5, v.1Eletrificação rural: benefícios em diferentes esferasEngenharia sustentável: aproveitamento de resíduos de construção na composição de tijolos de solo-cimento author indexsubject indexsearch form
Home Pagealphabetic event listing  





An. 5. Enc. Energ. Meio Rural 2004

 

"Energia lúdica"

 

 

Rafaek Ninno MunizI; Maria EstrázulasII

Ininno@pedagogiadaenergia.com.br
IIestrazulas@pedagogiadaenergia.com.br

 

 


RESUMO

Esse trabalho relaciona energia no Ocidente e Oriente de forma lúdica através de três temas: ciência ocidental pela termodinâmica, pensamento oriental pelo Tao e cultura popular pelo folclore nacional.
Pretende livrar do cativeiro a auto-estima latino-americana valorizando as nossas raízes, como fazem os orientais. Pela mitologia do folclore é introduzido os conceitos da termodinâmica à cultura popular visando acabar com a alienação energética. Relacionar os conceitos de energia e entropia ao pensamento oriental e as manifestações de energia aos seres míticos do imaginário popular, possibilita a criação de um eixo complementar entre as culturas.
A atividade consciente se propaga com uma informação contextualizada que possa ser encaixada no ponto de observação de cada indivíduo. A leitura do mundo pela maioria vem sendo minada pela comunicação de massa com elementos da cultura de mercado. O conhecimento - empírico ou científico - adquirido através da educação, é o primeiro passo no processo de retomada da consciência essencial para autonomia e autogestão, base da sustentabilidade geradora da interdependência. Esta deve ser a nossa conquista.

Palavras Chaves: Energia; Entropia; Tao; Yin-Yang; Folclore; Biomassa.


ABSTRACT

This work has the proposal to relate energy in the Occident and Orient by a ludic form through three subjects: occidental science by the thermodynamics, eastern thought by the Tao and popular culture by the national folklore.
Intends to exempt of the captivity the Latin American self-esteem valuing our roots, as the orientals do. By the folklore mythology we intend to introduce the concepts of the thermodynamics to the popular culture aiming to finish with the energy alienation. Relate the concepts of energy and entropy with the eastern thought and the energy manifestations to the mythical beings of popular imaginary, makes possible the creation of a complementary axle between the cultures.
The conscientious activity propagates with a contexturized information that can be incased in the point of view of each individual. The reading of the world to the majority comes being mined by communication of mass with elements of the market culture. The scientific or empiricist knowledge, is the first step in the retaken process of the essential conscience for the autonomy and self management, base of the generating sustentability of the interdependence. This must be our conquest.


 

 

Ciência Ocidental, Pensamento Oriental e Folclore Nacional

O ser humano sempre buscou conhecimentos que ampliassem seu espaço como sujeito. O domínio do fogo marcou o espírito de controle no ser humano. Desde então as hierarquias vêm se expandindo e a sobrepujança na organização industrial moderna se estende por todo globo, justificada pelo crescimento econômico pautado no consumo.

Os produtos desenvolvidos a partir das várias propriedades do petróleo tornam-se objetos de cobiça através da mídia, que exerce forte influência em todas as culturas. O mundo do consumo é conquistado pela indústria cinematográfica e seu conquistador é também o maior poluidor do planeta. A expansão é contínua e o espaço industrial, ampliado para países que dispõem de mão-de-obra abundante e barata, territórios e legislações que permitam a instalação e manutenção dessa estrutura dominadora (VASCONCELLOS e VIDAL, 1998).

O resgate de elementos do folclore nacional valoriza a cultura popular. No folclore está a primeira identidade da gente brasileira. As lendas esclarecem fenômenos naturais, graças aos mitos construídos num contexto de máxima pluralidade cultural e se expandem através da contação de histórias.

O respeito ao fluxo natural de energia, pelos nativos, mantém-se devido ao temor e admiração a seres imaginários. Essa relação fixou entre eles um código mítico de conduta para a exploração do ambiente, assim como para a produção de resíduos. Porém, com a implantação e a difusão de uma mídia televisiva unilateral, acompanhada do progresso industrial, iniciou-se um processo de rompimento com esses valores. As nações oprimidas trocam suas riquezas e sabedorias pelo consumo cultural das nações opressoras (CASCUDO, 2002).

Todos esses fatores podem ser expandidos para a América Latina, pois essa grande nação latino-americana que se estende do Rio Grande no México, à Terra do Fogo na Argentina, possuem características semelhantes em relação às riquezas naturais, aos recursos energéticos, às tradições e cultura de um povo marcado pelo predatismo na expansão do sistema capitalista dos países industrializados, que pertencem ao hemisfério norte do planeta, localização essa que impede de terem um aproveitamento eficaz dos recursos energéticos provenientes da biomassa, devido a baixa incidência solar sobre seus territórios.

Essas dominações culturais impõem uma sutil relação de poder, tornando-nos alienados de nossos potenciais. Faz com que sejamos capazes de mudar nossa própria história, aceitando tranqüilamente a versão contada por nossos conquistadores. Os heróis nacionais - Zumbi, Antônio Conselheiro, Sepé Tiarajú entre outros - morreram de overdose de heróis estrangeiros. O questionamento e a crítica se restringem a um grupo de intelectualizados, que parecem preservar o conhecimento nos ninhos.

Com a crença exacerbada na ciência, o Ocidente perdeu o contato com a realidade através da espiritualidade. A proposta de dialogar com o pensamento oriental nos coloca lado a lado a uma cultura filosófica que também sofre opressão e expande as possibilidades de interpretação. A ciência é um instrumento do espírito ocidental e com ela é certo que mais portas se abram do que com as mãos vazias. É uma modalidade da nossa compreensão e só obscurece a vista quando reivindica para si o privilégio de constituir a única maneira de aprender as coisas.

O contato com uma cultura tão diferente da nossa permite um crescimento no sentido de um maior entendimento da nossa natureza como indivíduo e do mundo que nos permeia.

Certos filósofos chineses que escreveram, provavelmente, nos séculos 5 e 4 a.C., explicaram idéias e uma forma de vida que se tornaram conhecidas como Tao - o modo de cooperação do homem com o curso ou tendência do mundo natural, cujos princípios verificamos no fluxo da água, do gás e do fogo. O que eles tinham a dizer é de total importância em nosso tempo, quando, no século 20 d.C., estamos percebendo que nossos esforços para dominar a natureza através da força técnica e arrumá-la podem trazer os resultados mais desastrosos.

 

Personagens Energéticos

Os personagens nascem e se expandem na medida em que aumentamos o conhecimento sobre o nosso Folclore, Energia e o Tao. Buscamos associar conceitos e seres mitológicos, que desafiados desenvolvem processos fundamentais de suas essências. Os personagens que nasceram com a idéia acompanham a lógica de sua formação como lenda dentro do mito que cada um representa. A seguir está relacionado os personagens e suas características, segundo CASCUDO (2002), com os conceitos energéticos:

Assim, o Curupira, que é o protetor das matas e florestas, está associado ao conceito de Energia da Biomassa. E como desafio, ele propõe fornecer alimento e proteção para se atingir a autonomia energética através do uso da biomassa alimentar.

O Sací-Pererê é o filho do vento, está diretamente ligado à Energia Eólica através do movimento dos fluidos. Mostra como é possível alcançar a sustentabilidade através da interdependência inerente na natureza.

A Iara é a mãe d'água, protetora das águas e vive nas nascentes, rios e lagoas. Representa a Energia Hídrica, da qual somos dependentes energeticamente. Seu desafio é a purificação para possibilitar o equilíbrio dinâmico do seu ciclo natural.

O Dragão é um personagem presente em muitas culturas, porém mais evidente na oriental. Representa a gênese e a conservação. Está associado com a Energia Solar, tendo como desafio a renovação da vida.

Em diálogo com eles está o Bicho-homem, animal demoníaco capaz de derrubar a murros uma montanha, beber rios e transportar florestas. Ele é devorador de homens e pode se manifestar de forma mais sutil impondo dominação cultural. É o próprio canibal, consumindo os seus sem parar. Ética é algo que este bicho tem de desenvolver, pois seu desafio é a liberdade e o respeito, para que haja autogestão. Seu espírito está presente tanto no Capitalista opressor como no Socialista alienado. É manifestado também na existência do catador de lixo, dos empregados dos latifúndios, das grandes indústrias, das mineradoras e principalmente da mão-de-obra excedente, que constitui um corpo marginal que pode ser acionado a qualquer momento.

O Bicho-de-sete-cabeças é o maior aliado do Bicho-homem, garantindo armas, radioatividade, produção industrial, mídia e biotecnologia, em troca de ambiente para poluir e água para se manter. É provocador do consumo desmedido como porta para a dominação cultural. Tem como processo inevitável a poluição ambiental.

O diálogo com esses personagens introduz os conceitos relativos à interdependência, fractal, energia, entropia, entre outros, e apresenta a filosofia taoísta como pensamento milenar na busca do entendimento da nova visão que a ciência ocidental vem buscando nos últimos anos.

 

Interdependência ó Tao

Interdependência é o princípio básico de manutenção da vida. Compreende o conjunto de trocas de energia e matéria, complementares na formação de grandes sistemas que acontecem naturalmente entre os seres.

Isso ocorre de forma natural, porém não é naturalmente aceito entre a humanidade. Confundimos esse conceito com o de independência, muitas vezes lutando pela soberania de forma isolada. Agregados à palavra dependência "in" forma o sentido de negação e "inter" de reciprocidade. A negação da dependência leva ao individualismo e ao isolamento. A interdependência, pelo contrário, revela que tudo está conectado como uma grande teia, formada por redes vivas dotadas de dinâmica própria inerente a cada sistema que produz essa conexão.

Esses sistemas - redes interdependentes - são também chamados de conversores energéticos, pois realizam trocas de energia e matéria através de suas conexões. Na natureza, essas redes podem ser rompidas ou enfraquecidas pela ação humana o que, nos dias de hoje, tende a alimentar o sistema terrestre com materiais que possuem um ciclo de decomposição muito longo, abundantes nos lixões e esgotos urbanos (CAPRA, 2003). Os ciclos naturais são responsáveis pela manutenção do sistema e o equilíbrio é apenas um estado, que pode ser alterado por qualquer variação na alimentação contínua de energia que impulsiona o sistema, tornando-o insustentável.

O Oriente nos ensina outra forma de entendimento sobre as interconexões, a compreensão mediante a vida. Os sábios da China Antiga chamaram esse equilíbrio dinâmico de Tao e deixaram como legado para humanidade textos filosóficos baseados em poesias e canções escritas em mandarim arcaico, que refletem através de versos simbólicos, indagações a respeito da origem do universo, vida e morte, luz, destino, energia, matéria, etc.

O ideograma chinês para o Tao é formado por dois caracteres que significam "caminho, fluxo" e "virtualidade, consciência", sendo entendido como o fluxo que melhor permite a condução da energia transformada por um pulsar de forças naturais. Esse pulsar, também chamado de fluxos contrários, mantém a unidade do universo. Essa dança é produzida por uma polaridade, conhecida como Yin-Yang, que significam literalmente claro e escuro. O estágio da criação é um eterno retorno, que possibilita a pulsação. Vida e morte possuem a mesma essência com fluxos contrários que interagem. Dentro da ciência ocidental, esse conceito de fluxos contrários foi identificado e denominado de enantiodromia (JUNG e WILHELM, 1990).

Na própria origem do pensamento e sentimento chinês reside o princípio da polaridade, que não deve ser confundido com as idéias de oposição ou conflito. Nas metáforas de outras culturas, a luz está em luta com a escuridão, a vida com a morte, o bem com o mal e, assim, o idealismo de cultivar o primeiro e livrar-se do outro floresce em grande parte do mundo. Para o pensamento chinês, isso é tão incompreensível quanto a corrente elétrica sem os pólos positivo ou negativo, pois constituem diferentes aspectos de um mesmo sistema, e o desaparecimento de um dos dois implicaria o fim do sistema (GRANET, 1997).

As pessoas educadas dentro da aura das aspirações cristãs e hebraicas consideram tal realidade frustrante, pois esta parece negar qualquer possibilidade de progresso, ideal oriundo de sua visão de tempo e história lineares (tão distinta da visão cíclica). Toda iniciativa da tecnologia ocidental é para "tornar o mundo melhor", buscando prazer sem dor, riqueza sem pobreza e saúde sem doença.

Mas, como agora está se tornando óbvio, nosso intenso esforço visando alcançar esse ideal com armas como DDT, penicilina, energia nuclear, transporte automotor, computadores, agricultura industrial, incitando todos a serem, por lei, superficialmente bons e saudáveis, tem criado mais problemas do que soluções. Quanto mais tentamos compreender e controlar o mundo, mais ele nos foge. Os idealistas consideram o universo separado e diferente deles mesmos, um sistema de objetos externos que precisa ser subjugado. Os taoístas encaram o universo como igual e inseparável deles mesmos (WATTS, 1975).

O Tao mostra que para entender esse fenômeno natural chamado interdependência é necessária percepção e sensibilidade. Perceber que não existe superioridade em relação à outras espécies animais ou vegetais pois tudo evolui - e sentir que não estamos sozinhos no planeta, dependemos também dos minerais que formarão os solos, possibilitando o surgimento de vegetais que é a base da alimentação animal. Isso é caminhar no sentido da consciência (ROHDEN, 1982).

Porém, o ser humano é capaz de ser alheio à realidade em que está inserido. Ignora que o seu resíduo será o alimento de outros. Vive numa não reflexão que resulta na perda de conexões saudáveis. Desconhece seu contexto sentindo-se eximido, isolado da sua relação com os problemas ambientais e sociais, como a criança abandonada ou o catador de lixo.

Não percebe que com esta atitude contribui para a insustentabilidade do sistema, caracterizada por todo tipo de desigualdade. Despertar para a percepção da interdependência compreende autonomia para desenvolver consciência e autogestão para percorrer o melhor fluxo, formando o caminho consciente - o Tao - num processo harmonioso de interação entre indivíduos e ambiente (WATTS, 1975).

 

Terra e Cosmos Seres Vivos

O conceito do que é viver estabelecido pela Biologia Clássica associa o fenômeno vida com a idéia de sistemas orgânicos individualizados. Na teoria da biogênese, a natureza básica da vida é sempre orgânica e as formas vivas sempre possuem o elemento carbono. A energia, as partículas, os átomos, o ar, a água, o metal, as pedras, o planeta, as estrelas, etc., não são formas orgânicas, portanto nessa ótica não possuem vida.

No período medieval na Europa desenvolveu-se a Alquimia, uma ciência simbólica de conhecimento hermético, que acreditava ser possível obter vida do não-vivo, ambos de mesma essência. Mas somente com o desenvolvimento da Química Orgânica no início do século 19 é que o primeiro passo para essa comprovação foi dado. A partir de substâncias inorgânicas foi possível sintetizar uma substância orgânica - a uréia - provando que ambos eram fenômenos de natureza idêntica. Isso estabeleceu uma fusão entre a Biologia e a Química, surgindo a Bioquímica.

Desse pensamento originou-se, na metade do século 20 com o prêmio Nobel de Química - Ilia Prigogine - o conceito de estruturas dissipativas como representação dessa unidade entre vida e não-vida. Essas estruturas são formas de organização que realizam trocas de energia e matéria com o ambiente, assim como fazem também os conversores energéticos.

Estruturas orgânicas dissipam energia e trocam matéria através do metabolismo, como ocorre com as plantas e animais. Estruturas inorgânicas também realizam troca de energia e matéria, sendo que apenas o tempo geológico é que passa a ser mais longo. Uma pedra não está viva, mas troca calor com o ambiente através da ação do sol, se decompondo com o passar do tempo e permitindo que seus minerais constituintes retornem para a Terra, formando o solo.

Com a possibilidade de construir todos os elementos químicos da tabela periódica através da adição de prótons, nêutrons e elétrons ao átomo mais leve - o hidrogênio - a Química foi vinculada à Física Atômica, permitindo uma ligação intrínseca entre os fenômenos físicos e biológicos, surgindo assim a Biofísica.

Nessa sucessão de acontecimentos, na década de 70 desenvolveu-se o conceito de que a biosfera terrestre funciona como um único organismo vivo, denominado Gaia (dos gregos, Géia ou Gê, referência à deusa mítica que representava a Terra). Dentro dessa hipótese, a biosfera é um grande ser vivo, cujas partes mantêm uma relação simbiótica de interdependência, possibilitando a manutenção do organismo como um todo. Este fato torna-se mais evidente com o advento da visão fractal - onde a menor parte contém o todo - e com o avanço dos estudos da Ecologia que demonstram o funcionamento da natureza como um único ecossistema vivo e interdependente, uma teia viva. A individualidade na Terra a passa então a se tornar mera aparência.

A Terra passa a ser vista como um organismo vivo pulsante que auto-regula seus processos imprescindíveis à sua preservação, otimizando e perpetuando suas características através dos ciclos biogeoquímicos e de um metabolismo interdependente do todo, inerente ao próprio Ser Vivo Terra. As evidências desse metabolismo surgem quando observamos na Terra a existência de movimentos a níveis micro e macro.

Os micromovimentos são verificados através dos átomos, moléculas, células e organismos vivos que compõem a Terra como um todo. Os macromovimentos do planeta podem ser classificados como externos ou exógenos (rotação em torno de si e translação em torno do sol) e internos ou endógenos (expansão, pelo movimento das placas continentais e contração, pelo volume variável do planeta). Esses movimentos são igualmente coordenados, auto-regulados e responsáveis pela manutenção das atividades que o caracterizam como um sistema vivo. Associados ao geomagnetismo terrestre, têm a evidência da pulsação da Terra.

A ciência afirma a existência da polaridade da Terra, e confere propriedades magnéticas aos pólos positivo e negativo. As "Forças de Coriolis" levam o nome do cientista que as identificou. Considera que o fluxo dos fluídos no hemisfério norte funciona no sentido contrário ao fluxo do hemisfério sul. Isso explica o fenômeno que faz com que, no hemisfério sul do planeta a água escoe no sentido horário e no norte no sentido anti-horário.

O Tao percebe a polaridade pelo pulsar da vida no ser vivo Terra. As forças que causam o fluxo de fluídos contrários são associados ao pulsar Yin-Yang. Isso enfatiza a interdependência e concorda com o conceito de estruturas dissipativas, que coloca vida e não-vida como algo único.

Somadas às evidências do metabolismo terrestre com a Relatividade (que aceita a possibilidade do pulsar universal) e a Física Quântica (que afirma o movimento como característica essencial da matéria), podemos expandir para o cosmos a idéia do fenômeno vida. Em outras palavras, o universo como um todo é vivo, pulsante e vibrante como a vida.

 

Geometria Fractal Geometria da Natureza

Foram os filósofos gregos e os matemáticos egípcios que criaram a Geometria como representação da natureza na forma como conhecemos atualmente. Através de observações e experimentações, eles chegaram aos conceitos hoje mundialmente conhecidos como figuras planas (círculo, triângulo, quadrado, retângulo) e figuras tridimensionais (pirâmide, esfera, cone, prisma). Desenvolveram a Trigonometria, que é o estudo dos ângulos, as geometrias plana e espacial, chegando até a noção de dimensionamento. Nessa ótica, nosso viver se processa sobre três dimensões: comprimento, largura e profundidade. Acima disso, não existiria representação concreta da realidade.

Toda medida geométrica é uma aproximação da natureza, uma representação muito próxima do real, porém não é natural. Sabemos que a natureza não possui círculos perfeitos nem ângulos retos. Essa visão dos gregos e romanos era suficiente para o contexto vivenciado na época, porém hoje a ciência necessita de uma concepção de mundo mais condizente com o atual estágio de desenvolvimento científico e tecnológico.

A natureza não é espacial, é fractal. Um elemento é dito fractal quando a menor parte dele contém a informação do todo, por inteiro. Assim como a interdependência nos ensina como estamos conectados ao todo, a visão fractal nos mostra como cada parte dessas conexões possuem informações do todo por igual.

Podemos observar isso em qualquer elemento natural que não tenha sido moldado pelo ser humano. Um exemplo claro é o da couve-flor. Como um todo, é um emanharado de "arvorezinhas" menores. Ao retirarmos um pedaço qualquer, verificamos que ele se parece bastante com o todo. É a couve-flor original em tamanho menor. Chegando a menor parte ou ao menor talo possível, esse pedacinho sempre vai ser a representação completa do todo, como a forma geométrica, cor, sabor e cheiro. Então dizemos que a couve-flor é fractal.

Se observarmos um montinho de areia bem de perto, a apenas alguns centímetros de distância, ele nos parecerá como uma grande duna ou montanha. Isso é a característica escalar dos fractais, que também está presente nos flocos de neve. Numa escala macroscópica, a neve possui uma aparência única. A nível microscópico, nenhum floco de neve possui estrutura repetida devido ao fenômeno da cristalização da água.

Na Geometria Fractal e também no Tao, partimos do simples para chegar ao complexo. É o caminho inverso da ciência ocidental. Não é necessário complicar e através de modelagens e desconsiderações atingir o simples, pois na menor parte está o todo, no simples e pequeno está o grande e complexo.

Na menor parte que compõem meu corpo, consigo encontrar o universo. O que existe ao meu redor também está em mim, num processo contínuo de interdependência. Assim como a matéria está no cosmos, ela também é constituída de todos os elementos que compõem o universo. A mesma matéria que as estrelas contém está contida também no meu ser, como um todo.

O conceito de fractal é verificado em toda composição do corpo humano. Nosso pulmão é semelhante à copa de uma árvore, e é responsável pela trocas gasosas, assim como as folhas da árvore que também realizam as trocas gasosas. A castanha-de-caju possui propriedades medicinais que ativam e fortalecem diversas funções no nosso organismo. Sua forma é idêntica ao cerebelo, órgão responsável pelas funções vitais do sistema nervoso humano. Folhas de boldo possuem uma textura bastante parecida com a da parede do estômago e é utilizada desde a antiguidade para curar problemas digestivos. O coração tem semelhança com o pêssego e a manga. Será esse o motivo de fitoterapeutas recomendarem ambos para tonificar o músculo central do homem? Existindo na natureza, logo encontramos equivalente em nosso corpo (MACIOCIA, 1996).

Diversas analogias e exemplos podem ser facilmente encontrados apenas por observação ao meio que nos cerca. A consciência da interdependência está alinhada ao pensamento fractal. A possibilidade de perceber-se integrante acontece quando compreendemos que estamos no outro como ele está em nós. Em essência somos partes da natureza, somos fractais!

 

Energia - Entropia Yin - Yang

Embora se fale muito sobre energia, não se sabe exatamente o que ela é. Cientistas, esotéricos e religiosos, artistas e infindáveis manifestadores do pensamento humano tentam entender o que é a energia em suas especialidades. A ciência tem sua interpretação através da Física, assim como os religiosos realizam a sua por meio da fé. Fazem considerações e nenhuma visão é anulada, não são antagônicas, são interdependentes.

Livre de uma definição específica, a energia apresenta-se em qualidades sujeitas a transformação. A ciência classifica e quantifica os tipos de energia identificados, observando e analisando suas formas e estruturas em diferenciados contextos. A busca é da melhor utilização através da minimização do desperdício, pois dependemos da energia. Seu uso é intrínseco ao ser humano e mesmo que não a estudássemos continuaríamos a usá-la.

A ingestão de alimentos é aquisição de energia distribuída no organismo através da água, que é o principal fluído condutor nos sistemas vivos. Atividades biológicas como respirar, locomover e reproduzir dependem de nutrição contínua. A possibilidade e a disponibilidade de mantimentos e água aumentam quando existe um abrigo para se proteger. Alimentação e proteção são as duas necessidades básicas que realizam as demais, seja a propagação das espécies, organização em grupos e sociedades ou para comunicação entre indivíduos e coletivos.

Na alimentação ocorre uma diferença de temperatura que é ocasionada por uma reação físico-química entre o alimento ingerido e meu organismo. É através do metabolismo que consigo "absorver o calor" contido nos alimentos. A unidade chamada de caloria nada mais é do que a capacidade que todo alimento possui de causar diferenças de temperaturas ao ser ingerido. É um conceito criado no século 19 pelos cientistas e pesquisadores que estudavam a propagação do calor.

A descoberta e o conseqüente domínio do fogo transformaram os meios de alimentação e proteção marcando o início da relação consciente do ser humano com a energia, permitindo agrupar e realizar essas duas necessidades básicas. O fogo, fonte de calor e luz, permite o cozimento de alimentos, fornece proteção contra outros seres e possibilita o tratamento térmico de materiais, tornando-se fonte essencial do próprio crescimento da humanidade em sua vida cotidiana, material e simbólica (DELÉAGE et al., 1993).

É ele um elemento transformador, permitindo a união, mas também causando ruptura. Nas primeiras comunidades, o fogo passa a delimitar um novo espaço: ao redor da fogueira. Modifica a estrutura dos grupos, com novas imposições para alimentação e manutenção da chama, permitindo a cristalização de hierarquias e atuando como um fator de hominização e socialização, refletido no plano psico-social.

Reconhecer a mudança de temperatura permitiu a primeira noção de energia ao ser humano. O aquecimento de um corpo qualquer acelera o movimento das partículas que o compõem, ocasionando um aumento de temperatura e permitindo que entrem em reação, causando uma variação energética.

Observou-se que a combustão libera calor e provoca uma variação de volume, causando um efeito mecânico. Com a necessidade de desvendar em que condições o calor produz esse efeito, nasce a ciência da termodinâmica, frente a uma nova problemática acerca das transformações sofridas nos corpos pela variação de calor. Não importa, a princípio, a natureza do calor ou da sua ação sobre os corpos, mas a sua utilização e capacidade em fazer um motor girar.

Através de experimentos com máquinas térmicas, de análises realizadas com o movimento de partículas em gases e fluídos e estudos da propagação de calor entre corpos de diferentes temperaturas, desenvolve-se uma nova sociedade, baseada na produção em escala industrial. A gradual substituição da lenha (biomassa vegetal) pelo carvão (biomassa fóssil), aumentou o rendimento das máquinas, pois a combustão do carvão libera mais energia para o sistema que a lenha. A "força" oferecida pela queima do combustível passou a se chamar trabalho. E a energia passou a ser entendida como a capacidade de realizar trabalho e liberar calor.

Essa definição ficou embasada dentro de princípios considerados pela ciência como "leis naturais". A primeira lei diz que a energia não se cria nem se perde, se transforma. E essa transformação causa uma mudança qualitativa (tipo, forma, estrutura) sem alterar a quantidade (medida), fazendo com que ela se conserve. Porém, sempre que a usamos, parte dela fica inutilizada. Isso é o que diz a segunda lei. A energia continua existindo, mas não é possível canalizá-la para realizar mais trabalho, pois foi liberada para o meio sob a forma de calor. Essa propagação de calor produz um fluxo de energia que foi denominado entropia.

Portanto, na linguagem da termodinâmica, energia é a capacidade de realizar trabalho e irradiar calor e entropia é o fluxo de calor irradiado. Ambas são mensuráveis, calculadas através de formulações matemáticas desenvolvidas no contexto em que vivia a sociedade ocidental no período da chamada revolução industrial: geométrica e progressiva (VASCONCELLOS e VIDAL, 1998).

Esses dois conceitos desenvolvidos pela sociedade científica na época influenciaram profundamente o pensamento ocidental. Seja nas ciências exatas, biológicas ou humanas, energia e entropia passaram a fazer parte dos estudos referentes à natureza, máquinas e até comportamento humano (FREYRE, 1987).

Dentro da aplicação da termodinâmica aos estudos referentes à Psicologia, Wilhem Reich identificou uma energia que forma todo o cosmos e está contida dentro da menor parte desse todo, a chamada "energia orgônica". Segundo REICH (1973), todo o corpo é um canal de expressão e concomitantemente de comunicação energético-sensorial, criando dentro de seus estudos clínicos uma visão energética do homem, onde o orgônio seria a força vital. Também na Psicologia, Carl Gustav Jung dedicou uma parte de seu trabalho relativo à "energia psíquica" como sendo uma forma de energia interna, anímica, que nos concede força e ânimo para realizar tarefas e alcançar objetivos, denominada por ele de "libido" (JUNG, 2002). Sobre a ótica da energia psíquica ou orgônica, foram utilizados conceitos relativos aos dois princípios da termodinâmica para explicar o que seria o ponto de vista energético na Psicologia.

Diferentes interpretações dos princípios termodinâmicos acabam gerando controvérsias na comunidade científica, tanto da época em que foram desenvolvidos quanto atualmente. Ao tratar a energia como uma realidade física controlável por processos técnicos segundo uma lógica econômica, formou-se a base da reflexão histórica da energia, que foi pensada como um dado bruto e considerada neutra, ilimitada e inesgotável como a água ou o oxigênio, desprovida de qualquer influência sobre a evolução social.

Sabemos que isso não é verdade. Qualquer fonte de energia é esgotável se não houver sustentabilidade no sistema. O ser humano desconsidera a interdependência entre energia, saúde e educação numa rede social sustentável, tratando esses temas como mercadorias de valor comercial, onde através de uma prática consumista baseada num desenvolvimento econômico, está esgotando os recursos naturais existentes.

A termodinâmica clássica conclui que entropia é irradiação de energia na forma de calor, que impossibilitada de gerar trabalho, tende a se acumular. A longo prazo, este acúmulo chega a um máximo, não existindo mais energia utilizável no sistema, quando acontece a chamada "morte térmica".

Existem teorias para explicar a origem do universo que aceitam essa interpretação. A chamada teoria do Big-Bang considera o cosmos um sistema entrópico, que vive hoje um processo de expansão. Mas em algum momento ele entrará numa fase de contração, consumindo progressivamente toda a energia disponível, ou seja, conservada desde que foi gerada numa grande explosão inicial. Sua entropia chegará ao ponto máximo e não existirá mais geração de calor. Teoricamente será o momento de morte do cosmos.

Essa visão é bastante contraditória, pois considera o universo como um sistema fechado que não troca energia. Se a energia se conserva, para onde vai quando é fluída no processo de acúmulo de entropia? Os sistemas fechados são tão inexistentes na natureza quanto a geometria espacial. A natureza é aberta e fractal, e todo o cosmos possui vibração, pulsando como a vida.

As questões sobre a origem da vida tão buscadas no Ocidente são absurdas para o Oriente, porque a vida não tem início nem fim, isto é uma condição dos vivos. Para o Tao, a vida é eterna, os seres vivos nascem e morrem, porém a vida é imortal. Começar a existir como vivo é nascer, deixar de existir como vivo é morrer. A diferença entre o vivo e o não-vivo está na sua condição de existir, ambos com a mesma essência (TORNAGHI, 1989).

Se pensarmos o universo como fractais de estruturas dissipativas, todos os seus componentes - incluindo a Terra - possuem vida. A morte térmica do universo é impossível pois, como em qualquer conversor energético, toda sua energia encontrará uma nova condição de se manifestar. O universo sempre existiu e existirá, nascendo e morrendo em constante processo de renovação da vida, se conservando dentro dos processos de transformação de energia em entropia.

Como exemplo dessa conversão energética, podemos citar a combustão, digestão de alimentos, fissão nuclear e explosão como reações que liberam energia causando aumento da entropia. Mas também é possível liberar energia e diminuir a entropia, como ocorre no resfriamento, na liquefação e na solidificação. Em contrapartida, a energia também pode ser absorvida com um aumento de entropia, como ocorre com o aquecimento e a vaporização. E finalmente, podemos ter processos que absorvem energia diminuindo a entropia, que é o caso do metabolismo animal e vegetal.

Essa visao é condizente com a noção de eternidade contida no Tao. Relacionando os conceitos da termodinâmica com o pensamento oriental, energia é o elemento que se conserva, é onda, é Yin, enquanto a entropia é o processo de expansão, matéria, Yang. O eterno pulsar Yin-Yang equivale a constante conversão de energia em entropia, manifestando o cosmos e a vida.

 

Concluindo

O conceito de entropia evidencia uma metafísica da morte nos princípios da termodinâmica. A forma de reverter o caminho em que a humanidade está com esse consumo exagerado de energia e de entropia gerado por esse consumo, é através do uso da biomassa energética e alimentar em troca dos combustíveis fósseis, numa substituição gradual das atuais fontes energéticas convencionais por fontes alternativas e renováveis, seja em meio urbano ou rural.

A educação passa a ser fator fundamental para um melhor conhecimento do mundo que estamos inseridos. Constitui um processo recíproco, que compreende a intenção de ensinar e aprender num conjunto de trocas de informações necessárias à natureza curiosa dos humanos. É um contínuo caminhar e a pedagogia é uma ferramenta. Com sentido libertador promove a autonomia, criando condições para que o educando identifique suas situações de aprendizagem e seus educadores, e construindo uma base sólida para a conquista de novas experiências rumo à tomada da consciência.

Buscar a conexão entre Ocidente e Oriente através da ciência termodinâmica e do pensamento taoísta, utilizando para isso os personagens do folclore nacional com o intuito de tornar esses conceitos possíveis de aplicação em instituições de ensino médio e fundamental, através de um material de apoio pedagógico em sala de aula, fazendo a energia ser lúdica para deixar de ser misteriosa.

 

Agradecimentos

Ao mestre taoísta e grande estudioso do pensamento chinês, Alan Watts, por conseguir fazer a ponte entre Ocidente e Oriente de uma forma simples e completa, onde mostra claramente através de sua obra póstuma intitulada "Tao - o curso do rio", que a milenar sabedoria chinesa constitui medicamento para as enfermidades do Ocidente. Entretanto, não deve ser tomado como uma pílula intelectualizada, mas permitir que ela impregne nosso ser total, transformando assim nossas vidas individualmente e, através destas, a nossa sociedade.

Também ao filósofo alemão Friedrich Nietzsche, representante do pensamento combativo, que apesar de não fazer referências ao Tao em suas obras foi de certa forma um grande taoísta dentro do Ocidente. No trecho extraído abaixo do prólogo da sua obra "Assim falou Zaratustra", mostra de uma forma clara a importância da terra e, por conseguinte, a biomassa como um todo, nas questões referentes às agressões que nosso planeta vem sofrendo:

"Eu vos rogo, meus irmãos, permanecei fiéis à terra e não acrediteis nos que falam de esperanças ultraterrenas! Envenenadores são eles, quer o saibam ou não. Desprezadores da vida são eles, e moribundos, envenenados pela própria peçonha, dos quais a terra está enfastiada; que desapareçam, de uma vez!

Outrora, o delito contra deus era o maior dos delitos; mas deus morreu e, assim, morreram também os delinqüentes dessa espécie. O mais terrível, agora, é delinqüir contra a terra e atribuir mais valor às entranhas do imperscrutável do que ao sentido da terra!".

Nietzsche, Assim falou Zaratustra

 

Referências

[1] CAPRA, F.; As Conexões Ocultas; Pensamento-Cultrix; São Paulo, SP; 2003.

[2] CASCUDO, L.C.; Geografia dos Mitos do Folclore Brasileiro; Global; São Paulo, SP; 2002.

[3] DELÉAGE, J; HÉMERY, D.; DEBEIR, J.; Uma História da Energia; EdUnB; Brasília, DF; 1993.

[4] FREYRE, G.; Homens, Engenharias e Rumos Sociais; Record; Rio de Janeiro, RJ; 1987.

[5] GRANET, M.; O Pensamento Chinês; Contraponto; Rio de Janeiro, RJ; 1997.

[6] JUNG, C.G.; A Energia Psíquica; Ed.Vozes; Petrópolis, RJ; volume VIII/1; 2002.

[7] JUNG, C.G. e WILHELM, R.; O Segredo da Flor de Ouro; Vozes; Petrópolis, RJ; 1990.

[8] MACIOCIA, G.; Os Fundamentos da Medicina Chinesa: um texto abrangente para Acunputuristas e Fitoterapeutas; Roca; 1ª.edição; São Paulo, SP; 1996.

[9] REICH, W.; Cosmic Superimposition; Original de 1951; Farrar, Straus & Giroux; 1973.

[10] ROHDEN, H.; Tao Te King; Alvorada; 4ª.edição; São Paulo, SP; 1982.

[11] TORNAGHI, P.; Tao Te King; Espaço e Tempo; Rio de Janeiro, RJ; 1989.

[12] VASCONCELLOS, G. F. e VIDAL, J. W. B.; Poder dos Trópicos: Meditação sobre a Alienação Energética na Cultura Brasileira; Sol e Chuva; São Paulo; 1998.

[13] WATTS, A.; Tao, o Curso do Rio; Pensamento; São Paulo, SP; 1975.