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An. 5. Enc. Energ. Meio Rural 2004

 

Biodigestor para validação de sistema produtivo auto-sustentável no semi-árido

 

 

Carvalho, Paulo C.M.I; Silveira Neto, José W.II; Canafístula, Francisco J.F.III; Diniz, Magilce M.N.II

IProfessor do Dept. Eng. Elétrica - Universidade Federal do Ceará
IIInstituto Joazeiro de Desenvolvimento Sustentável
IIIDept. Eng. Agrícola - Universidade Federal do Ceará

 

 


RESUMO

O presente artigo apresenta a etapa inicial de projeto sobre uso de biodigestor adaptado às condições das áreas semi-áridas da região Nordeste do Brasil. O projeto pretende analisar a viabilidade técnica, econômica, financeira e ambiental de um sistema produtivo baseado no uso de biodigestores.

Palavras-chave: Biodigestor, biomassa, desenvolvimento sustentável


ABSTRACT

The present paper shows the first phase of a project about the use of digester adapted to the conditions of the semi-arid areas of the Brazilian Northeast region. The project aims to analyze the technical, economical, financial and environmental viability of a production system based on the use of digesters.


 

 

Introdução

A criação de animais na região semi-árida nordestina remonta do período colonial e decorreu em sua fase inicial da necessidade de suprir as necessidades de alimentos das populações litorâneas. No século XVIII, a pecuária atingiu seu período áureo, atribuindo-se o sucesso do modelo, em grande parte, à fertilidade natural dos solos, à lotação animal adequada e à rotação de pastagens. O sistema mantinha em equilíbrio a exploração econômica com o meio ambiente.

Com o crescimento da demanda de alimentos e matérias-primas, a agricultura invadiu os campos e destruiu as matas secas, antes somente ocupadas pela pecuária. A partir do século XVIII, a região cogitou do algodão como elemento comerciável, ocupando esta cultura, em poucos anos, todo o sertão. Iniciou-se o "ciclo agropecuário", vivendo-se de algodão e gado. A expansão algodoeira arrastou como subsidiária a lavoura de subsistência para as zonas mais secas dos sertões. Desenvolveu-se, rapidamente, uma policultura itinerante e extrativa, caracterizada pela baixa produtividade, alta dependência climática e depredadora do meio ambiente. A pecuária foi gradativamente sendo confinada em áreas marginais. Praticava-se o superpastejo e depredava-se o ecossistema. As pastagens, antes exuberantes, foram gradativamente ocupadas por plantas invasoras sem nenhum valor forrageiro. Com o tempo, a pecuária também tornou-se instável e a produtividade caiu, por conta do desconhecimento da fragilidade do ecossistema do semi-árido, de cujo meio ambiente se passou a exigir mais do que o ecossistema poderia dar.

Assim, a aceleração do ciclo da agricultura itinerante e extrativa, consubstanciada nas brocas freqüentes da vegetação, queimadas e plantios, seguidas de curtos pousios, bem como o superpastejo, provocaram nas áreas já sujeitas às secas periódicas, erosões, adensamentos de solo e perdas acentuadas de fertilidade, gerando, em decorrência, um processo de empobrecimento crescente.

Essa conjuntura, associada à queda do preço do algodão, à elevação do valor dos insumos necessários à produção, ao alto custo da energia elétrica necessária à irrigação, fundamental para a produção estável de alimentos e matérias-primas, à concorrência do gado de corte da região Centro-Oeste, às pragas exóticas, às perdas de solo agrícola, dentre outras razões, transformaram o sertão, que perdeu a personalidade econômica. Como conseqüência dessa depressão econômica, o homem do campo vive miseravelmente, tendo sido forçado a migrar para as grandes cidades, em busca de trabalho e de melhores condições de vida para si e sua família.

Assim, é fundamental pensar-se em sistemas produtivos para o semi-árido que combinem a preservação do ecossistema, níveis adequados de produtividade, diminuição do risco ante à instabilidade do clima, de forma que possibilitem ao produtor rural ser competitivo no atual contexto econômico.

 

Biodigestores no semi-árido nordestino

Um biodigestor pode ser definido como "câmara onde se processa a biodigestão anaeróbica" (PRAKASAN, 1987). De acordo com o sistema de abastecimento da matéria prima, os biodigestores podem ser classificados como:

● De batelada: a matéria prima é colocada e uma vez cessada a produção de biogás, o digestor é aberto, os resíduos são retirados e é colocada nova quantidade de matéria prima;

● Contínuo: a matéria prima é colocada diariamente; possuem várias configurações, dentre as quais se destacam o do tipo chinês e o indiano. Entre outras características, se diferenciam pelo fato do chinês não possuir gasômetro para o armazenamento do biogás, enquanto o indiano possui gasômetro flutuante que pode ser feito de diversos materiais (ANDRADE, 1994).

Visando analisar a contribuição de biodigestores para o desenvolvimento sustentável do semi-árido nordestino, projeto de pesquisa foi elaborado por pesquisadores da Universidade Federal do Ceará (UFC), com apoio financeiro do Banco do Nordeste. O projeto tem como objetivo geral analisar a viabilidade técnica, econômica, financeira e ambiental de um sistema produtivo semi-intensivo de caprinos, localizado na região semi-árida nordestina, fazendo uso de fontes hídricas disponíveis para suprimento animal e irrigação de pastagens, e utilizando biodigestores para produção de biofertilizante e biogás, a serem usados para adubação orgânica e fornecimento de energia para bombeamento d'água. O esquema do sistema de produção proposto é apresentado na figura 1.

 

 

Os objetivos específicos do projeto são:

● Desenvolver um sistema de criação semi-intensiva de caprinos, utilizando pastagens irrigadas;

● Utilizar o esterco produzido pelos animais em um biodigestor para produção de adubo orgânico, que será utilizado nas pastagens, e biogás, que servirá como fonte energética para acionamento de conjunto motor-bomba para irrigação;

● Avaliar o desempenho produtivo do sistema semi-intensivo proposto com o sistema tradicional de criação extensiva de caprinos, analisando qual o mais adequado do ponto de vista econômico-financeiro;

● Avaliar o desempenho da variável ambiental, entendida como a preservação/recuperação da fertilidade do solo, em virtude da aplicação contínua de biofertilizante;

● Buscar formas de eliminação/diminuição de gases indesejáveis (H2S e CO2) existentes no biogás. O H2S é corrosivo e o CO2 diminui o poder calorífico do biogás.

Conclui-se pelo exposto acima, que o projeto propõe um modelo de desenvolvimento sustentável, o qual é caracterizado pelo tripé de viabilidade econômica, equidade social e preservação ecológica.

 

Implantação do biodigestor

O biodigestor foi construído na chamada "Fazendinha", área situada na Fazenda Experimental do Vale do Curu (FEVC), pertencente à UFC. A fazenda está situada a 10 km da sede do município de Pentecoste e a 120 km de Fortaleza. A razão da escolha se deve ao fato da área reproduzir as condições que um pequeno proprietário rural do semi-árido nordestino possui.

O solo da área de 1,6 hectares a ser usada para plantio é da textura do tipo franco arenoso com algumas partes franco argiloso. Apresenta como vantagem uma elevada fertilidade e a limitação física de ser raso.

Os caprinos a serem criados são da raça anglo nubiana, a qual é uma raça comum na região; os animais são rústicos, apresentam aptidão mista (produção de carne e leite) e tamanho maior que os sem raça definida (SRD), razões pelas quais espera-se obter uma maior quantidade de esterco.

Os animais serão criados em sistema semi-intensivo, confinados em oito piquetes cercados com cerca elétrica, sistema conhecido como pastejo rotacionado. A gramínea utilizada neste sistema é o capim gramão (Cynodon dactylon), em consórcio com a leguminosa cunhã (Clitorea ternacea), plantada no espaçamento de 0,40 x 0,40 cm. Adicionalmente, será fornecida no cocho a leguminosa leucena (Leucena leucocephala), a qual será plantada também ao redor da área cercada. A capacidade suporte deste sistema pode chegar a 60 animais por hectare.

Devido à necessidade do fornecimento do biogás com pressão constante para o conjunto motor-bomba, foi decidida a construção de um biodigestor do tipo indiano. As principais características do biodigestor indiano construído estão resumidas na tabela 1.

 

 

Para a construção do tanque do biodigestor houve o envolvimento de 02 trabalhadores durante o período de 27 dias. Para o gasômetro foi utilizado uma caixa de água de fibra de vidro, devido à facilidade de obtenção de tais reservatórios no mercado de Fortaleza, disponíveis nos volumes de 1.000 a 15.000 litros.

Figura 2 mostra a etapa de abertura do poço do biodigestor. A abertura do poço foi dificultada devido ao tipo de solo encontrado, caracterizado por um grande número de pedras. Vale salientar, que esta característica é encontrada com freqüência no subsolo do semi-árido nordestino.

 

 

Figura 3 mostra a fase final de construção do tanque do biodigestor, onde se destaca em detalhe a amarração da parede divisória através de viga.

 

 

Figura 4 apresenta uma visão geral da planta, onde se destacam o tanque do biodigestor, o tanque de carga e a caixa de descarga.

 

 

Vale também salientar a importância do biodigestor como unidade de saneamento. No caso específico da FEVC, o biodigestor utilizará esterco animal produzido na fazenda, que até o presente momento é acumulado sobre o solo. Esta realidade traz prejuízos ambientais, entre os quais pode ser citado a contaminação do lençol freático da área. Para comprovar este fato, análise físico-química da água do poço evidenciou uma elevada quantidade de nitratos, fato que segundo (VON SPERLING, 1996) indica poluição antiga. A poluição do poço pode estar relacionada a um aprisco existente, do qual o esterco dos animais é retirado e acumulado sobre o solo nas proximidades do poço. Espera-se que a construção do biodigestor, ao receber o esterco dos animais, reduza a poluição desta fonte d'água.

 

Agradecimentos

Os autores agradecem o Banco do Nordeste pelo financiamento do projeto e a Diretoria do Centro de Ciências Agrárias da UFC pelo apoio na Fazenda Experimental do Vale do Curu.

 

Referências

[1] PRAKASAN, K.; FILHO, JOSÉ VITALINO C. R.; PERAZZO NETO, AMÉRICO: Tecnologia do Biogás; Laboratório de Energia Biomassa; CCA - UFPB; Areia; 1987.

[2] ANDRADE, M. A. N.; BEZERRA, F. D.; CARVALHO, P. C. M.; OLIVEIRA, C. R.; Cartilha do Biodigestor Rural em Ferrocimento Artesanal; CT - UFC; Fortaleza; 1994.

[3] VON SPERLING, M; Princípios do tratamento de águas residuárias; Volume 1; 2 edição; Belo Horizonte; Departamento de Engenharia Sanitária e Ambiental; Universidade Federal de Minas Gerais; 1996.