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An. 5. Enc. Energ. Meio Rural 2004

 

Estratégias adotadas pelo setor sucroalcooleiro na geração de excedentes de energia elétrica

 

 

Zilmar José De SouzaI; Paulo Furquim De AzevedoII

IDoutor em Engenharia de Produção pela UFSCar
IIProfessor Doutor da FGV-SP

 

 


RESUMO

Considerando a necessidade de expandir a capacidade nacional instalada de geração, bem como, de diversificá-la, o artigo investigou determinados aspectos do Ambiente Institucional em que a geração de excedentes comercializáveis de energia elétrica pelo setor sucroalcooleiro está inserida. Foram observados pontos positivos na proposta de ação governamental, assim como, a necessidade de seu aprimoramento.

Palavras-chave: Co-geração. Bagaço de Cana-de-Açúcar. Setor Sucroalcooleiro. Setor Elétrico. Excedentes Comercializáveis. Políticas públicas.


ABSTRACT

Considering the necessity to expand the installed national capacity of generation, as well as, to diversify it, the article investigated definitive aspects of the Institutional Environment where the electric energy commercialization by the sugarcane sector is inserted. Positive points in proposal of governmental energy policy for incentive this activity had been observed, as well as, the necessity of its improvement.


 

 

Introdução

O Ambiente Institucional estabelece as bases para a produção, distribuição e troca dos bens e serviços. São as regras formais e informais para os agentes econômicos exercerem suas atividades, envolvendo o conjunto de leis, regulamentos, políticas setoriais públicas e privadas que atua sobre determinada indústria ou setor econômico. Assim, o Ambiente Institucional age de forma decisiva sobre o desempenho da indústria. Neste artigo, determinados aspectos desse ambiente - em que a geração de excedentes comercializáveis de energia elétrica pelo setor sucroalcooleiro está inserida - são apresentados e discutidos. A partir de entrevistas com agentes do setor sucroalcooleiro, o objetivo principal da pesquisa é identificar pontos que possam ser aprimorados na política setorial pública proposta ao setor - o Programa de Incentivo às Fontes Alternativas (Proinfa).

 

Metodologia

O objetivo dos estudos de caso foi identificar estratégias de concorrência dos geradores de excedentes de energia elétrica e elencar os principais pontos de atenção ao incentivo na geração desses excedentes. Posteriormente, analisando-se o Ambiente Regulatório, estes pontos foram observados se estão sendo contemplados por normativos daquele ambiente.

 

Resultados e discussão: usina A

A energia elétrica gerada por essa usina termelétrica atende à demanda da planta industrial, sendo o excedente vendido a CPFL, por meio de paralelismo, fato que promove a segurança no fornecimento contínuo à usina sucroalcooleira, pois se a termelétrica necessitar promover paradas, a concessionária local imediatamente fornece energia elétrica em paralelismo.1

Em 2003, o parque gerador era composto da seguinte forma: dois geradores de 15 MVA (vapor contrapressão, consumo de 5,8 kg vapor/kWh), dois geradores de oito MVA e mais dois de seis MVA (condensação - mais eficiente que a contrapressão - consumindo 4,8 kg/vapor por kWh), totalizando 58 MVA. Em termos de potência instalada, 58 MVA equivalem a aproximadamente 48 MW de potência útil. Desse total, a empresa pretendia consumir 18 MW e comercializar 30 MW com a CPFL.

A empresa, historicamente, vem comercializando bagaço in natura com as indústrias citrícolas e usinas sucroalcooleiras locais. Porém, para safras futuras, a empresa está planejando não comercializar bagaço in natura, planejando estocar o insumo para geração na entressafra de seis a 7 MW. Nesse período, a unidade industrial costuma consumir em torno de 2 a 3 MW. Havendo sobra na entressafra, a usina comercializaria o excedente.

O aproveitamento da palha também estava sendo testado pela empresa. A palha, que apresenta poder calorífico semelhante ao do bagaço, seria misturada ao bagaço e queimada nas caldeiras. De acordo com o entrevistado, num raio de 15 km da usina, a palha deverá ser recolhida, sem o enfardamento e transportada à unidade termelétrica. O volume será elevado sem o enfardamento, embora o peso seja extremamente reduzido. Em contrapartida, não haveria o custo de enfardamento, de "desenfardamento", de "afofamento" e de investimento em máquinas e equipamentos para tais atividades. O raio de 15 km foi determinado como sendo o espaço onde os benefícios são maiores aos custos de obtenção e transporte da palha.

Em relação ao custo de oportunidade na formação da cama de proteção ao solo, a empresa investiu em um equipamento norte-americano que retira a cana e a palha deixando o mínimo necessário para a proteção do solo (retira 50% da cana, mas não retira toda a forração). Dessa forma, retira apenas o excesso de palha, não havendo necessidade em investimentos para proteção ao solo. A mecanização na colheita estava em torno de 50%, representando uma boa capacidade para expansão no aproveitamento da palha como insumo na geração de energia.

Segundo o entrevistado, a empresa apostava que a venda de excedentes ao mercado de energia elétrica seria uma estratégia interessante no longo prazo. Por isso, investiu em equipamentos mais eficientes (antes havia equipamentos que consumiam 13,8 de vapor, quase três vezes mais do que a configuração em condensação). Assim, com a mesma quantidade de bagaço, após atender as necessidades industriais, sobra mais vapor para geração de energia elétrica e, por conseguinte, para comercialização de excedentes. A empresa também se preocupa em manter tecnologia de geração eficiente, pois apesar do elevado investimento, ocorre eficiência energética maior, menor espaço físico, custos menores de manutenção etc.

As estratégias da empresa têm obedecido dois objetivos principais:

a) Garantir a auto-suficiência futura para suas unidades industriais; e

b) Garantir uma receita estável com a venda de excedentes para o setor elétrico.

Com referência ao primeiro objetivo, a empresa acredita que os mercados de açúcar e álcool são promissores e há necessidade de garantir o fornecimento de energia para as unidades industriais no futuro, havendo, portanto, necessidade de investimentos preventivos. No caso, esses investimentos em capacidade de geração superior à auto-suficiência podem significar uma vantagem competitiva no futuro, conforme cenários de escassez de oferta de energia elétrica se apresentem, ou seja, necessária expansão na produção de açúcar e álcool. Considerando que investimentos em energia elétrica demoram geralmente, no mínimo, seis meses para serem efetivados, a necessidade de energia poderia ser um fator impeditivo para uma rápida expansão na produção de açúcar e álcool.2

Assim, a necessidade de investimentos preventivos fez com que a empresa fosse conduzida à comercialização de excedentes. De acordo com o entrevistado, devido ao efeito escala, a diferença era pequena entre o valor dos investimentos necessários para garantir a auto-suficiência e à geração de excedentes, conduzindo a empresa à opção por um parque termelétrico capaz de gerar excedente. Essa economia de escala foi potencializada com o advento da crise energética em 2001, que promoveu a melhora na remuneração do MWh. No último trimestre daquele ano, a empresa fechou um contrato com a CPFL no qual o MWh foi estabelecido em R$ 70,00. Com a correção desse valor pelo IGP-M, o MWh para 2003 estava cotado em R$ 100,00, considerado acima da média do mercado.

Desse modo, na safra 2003/2004, a usina está com um contrato firme de 27 MW, por dez anos, e três MW em energia interruptível. Esses três MW são considerados estratégicos, pois conforme se apresentem novas oportunidades de melhoria no preço da energia elétrica, os contratos fechados sob essas novas condições servem para pressionar a concessionária a fornecer melhores condições para o contrato firme, quando de sua renegociação.

Em 1999, a empresa foi a primeira do setor sucroalcooleiro a comercializar com o consumidor livre, localizado na área de concessão de outra distribuidora de energia. Para tanto, foram também utilizados os serviços de uma comercializadora. Na oportunidade, o consumidor necessitava de uma energia excedente por três meses para atendimento a um contrato de exportação e a concessionária local não tinha capacidade para atendimento imediato. A usina sucroalcooleira pagou os custos de conexão e transporte à CPFL e a mais duas outras concessionárias. Com a CPFL, na época, a usina tinha um contrato de cinco MW e estava gerando oito MW. A CPFL pagava o equivalente a cinco MW com tarifa firme e os três MW restantes com tarifa interruptível (entre R$ 2,00 a R$ 3,00 por MWh). Na tarifa interruptível não havia um compromisso de fornecimento continuo à CPFL. Assim, a usina pôde fechar um contrato de fornecimento com o consumidor livre, no qual a receita líquida da empresa foi de R$ 16/MWh (já retiradas as comissões da comercializadora que elaborou a operação e os custos de transporte). Em seqüência ao fechamento desse contrato, a CPFL passou a oferecer a mesma receita líquida à usina, tentando forçar o rompimento do contrato com o consumidor livre, fato que reforça a idéia de manter parte do total disponível para comercialização sem contratação de longo prazo, possibilitando aproveitar eventuais oportunidades que surjam.

Apesar do preço ter sido influenciado pela crise energética, a decisão de investimento, com financiamento do BNDES, foi tomada antes do racionamento, mostrando a estratégia da empresa em garantir a auto-suficiência, mas considerando também uma aposta no mercado de energia elétrica. Para concretização da linha de financiamento do BNDES, a CPFL garantiu o contrato de longo prazo (Power Purchase Agreement - PPA) e parte da receita gerada pelo PPA vai diretamente para a amortização do financiamento concedido pelo BNDES. As principais críticas quanto à linha de financiamento foram a não diferenciação de custos por tecnologia empregada, incentivando o agente a buscar tecnologias mais baratas, e por não haver linhas ao investimento necessário à pesquisa e aproveitamento da palha e ponteiro.

A empresa aposta na tendência de que, conforme as necessidades energéticas do país aumentem, o bagaço será naturalmente aproveitado na geração de excedentes comercializáveis. Porém, para o entrevistado, para acelerar esse processo, haveria necessidade de políticas públicas especificas para inserir a biomassa sucroalcooleira na matriz energética nacional. Outra opção para que a geração de excedentes seja dinamizada, poderá ser a falta de um planejamento energético, conduzindo novamente à escassez de energia elétrica no futuro, fato que poderia tornar a energia sucroalcooleira competitiva, conforme ocorrido em 2001.

Outros aspectos importantes na estratégia de geração de excedentes para o setor elétrico são a questão da imagem social e a garantia de fornecimento na entressafra. Mesmo antes da crise energética, a empresa comercializava entre oito e dez MW a CPFL, significando o abastecimento de uma cidade com aproximadamente 170 mil habitantes.3

De acordo com o entrevistado, a geração de excedentes de energia elétrica contribui para a imagem social da empresa, facilitando estratégias futuras como a de integrar fundos éticos de investimentos. Adicionalmente, a empresa também acredita que, sendo um agente produtor de energia elétrica e não somente consumidor, num eventual racionamento, a determinação dos órgãos normativos deverá ser promover o corte no fornecimento primeiramente de agentes somente consumidores de energia elétrica e, por último, aqueles que contribuem simultaneamente para o fornecimento de energia elétrica ao sistema, como os produtores independentes sucroalcooleiros. Desse modo, pode-se inferir que há motivação estratégica ligada ao risco de racionamento de energia elétrica.

Em relação ao preço do MWh, o preço ideal seria em torno de R$ 120 a R$ 130/MWh, para obtenção de uma rentabilidade atraente. A usina tem condições de fornecer entre 80 MW e 90 MW, com aproveitamento da palha e uso integral do bagaço. O entrevistado considera inadequado a usina ficar parada durante a entressafra, apresentando um fator de aproveitamento muito baixo em relação a sua capacidade de geração, significando investimentos sub-aproveitados.

Para preços do MWh muito inferiores ao julgado ideal, a empresa poderia até abandonar a produção de excedentes, desligando as turbinas de condensação (duas de seis MWA), sem interrupção no processo de geração de vapor de escape - necessário para produção de açúcar e álcool, poupando, assim, bagaço (que poderia ser destinado à comercialização in natura). Porém, uma vez realizados os investimentos, tal estratégia é considerada inviável, até porque se a unidade produtora não consume todo o vapor gerado, o excedente é jogado na atmosfera, o que significaria desperdício de bagaço. Esse fato motiva a que empresas aceitem valores inferiores ao ideal, pois o sistema foi equilibrado para geração de excedentes e, nesses casos, os custos associados à geração de excedentes são inferiores ao das usinas entrantes, que ainda necessitam realizar os investimentos para tornarem-se produtores independentes de energia.

A empresa está entrando em negociação com a Ecoenergy para promover a venda de certificados de créditos de carbono. Na opinião do entrevistado, as dificuldades residem na burocracia e no custo no processo de certificação e medição/contabilização das toneladas evitadas de carbono. O entrevistado sugere que não haveria necessidade de medição, pois poderiam ser utilizados os registros do volume comercializado com o sistema elétrico para medição dos excedentes e dados da safra para medição do auto-suprimento, entre outras formas. Para o entrevistado, por bom tempo esse mercado vai ainda apresentar-se ilíquido, dependendo de demanda internacional e da aprovação da metodologia de certificação pelas autoridades locais e internacionais. Ademais, receia-se que, uma vez incorrido em todos os custos de certificação, possa encontrar dificuldades na comercialização dos créditos obtidos.

 

Resultados e discussão: usina B

A empresa utiliza, sobretudo, o bagaço na geração de energia. No início da safra, apenas para início do processo, utiliza-se lenha em conjunto com o bagaço. A partir do momento em que a caldeira adquire uma temperatura interna adequada, o bagaço passa a ser o único insumo na geração de energia. Alguns equipamentos da termelétrica foram adquiridos de uma firma que compõe o mesmo grupo econômico da usina sucroalcooleira, representando uma estratégia de integração vertical, promovendo a diminuição dos custos médios de investimento.

Na safra 1999/2000, a usina produziu em torno de 85% de suas necessidades energéticas. Na entressafra, a usina adquire energia da concessionária local. Dependendo do teor de fibra da cana, há períodos em que ocorre a falta de bagaço. Dessa forma, não há comercialização de bagaço in natura, sendo o insumo destinado integralmente para o consumo interno. Quando a unidade paralisa a moedura, promove-se a compra externa de bagaço, visando a manutenção na geração de vapor no período de entressafra (para atendimento à fabrica de açúcar).4 Nesse período, as necessidades de energia são atendidas pela concessionária local - a Elektro.

Ademais, também está em estudo o aproveitamento da palha, promovendo-se um orçamento para a compra de uma máquina específica para picar a palha no campo e promover seu enfardamento ainda no campo para, posteriormente, ser transportada pelos caminhões da usina. Essa estratégia se mostra bem diferente da adotada pela usina A.

Segundo o entrevistado, o planejamento energético no setor sucroalcooleiro tem observado um horizonte de aproximadamente dez anos. No início da construção do parque de geração, a estratégia da empresa, de acordo com o entrevistado, foi de investimento em uma unidade de geração capaz de atender a planta industrial e ainda de gerar excedentes ("investimento em máquinas grandes"). Os objetivos dessa estratégia eram basicamente dois:

a) Caso o preço da energia elétrica comercializada com o setor elétrico tornar-se atraente, a empresa teria um lucro extraordinário com a atividade de comercialização de excedentes, supondo que o mercado de energia elétrica seria mais rentável do que a comercialização do bagaço in natura; ou

b) Se o preço da energia elétrica se mantivesse desinteressante, como no momento inicial, a empresa estaria investindo na sua auto-suficiência futura. Com a esperada expansão da produção industrial, as necessidades energéticas seriam crescentes e, portanto, um excesso de capacidade de geração naquele momento poderia tornar-se uma vantagem competitiva no futuro, atuando como hedging para a esperada volatilidade futura nos preços de energia elétrica, com a reestruturação do setor elétrico.

Dessa forma, a usina estava gerando 1,5 MW em excedente que é comercializado com a Tradener - agente comercializador localizado no Paraná. Para tanto, foram firmados contratos de uso e de conexão às redes de distribuição e de transmissão. O contrato de energia com a Tradener foi firmado durante o racionamento, em 2001, sendo o prazo de fornecimento por cinco anos. Na época, o valor oferecido pela Elektro foi inferior ao proposto pela Tradener, mesmo incluindo os custos de conexão e de transporte. De acordo com o entrevistado, o custo de conexão e uso da rede não foi um fator determinante, sendo da ordem de R$ 2.500 por mês, cobrado em função da demanda contratada junto a Tradener. Para o entrevistado, fator decisivo foi a inexistência de investimentos em reforços externos nas redes de transportes, exceto para a unidade industrial devido à adequação ao paralelismo com a rede da Elektro.

Todavia, considerando a conjuntura à época da entrevista, na qual o preço de compra da energia necessária para a entressafra estava superior ao de venda à Tradener, a intenção da usina é, vencendo o contrato com a empresa comercializadora, fechar um contrato de permuta de energia com a Elektro, pois a usina detém uma outra unidade que se apresenta deficitária, adquirindo energia elétrica da Elektro até mesmo durante a safra.

De acordo com o entrevistado, essa estratégia poderá ser alterada caso haja políticas públicas específicas, e de longo prazo, para o setor. Para a usina expandir a produção de excedentes, há necessidade de seis a oito meses para a maturação dos investimentos necessários à efetiva comercialização, o que impede estratégias de curtíssimo prazo visando aproveitar período de crise de oferta no setor elétrico.

Quanto ao mercado de créditos de carbono, a usina não foi procurada por empresas especializadas no tema, nem pretende tomar iniciativa própria na busca por esse mercado.

 

Síntese e discussão dos resultados

TEECE (2002) considera que toda a aquisição de bem ou serviço, que possa ser obtido num mercado em livre concorrência, não é capaz de propiciar, por si só, vantagens competitivas para nenhum dos agentes desse mercado. Dessa forma, observa-se que as firmas analisadas praticam a integração vertical para trás, incorporando a produção de energia elétrica ao seu processo industrial, pois essa estratégia proporciona vantagem competitiva para os agentes. Pode-se avaliar que a auto-suficiência funcionaria como hedging para o provável crescimento nos preços de energia elétrica, sobretudo para consumidores energo-intensivos como os do setor sucroalcooleiro, quer seja pelo fim dos subsídios cruzados entre a classe residencial e industrial, quer seja pelo crescimento do custo marginal de expansão na geração de energia.5

De acordo com BESANKO, DRANOVE & SHANLEY (2000), a integração vertical é a forma de coordenação por meio da qual várias etapas das transações são realizadas dentro de uma mesma firma. Na atividade em pesquisa, essa estratégia tem como incentivos requisitos do processo produtivo (garantia de um fornecimento contínuo e de qualidade), as economias de escopo derivadas, sobretudo, da diversificação de produtos, e a eventual receita extra obtida com a comercialização de excedentes. Também, utilizando-se de WILLIAMSON (1996), a estratégia de integração vertical da atividade de geração de energia elétrica pelo setor sucroalcooleiro, por envolver ativos específicos, pode ser considerada eficiente, representando formas organizacionais que economizam custos de transação.

Ademais, a internalização da atividade possibilita vantagens pecuniárias derivadas do custo evitado com a aquisição da energia do setor elétrico, considerando que o preço de venda é consideravelmente mais baixo que o de compra (preço da energia, preço do "fio" e custos de transação na comercialização). Além disso, a volatilidade do preço da energia inibe investimentos voltados à venda de excedentes. Assim, seriam esses os elementos básicos que tornam a integração vertical uma estratégia atraente aos agentes do setor sucroalcooleiro.

Nesse aspecto, há uma complementaridade com a estratégia de garantia futura do auto-suprimento energético para atendimento a eventuais expansões na produção de açúcar e álcool. A Tabela 1 apresenta os valores do MWh cobrados pela CPFL, incluindo as tarifas de uso da rede, para consumidores enquadrados no segmento de alta-tensão, comumente aplicados às usinas do setor sucroalcooleiro.

 

 

Pelos dados da tabela acima, observa-se que a opção de aquisição via mercado das necessidades de energia elétrica poderia prejudicar a competitividade das atividades principais do setor. Considerando que o custo de produção médio estimado da energia elétrica gerada para o consumo próprio apresenta um valor de R$ 22,34 por MWh,6 há vantagens pecuniárias na integração vertical, pois na aquisição de, por exemplo, somente da energia (MWh) da CPFL, o custo seria 439,4% superior ao obtido com a opção de integração vertical. Sendo o setor sucroalcooleiro considerado energo-intensivo, a competitividade dessa indústria estaria fortemente comprometida com uma opção de desverticalização.

Além disso, as economias de escopo presentes na produção seqüencial de energia elétrica e vapor (co-geração) tornam o custo total da firma para produção dos dois produtos consideravelmente menor do que o custo de duas ou mais firmas produzirem separadamente esses mesmos produtos, a preços dados de insumos. Desse modo, a presença de economias derivadas do processo de co-geração, promovendo reduções nos custos médios, também favorecem a integração vertical nessa indústria.

Observa-se que a geração de excedentes comercializáveis tem sido uma estratégia derivada da necessidade de formação de capacidade preventiva para atender demandas futuras de expansão do core business do setor sucroalcooleiro, podendo tal estratégia significar vantagens competitivas no futuro. Por outro lado, deve-se salientar que também com o sobre-investimento, ocorre o aproveitamento de economias de escala, representado pela queda do custo do investimento por MWh instalado.

Entretanto, percebe-se que as estratégias "investimento em máquinas grandes" e garantia da auto-suficiência não são contrapostas. Em última instância, o principal objetivo de ambas as estratégias é garantir o fornecimento intertemporal de energia à unidade industrial, pois o atendimento dessas necessidades via mercado, pelo elevado custo, comprometeria a competitividade do core business. A opção por estratégias diferentes (geração de excedentes versus somente autoprodução) parece advir mais da capacidade do que do desejo de investir que as usinas apresentam. O custo do financiamento e a prioridade do investimento no core business podem ser colocados como os principais impeditivos à adoção da estratégia "investimento em máquinas grandes".

Mesmo assim, acredita-se que a estratégia de sobre-investimento - fator indutor à comercialização de excedentes - pode ser a desejada tanto para pequenas quanto grandes usinas, pois a necessidade de garantir o fornecimento futuro de energia independe do porte da unidade industrial.7 Assim, a opção pela comercialização estaria mais relacionada com o investimento "máquinas grandes", considerando o custo do financiamento, a prioridade do investimento, o desejo e a capacidade econômico-financeira da usina.

Apesar de o principal emprego do bagaço ser a geração de energia elétrica, a estratégia de pesquisa em técnicas de aproveitamento da palha pode significar a intenção futura de emprego alternativo do bagaço, sobretudo àqueles que não apostam no desenvolvimento da atividade de comercialização de excedentes sucroalcooleiros. O uso alternativo do bagaço poderia ser a sua comercialização para outros agentes ou seu estoque para garantir a geração de energia elétrica em caráter "firme" (durante o ano todo). No caso de uma estratégia de investimento em aproveitamento de palha e ponteiros, visando à comercialização de bagaço, deve-se também ponderar acerca do efeito que o aumento da oferta de bagaço poderá causar sobre o preço do bagaço in natura, o que diminuiria o custo de geração do MWh no setor.

 

Considerações finais

A maioria das usinas do setor sucroalcooleiro foi implantada há mais de vinte anos, para atendimento ao Proálcool. A vida útil dessas usinas estaria no fim, colocando ao setor sucroalcooleiro duas opções: "1) manter a tecnologia atual e operar a longo prazo com baixa eficiência, ou 2) instalar sistemas mais eficientes e expandir para um novo ramo de negócios, o de venda de eletricidade" (FÓRUM DE COGERAÇÃO, 2002, p. 2). Essa última opção, desenvolvida conjuntamente com o aproveitamento de palhas e pontas como combustível, poderá fazer com que o potencial de geração de energia elétrica pelo setor sucroalcooleiro chegue a 21.309 MW até o ano de 2010, dependendo do crescimento da área plantada (TOLMASQUIM, SZKLO & SOARES, 2002).

Pode-se inferir que políticas para expansão de comercializáveis pelo setor sucroalcooleiro, adequadamente formuladas, sobretudo na questão do custo do financiamento ao investimento, poderão ser capazes de motivar esses agentes, independente de seu porte produtivo. Ocorrendo políticas públicas bem "calibradas", independentes da escala da unidade, o agente sucroalcooleiro poderá iniciar ou expandir a atividade de comercialização de excedentes, pois consideraria o risco da atividade comparativamente menor, devido a dois cenários: (i) um cenário otimista no qual a política pública garantiria uma rentabilidade considerada adequada à atividade de comercialização de excedentes; (ii) caso contrário, mesmo ocorrendo um cenário adverso quanto à garantia da remuneração, a capacidade ociosa de geração poderia atender eventuais necessidades internas de energia advindas de expansões futuras nas atividades do core business.

Não obstante, o pessimismo em relação ao ambiente institucional do setor elétrico, a necessidade de financiamentos e de contratos de longo prazo com preços atraentes de MWh parece ser pauta comum aos entrevistados quanto à expansão e/ou ao início da comercialização de excedentes de energia ao setor elétrico. Isso pareceu demonstrar a descrença dos agentes entrevistados na efetivação, pelo menos no curto prazo, de políticas públicas direcionadas à atividade de comercialização de excedentes. Tal cenário confirma o que salienta COELHO (1999), de que as principais barreiras ao aproveitamento do setor talvez não sejam de ordem técnicas, mas políticas e institucionais. Em vista disso e considerando que, sobrevindo um desenvolvimento econômico aliado a crises estruturais e climáticas, o cenário de racionamento poderá ser adotado novamente como medida emergencial, uma política governamental para o excedente comercializável sucroalcooleiro deveria tornar-se prioridade entre os agentes públicos, mas executada de forma tempestiva.

Neste intento, o governo federal criou dois programas para o incentivo às fontes alternativas: o "Pequena Central Hidrelétrica" - PCH e o "Pró-eólica", que tinham por objetivos agregar à matriz energética até 1.200 MW derivados de PCH e 1.050 MW de energia eólica. Entretanto, o refinamento e a consolidação dessas propostas de política setorial encontra-se no Programa de Incentivo às Fontes Alternativas (Proinfa) que, apesar de não ser específico à fonte de geração por bagaço de cana, a inclui no portfolio de incentivos.

Apesar de disponíveis tecnologias mais eficientes e oportunidades de investimentos na atividade, questões como o baixo retorno do investimento (relacionado sobretudo ao preço do MWh), aliado à necessidade de estabilidade na receita, condicionada à garantia de compra pelas concessionárias, por meio de contratos de longo prazo, são considerados os principais fatores que desmotivam investimentos na expansão da atividade. Diante disso, o Proinfa procura tratar essas barreiras.

De acordo com a ELETROBRÁS (2004), o programa atraiu 426 projetos para a geração de 6.601 MW de energia,8 distribuídos em 3.681,58 MW para projetos eólicos; 1.921,17 mil MW para os de pequenas centrais hidrelétricas,; e os de biomassa (bagaço de cana, casca de arroz, restos de madeira e biogás) apenas 995,25 MW.

Para SOUZA & AZEVEDO (2004), a baixa procura pelo PROINFA pelo setor sucroalcooleiro pode ter explicação inicial no preço do MWh oferecido pela ELETROBRÁS e na estratégia dos agentes de condicionar a geração de excedentes à necessidade de auto-suficiência presente e futura.

Não obstante, constata-se a necessidade de customização da política pública, considerando o aproveitamento da palha e ponteiras e a abertura de linhas de financiamento específicas ao setor, por meio da diferenciação por tecnologia, por índice de mecanização e até por porte de empresa. Novas frentes de financiamento também podem ser trabalhadas pelos responsáveis pela elaboração de políticas, conjuntamente com o setor, a saber: a formação de fundo éticos e a elaboração de projects finance envolvendo CREs (Certificados de Redução de Emissão), o que poderia mitigar/repartir os custos de certificação envolvidos nesta atividade.9

A característica de essencialidade da energia elétrica conduz a tratá-la como bem público quando há falta de interesse de firmas em expandir a geração por fontes não competitivas no presente, mas consideradas importantes ao planejamento energético e à garantia do fornecimento futuro de energia elétrica. Desse modo, para garantir o fornecimento futuro de energia, geralmente promove-se a concessão de subsídios diretos e/ou indiretos às fontes alternativas renováveis de custos elevados, podendo o Proinfa ser enquadrado como mecanismo da garantia de fornecimento.

Comparativamente, subsídios diretos, como forma de política pública, caracterizam-se por apresentar maior transparência em relação a incentivos que promovem a concessão de subsídios indiretos. Independentemente do tipo de subsídios, a sua concessão geralmente é justificada pelo agente público como um investimento na garantia intertemporal de fornecimento. Não obstante, a concessão de subsídios deve sempre ser "calibrada" ao longo do tempo, de forma a criar incentivos para que a fonte alternativa se torne competitiva no médio/longo prazo, sempre monitorando o comportamento da demanda por energia elétrica e os custos das fontes de geração.

Também deve ser observado que o sucesso na obtenção de um ambiente propício ao investimento na atividade em comento depende da criação de mecanismos que restrinjam a ação regulatória sobre o setor (evitando o problema de hold up),10 garantindo o enforcement das normas estabelecidas em regulamentos e preservando a credibilidade dos contratos entre os agentes privados e públicos (credible commitment).

Cabe mencionar que a concessão de subsídios diretos ou indiretos para esta atividade do setor sucroalcooleiro deve ser observada como uma estratégia de aquisição do "seguro mais barato" à sociedade. Adotar as diretrizes aqui pesquisadas, conduzindo o preço do MWh gerado no setor sucroalcooleiro ao considerado atraente para estes agentes, deve representar a opção mais econômica para se evitar o desabastecimento de energia no futuro e a aquisição emergencial de energia a preços elevados. Assim, uma política de concessão de subsídios ao setor sucroalcooleiro para o desenvolvimento da atividade de co-geração deve ser observada sob estes enfoques, contrapondo-se a análises simplistas que procurem relacioná-la à concessão de subsídios que alteram a competitividade dos produtos comercializados no mercado internacional pelo setor sucroalcooleiro, sobretudo o açúcar.

Finalmente, acredita-se que o conteúdo tratado neste artigo contribui para se somar um número maior de informações e análises aos agentes interessados no tema em estudo. Dessa forma, esta pesquisa contribuirá para diminuir os custos informacionais presentes em pesquisas correlatas ao assunto e, espera-se, motivará debates e trabalhos acerca do tema.

 

Referências

ANEEL. Nota Técnica Revisão Tarifária nº 30/2003 - Janeiro de 2003. Disponível em <http://www.aneel.gov.br>. Acesso em 15 out. 2003.

BESANKO, D.; DRANOVE, D.; SHANLEY, M. Economics of Strategy. 2. ed. New York: John Wiley & Sons, Inc., 2000.

COELHO, S. T. Mecanismo para implementação da co-geração de eletricidade a partir de biomassa: um modelo para o Estado de São Paulo. São Paulo, 1999. Tese (Doutorado) - Programa Interunidades de Pós-Graduação em Energia, Universidade de São Paulo.

FÓRUM DE COGERAÇÃO. Geração com resíduos de cana. Disponível em: <http://www.inee.org.br/down_loads/forum/cogerac_cana.pdf>. Acesso em: 01 set. 2002.

MINISTÉRIO DE MINAS E ENERGIA. Modelo Institucional do Setor Elétrico. Brasília, DF: Eletrobrás/MME, 2003.

SOUZA, Z. J. Geração de energia elétrica excedente no setor sucroalcooleiro: entraves estruturais e custos de transação. São Carlos (SP), 2003.Tese (Doutorado) - Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Produção, Universidade Federal de São Carlos.

SOUZA, Z. J.; AZEVEDO, P. F. Geração de energia elétrica excedente no setor sucroalcooleiro: um estudo a partir de usinas paulistas. Artigo enviado para aprovação à Revista de Economia e Sociologia Rural, junho de 2004.

TEECE, D. J. Managing Intellectual Capital: Organizational, Strategic, and Policy Dimensions Oxford: Oxford University Press, 2002, 300 p.

TOLMASQUIM, M. T, SZKLO, A. S, SOARES, J. B. Potential Use For Alternative Energy Sources In Brazil. In: ANNUAL PETROBRAS CONFERENCE, Oxford, Inglaterra, 2002.

VASCONCELLOS, A. Paralelismo de Sistemas Industriais Autogeradores e Rede Pública: Aspectos Técnicos da Integração dos Sistemas e Perspectivas Futuras. Disponível em: <http://www.figener.com.br>. Acesso em 21 out. 2003.

WILLIAMSON, O. E. The Mechanism of Governance. Oxford: University Press, 1996.

 

 

1 De acordo com VASCONCELLOS (2003), a princípio, a geração própria pode operar isoladamente da rede pública. Na prática, considerações econômicas e de confiabilidade favorecem a operação em paralelo, num sistema denominado justamente de paralelismo.
2 De acordo com o entrevistado, caso a empresa necessitasse dobrar a capacidade instalada, demoraria cerca de um ano. Ademais, os investimentos são sempre implementados na entressafra, quando as necessidades energéticas são mínimas.
3 Assumindo consumo médio de 170 kWh/mês e cinco habitantes por unidade consumidora.
4 Também adquire bagaço de uma outra unidade, pertencente ao mesmo grupo econômico, distante cerca de 70 km do local.
5 De acordo com a ANEEL (2003), há em curso um processo de revisão da estrutura tarifária que objetiva:"i) a "abertura" da tarifa de fornecimento de energia elétrica, de forma a explicitar as parcelas que a compõem (energia e uso dos sistemas de transmissão e distribuição), e ii) o realinhamento tarifário com vistas à eliminação gradual dos subsídios cruzados existentes entre as classes consumidoras."
6 Informação do MME (2003), constante do "Documento de Consulta Pública MME - julho de 2003 - Valor Econômico da Tecnologia Específica da Fonte".
7 Essa análise preliminar é relevante para o delineamento de políticas públicas, identificando, a princípio, não ser fundamental a estratificação da política setorial governamental no tratamento da questão de incentivos diretos à comercialização.
8 O dobro do previsto para a 1ª fase do programa (3.300 MW por tipo de fonte), conduzindo a critérios de seleção que levarão em conta a cota por estado, por tipo de produtor e pela antiguidade da licença.
9 Embora a regulamentação do Proinfa prevê que eventuais benefícios financeiros provenientes do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) sejam considerados receitas a abater dos custos totais do Programa (Decreto 5.025/2004).
10 O problema de hold up ,ocorre, segundo BESANKO, DRANOVE & SHANLEY (2000), quando uma parte na relação contratual pode explorar a vulnerabilidade da contraparte devido à especificidade de ativos envolvida na transação.