An. 5. Enc. Energ. Meio Rural 2004
Briquetes torrificados: viabilidade técnico-econômica e perspectivas no mercado brasileiro
Felix Fonseca FelfliI, 1; Carlos Alberto LuengoI; José Dilcio RochaII
IGrupo Combustíveis Alternativos (GCA), IFGW/DFA, Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), Campinas-SP, Brasil
IINúcleo Interdisciplinar de Planejamento Energético - NIPE/UNICAMP e Bioware Tecnologia, www.bioware.com.br, Campinas-SP, Brasil
RESUMO
Apresenta-se um estudo do impacto operacional que produziria a introdução de um sistema de torrefação, numa fábrica de briquetes. Através da analise de custos demonstra-se que, para uma fábrica com capacidade anual de 1200 toneladas de briquetes, é possível aumentar o lucro operacional e diminuir o ponto de equilíbrio em 15,7 pontos percentuais introduzindo um processo para torrificar 60% dos briquetes produzidos. Portanto, a torrefação possibilita uma melhora operacional sem a necessidade de aumentar o volume de produção da fabrica, pois esta passa operar com "multiprodutos" tornando-se mais flexível e competitiva em mercados limitados ou saturados pela concorrência. O estudo também aborda os aspectos mercadológicos, mostrando que a torrefação melhora a qualidade dos briquetes, permitindo abrir novas possibilidades, principalmente o mercado doméstico, inexplorado pelos produtores de briquetes de biomassa.
Palavras Chaves: Briquetes, Torrefação, Biomassa, Análise econômica, Ponto de equilíbrio
ABSTRACT
It is presented an study of the operational impact into a briquettes factory produced by the introduction of a torrefaction process. Through costs analysis it is shown that for a briquettes factory of 1.200 ton/ year capacity, it is possible to increase Operational Profits and decrease the Break Even Point in 15.7 % when a torrification reactor is introduced into the manufacturing line. So, it is possible to insure that torrefaction increase the overall system efficiency without increasing yearly production since the number of "biomass fuels" is increased enabling operation in other markets. This study also shows that torrefaction improves briquettes quality allowing access to the comparatively smaller consumer market still unreached by biomass briquetters.
1. Introdução
A briquetagem é uma forma eficaz de aproveitar os resíduos de biomassa (Suarez, 2003), entretanto, constata-se que os briquetes de biomassa ainda não são amplamente comercializados no mercado brasileiro, principalmente para consumo doméstico. Expandir este mercado é um desafio técnico e mercadológico, que deve responder, em primeiro lugar, ao desenvolvimento de briquetes de alto padrão de qualidade. Neste sentido, a torrefação é uma alternativa para melhorar a qualidade dos briquetes e conseqüentemente abrir novas possibilidades comerciais.
A torrefação de briquetes consiste em tratá-los termicamente entre 230 e 280ºC em atmosfera inerte ou não-oxidante. Neste processo a hemicelulose da biomassa é degradada, preservando-se o teor de celulose e lignina (Bourgeois, 1984; Doat J, 1985). Desta maneira, o briquete é convertido em um produto mais estável e de maior valor energético. Os briquetes torrificados apresentam teor de umidade abaixo de 5%, baixa emissão de substâncias voláteis, carbono fixo entre 30% e 40%, e Poder Calorífico Superior (PCS) entre 21 e 23 MJ/kg. Com este processo é possível obter ganhos em até 20% no PCS dos briquetes e rendimentos de conversão entre 80 e 90% em função da temperatura de torrefação (Felfli F, 2003; Pach et alli, 2002; Pentananunt et alli, 1990). Os briquetes torrificados conservam grande parte das propriedades mecânicas originais, podendo ser utilizados em processos de combustão industrial, redução, gaseificação e como combustível doméstico (Felfli F et alli, 1999; Girard P. & N Shah N, 1991; Lipinsky et alli, 2002).
Considerando as possibilidades comerciais que oferece a torrefação, neste trabalho é realizada uma discussão sobre sua viabilidade técnico-econômica no mercado brasileiro.
2. Análise Técnico-econômica
É possível realizar algumas comparações de custos e indicadores econômicos ao introduzir um sistema de torrefação em uma fábrica de briquetes de biomassa.
Uma fábrica de briquetes de alta densidade (BAD) composta por um picador de biomassa (1), um silo secador (2), um exaustor (3), um sistema de transporte pneumático (4) e uma prensa extrusora de parafuso sem-fim (5) (ver figura 1), com capacidade para produzir 500 kg/h e potência nominal de 103,13 kW, requer de um investimento de R$ 164.500,00 em equipamentos. A tabela 1 mostra o investimento em ativos fixos. Notar que o custo de instalação está na ordem de 10% do custo dos equipamentos. A vida útil destes equipamentos é de 10 anos, portanto, pode ser estimada uma depreciação linear de 10% ao ano.
Considerando que a fábrica opere 8 horas durante 300 dias ao ano, a produção anual será de 1200 toneladas. Para manter este nível de atividade são necessários 4 operários o que equivale a uma folha de pagamento anual de R$ 30.720,00 incluindo os encargos sociais e demais benefícios.
Na tabela 2 é mostrada a estrutura dos principais custos envolvidos na fabricação dos BAD. Para implantar uma fábrica deste porte é necessário alugar um galpão industrial de 700 m2, cujo custo de mercado está em torno de 780 R$/mês. Os gastos efetuados na fase de pré-investimento (estudo de viabilidade, assessoria técnica e jurídica, entre outros) são estimados em R$ 5.000,00 e entram na planilha de custos sob a rubrica de "amortização do deferido" como 10% do total de tais gastos. As despesas em manutenção são estimadas como 2% do custo dos equipamentos (Machado, 2002), e as outras despesas administrativas como 5% do total das despesas administrativas (Machado, 2002; Felfli F, 2003).
O custo dos resíduos (matéria-prima) varia entre 9 e 16 R$/t em função da distância a serem transportados (Eriksson, S. e M. Prior, 1990) . Para esta análise o custo considerado foi R$ 16,00 por tonelada de resíduo. O custo em combustível foi considerado como 5 % do custo da matéria-prima, uma vez que parte dos resíduos é queimada para produzir calor na secagem.
Considerando os custos anuais envolvidos na fabricação dos BAD e a capacidade nominal da fábrica, o custo unitário de fabricação é 119,71 R$/t. Considerando que no Brasil o preço de venda dos briquetes oscila entre de 180 e 220 R$/t, o custo unitário calculado está dentro de um valor aceitável. A tabela 3 mostra os valores da receita bruta anual (RB), o lucro operacional (LO), o ponto de equilíbrio operacional (PE) e o grau de alavancagem operacional (GAO). O ponto de equilíbrio operacional da fábrica pode ser achado pela equação 1 (Machado, 2002),.
Onde CF corresponde à parcela de custos fixos e CV a parcela de custos variáveis. LO e GAO podem ser calculados pelas equações 2 e 3 respectivamente.
Quando é praticado o preço de R$ 180,00 por tonelada, a fábrica opera com PE de 48%, portanto, o volume de lucro minimamente desejado somente ocorrera a partir de 48% da produção nominal (tabela 3). Para diminuir o ponto de equilíbrio, torna-se necessário analisar cuidadosamente a estrutura de custos. Neste caso, uma solução pode ser procurar alternativas que resultem em menor custo fixo ou menor custo variável, ou ainda pode ser estudada a possibilidade de aumentar o preço de venda. É importante notar que o aumento do preço é uma opção limitada, pois o próprio mercado impõe barreiras competitivas que fazem o aumento de preço pouco eficaz. Por exemplo, ao aumentar o preço de 180 R$/t para o limite de 220 R$/t o PE diminui para 35,74% o que pode comprometer a competitividade da fábrica fazendo o nível de vendas cair e conseqüentemente o ponto de equilíbrio operacional seria maior que o previsto. Nestes casos é exeqüível realizar uma alavancagem operacional da fábrica, procurando elevar o lucro operacional por meio da expansão do volume de produção.
Analisando a possibilidade de alavancagem operacional, observa-se que grau de alavancagem operacional (GAO) corresponde a 1,93 (tabela 3). Isto significa que um aumento de 10% no nível de atividades da fábrica corresponderá a um aumento de 19,3 % no lucro operacional, ou seja, LO passaria a ser R$ 86.305,80 e o PE diminuiria para 43,68 %.
A figura 2 mostra a tendência do ponto de equilíbrio e o lucro operacional da fábrica em função do aumento do nível de produção. Notar que para obter uma diminuição significativa do PE é necessário duplicar a produção, isto praticamente é impossível, pois existe concorrência e o tamanho do mercado é limitado. No caso mais realista seria possível aumentar a produção em até 20%, dependendo do comportamento do mercado. Trata-se, portanto, de um problema mercadológico, no qual uma solução factível seria procurar outros mercados, por exemplo, o mercado doméstico, torrificando uma porcentagem da produção de briquetes.
Considerando-se a hipótese de produzir briquetes torrificados, é necessário anexar um forno de torrefação (6) como mostra a figura 1. Mantendo a produção nominal de 1200 toneladas e considerando que seja torrificada 60% da produção a 280º C com rendimento de 70%, seriam produzidas 504 t de briquetes torrificados (BAD280) destinados ao consumo doméstico (churrasco) e 480 t de BAD destinadas ao consumo em fornos comerciais e industriais.
De acordo com a configuração proposta, ao custo dos equipamentos de briquetagem soma-se R$ 50.000,00 que representa o custo de um forno tipo túnel com capacidade nominal de 500 kg/h (ver tabela 4) elevando os investimentos.
Ao anexar o forno de torrefação é necessário contratar um operário adicional, portanto, a folha de pagamento será R$ 38.400,00 por ano, incluído os encargos sociais e demais benefícios. A potência nominal da fábrica passa a ser de 108,63 kW e, portanto, o custo da energia elétrica aumenta proporcionalmente. O custo em combustível foi considerado como 10 % do custo da matéria-prima, uma vez que parte dos resíduos é queimada para produzir calor na torrefação dos briquetes. Para determinar os demais custos foram adotados os mesmos critérios usados na análise anterior.
A tabela 5 mostra a estrutura de custos para o sistema proposto. O custo unitário dos BAD produzidos com a nova configuração é um pouco maior que o custo unitário do sistema antigo, porém, ao determinar os índices operacionais observa-se que, uma vez garantida a venda dos BAD280, ocorre um "subsídio" interno dos custos, pois a fábrica passa a ser de multiprodutos. O preço do carvão vegetal no varejo está na ordem de 1000 R$/t, portanto, o preço do BAD280 pode ser de 450 R$/t no atacado.
Considerando a venda dos BAD por 180 R$/t e dos BAD280 por 450 R$/t a receita bruta obtida é 45% maior comparada com o sistema inicial e o lucro operacional 112 % maior (comparar tabelas 3 e 6). Conseqüentemente a fábrica opera com um ponto de equilíbrio de 32,36 %, uma queda de 15,7 % se comparados com o PE da configuração inicial. Pode-se concluir então que a introdução do sistema de torrefação possibilita uma "alavancagem" sem a necessidade de aumentar o nível de produção da fabrica.
A figura 3 mostra o comportamento do ponto de equilíbrio e do lucro operacional em função do fator de torrefação da produção (FTP - porcentagem de briquetes torrificados) ao manter o mesmo volume de produção de briquetes. Nota-se, logicamente, que a melhor operação do sistema ocorre com níveis elevados de torrefação da produção. Entretanto, a possibilidade de produzir vários tipos de briquetes é o fator que torna a fábrica mais competitiva.
3. Perspectivas no mercado doméstico e regulamentação ambiental.
Um empreendimento para produzir briquetes torrificados pode ser viável dependendo do cenário e das condições de mercado onde for implementado. No caso específico do mercado doméstico, pode-se afirmar que o consumo de carvão vegetal para churrasco é elevado na população urbana do Brasil. Por exemplo, no Estado de São Paulo são produzidas 108.360 toneladas por ano, das quais 64% vai para o consumo doméstico (churrasco) e 36% para o consumo em estabelecimentos comerciais (pizzarias, churrascarias e restaurantes), deve-se notar também que o consumo é maior que a produção, sendo necessário importar carvão de outros estados (Felfli F, 2003).
Uma pesquisa de mercado direcionada ao consumidor doméstico de carvão vegetal (Felfli F, 2003), mostrou que a maioria dos consumidores não tem preferência por marcas ou tipos de carvão. Por exemplo, quando os consumidores foram questionados sobre qual o fator determinante na decisão de compra, a maioria respondeu que em primeiro lugar estava a disponibilidade do produto sem se importar com a marca, deixando em segundo lugar o preço, a qualidade e a procedência, como mostra a figura 4.
Estes resultados mostram que a concorrência entre marcas é praticamente nula, possibilitando que novos produtos possam disputar este mercado. Os consumidores pesquisados apontaram as principais características que deve ter um carvão para ser considerado de boa qualidade, destacam-se a facilidade de acendido, a duração da brasa e a limpeza durante a manipulação. Todas estas qualidades podem ser encontradas, em maior ou menor medida, nos BAD280. Outro aspecto importante a ser notado é que 85% dos entrevistados estariam dispostos a experimentar novos tipos de carvões, ou combustíveis alternativos ao carvão tradicional. Considerando isto, é possível concluir que existem possibilidades de que os briquetes torrificados, desde que atendam as exigências do consumidor, possam ser comercializados para o consumo doméstico.
É importante destacar que as perspectivas de mercado para os briquetes torrificados, e os briquetes em geral, ainda podem vir a ser melhores, pois cada vez são maiores as exigências ambientais por parte de órgãos nacionais e internacionais no que diz respeito ao uso de combustíveis. Por exemplo, na Suécia desde 1991 foi instituída a taxa verde (green tax) na produção de energia. Esta taxa é cobrada em função dos quilos de dióxido de carbono emitidos para todos os combustíveis exceto para os bio-combustíveis. Esta taxa teve uma grande contribuição na alavancagem do mercado de bio-combustíveis na Suécia, tornando os preços da biomassa mais competitivos em relação a os combustíveis fósseis, e também teve um impacto substancial na redução das emissões de dióxido de carbono na atmosfera. O valor desta taxa varia em função do tipo de combustível fóssil, sendo seu valor entre 0,023 e 0,068 euro/t (SVEBIO, 2004).
Considerando que no Brasil existe um projeto sobre os resíduos sólidos sendo tramitado no Congresso Nacional, existem possibilidades de instituir-se um tipo de incentivo ao uso de resíduos como combustíveis, proporcionado maior competitividade aos briquetes. É importante notar o uso do briquete como combustível doméstico é um meio importante de evitar a exploração indiscriminada das florestas para a produção de carvão vegetal e de canalizar de forma ecologicamente correta os resíduos da transformação da madeira e das produções agrícolas. Seria prematuro falar de um imposto verde no Brasil nos próximos anos, entretanto, poderia ser instituído um selo verde para os produtos procedentes de resíduos vegetais (briquetes, pellets, bio-óleo, entre outros), criando incentivos, por exemplo: abatimento no Imposto sobre Operações Relativas a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), facilidades de créditos bancários e financiamentos especiais. Ao criar incentivos fiscais no comércio dos briquetes é possível formar preços mais competitivos e conseqüentemente incentivar o uso destes combustíveis no mercado.
4. Conclusões
A introdução da torrefação em uma fábrica de briquetes torna mais flexível e competitiva sua produção. Do ponto de vista tecnológico, melhora sua qualidade, permitindo abrir novas possibilidades de aplicação e conseqüentemente outros mercados. Também permite que possa-se adaptar facilmente à demanda do mercado, pois ao produzir diferentes tipos de briquetes permite explorar mais de um mercado consumidor. Por outro lado, a introdução do sistema de torrefação possibilita uma alavancagem operacional sem a necessidade de aumentar o nível de produção da fabrica, sendo isto uma alternativa interessante quando se opera em mercados limitados ou saturados pela concorrência. Este aumento de eficiência se dá porque a fábrica passa a ser de "multiprodutos", conseqüentemente o lucro operacional é maior e o ponto de equilíbrio menor.
Do ponto de vista técnico é possível utilizar os briquetes torrificados no churrasco, portanto, a torrefação deve ser estudada como uma opção exeqüível em função das condições do mercado local. De fato, como mostram as pesquisas de mercado, o consumidor doméstico que utiliza carvão vegetal para churrasco é um mercado potencial para os briquetes torrificados.
As perspectivas de mercado são promissoras, principalmente com a possibilidade de expansão no mercado domestico.
Agradecimentos
Os autores agradecem o apoio da FAPESP através dos processos 99/01064-3, 02/03215, 01/08152-7, 01/10841-5 e 03/13313-5.
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1 Autor para correspondências: BIOWARE - Centro de Tecnologia da UNICAMP, Rua Bernardo Sayon, No. 100, sala 207, 13083-866, Barão Geraldo, Campinas-SP. Tel: (19) 3788-4996. E-mail: fffelfli@hotmail.com
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