5, v.1Biodigestor para validação de sistema produtivo auto-sustentável no semi-áridoBombeamento de água e geração de energia utilizando cata-vento author indexsubject indexsearch form
Home Pagealphabetic event listing  





An. 5. Enc. Energ. Meio Rural 2004

 

Bomba de calor água-água acionada a biogás para aquecimento e resfriamento em fazendas leiteiras visando a racionalização no uso da energia elétrica

 

 

Rodrigo Aparecido JordanI; Luís Augusto Barbosa CortezII; Ricardo Baldassin JúniorIII; Lincoln de Camargo Neves FilhoIV; Jorge de Lucas Jr.V; Honorato Ccali PaccoVI

IEngenheiro Agrícola, aluno de Doutorado, FEAGRI/UNICAMP, Departamento de Construções Rurais, Caixa Postal 6011, CEP 13083-970, Campinas-SP, tel: (19) 3788-1013, e-mail: jordan@agr.unicamp.br
IIOrientador do presente trabalho, Prof. Dr. Livre Docente FEAGRI/UNICAMP, Departamento de Construções Rurais, Caixa Postal 6011, CEP 13083-970, Campinas-SP, tel: (19) 3788-4702, e-mail: cortez@reitoria.unicamp.br
IIIEngenheiro Mecânico, aluno de Mestrado, FEM/UNICAMP, CEP 13083-970, Campinas-SP, tel: (19) 3788-1013, e-mail: baldassin@fem.unicamp.br
IVProf. M.Sc. Assistente do Departamento de Engenharia de Alimentos, FEA/UNICAMP, CEP 13083-970, Campinas-SP, tel: (019) 3788-4040, e-mail: neveslin@fea.unicamp.br.
VProf. adjunto, Departamento de Engenharia Rural, Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias - UNESP, Campus de Jaboticabal, Jaboticabal-SP, tel: (16) 3209-2637, e-mail:jlucas@fcav.unesp.Br
VIEngenheiro de Alimentos, aluno de Doutorado, FEAGRI/UNICAMP, Departamento de Construções Rurais, Caixa Postal 6011, CEP 13083-970, Campinas-SP, tel: (19) 3788-1013, e-mail: honorato.pacco@agr.unicamp.br

 

 


RESUMO

Este trabalho mostra alguns resultados de um projeto ainda em fase inicial, que objetiva o desenvolvimento de uma bomba de calor água-água para utilização em laticínios e fazendas leiteiras, para produção simultânea de "frio" e "calor", visando a redução do uso de energia elétrica para o aquecimento de água. O trabalho também visa o aproveitamento dos dejetos orgânicos provenientes dos animais estabulados nestas instalações, para produção de biogás a ser utilizado no acionamento da bomba de calor, em substituição a energia elétrica. Nas instalações leiteiras, a energia elétrica é intensamente utilizada na geração de energia térmica para resfriamento e conservação do leite e, aquecimento de água utilizada na pasteurização, limpeza e desinfecção de equipamentos e salas. O grande problema está no uso direto da energia elétrica com o emprego de resistências para o aquecimento de água, fazendo o desperdício de energia e a conta paga pelos produtores aumentar em muito. O problema se agrava ainda mais com a crise de energia atual implicando em constantes reajustes nas tarifas. Assim, espera-se com este trabalho, conseguir desenvolver um equipamento que contribua para o uso mais eficiente da energia e também, buscar uma alto-suficiência energética das propriedades leiteiras para geração de energia térmica, com a produção e utilização do biogás. Os resultados até aqui obtidos mostram uma grande viabilidade para utilização do equipamento proposto.

Palavras-chave: Aquecimento, Resfriamento, Bombas de calor, Energia elétrica, Eficiência


ABSTRACT

This work presents some preliminary results for the development of a water-to-water heat pump used dairy farms for simultaneous milk cooling and water heating. The general idea in this project is to eliminate the electric heater and use the heating effect, usually wasted, in existing refrigeration systems. In this project it was also studied the use of the dairy cows for biogas production. The generated biogas is to be used to fuel an Otto engine which will power in substitution of the electric energy. Usually, dairy farms, electric energy is intensely used in the generation of thermal energy for milk cooling to extend its shelf life, and water heating used in the pasteurization, cleaning and equipment disinfection and working rooms. The direct use of electric energy results in high energy costs representing a major concern nowadays in Brazil. Therefore, it is expected with this work, to develop an equipment that contributes to the most efficient use of the energy and also, to look for a more efficient use of energy in dairy farms, increasing its self-sufficiency, with the production and use of the biogas to meet all thermal energy requirements. The results here obtained show an economic viability for use of the proposed equipment.


 

 

1. INTRODUÇÃO

Nas unidades produtoras de leite tipos A e B, após o processamento do leite, as instalações e os equipamentos de ordenha, resfriamento, pasteurização e tanques necessitam serem limpos e desinfetados, e para isso, se faz necessário à utilização de água quente a uma temperatura entre 50- e 60º C.

Num estudo sobre utilização de energia em fazendas leiteiras no Canadá CORTEZ & BOILY (l984) mostraram que nestes processos 16% da energia é utilizada somente para aquecimento, sendo o restante gasto em: ordenha (10%), ventilação e climatização (4%), remoção de esterco (25%), refrigeração do leite (12%) e outras tarefas (29%). Ainda, segundo CORTEZ & NEVES FILHO (1996), na produção dos leites "A" e "B", que na época, somados, representavam mais de 20% do total do Estado de São Paulo, existe desperdício de energia.

A CEMIG (1989) identificou, em 122 agroindústrias de processamento de leite pesquisadas no Estado de Minas Gerais, um potencial de conservação de energia elétrica médio de 17%. Parte deste potencial de economia de energia é advindo dos sistemas de refrigeração e aquecimento. As unidades modernas de produção de leite utilizam parcialmente a capacidade de geração térmica dos sistemas de refrigeração, aproveitando apenas o efeito frio. Para suprir a demanda térmica, muitas fazendas utilizam eletricidade para gerar calor, comprometendo a eficiência do processo e economicidade da produção.

Neste caso, o aumento da eficiência no uso da energia está associado ao aproveitamento máximo dos efeitos térmicos gerados, com o desenvolvimento de um único equipamento que desempenhe a função do tanque resfriador de leite e do aquecedor elétrico. É um exemplo clássico de uma bomba de calor tipo água-água que, com o mesmo consumo de energia do equipamento resfriador de leite, também aqueça a água para limpeza dos equipamentos e instalações.

Pela grande disponibilidade de substrato orgânico proveniente dos animais estabulados nas propriedades leiteiras é possível, através de um biodigestor, realizar o acionamento da bomba de calor com um motor a biogás. Ter-se-ia a possibilidade da substituição do uso da energia elétrica por uma fonte de energia disponível em abundância e pouco aproveitada.

 

2. MATERIAIS E MÉTODOS

2.1 Desenvolvimento da bomba de calor

Em função das questões apresentadas e procurando suprir as necessidades e deficiências, está sendo desenvolvida pelo Laboratório de Energia e Termodinâmica da Faculdade de Engenharia Agrícola em conjunto com o Laboratório de Refrigeração da Faculdade de Engenharia de Alimentos da Unicamp e, o Departamento de Engenharia Rural da Unesp de Jaboticabal, uma bomba de calor água-água acionada por um motor a biogás para produção simultânea de gelo e água quente.

A bomba de calor foi dimensionada tomando-se como base uma fazenda de produção de leite, com uma média diária de 20 litros por vaca, com duas ordenhas ao dia, somando uma produção total de 1000 litros de leite. São ordenhados 600 litros pela manhã e 400 litros à tarde. A primeira ordenha é realizada no período das 4:00h às 6:00h e a segunda ordenha, das 16:00h às 18:00h onde a Figura 1 mostra a curva de carga térmica para resfriamento das duas ordenhas.

 

 

A bomba de calor operará no intervalo de 10 horas entre cada ordenha. Com a termoacumulação de gelo a capacidade média calculada para a bomba de calor, considerando-se as perdas por calor de infiltração no tanque de termo-acumulação e também a redução da troca térmica ao longo do processo, devido ao aumento do diâmetro de gelo, foi de 2,2 kW. O fluído frigorífico utilizado é o R22.

Para acumulação de gelo foi dimensionado um tanque com um volume de 500 litros e um evaporador tipo serpentina de tubo de cobre, liso, com diâmetro de 5/8"e, um comprimento total de 45 m.

O compressor empregado foi um modelo III da Bitzer. Para seu acionamento e considerando-se as perdas na conversão de gasolina para gás, foi selecionado um motor a explosão de 8 cv.

O primeiro protótipo montado recebeu o nome de "B1" e foi projetado para produzir em cada ciclo (intervalo de 10 horas) cerca de 237 kg de gelo, 263 litros de água gelada ao redor de 0ºC e aproximadamente 1000 litros de água quente a 50º C, com um consumo de 18,3 m3 de biogás, o que totaliza 36,50 m3 por dia. Em regime de operação, as temperaturas iniciais dos tanques de gelo e água quente, são respectivamente iguais a 3,5º e 25º C.

A Figura 2 mostra uma vista geral do protótipo onde se tem o tanque de acumulação de água quente com capacidade de 1000 litros (parte superior), tanque de acumulação de gelo em baixo deste, sistema de acionamento, condensador, controles de refrigeração e quadro de comando elétrico. O condensador é um trocador a placas brasado.

 

 

Na Figura 3 tem-se um detalhe do sistema de acionamento e partida da bomba de calor que funciona da seguinte forma: com o acionamento do botão de partida o motor elétrico arrasta o motor a biogás até a rotação nominal, onde, com a abertura da válvula solenóide de gás este entra em funcionamento e um relé temporizado desliga o motor elétrico, passando este a funcionar como um mancal, simplesmente transmitindo o movimento para o compressor.

 

 

A utilização do motor elétrico como sistema de arranque do motor a gás, além de ser mais barato cerca de 1/5 do preço de uma embreagem eletromagnética, permite no caso dos testes, acionar a bomba de calor com o motor elétrico. É possível, assim, obter dados para comparação com o motor a gás. Já em uma propriedade, no caso de alguma falha do sistema a biogás, poder-se-á utilizar o motor elétrico para acionamento da bomba de calor, garantindo o processo. Têm-se assim, duas opções de acionamento.

Na Figura 4 tem-se o evaporador da bomba de calor "B1", formado por serpentinas horizontais dispostas umas sobre as outras e amparadas por uma base de metal.

 

 

2.2. Testes operacionais em nível de laboratório

Nos testes em nível de laboratório, em cada ensaio, a bomba de calor é colocada em funcionamento durante 10 horas, que é o tempo de acumulação de energia para o qual foi dimensionada. Após este período é medida a quantidade de água quente e gelo produzida.

Durante o ensaio é feito o acompanhamento das temperaturas ao longo do sistema frigorífico da bomba de calor e dos reservatórios com um sistema de aquisição de dados conectado a um microcomputador. No laboratório, por não se dispor de biogás para alimentação do motor, utilizou-se gás GLP e, a conversão para consumo de biogás foi realizada através de tabelas de equivalência energética.

A medição de consumo de gás GLP foi feita colocando-se o botijão de gás sobre uma balança e anotando-se o peso a cada intervalo de tempo. O consumo instantâneo e total de gás foi obtido por diferença de peso.

Para levantar a curva de carga do sistema, e assim poder comparar com o consumo de gás, procedeu-se o acionamento da bomba de calor com o motor elétrico de partida, e instalou-se nos cabos de energia de alimentação deste, um medidor/analisador de energia elétrica.

A massa total de gelo formada em cada ciclo foi calculada através do diâmetro de gelo medido no final de cada ensaio, com o uso de um paquímetro. Com os resultados obtidos, realizou-se uma análise econômica comparativa de custos com energia para geração de "frio" e "calor" utilizando o sistema "convencional" (aquecedor elétrico e equipamento de refrigeração) e a bomba de calor sendo acionada com motor elétrico e motor a gás.

 

3. RESULTADOS PRELIMINARES

A Figura 5 mostra os cilindros de gelo formados em torno do evaporador, com a água do tanque esgotada, após um dos testes com a bomba de calor.

 

 

Na Figura 6 tem-se o comportamento do consumo de gás GLP em relação à temperatura de condensação da bomba de calor. Como era de se esperar, a potência requerida para o acionamento do compressor aumenta gradativamente com o acréscimo da temperatura de condensação. No entanto, não foi verificada uma relação específica entre o consumo de GLP do motor da bomba de calor e as diferentes temperaturas de condensação. As curvas obtidas não tendem a seguir um padrão específico.

 

 

Tal fato pode ser explicado verificando-se o que ocorre em motores estacionários utilizados para acionamento de geradores de energia elétrica onde, para uma certa faixa de carregamento, o consumo se mantém constante.

Isto demonstra, já que o consumo não é afetado, o interesse em trabalhar com a mais alta temperatura de condensação possível para se obter o máximo rendimento do equipamento. Ou, em outras palavras, o consumo será o mesmo e ter-se-á água aquecida a um nível maior de temperatura.

A Figura 7 indica a variação da temperatura de condensação e evaporação ao longo do tempo. As mudanças abruptas nas curvas, para os primeiros instantes, deve-se ao intervalo de partida até a estabilização da operação da bomba de calor.

Na Figura 8 tem-se o comportamento em função do tempo, das temperaturas da água na entrada e saída do tanque acumulador de água quente assim como no seu interior.

 

 

Já a Figura 9 compara os valores medidos em dois ensaios e calculados na modelagem para as temperaturas da água do tanque de termoacumulação de gelo.

 

 

Com base nos ensaios, obteve-se uma média de consumo de GLP para acionamento da bomba de calor de 0,75 kg/h. O que, convertendo-se para valores de biogás, corresponde a um consumo de 1,65 m3/h. O consumo diário, considerando-se o tempo de operação da bomba de calor em 20 horas, foi de 33 m3, pouco menor que o estimado nos cálculos para dimensionamento.

A Tabela 1 resume outros resultados experimentais dos ensaios com a bomba de calor a biogás "B1".

Em função dos dados obtidos montou-se a Tabela 2, para comparação de custos, onde são considerados os seguintes cenários:

Cenário 1- Situação atual: equipamento de refrigeração com condensação a ar, acionado com energia elétrica para resfriamento do leite e "boiler" para aquecer 1000 L de água a 55ºC.

Cenário 2-Bomba de calor acionada com energia elétrica, produzindo gelo para o resfriamento do leite e 1000 L de água quente a 55ºC.

Cenário 3- Mesma condição do cenário 2, com a bomba de calor sendo acionada com gás natural.

Cenário 4- Mesma condição do cenário 2, com a bomba de calor sendo acionada com biogás.

Cenário 5- Mesma condição do cenário 4, com a bomba de água do condensador acionada também pelo motor a biogás.

O custo do metro cúbico do biogás foi obtido a partir do valor do investimento para construção do biodigestor mais o custo de manutenção em relação ao volume total de biogás possível de ser produzido durante a sua vida útil.

No cálculo dos custos com energia elétrica foi utilizado o valor tarifário fornecido pela Aneel, praticado na região Sudeste, grupo B2 rural. Para o gás natural utilizou-se a tarifa praticada pela Comgás, segmento pequena cogeração destinada ao consumo próprio, faixa de consumo até 100.000 m3/mês. As tarifas foram acrescidas dos valores de ICMS.

O tempo de retorno para o investimento na construção de um biodigestor com uma capacidade de produção de biogás de 50 m3 por dia, considerando-se a economia possível de ser gerada no cenário 5, dar-se-á em no máximo 17 meses.

A determinação de um custo final para a bomba de calor a biogás ainda dependerá do término dos estudos do projeto que se encontra em desenvolvimento.

Há que se considerar, ainda, que sistemas de refrigeração já existentes poderão ser transformados em bomba de calor, sem muito investimento.

Já está montado para os testes de campo um segundo protótipo da bomba de calor a biogás, denominado "B2", que ficará instalada na unidade de produção e tratamento de biogás do Departamento de Engenharia Rural da Faculdade Ciências Agrárias e Veterinárias da UNESP de Jaboticabal, onde será conectada a um biodigestor.

 

4. CONCLUSÕES

Os resultados dos ensaios iniciais mostraram uma boa adequação do método utilizado para o dimensionamento da bomba de calor, pois, verificou-se que as capacidades estimadas foram atendidas.

Mesmo, em se tratando de um projeto ainda em fase inicial, os resultados até aqui obtidos mostram um potencial significativo para o aquecimento de água em laticínios com a recuperação de calor através da utilização de bombas de calor.

A utilização da bomba de calor neste processo pode trazer uma significativa contribuição na redução dos gastos com energia elétrica para aquecimento de água.

Com relação a utilização do biogás para acionamento da bomba de calor, os dados até aqui apontam para uma grande viabilidade, mostrando que pode ser possível a substituição total da energia elétrica, tanto para aquecimento, como para resfriamento, resultando em uma grande economia com um investimento relativamente baixo.

 

AGRADECIMENTOS

À Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado de São Paulo - FAPESP.

Ao Ministério de Minas de Energia.

Às empresas Bitzer, Danfoss e D-Laval pela cessão de equipamentos e controles.

 

REFERÊNCIAS

[1] CEMIG. Estudo de otimização energética: setorial laticínios: CEMIG, 1989.

[2] CESP. Companhia Energética de São Paulo. Projeto de uma bomba de calor experimental. Proposta n.º 50380 (não publicado). CESP. São Paulo. 1979.

[3] CORTEZ, L. A. B.; NEVES FILHO L. C. Aplicação de bombas de calor na agricultura e na agroindústria brasileira. Anais do III Congresso Nacional de Energia. La Serena, Chile. 17-19 de abril de 1996. p. 337-343.

[4] CORTEZ, L. & R. BOILY. La rentabilité des récupérateurs de chaleur du lait. Apresentado no 11e Colloque de Génie Rural, Université Laval, Quebéc, Canadá. 1984. 45 p.