencial seria quatro vezes a tarifa fiscal que corresponderia a cerca de R$ 612,95, ou seja, quase duas vezes e meia o limite de investimento vigente até abril/2003, quando a regulamentação da participação financeira foi extinta pela Resolução ANEEL n° 223/2003.
Por outro lado, a definição da tarifa fiscal, de acordo com a Lei n° 4.156/62, é o "quociente do valor em cruzeiros da energia vendida a medidor no País, em determinado mês, pelo correspondente volume físico (número de quilowatts-hora) de energia consumida durante o mês", ou seja, uma tarifa média de fornecimento. De acordo com os dados da Eletrobrás (2002), a tarifa média de fornecimento em 2002 foi de R$ 143,05 por MWh. Nesse caso, admitindo-se que este valor para a tarifa fiscal, o limite de investimento da concessionária, para um consumidor residencial, seria de R$ 572,20 em 2002.
4. Novo marco legal da universalização
A Lei n° 10.438/2002, em seu art. 14, atribui à ANEEL a tarefa de estabelecer metas de universalização, do acesso ao serviço público de energia elétrica, utilizando uma sistemática de áreas no interior das quais o atendimento de novas ligações deverá ser realizado sem ônus de qualquer espécie para o solicitante, conforme redação original da Lei transcrita a seguir:
"Art. 14. No estabelecimento das metas de universalização do uso da energia elétrica, a Aneel fixará, para cada concessionária e permissionária de serviço público de distribuição de energia elétrica:
I - áreas, progressivamente crescentes, em torno das redes de distribuição, no interior das quais a ligação ou aumento de carga de consumidores deverá ser atendida sem ônus de qualquer espécie para o solicitante;
II - áreas, progressivamente decrescentes, no interior das quais a ligação de novos consumidores poderá ser diferida pela concessionária ou permissionária para horizontes temporais pré-estabelecidos pela Aneel, quando os solicitantes do serviço serão então atendidos sem ônus de qualquer espécie."
Para fixação das áreas, segundo a redação original, deveriam ser levadas em conta taxas de atendimento da distribuidora, de forma global e desagregada por município, bem como a capacidade técnica e econômica para o atendimento das metas de universalização. A agência, segundo o comando legal, deve também estabelecer mecanismos que possibilitem ao futuro cliente, localizados em áreas não imediatamente atendidas, a antecipação de sua ligação, mediante restituição posterior do valor investido.
A norma legal determinou ainda que a partir de 31 de julho de 2002, novos pedidos de ligação cujo fornecimento possa ser realizado mediante a extensão de rede em tensão secundária de distribuição, ainda que seja necessário realizar reforço ou melhoramento na rede primária, devem ser atendidos sem ônus para o consumidor. Este procedimento transitório vigoraria até que a agência reguladora definisse a sistemática de áreas. Estabeleceu também que a não fixação das áreas de universalização no prazo de um ano de sua publicação implicaria a obrigação de atendimento dos pedidos de ligação sem qualquer espécie ou tipo de ônus para o solicitante em toda a área concedida ou permitida.
Observa-se que o legislador conceituava a universalização do uso da energia elétrica como o acesso físico (ligação ou aumento de carga) sem ônus para o solicitante, independentemente do tipo de consumidor. Esse conceito representa uma mudança de paradigma, pois a regulamentação vigente até então estabelecia que o solicitante deveria arcar com a diferença entre o valor das obras necessárias para o seu atendimento e o limite de investimento obrigatório da distribuidora. Esta obrigação da concessionária deveria ser calculada pelo regulador em função do retorno econômico da nova ligação; porém, no passado recente, este valor não refletia adequadamente esse princípio6 pois estava vinculado à denominada tarifa fiscal, mantida no mesmo patamar por sete anos. Dessa forma, com os limites atenuados, o foco dessa diretriz, o investimento obrigatório da distribuidora, passou a ser o seu complemento, qual seja, a participação financeira do consumidor que aumentou desproporcionalmente durante esse período.
A amplitude de responsabilidade da distribuidora definida em 2002 como total, independentemente do tipo de consumidor, porém foi diminuída pelo Congresso Nacional. No projeto de conversão da Medida Provisória n° 127/20037, que originalmente tratava do financiamento para as distribuidoras, foram incluídas alterações na Lei n° 10.438/2002.
Em linhas gerais no que se refere à universalização, as seguintes alterações foram introduzidas pela Lei n° 10.762/2003, decorrente do projeto de conversão da Medida Provisória n° 127/2003:
1. Restringe a responsabilidade das distribuidoras pelo atendimento sem ônus nas áreas de universalização para consumidores do Grupo B (tensão secundária de distribuição) com carga abaixo de 50 kW (Art. 14, incisos I e II). Anteriormente essa determinação abrangia todos os consumidores independentemente da classe ou tensão de fornecimento.
2. Atribui a regulamento da ANEEL o investimento de responsabilidade da distribuidora relativo aos consumidores não contemplados na universalização. A diferença entre o valor das obras e o limite da distribuidora poderá ser custeada pelo consumidor ou por órgãos públicos, conforme regulamentação da ANEEL (Art. 14, §§ 1° e 2°).
3. Determina que as áreas atendidas por cooperativa de eletrificação rural terão as mesmas metas estabelecidas para a distribuidora, onde esteja localizada a respectiva cooperativa, conforme regulamentação da ANEEL (Art. 14, § 6°).
Dessa forma, a amplitude da universalização, no âmbito do acesso físico, ficou definido pela legislação, em resumo, como o atendimento a nova ligação de consumidores do Grupo B com carga instalada na unidade consumidora de até 50 kW.
5. A regulamentação da universalização
Em atendimento ao prazo estabelecido originalmente no art. 14, § 6° da Lei n° 10.438/20028, ANEEL editou a Resolução n° 223/2003, estabelecendo regras gerais para a universalização da energia elétrica no país. A Resolução determina que consumidores de todas as classes não mais sejam obrigados a arcar com despesas para sua ligação à rede elétrica, que passam a ser de responsabilidade exclusiva das distribuidoras, respeitando o comando legal vigente na época.
Até aquela data, o atendimento a consumidores que exigisse a execução de obras era realizado calculando-se um limite de investimento de responsabilidade da distribuidora. A diferença entre tal limite e o custo total das obras necessárias ao atendimento, se positiva, deveria ser integralmente paga pelo interessado. A regulamentação determina o atendimento gratuito a novos pedidos de ligação que possam ser atendidos por meio da extensão da rede secundária, mantendo a sistemática adotada no § 7° do Art. 14 da Lei n° 10.438. Assim, segundo a ANEEL (2003), o limite de expansão da rede secundária representa a poligonal a que se refere o inciso I do caput do Art. 14 da Lei n° 10.438/2002. Quando a solicitação do consumidor demandar investimentos na expansão da rede primária de distribuição, as distribuidoras cumprirão os prazos previstos em seus respectivos planos de universalização.
Além das metas iniciais para 2003 (atendimento nos termos do art. 14, § 7° da redação original da Lei n° 10.438/2002), a ANEEL também estabeleceu o horizonte em que deverá ser atingida a universalização para cada distribuidora, de modo que qualquer consumidor possa ter o conhecimento do ano a partir do qual será atendido gratuitamente. Dessa forma, se for conveniente, o consumidor poderá efetuar a antecipação, arcando inicialmente com os custo. Nesse caso, os interessados terão que ser ressarcidos pela distribuidora a partir do ano previsto para a extensão do serviço àquele consumidor. Os valores antecipados serão corrigidos com base no IGP-M, mais juros de 0,5% ao mês.
A resolução conceitua Universalização como o atendimento a todos os pedidos de ligação ou de aumento de carga de consumidores nos prazos previstos nas Condições Gerais de Fornecimento. Dessa forma, a estratégia empregada pela ANEEL foi dividir as distribuidoras em 5 grupos com anos diferenciados para se atingir a universalização, calculados em função do índice de atendimento da distribuidora e da sua capacidade técnica e econômica, conforme Tabela 5. Quanto maior o índice de atendimento - diferença entre o número de domicílios com energia e o total de domicílios estimados pelo Censo 2000 - menor será o prazo para a universalização.
Com base em estimativas feitas a partir dos dados do Censo 2000, observa-se que mais da metade das empresas (33 distribuidoras) deverão atingir a universalização até 2008, conforme mostra a Figura 1. Além deste marco para a distribuidora, a resolução da ANEEL fixa também metas específicas para cada um dos municípios atendidos pelas empresas, em função do índice de atendimento. Quanto menor este indicador maior será o tempo para que a distribuidora possa universalizar o município, conforme a Tabela 6. A distribuidora poderá adotar um ano diferente, desde que justifique técnica e economicamente e não ultrapasse o ano para vigência da universalização de sua área de concessão. Esta sistemática também é válida para o caso do município tiver um horizonte maior para atingir a universalização do que a empresa: o ano previsto para universalização da distribuidora prevalece.
Nas figuras 2 e 3 são apresentadas as estimativas feitas com base nos dados do Censo 2000 da quantidade de municípios e domicílios que seriam contemplados com a universalização ao longo do tempo necessário para a implantação dos Planos de Universalização. É importante notar que isto não significa que os 501.731 domicílios que constam na Figura 2 no ano 2015 sejam atendidos somente nesta época. Na elaboração dos Programas Anuais de Expansão do Atendimento, a distribuidora deverá apresentar a evolução prevista para se atingir a universalização em cada município. Ressalta-se também que, até o final de 2004, pelo menos 220.548 domicílios em 2397 municípios (cerca de 43%) estarão contemplados com a universalização, devendo ser atendidos pela distribuidora sem custos, exceto nos casos em que a empresa apresentar justificativas.
Visando acompanhar a evolução dos Planos de Universalização, a distribuidora deverá apurar e enviar anualmente à ANEEL, para cada município e para toda a sua área de atuação, os seguintes indicadores: Nível Urbano de Universalização (NUU); Nível Rural de Universalização (NRU); e Nível Global de Universalização (NGU). Estes indicadores expressam, em percentual, a relação entre o número de unidades consumidoras eletrificadas e o total de unidades domicílios e serão utilizados para verificar o cumprimento das metas anuais das empresas distribuidoras. Além disso, também devem ser encaminhados relatórios, por município, informando o número de unidades consumidoras atendidas pelo Plano de Universalização e as atendidas com financiamento pelos consumidores e pelos órgãos públicos.
As distribuidoras que não cumprirem as metas poderão ter seus níveis tarifários reduzidos durante as revisões periódicas. O valor da penalidade será obtido por meio da multiplicação de um coeficiente -que varia entre 0,90 e 0,97 de acordo com o total de municípios não-atendidos - pelos itens referentes aos custos gerenciáveis. As reduções serão aplicadas durante período equivalente ao número de anos em que as metas deixaram de ser cumpridas. Assim, se uma distribuidora não cumprir as metas por dois anos, a redução será efetivada por igual período.
A regulamentação da ANEEL determina a exclusão das condições de atendimento estabelecidas nesta resolução dos seguintes casos: ligações provisórias, iluminação pública, lotes urbanos em loteamentos e áreas em processo de regularização (cooperativas). Nos dois últimos casos a resolução prevê a publicação de regulamentação específica posteriormente.
Consta também da resolução, a revogação do inciso III do art. 7° da Resolução n° 456/2000 que possibilita que a distribuidora atenda unidades consumidoras que estejam localizadas fora do perímetro urbano sem observar os limites estabelecidos no art. 6° do referido regulamento. Este dispositivo permite o atendimento de unidades rurais com carga instalada igual ou inferior a 75 kW em tensão primária de distribuição, impondo o custo do transformador de distribuição para os consumidores, que à luz do novo marco legal não se justifica.
Finalmente, a resolução revoga a Portaria DNAEE n° 5, de 1990 considerando a extinção da participação financeira do consumidor.
6. Considerações finais
A situação de não-atendimento existente é, em grande parte, decorrente da participação financeira do consumidor cobrada quando há necessidade de obras para a expansão do sistema de distribuição, conforme exposto anteriormente. A Lei n° 10.438/2002 introduziu a obrigação da universalização do acesso dentro do setor elétrico. Rompeu-se um paradigma que perdurava desde a constituição do setor: a responsabilidade financeira do consumidor solicitante, geralmente pioneiro, pela extensão da rede, posteriormente na qual se conectariam novos consumidores a custos mais baixos.
Assim, de acordo com o regulamento da ANEEL, nas áreas próximas da rede secundária de distribuição e para os consumidores contemplados no Plano de Universalização da distribuidora, o atendimento será imediato. Para os demais consumidores, poderá ser feita a antecipação com o aporte de recursos dos eventuais interessados, que será devolvido a partir do ano previsto para a Universalização: nos termos do regulamento, no máximo até final de 2015, mas com grande parte dos municípios (43%) já alcançando até final de 2004 a universalização de sua área.
A Lei n° 10.762/2003, porém, restringiu a responsabilidade das distribuidoras pelo atendimento sem ônus nas áreas de universalização somente para consumidores do Grupo B (tensão secundária de distribuição) com carga abaixo de 50 kW. A alteração foi benéfica para a distribuidoras, e para a sociedade em geral, pois, no ambiente anterior à Lei n° 10.762/2003 e posterior à Lei n° 10.438/2002, as distribuidoras arcariam com todo o custo das obras, eventualmente necessárias, para conectar, por exemplo, um grande consumidor industrial.
A alteração promovida, no entanto, indica a necessidade de nova regulamentação do mecanismo de investimento obrigatório da concessionária e conseqüente participação financeira do consumidor com carga acima de 50 kW. O texto do projeto de conversão, apresentado para votação no Congresso Nacional, determinava o limite de até três vezes a receita anual, restabelecendo o dispositivo contido no regulamento de 1957. Contudo, a redação final da Lei n° 10.762/2003 atribuiu à ANEEL a regulamentação do investimento de responsabilidade da concessionária.
Dessa forma, é urgente a regulamentação desse mecanismo, pois o consumidor, em questão, estará arcando com o custo total das eventuais obras necessárias para o seu atendimento. A ANEEL até o momento ainda não apresentou proposta para regulamentação em Audiência Pública.
Finalizando, é preciso também que as metas estabelecidas pelo regulador, conforme discutido anteriormente, possam ser compatibilizadas com as metas do Programa Luz para Todos, lançado pelo Governo Federal em novembro de 2003. Aparentemente, há um conflito no entendimento da prevalência das diferentes metas. Os autores entendem que a Lei n° 10.438/2002, com redação dada pela Lei n° 10.762/2003, estabelece a obrigatoriedade do atendimento sem nenhum custo para os consumidores até 50 kW e que o Programa Luz para Todos visa mitigar eventuais impactos tarifários decorrentes dessa obrigação. Dessa forma, a regulamentação permite que o ano máximo para o alcance da universalização poderá ser antecipado pela ANEEL sempre que houver alocação de recursos a fundo perdido, oriundos de programas especiais a fundo perdido implementados por órgão da Administração Pública Federal, do Distrito Federal, dos Estados ou dos Municípios, inclusive da administração indireta.
Referências
AGÊNCIA NACIONAL DE ENERGIA ELÉTRICA (ANEEL). Relatório de Voto - Resolução n° 223/2003. Disponível: <http://www.aneel.gov.br>.
CENTRAIS ELÉTRICAS BRASILEIRAS S.A. (ELETROBRÁS). Sistema de Informações Estatísticas do Setor de Energia Elétrica - Boletim Anual Síntese 2002. Disponível: <http://www.eletrobras.com.gov.br>.
CENTRAIS ELÉTRICAS BRASILEIRAS S.A. (ELETROBRÁS). Relatórios de Administração 2000. a 2003. Disponível: <http://www.eletrobras.com.gov.br>.
1 O CENSO 2000 informa se o domicilio tem iluminação elétrica, mas não detalha sua procedência: rede elétrica, gerador particular ou fonte alternativa.
2 O atual índice de Atendimento Rural no país é de 71,5 %.
3 Custos médios por unidade adotados: Rural: NE, SE e S - R$ 3.000,00; CO - R$ 4.629,00 (Luz no campo); N - R$ 3.717,00 (Luz no campo) e Urbano - R$ 1.500,00.
4 Dos custos estimados, 72,3% são relativos às Regiões Norte e Nordeste do Brasil, implicando uma política regional diferenciada a ser adotada pelo MME na alocação dos recursos necessários para o processo, não sendo possível o financiamento por meio de recursos da própria área de concessão.
5 A Resolução Homologatória n° 12, de 2 de fevereiro de 2004, alterou os valores "brutos" das quotas da CDE de 2004, inicialmente estimados pelo Despacho n° 921/2003 em R$ 1.630.469.506,69, para R$ 1.782.103.170,83.
6 O limite de investimento da concessionária até a revogação da Portaria DNAEE n° 5/1990 pela Resolução ANEEL n° 223/2003 era de R$ 257,98 (quatro vezes a tarifa fiscal) por consumidor residencial.
7 A Medida Provisória n° 127/2003, criou o programa de apoio emergencial e excepcional às concessionárias de distribuição destinado a suprir a insuficiência de recursos decorrentes do adiamento da compensação do saldo da Conta de Compensação de Variação de Valores de Itens da "Parcela A" - CVA.
8 A Lei 10.438/2002 determinava o prazo de contado da sua publicação desta Lei para que a ANEEL fixasse as áreas de universalização. No caso de não cumprimento do prazo, até que fossem definidas as áreas, a obrigação das distribuidoras de atendimento sem qualquer espécie ou tipo de ônus para o solicitante aplicar-se-ia a toda a área de concessão.