An. 5. Enc. Energ. Meio Rural 2004
Avaliação dos níveis de sobretensões induzidas em linhas de distribuição rurais
Rogério ThomazellaI; André Nunes De SouzaII; Fábio R. L. DottoIII; Ivan Nunes Da SilvaIV; Amaury HagaV; Rodolfo B. BiazonV
IEng. Mestrando Unesp - Campus de Bauru
IIProf. Dr. Unesp - Campus de Bauru
IIIProf. M. Sc Universidade Paulista - Unip
IVProf. Dr. Unesp - Campus de Bauru
VEng. - Companhia Luz e Força Santa Cruz
RESUMO
Este trabalho apresenta uma ferramenta computacional confiável na análise e estimação dos níveis de tensões induzidas em linhas de distribuição rurais. Neste contexto, utilizam-se ferramentas computacionais consolidadas, como o ATP (Alternative Transients Program), que combinado a um software desenvolvido, permite quantificar e avaliar o nível de sobretensões nas linhas rurais.
Palavras-chave: Descargas atmosféricas, linhas de distribuição rurais, tensões induzidas, pára-raios, ATP.
ABSTRACT
This work presents a reliable computational tool to assess and to estimate the levels of induced voltage in rural lines. In this context, the traditional tools are used, such as ATP (Alternative Transients Program), that combined with a developed software, allows to quantify and to evaluate the level of overvoltage in the rural lines.
1. Introdução
Nos sistemas de distribuição rurais, as descargas atmosféricas são as principais causas de interrupções no fornecimento de energia elétrica. Essa constatação deve impulsionar novas abordagens para buscar soluções cada vez mais eficientes, no sentido de diminuir os efeitos dessas descargas nas redes de distribuição rurais. Nesse sentido, a avaliação precisa do comportamento das redes de distribuição rurais frente às descargas atmosféricas, torna-se uma missão prioritária para pesquisadores que buscam melhorar a proteção dos sistemas rurais, a diminuição dos custos de projeto, a identificação de sistemas vulneráveis e seus impactos efetivos, tendo se em vista a escassez econômica e social dos setores rurais.
A utilização cada vez mais comum de equipamentos sensíveis ligados às instalações dos consumidores na rede de baixa tensão tem mostrado a importância do problema da qualidade de energia fornecida. Dentro desse contexto, assume especial importância o problema das sobretensões geradas pelas descargas atmosféricas tanto diretas quanto indiretas.
Este trabalho visa o desenvolvimento de técnicas computacionais a fim de estimar e avaliar os níveis de sobretensões gerados nas linhas de distribuição rurais frente às descargas atmosféricas. Tal análise é fundamental para analisar o desempenho de sistemas de proteção e níveis da qualidade de energia que será ofertada aos consumidores rurais.
Por meio de simulações computacionais utilizando-se o programa ATP (Alternative Transients Program), aliadas ao software desenvolvido, pode-se quantificar o nível de sobretensões nas linhas de distribuição rurais, auxiliando a especificação e a utilização de dispositivos de proteção (supressores de surto).
Como metodologia de desenvolvimento, destaca-se o emprego de técnicas convencionais na estimação paramétrica dos modelos desenvolvidos, bem como simulações computacionais aliadas a um software dedicado. Como resultado desta integração, torna-se possível à avaliação dos níveis de sobretensão, apresentando alto grau de eficiência e melhorando significativamente tal processo.
2. Desenvolvimento Matemático
As tensões induzidas por descargas indiretas são um importante fator no projeto da isolação de linhas de distribuição rurais aéreas. As tensões induzidas sobre essas linhas devido às descargas do tipo "return-strokes" (próximos de 100 a 1000 metros) são a causa de danos mais freqüentes em relação às descargas diretas, tendo em vista que essas descargas ocorrem com mais freqüência (AGRAWAL et al,1980). A estimação da magnitude e a forma de onda das sobretensões induzidas por descargas em linhas têm sido objeto de vários estudos (NUCCI et al,1993).
A utilização da teoria de Rusck é dada exclusivamente pelos resultados consistentes que a mesma conduz, sendo que em (NUCCI et al,1995 e COORAY, 1994) podem ser encontradas a base para essa afirmação. O modelo desenvolvido nesse trabalho é uma extensão do modelo de Rusck, pois o mesmo possui diversas limitações e simplificações na sua aplicação, ou seja, não pode ser generalizado para diversos casos. O modelo em evidência permite que os cálculos sejam efetuados considerando o comprimento do canal do "return stroke", a ocorrência de descargas em estruturas metálicas próximas à linha, a ocorrência do líder ascendente, o comprimento da linha, as linhas com ângulos e finalmente, as linhas com diferentes condições de terminação. Segundo essa teoria, é possível obter uma expressão analítica que descreva a tensão induzida por descarga atmosférica em qualquer ponto de uma linha homogênea infinita. Linhas finitas com descontinuidades podem ser consideradas se a teoria for ligeiramente modificada. Esse tipo de modificação usa fontes de corrente conectadas a segmentos da linha e foi apresentada por Rusck em seu trabalho original, sendo também utilizada por (ANDERSON, 1980) e (PORTO, 1990).
Existem muitas teorias cujo objetivo é o cálculo das tensões induzidas por descargas atmosféricas em linhas e equipamentos (MASTER et al,1984). Uma dessas teorias que sobreviveram a todos os tipos de testes foi à proposta de (RUSCK,1957 ).
Em sua tese de doutorado, Rusck desenvolveu, a partir das equações de Maxwell, uma expressão analítica para a tensão induzida por uma descarga atmosférica em uma linha ideal infinita. Uma extensão do trabalho de Rusck para linhas finitas com descontinuidade é apresentada em (PAULINO et al,1994). A teoria de Rusck calcula tensões, ao longo da linha, induzidas por uma descarga atmosférica em qualquer instante de tempo.
Um dos mais poderosos e utilizados programas para o cálculo de transitórios eletromagnéticos em sistemas de potência tem sido o EMTP (DOMMEL,1992 e MICROTRAN,1991). Apesar desse programa conter diversas modelagens, ele não está preparado para trabalhar com fontes distribuídas alimentando linhas de transmissão. Desta forma, torna-se necessário a sua adaptação de forma que simule, através de fontes distribuídas, os transitórios induzidos por descargas atmosféricas em linhas de energia.
O campo elétrico criado por uma descarga atmosférica é calculado por Rusck usando a clássica expressão:
onde:
Vi - Potencial escalar; e
Ai - Potencial vetor magnético.
Em sua teoria, Rusck propõe que a tensão induzida numa linha de transmissão homogênea e infinita possa ser calculada por:
onde:
x - ponto ao longo da linha;
t - tempo;
v0 - velocidade de descarga de retorno;
u - variável de integração;
h - altura da linha;
UE(x,t) - componente originada no potencial escalar; e
Uv(x,t) - componente originada no potencial vetor.
Rusck descreve em sua tese que a equação (1.3) pode ser resolvida pela aplicação de fontes de corrente ao longo da linha. A teoria por ele desenvolvida fornece a fonte de corrente advinda do potencial escalar "UE". A outra fonte de corrente está relacionada ao potencial vetor magnético "Uv".
Devido à impossibilidade de utilização do modelamento determinado por (RUSK,1957), fez-se necessário à modificação de suas equações de modo a considerar linhas finitas em vez de linhas infinitas. Tal consideração é necessária para a validação do modelo frente às topologias de rede utilizadas. A Figura 1 mostra o modelamento utilizado bem como a interface do software dedicado a esta análise.
Na Figura 2 observa-se a construção do gráfico que exprime o comportamento da tensão induzida em vários pontos da linha de distribuição rural, bem como a amplitude da mesma.
Como principal contribuição tem-se o comportamento da onda de sobretensão por toda a extensão da linha rural, dado que permite avaliar os níveis de sobretensões refletidos ao secundário bem como fornecer subsídios para a especificação e quantificação de dispositivos de proteção.
3. Resultados
É possível avaliar o comportamento da tensão induzida frente aos vários níveis de proteção e com isso avaliar qual topologia possui melhor desempenho, quantificando numa segunda etapa, a relação custo-benefício de cada topologia simulada, com esse intuito foram utilizadas linhas rurais piloto da Companhia Luz e Força Santa Cruz obedecendo as seguintes topologias:
- Simulações sem pára-raios.
- Simulações com pára-raios a cada 150 m.
- Simulações com pára-raios a cada 300 m.
- Simulações com pára-raios nos extremos das linhas.
Nestas simulações foram analisadas somente as tensões induzidas nas posições de x = 0, 150, 300, 450 e 750m devido à simetria existente, pois o comportamento das tensões induzidas é espelhado na posição x = 0 para as coordenadas negativas.
A Tabela 1 mostra um comparativo das topologias utilizadas, juntamente com a localização dos dispositivos de proteção utilizados em cada ponto.
É possível observar na Figura 3 que o valor de pico da tensão induzida por uma descarga atmosférica a uma distância de 450m da linha considerada, aproxima-se de 40kV, valor considerado elevado, tendo-se em vista a classe de isolação das redes de média tensão.
Nota-se que a tensão induzida ao longo da linha mantém seu valor constante e elevado, pois não existem equipamentos destinados a dissipar a energia gerada pela descarga, isso faz com que haja a transferência dessa onda de sobretensão para linhas de distribuição em baixa tensão, causando conseqüências danosas aos diversos consumidores atendidos por esta linha.
A Figura 3 ilustra um comparativo das tensões induzidas ao longo da linha para uma das fases. Observa-se que o valor de pico da sobretensão induzida decresce com o aumento do módulo da distância em x. Esse decréscimo é muito pequeno comparado ao nível de tensão atingido por essa descarga e somente ocorre pelo aumento da distância entre a descarga e o cabo e também pela dissipação na resistência do cabo. Observa-se também a defasagem entre as curvas das tensões induzidas, tal defasagem ocorre devido à velocidade de propagação da onda de sobretensão na linha de distribuição.
Na Figura 4, tem-se um comparativo das tensões induzidas na fase "A" desta linha de distribuição, para os pontos x = 0, 150, 450 e 750m. Desta forma é possível verificar que o nível da tensão induzida tem um decréscimo ocasionado por três fatores: as atuações dos pára-raios, maior distância entre os condutores e a descarga e a resistência do cabo.
Comparando-se com a Figura 3, nota-se que a influência dos pára-raios para esta redução é muito significativa, pois na Figura 3 também ocorre a redução de tensão devido à distância e resistência do cabo.
Observa-se na Figura 5 um comportamento similar ao da Figura 4, ou seja, a redução do número de pára-raios não influenciou significativamente no aumento da tensão induzida, proporcionando assim um mesmo nível de tensão.
A Figura 6 mostra um comparativo entre as diversas posições "x" na topologia utilizada. Nesta Figura é possível notar com maior clareza a elevação do potencial da linha em relação a sistemas com maior número de pára-raios (Figuras 4 e 5). Neste caso, há uma maior deficiência na dissipação de energia por parte dos pára-raios.
Nas simulações realizadas, observa-se que, como regra geral, a tensão induzida decresce com o aumento do módulo da variável "x" e também se defasa com o aumento deste. Tais fenômenos ocorrem devido ao aumento da distância percorrida pela onda de sobretensão na linha de distribuição.
4. Conclusões
O desenvolvimento deste trabalho veio comprovar a importância do estudo das tensões induzidas em linhas de distribuição rurais. A estimação (quantificação) e posterior análise dos dados obtidos por meio de simulações computacionais agiliza o processo de implantação de sistemas destinados à proteção da rede rural, bem como auxiliando o projeto de dimensionando desta.
Realizou-se um comparativo entre diversas topologias dos níveis de proteção de uma linha rural de distribuição. Tal comparativo proporciona a quantificação e o desempenho dessas linhas rurais frente a uma descarga atmosférica próxima a seus condutores.
As tensões induzidas nas linhas simuladas decrescem com o aumento da distância entre seus condutores e a descarga (quantificada pela variável x). Outro fator que ocasiona esta redução é a resistência do condutor elétrico utilizado na construção de tais linhas.
A redução da tensão induzida também pode ser implementada com o emprego de pára-raios. Estes últimos são responsáveis pela dissipação da energia gerada a terra. Desta forma, com o emprego dos pára-raios, consegue-se uma redução significativa no valor de pico da sobretensão induzida. Surge então, o problema do dimensionamento econômico destas proteções, visando uma boa proteção com um custo menor possível, logo as simulações comparativas tornam-se ferramentas indispensáveis para esta análise.
Nas simulações realizadas, observa-se que o emprego dos pára-raios é necessário para a redução das sobretensões. A topologia que obteve melhor desempenho na dissipação das tensões induzidas foi à colocação de pára-raios a cada 150m, porém, tal prática torna-se muito onerosas. Em vista disso, uma outra topologia que obteve resultados muito bons foi à colocação de pára-raios a cada 300m. A topologia representada pelo circuito 4, cuja proteção somente vai existir nos extremos da linha e junto aos transformadores, mostrou-se uma opção mais econômica e capaz de reduzir aos níveis de tensão a padrões suportáveis aos dispositivos instalados na média tensão.
Os resultados apresentados mostram mais uma vez a importância do emprego dos pára-raios na proteção dos alimentadores de distribuição e a melhoria da qualidade de energia ofertada aos consumidores.
5. Agradecimentos
Agradecemos a Companhia Luz e Força Santa Cruz por financiar esta pesquisa e também a CAPES - Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior pelo apoio ao desenvolvimento desta pesquisa.
6. Referências
[1] AGRAWAL, A. K., PRICE, H. J., GURBAXANI, S., Transient Response of Multicondutor Transmission Line Excited by a Nonuniform Electromagnetic Field. IEEE Trans. On Electromagnetic Compatibilily, Vol. EMC, pp 119-129, May, 1980.
[2] NUCCI, C.A., RACHIDI F., IANOZ, M. V., MAZZETTI, C. Lightning Induced Voltages on Overhead Lines. IEEE Trans. on EMC, Vol. 35, No. 1, pp 75-86. February, 1993
[3] NUCCI, C.A. et al. Comparison of Two Coupling Models for Lightning-Induced Overvoltages Calculations. IEEE Transactions on Power Delivery, Vol. 10, No. 1, pp. 330-9, Jan. 1995.
[4] COORAY, V. Lightning-Induced Overvoltages in Power Lines: A Comparison of Two Coupling Models. IEEE Transactions on Electromagnetic Compatibility, Vol. 36, No.3, pp. 179-182, Aug. 1994.
[5] ANDERSON, J. G., SHORT, T. A. Algorithms for Calculation of Lightning Voltages on Distribution Lines. IEEE Trans. on Power Delivery, Vol. 8, No. 3, pp. 119- 129, May 1980.
[6] PORTO, E. W., PAULINO, J.O.S. Estudos de Proteção de Linhas de Distribuição contra Sobretensões Causadas por Descargas Atmosféricas. Proceedings of the First International Conference on Power Distribution. Belo Horizonte, Brasil, November 11-14, 1990, Vol. 2, sponsored by IEEE-ELETROBRÁS.
[7] MASTER, M.J.; UMAN, M.A. Lightning Induced Voltages on Power Lines: Theory. IEEE Transactions on Power Apparatus and Systems. Vol. 103, No. 9, pp.2502-2518, September 1984.
[8] RUSCK, S. Induced Lightning Over-Voltages on Power Transmission Lines with Special Reference to Over-Voltage Protection of Low Voltage Network. Thesis, Royal Institute of Technology, Stockholm, 1957.
[9] PAULINO, J.O.S., LOPES, I.J.S., BAVENTURA, W.C., PISSOLATO FILHO, J. Lightning Induced Overvoltages on Distribution Lines with Shield Wire. Proceedings of International Symposium on Electromagnetic Compatibility, pp. 761-766, Vol.2, Rome, Italy. September 13-16, 1994.
[10] DOMMEL, H. W. EMTP Theory Book, Second Edition. Microtran Power System Analysis Corporation, Vancouver, Canada, 1992.
[11] MICROTRAN Power System Analysis Corporation. Transients Analysis Program Reference Manual, Vancouver, Canada, 1991.
[12] RUSCK, S. Induced Lightning Over-Voltages on Power Transmission Lines with Special Reference to Over-Voltage Protection of Low Voltage Network. Thesis, Royal Institute of Technology, Stockholm, 1957