An. 5. Enc. Energ. Meio Rural 2004
Avaliação da introdução da cogeração para refrigeração no setor pesqueiro do Amazonas
Ricardo Wilson Aguiar Da CruzI; Silvia Azucena NebraII; Elizabeth Ferreira CartaxoIII
IUniversidade Estadual do Amazonas - UEA (rcruz@uea.edu.br)
IIUniversidade Estadual de Campinas - UNICAMP (sanebra@fem.unicamp.br)
IIIUniversidade Federal do Amazonas - UFAM (ecartaxo@ufam.edu.br)
RESUMO
Este trabalho analisa a oportunidade de introduzir a cogeração para produção de refrigeração por absorção água-amônia no sistema isolado do Estado do amazonas, como forma de melhoria de eficiência por um lado; e por outro, resolver a deficiência crônica de armazenagem da produção pesqueira do estado.
ABSTRACT
This work analyses the opportunity to introduce cogeneration for the production of aquammonia absorption refrigeration in the autonomous Amazonas State power system, by one hand as a means to improve its efficiency and by another, solve the deficiency the State has to store its fishing production.
1 Introdução
No atual cenário de operação, a Companhia Energética do Amazonas - CEAM produz apenas energia elétrica, devendo atender uma área geográfica imensa, da ordem de 1,5 milhão de km², onde vivem 2 389 mil habitantes (Noronha, 1996). As dificuldades enfrentadas pela Companhia para atender seu mercado, e, portanto, garantir a universalização do serviço face ao quadro de grandes dificuldades impostas pela região amazônica, é extensivamente relatada.
A economia do interior não tem vigor suficiente para gerar emprego e renda e, como conseqüência, a energia elétrica nesse cenário não se constitui como um insumo de produção. A exploração sustentada dos recursos naturais é um caminho que deve ser pensado para acrescer justificativa econômica à energia elétrica. Nisso se insere a pesca, tradicionalmente coletora indiscriminada, que deve evoluir pelo aporte de tecnologias mais racionais do que as atuais, aí incluída a refrigeração.
2. Alguns Dados de Carga Medidos do Sistema Isolado do Norte Brasileiro
Por iniciativa da Agência Nacional de Energia Elétrica - ANEEL, pesquisadores da Universidade Federal do Amazonas - UFAM e Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP elaboraram extenso levantamento em dez usinas geradoras do sistema elétrico isolado da Região Norte do Brasil (ANEEL, 2001).
Foram selecionadas do Relatório ANEEL (2001) as usinas em cujos parques geradores há no mínimo uma máquina de 1 [MW], cujo tamanho é o mais significativo para fins de cogeração. Da seleção, resultaram as cinco usinas da Tabela 1. Na Tabela 1, tem-se: os municípios; as máquinas existentes com seu ano de fabricação; as potências nominais e as respectivas potências médias geradas, no período de operação; fatores de carga; consumos específicos por grupo-gerador e da usina; e as eficiências de conversão.
A Tabela 1 destaca o alto consumo específico no Amazonas, dado os baixos fatores de carga. As usinas do Amazonas só sofrem manutenção quando param por quebras. Daí a existência de mais potência instalada ociosa perante a carga do sistema.
3. Dimensão do Setor de Refrigeração Industrial no Estado do Amazonas
A Tabela 2 lista os municípios com armazenagem frigorificada e fábricas de gelo, com capacidades em massa e carga térmica por compressão de vapor. Também lista pontas de carga, permitindo comparar com as demandas elétricas na última linha, obtidas dos totais das capacidades frigoríficas, por:
Onde: é a demanda e é o total de refrigeração. É usado um coeficiente de performance (COP) de 3,5; e para o fator de conversão, γ = 3,517 [kW/TR].
A Tabela 2 mostra a significância da capacidade de estocagem em massa dos municípios de Itacoatiara (310 km ao sul de Manaus) e Iranduba (83 km a oeste de Manaus). Juntos estes municípios têm 62,6% do total da capacidade em câmaras (3 865 [t/dia]), enquanto Manaus só responde por 1,16% do total.
Na Tabela 2, apesar de sua grande capacidade de armazenagem total, os segmentos câmara de espera e câmara de estocagem (4.147 [t/dia]) impõem pouca demanda elétrica (3,35 [MW]) à potência instalada de todo o Sistema CEAM, 100 [MW] (CEAM, 2000). Igualmente pequenas são as demandas dos segmentos túneis (0,12 [MW]) e fábricas de gelo (1,07 [MW]). Obviamente, estes valores só seriam significativos se o sistema amazonense fosse interligado. Mas há municípios em que individualmente a demanda total das instalações frigoríficas é proporcionalmente grande.
4. Configuração do Setor Pesqueiro no Estado do Amazonas
Na Amazônia a pesca de água doce é uma atividade econômica que oscila entre o artesanal, feita pelos ribeirinhos em canoas, à pesca empresarial, explorada por companhias com equipamentos e recursos. A importância da pesca no Amazonas aparece nitidamente nos números de trabalhadores envolvidos na atividade, 45.000 indivíduos (Cruz, 2004), da ordem de tantos quantos, hoje, são empregados no Distrito Industrial da Zona Franca de Manaus, ressaltando-se que a Capital concentra 48% de seus habitantes.
Em ambos os casos artesanal e empresarial, porém, há carência de refrigeração para conservação adequada da captura, com conseqüências deletérias que atingem o meio ambiente. As perdas variam de 15% a 30%, da captura à venda, segundo estimativas (Cruz, 2004).
Manaus é o destino da produção pesqueira no Amazonas, com um consumo per capita entre 38,4 a 55,0 [kg/hab.ano], o mais alto do Brasil. A título de ilustração, na cidade de São Paulo o consumo é de 3,14 [kg/hab.ano] (Cruz, 2004). Peixe é uma importante fonte de proteínas para o povo amazonense, capturado em vários municípios. A captura é feita em barcos que não se afastam mais do que um dia de viagem das sedes municipais, porque não produzem o próprio gelo para suas câmaras (Falabella, 1995). A instalação de equipamentos de refrigeração nas embarcações regionais permitiria o aumento do raio de ação dos barcos, o que aliviaria a pressão sobre o habitat das espécies locais. A captura nas áreas próximas aos municípios está levando as espécies de consumo intensivo ao deplecionamento.
Os números oficiais da produção pesqueira do Amazonas apontam para 200 mil [t/ano]. Não são considerados confiáveis pelos pesquisadores da área, o que leva a que esses os estimem por amostragens de pontos de compra e venda, como os da Tabela 3, transcrita da compilação das agências JICA e IDAM (Cruz, 2004), de dados de vários autores. O total estimado nesta tabela para o ano 2000, 66.200 [t/ano], tem ordem de grandeza coerente com os números das capacidades de armazenagem do segmento câmaras de espera e com o volume de gelo produzido, da Tabela 2, mas não com a capacidade instalada de câmaras de congelamento, que alcança média da ordem de 927.600 [t/ano]. Isso faz sentido, se observado que a grande capacidade restante deste segmento da infraestrutura é utilizada na conservação de longo prazo de outros produtos alimentícios - carnes, frutas e hortifrutigranjeiros, em geral, importados pelo Estado do Amazonas.
5 Oportunidades Para a Inserção da Refrigeração por Absorção no Amazonas
Nas Tabelas 4a e 4b se tem um perfil do balanço anual consolidado das agências da CEAM no ano de 1999, onde aparecem a energia elétrica vendida ao mercado consumidor e a energia gerada. Os dados são de 1999, mas o pequeno crescimento econômico do País não os desqualificam para a situação atual.
Os potenciais de refrigeração das Tabelas 4 aproveitam os rejeitos térmicos dos motores, da água de refrigeração mais os gases. Estes potenciais são determinados pela relação que segue, que considera um coeficiente de performance (COP); e a relação calor-potência (RCP) de Horlock (Cruz, 2004). Então:
Onde Eel.ger. é a energia elétrica gerada [kWh]. Para o COP de absorção, usou-se uma média de regressões da ASHRAE (Dorgan et al., 1995), 0,385 4. O fator γ é o mesmo da equação (1). Para o tempo médio de operação τ é assumido 8.000 [h/ano]. A relação calor-potência (RCP) de motores de combustão interna varia com a carga. Nas Tabelas 4 é usado imagemaqui, significando que é praticamente constante acima da carga 75 [%], porque nesse intervalo a potência e as energias da água e dos gases do motor são praticamente constantes (Figura 2). Portanto foi determinado, à partir da Figura 2, RCP75% = 1,59.
Os potenciais de refrigeração das Tabelas 4 permitem investigar seu impacto no conjunto das capacidades frigoríficas já existentes, dadas na Tabela 2. Visando isso, nas Tabelas 4 as colunas: (D) = (pot.refr.) / (cap.câm.esp. + cap.câm.est. + cap.túneis); e (E) = (pot.refr.) / (cap.fáb.gelo), onde os termos (pot.refr. = potencial de refrigeração) são da coluna (c) das Tabelas 4; mas (cap.câm.esp.= capacidade de câmaras de espera), (cap.câm.est. = capacidade de câmaras de estocagem) e (cap.túneis = capacidade de túneis de congelamento), são da Tabela 2. As colunas (D) e (E) mostram que do total de trinta localidades que possuem câmaras e fábrica de gelo, apenas Iranduba não teria potencial por absorção para atender ao total de capacidade de refrigeração, mas apenas 53% da capacidade. Neste município, seu potencial cobriria a capacidade das fábrica de gelo.
6 Estimativa da Capacidade de Cogeração com Motores de Combustão
Aqui se denominou de capacidade para diferenciá-lo do termo potencial da abordagem anterior. Do ponto de vista técnico, o projeto de uma unidade de refrigeração por absorção operando em cogeração precisa levar em conta a curva de carga de cada grupo-gerador e a curva total da usina.
A energia recebida pelo sistema de cogeração é o rejeito térmico do motor do grupo-gerador, e é aqui dada na sua forma geral, em regime permanente:
Onde são: a energia do queima do combustível; a potência mecânica; o calor de irradiação/ e , e , as energias dos gases, do refrigerante e do lubrificante. e são as parcelas que na prática se podem usar para formação da energia de cogeração.
São considerados dois limites para a capacidade de cogeração da usina: (i) Como limite inferior, apenas os gases; (ii) Como limite superior, a soma dos gases e da água. Então, pode-se estimar a energia de cogeração entre as cargas 75 [%] e 100 [%], pelas mesmas razões discutidas para o RCP da equação (2), por:
As curvas da Figura 2 são de uma compilação de dados de várias pesquisas com motores Diesel supercarregados (ASHRAE, 2000). Dessas curvas, foi possível obter correlações polinomiais em cada carga q [%] do motor. Desses polinômios pôde-se escrever equações para os fluxos de energia de interesse:
7 Capacidade de Refrigeração por Absorção em Uma Usina Isolada
Pôde-se avaliar o potencial frigorífico disponível, individual ou coletivo, pelo mesmo coeficiente médio de performance de sistemas de absorção água-amônia (COP), discutido para a equação (2). Dados k grupos em uma usina:
Esta metodologia foi aplicada à curva de carga da UTE - Careiro-Castanho do Amazonas. Resultou a figura seguinte, onde aparecem o limite superior e inferior da capacidade de refrigeração. Ambas seguem o comportamento da primeira, tal que as relações capacidade superior/potência desenvolvida e capacidade inferior/potência desenvolvida estão por volta de 65% e 26%.
8 Barreiras Impostas à Introdução da Cogeração no Sistema Isolado do Interior do Amazonas. Sugestões Para um Marco Legal
A introdução da cogeração nas usinas do Sistema CEAM presentemente não tem instrumentos legais que a motivem, quer do ponto de vista da atividade da cogeração em si, quer do ponto de vista dos incentivos que a cogeração para refrigeração industrial por absorção na região amazônica deveriam merecer, dadas as suas peculiaridades. Um dispositivo que poderia impulsionar a cogeração no Sistema seria a Lei nº. 10.438/02, que criou o Programa de Estímulo às Fontes Alternativas de Energia - PROINFA, mas esta lei não contempla a eficientização de sistemas isolados, no que poderiam se enquadrar não só o Sistema CEAM, como também todo o sistema isolado do norte do País.
Outra questão a considerar é o papel da eminente entrada do gás natural da região de Urucu na geração elétrica da Capital, e de alguns municípios no trajeto do gasoduto projetado até Manaus. Uma idéia a propor é o rateio dos ganhos de eficiência que o gás propiciar ao Sistema Manaus entre o restante do Sistema CEAM não suprido com o gás natural. A conta dos ganhos pode arrolar também os ganhos de eficiência daqueles municípios onde, independentemente da entrada ou não do gás, tais ganhos advirem da cogeração implantada nas usinas dieselétricas existentes. Essa transferência de eficiência poderia compensar fatores locacionais desfavoráveis, principalmente, dos municípios mais distantes da Capital. Uma forma de transferência dos ganhos de eficiência pode ser a venda de créditos de carbono no mercado internacional, após o início do funcionamento efetivo dos termos do Protocolo de Kioto.
Tecnologicamente, a introdução de unidades de refrigeração por absorção no Sistema CEAM é uma oportunidade para atrair mais um segmento industrial para o Parque Industrial de Manaus - PIM. A implantação de uma unidade industrial de produção de equipamentos de absorção no PIM poderá induzir a difusão da tecnologia da refrigeração por absorção na Amazônia e em outras regiões subdesenvolvidas do País, o que viria de encontro à necessidade do PROINFA incentivar o desenvolvimento da indústria nacional de equipamentos.
Referências
[1] Agência Nacional de energia Elétrica - ANEEL.. Relatório Final do Levantamento do Consumo Específico de algumas Centrais Dieselétricas na Amazônia Brasileira. (em CD rom). Coordenadora: E. F. Cartaxo; Brasília; 2001.
[2] ASHRAE. Cogeneration Systems and Engine and Turbine Drives (Chapter 7). In: Handbook for Heating, Ventilating and Air-Conditioning Systems and Equipment; SI Edition; pp. 7.1-7.48; Atlanta, USA; 2000.
[3] Companhia Energética do Amazonas - CEAM. Relatório de Faturamento Consolidado por Agência DOT/DFC/CEAM. 356 p; Manaus; 2000.
[4] Costa, Ênnio Cruz da. Física Industrial. Refrigeração. Editora Emma/PUC; Vol. 2; 175 p; Porto Alegre; 1976.
[5] Cruz, Ricardo Wilson A. Avaliação da Introdução de Cogeração no Sistema Isolado do Interior do Estado do Amazonas. Tese de doutorado. Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP; Campinas; São Paulo; 2004.
[6] Dorgan, C. B., Leight, S. P., Dorgan, C. E. Application Guide for Absorption Cooling/Refrigeration Using Recovered Heat. ASHRAE; Atlanta; USA; 1995.
[7] Falabella, P. G. A Pesca no Amazonas: Problemas e Soluções. Editora da EMATER; 2ª Ed; 180 p; Manaus; Brasil; 1995.