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An. 5. Enc. Energ. Meio Rural 2004

 

Estudo de viabilidade de transformação de esterqueiras e bioesterqueiras para dejetos de suínos em biodigestores rurais visando o aproveitamento do biofertilizante e do biogás

 

 

Tiago Juruá Damo RanziI; Marcio Antonio Nogueira AndradeII

IBiólogo, Caipora - Cooperativa para Conservação da Natureza, Florianópolis - SC. tiagoranzi@hotmail.com
IIDr. Eng. Civil, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis - SC

 

 


RESUMO

A poluição do ar, do solo e principalmente dos recursos hídricos, causados pela atividade da suinocultura são um entrave para a expansão do setor. A preocupação com o tratamento e destino correto dos dejetos é cada vez maior, pois a conservação ambiental é uma exigência crescente, tanto por parte dos órgãos ambientais quanto do mercado consumidor, que está dando preferência, cada vez mais, aos insumos produzidos sem a agressão do meio ambiente. A importância sócio-econômica que possui a suinocultura exige preocupações com a manutenção dos produtores e que estes se adeqüem às exigências da nova ordem sócio-ambiental. A tecnologia dos biodigestores é uma alternativa que poderá auxiliar na sustentabilidade do setor da suinocultura. Para isto, propôs-se a transformação de esterqueiras e bioesterqueiras, para 100 suínos em terminação, em biodigestores rurais. Para a transformação destas estruturas, foram propostas modificações, tais como, construção de um selo hídrico, adaptação de uma campânula de lona, modificação das tubulações de entrada e saída da câmara de digestão, lastros para a manutenção de pressão constante e rede para a sustentação do gasômetro. No caso da esterqueira, também houve a construção de uma parede para delimitar a câmara de digestão do biodigestor e outra para dividir a câmara de digestão. O cálculo da viabilidade econômica destas estruturas baseou-se no equivalente energético do biogás em relação ao GLP. Na transformação da esterqueira e da bioesterqueira, obtém-se diariamente o equivalente energético de meio botijão de gás de cozinha. Com isso, baseado em preços dos materiais necessários para a transformação e no preço de um botijão de gás, verificou-se que para a esterqueira e bioesterqueira, o retorno do investimento seria atingido em aproximadamente 2,5 e 3 meses, respectivamente, através do uso do biogás. Com isso, conclui-se que é viável técnica e economicamente a transformação de esterqueiras e bioesterqueiras em biodigestores rurais.


ABSTRACT

The pollution of the air, the soil and mainly the hydric resources, caused by activity of the swine culture is an impediment for the expansion of the sector. The concern with the treatment and correct destination of the dejections is greater each day. Therefore the conservation of the environment is an increasing requirement from part of the environmental agencies and also from consuming market, that is giving preference, more each time, to the products produced without the aggression of the environment. The social-economic importance that the swine culture possesses demands concerns with the maintenance of the producers and that they adequate their culture to the requirements of the new social-environmental order. The technology of the biodigestors is an alternative that can assist the sustainability of the swine culture sector. In this work, it was considered the transformation of manure storage tanks and bio-manure storage tanks, for 100 swines in termination, into rural biodigestors. For the transformation of these structures, modifications were proposed, such as, construction of a hydric stamp, adaptation of a PVC membrane cupule, modification of the entrance and exit tubes of the digestion chamber, weights for the maintenance of a constant pressure and net for the sustentation of the gas chamber. In the case of the manure storage tanks, also was needed the construction of a wall to delimit the biodigestor digestion chamber and other to divide this digestion chamber. The calculation of the economic viability of these structures was based on the energy equivalent of biogás in relation to the LPG. In the transformation of the manure storage tanks and bio-manure storage tanks, the equivalent energy of half bottle of kitchen gas is produced daily. This way, based in prices of the materials needed for the transformation and in the price of a bottle of gas, it was verified that for the manure storage tanks and bio-manure storage tanks, the return of the investment would be reached in approximately 2,5 and 3 months, respectively, through the use of biogás. With this, it´s concluded that the transformation of manure storage tanks and bio-manure storage tanks in rural biodigestors is viable, technical and economically.


 

 

1 Introdução

Os biodigestores são reatores anaeróbios, alimentados com biomassa, que através da digestão anaeróbia degradam a matéria orgânica, tendo como produtos o lodo digerido ou biofertilizante, e o biogás, o qual tem como principais componentes, o metano e o gás carbônico.

Esterqueiras e bioesterqueiras são sistemas de armazenamento, comumente utilizados para o manejo de dejetos animais. Por meio da digestão anaeróbia promovem a redução da carga orgânica, diminuindo o potencial poluidor desses dejetos, permitindo assim, o uso direto em lavouras como adubo, após o seu curtimento. Contudo as esterqueiras e bioesterqueiras não promovem uma eficiente estabilização dos resíduos e desperdiçam o biogás produzido durante a decomposição dos dejetos, pois não possuem estruturas que possibilitam a coleta deste gás.

O estudo em questão foi desenvolvido tendo em vista o potencial suinícola brasileiro, e em especial, o do estado de Santa Catarina, onde a maioria das propriedades possui alguma forma de armazenamento desses dejetos, porém não utilizam a energia gerada pelos mesmos e onde os níveis de poluição ambiental são alarmantes.

 

2 A Importância da Suinocultura

A suinocultura possui uma grande importância no cenário agropecuário brasileiro, correspondendo a aproximadamente 1,0% do PIB, sendo o sexto maior produtor mundial de carne suína e possuindo o terceiro maior rebanho do mundo. (IBGE, 1995/1996). No Brasil, a suinocultura está presente em 46,5% das 5,8 milhões de propriedades existentes no país. Estima-se que atualmente 733 mil pessoas dependam diretamente da cadeia produtiva da suinocultura brasileira, sendo responsável pela renda de 2,7 milhões de brasileiros (ROPPA, 1999 apud TAKITANE & SOUZA, 1999).

Com aproximadamente 4,5 milhões de cabeças, o rebanho suinícola catarinense representa aproximadamente 13,2% do rebanho nacional (EPAGRI, 2002) em apenas 1,11% do território brasileiro (SANTA CATARINA, 1991), distribuído em aproximadamente 21.000 pequenas, 3.500 médias e 500 grandes propriedades (BELLI FILHO, 2001). O setor da suinocultura possui uma importância considerável, tendo em vista que, gera mais de 150 mil empregos entre produção, industrialização e comercialização, sendo uma das maiores fontes de impostos do Estado (GUIVANT, 1997).

Além da importância econômica, existe a importância social envolvendo a suinocultura, constituindo-se em um importante meio de fixação do homem no campo, pois emprega mão-de-obra familiar e é praticado, em sua maioria, em pequenas propriedades, gerando renda, reduzindo o êxodo rural e os problemas advindos desta questão. Segundo o INSTITUTO CEPA (2002), a agricultura familiar é responsável por 80% da produção de suínos do estado de Santa Catarina. Apesar da importância sócio-econômica, o setor da suinocultura caracteriza-se pela alta produção de dejetos que causam sérios danos ambientais pelo lançamento inadequado de dejetos no solo e na água.

 

3 Problemática Ambiental

A região Sul, aloja mais de 49% do rebanho suíno em apenas 6,8% do território nacional e se caracteriza por uma exploração em regime de pequenas propriedades familiares, com escassez e restrição de áreas para agricultura mecanizada e para a disposição de dejetos (PERDOMO, 2002). Portanto, o modelo adotado por esta atividade na região Sul é insustentável devido às dificuldades encontradas com a manutenção do padrão atual de criação.

No estado de Santa Catarina, são produzidos anualmente 13 milhões de toneladas de dejetos líquidos, segundo EPAGRI (2002), que são comumente manejados através do armazenamento em esterqueiras e bioesterqueiras para posterior uso na lavoura. Segundo EMBRAPA (2002), estima-se que quase a totalidade das propriedades em Santa Catarina já possuem alguma forma de armazenamento. Porém estes sistemas de armazenamento e distribuição são mal operados e dimensionados, não atendendo às exigências legais, podendo causar danos ambientais. Como controle da poluição, esses sistemas não são efetivos, pois o armazenamento não significa o tratamento dos dejetos.

O lançamento direto de dejetos frescos em cursos d'água permite um aumento da população bacteriana e de algas provocando a eutrofização, a diminuição do oxigênio dissolvido na água e a mortandade de peixes, além de impossibilitar o uso da água para diversos fins. Com a morte de peixes, a proliferação de borrachudos se dá mais rapidamente pela ausência de seus maiores predadores. Um outro problema encontrado nas propriedades que desenvolvem a suinocultura é o aumento excessivo de moscas devido à falta de cuidado com o esterco úmido, proporcionando um ambiente ideal para o desenvolvimento das larvas. As moscas são responsáveis por transmitirem os agentes veiculadores da diarréia, da cólera, da meningite e da doença de Aujesky, além de causarem estresse ao produtor e aos animais devido ao incômodo causado pela sua presença.

Um grande número de microorganismos, como bactérias, vírus, protozoários e ovos de helmintos, presentes no trato digestivo dos animais, são geralmente encontrados nos efluentes da suinocultura, onde muitos deles são potenciais causadores de doenças tanto para o homem quanto para outros suínos.

O nitrogênio presente nos dejetos de suínos também é uma preocupação pois a lixiviação de nitratos na forma inorgânica, após a aplicação de dejetos no solo, provoca a poluição da água e a eliminação da amônia (NH3) na forma gasosa, causa a poluição do ar. Segundo TAIGANIDES (1996) apud CAZARRÉ (2001), os nitratos, em concentrações acima de 45 e 10 mg/l na água, constituem risco para a saúde dos humanos e dos suínos, respectivamente.

A poluição do ar também se dá através da produção de gás carbônico (CO2) e metano (CH4), resultantes do processo de digestão anaeróbia. O primeiro já é conhecido pelas repercussões mundiais devido aos problemas causados pela sua excessiva emissão e contribuição ao efeito estufa, sendo inclusive motivo de tratado entre diversos países, com o objetivo de reduzir sua emissão. O metano possui um potencial de aquecimento global (GWP) 21 vezes maior do que o CO2, como se observa na Tabela 1, que apresenta os principais gases do efeito estufa, tempo de vida, GWP e a atual contribuição de cada gás para o efeito estufa.

 

 

Com isso, e com base na Tabela 2, observa-se que quase 100% dos gases presentes na composição do biogás, são gases de contribuição para o efeito estufa, sendo esta mais uma preocupação para o setor da suinocultura.

 

 

4 Sistemas de Armazenamento de Dejetos de Suínos

A seguir apresenta-se uma breve descrição das estruturas comumente utilizadas para disposição e armazenamento de dejetos de suínos, onde os mesmos são maturados por meio da digestão anaeróbia, para o seu posterior uso como adubo.

4.1 Esterqueiras

São estruturas simples, semelhantes a um grande tanque, com apenas uma câmara, onde os dejetos são armazenados e que segundo DARTORA et al. (1998), deve possuir um tempo de retenção mínimo de 120 dias. Geralmente o abastecimento da esterqueira é diário e quando o esterco está maturado, é utilizado como adubo orgânico para o enriquecimento do solo.

4.2 Bioesterqueiras

A bioesterqueira é uma tecnologia que foi adaptada pelo Serviço de Extensão Rural de Santa Catarina - ACARESC, atual EPAGRI, no ano de 1989, tendo como base o biodigestor indiano. O que a difere do biodigestor é basicamente a não existência da campânula para coleta do biogás produzido durante a biodigestão.

A sua estrutura consiste num tanque com dois compartimentos, sendo o primeiro a câmara de digestão, a qual possui uma parede divisória. O outro compartimento é o depósito do chamado biofertilizante, proveniente da digestão anaeróbia.

 

Figura 1

 

A câmara de digestão possui um tempo de detenção teórico de 45 dias e o depósito de fertilizante, entre 90 e 120 dias, totalizando de 135 a 165 dias de tempo de detenção teórico. Assim, o tempo de retenção do dejeto é maior do que na esterqueira, melhorando assim a eficiência do curtimento do dejeto.

4.3 Biodigestores Rurais

Os biodiogestores rurais são reatores anaeróbios, alimentados com biomassa e que têm como produtos o biofertilizante e o biogás. Sua estrutura constitui-se de uma câmara de digestão e um gasômetro. A câmara de digestão é onde acontece degradação da matéria orgânica, possuindo uma parede divisória, que favorece a hidrodinâmica e a eficiência do processo. O gasômetro se encontra sobre a câmara de digestão e é onde o biogás é retido para o seu posterior uso.

Dependendo do material que vai ser introduzido no biodigestor, é necessária uma adição de água para permitir a fluidez e a escoamento do material dentro do biodigestor, bem como um maior contato das bactérias com o substrato.

4.3.1 Biofertilizante

Após a estabilização da biomassa introduzida no biodigestor, tem-se um efluente maturado, o biofertilizante, considerado um ótimo adubo agrícola devido às suas características químicas, físicas e biológicas, podendo substituir o adubo químico. Desta forma, por estar curado, pode ser aplicado diretamente na lavoura.

4.3.2 Biogás

Um dos produtos resultantes do processo que ocorre dentro do biodigestor é o chamado biogás. Também chamado de gobar gás ou gás dos pântanos, o biogás é uma mistura de gases, com predominância de metano (CH4) e gás carbônico (CO2). Também fazem parte dessa mistura o nitrogênio, o oxigênio, o hidrogênio e o gás sulfídrico (H2S). O sulfeto de hidrogênio (H2S), como também é chamado, é o gás que dá o odor pútrido característico do biogás.

A composição do biogás varia principalmente conforme a temperatura no interior do biodigestor, o resíduo com que é alimentado e o tempo de retenção hidráulica. Autores possuem divergências quanto à porcentagem de cada gás na composição final do biogás. Conforme valores apresentados por TEIXEIRA (1985), que reuniu dados de vários autores sobre a composição do biogás, mostra-se na Tabela 2 a composição do biogás com valores máximos e mínimos de porcentagem dos gases apresentados por TEIXEIRA (1985).

O metano, que é o gás predominante na composição do biogás, é inodoro, insípido e incolor. Devido à presença do metano, o biogás é um gás inflamável, com valores caloríficos que variam conforme a porcentagem de metano. Com isso, é possível a utilização do biogás como substituto de muitos combustíveis.

O biogás pode ser usado em fogões, geladeiras, aquecedores, lampiões, ferros de passar roupa, refrigeradores, motores e geradores dentre muitos outros equipamentos que podem ser adaptados para funcionar com o biogás. Para o uso do biogás em motores e outros equipamentos, recomenda-se a retirada do H2S, que é corrosivo.

 

5 Dimensionamento de Esterqueiras e Bioesterqueiras

Para exemplificar e permitir a transformação de esterqueiras e bioesterqueiras em biodigestores rurais, supôs-se e adotou-se uma granja de terminação com 100 suínos, sendo que as esterqueiras e bioesterqueiras dimensionadas não foram baseadas em estruturas já existentes e sim com base em dimensionamentos de projetos, segundo OLIVEIRA (1993), DARTORA et al. (1998) e DIESEL et al. (2002). Para tanto, se utilizam as seguintes informações para o projeto.

Com isso, as da esterqueira e da bioesterqueira utilizadas como base para o trabalho e dimensionadas conforme a literatura, estão representadas a seguir nas figuras 2 e 3.

 

 

6 Transformação da Esterqueira e Bioesterqueira em Biodigestor Rural

Esterqueiras e bioesterqueiras possuem estruturas que com algumas modificações podem ser transformadas em biodigestores rurais. Nas modificações propostas para as esterqueiras e bioesterqueiras, visou-se a utilização de materiais de baixo custo, tendo em vista um menor tempo de retorno do investimento para o suinocultor, e algumas melhorias nas instalações, procurando facilitar o manejo do biodigestor e o uso do biogás. Para estas transformações, adotou-se neste trabalho, o biodigestor modelo balão com a utilização de lonas de PVC flexível.

Para a transformação da esterqueira, propôs-se a divisão da câmara de armazenamento em dois compartimentos de igual tamanho. O primeiro será a câmara de digestão e o segundo o tanque de armazenamento do biofertilizante. A câmara de digestão terá tempo de detenção de 45 dias e será dotada de uma parede divisória e de duas tubulações de cano de PVC, uma de entrada e outra de saída. Outro dispositivo importante utilizado nesta transformação foi uma calha que funciona como selo hídrico contornando a câmara de digestão, possibilitando a contenção do gás. Aproveitando este selo hídrico propôs-se a regularização da pressão do gás com a colocação de lastro sobre a lona plástica. Este lastro foi calculado para manter a pressão da câmara de gás constante com 15 c.c.a. (centímetros de coluna de água). Também é proposta a colocação de uma rede de corda de nylon a qual será amarrada em ganchos fixados na cinta superior da câmara de digestão que servirá como anteparo para segurar a lona de PVC flexível evitando que esta caia sobre os dejetos.

Na transformação da bioesterqueira em biodigestor foram propostos procedimentos semelhantes aos utilizados na transformação da esterqueira com relação à colocação da manta com lastro e do selo hídrico. Os dispositivos de entrada e saída já existentes na bioesterqueira serão demolidos e serão colocadas tubulações como as propostas para a transformação da esterqueira em biodigestor. No caso da bioesterqueira a transformação é facilitada por já existirem as paredes do tanque de armazenamento do biofertilizante e a divisória da câmara de digestão.

Assim, a esterqueira e a bioesterqueira com as modificações propostas estão ilustradas nas figuras 4 e 5 respectivamente.

 

7 Custo e Análise Comparativa de Custos das Transformações Propostas

O orçamento das transformações foi baseado nos materiais e mão-de-obra necessários para as modificações propostas em cada transformação e nos preços médios do mercado de Florianópolis, SC no mês de fevereiro de 2003. O orçamento para a transformação da esterqueira totalizou R$ 1.317,20 enquanto que o da bioesterqueira foi de R$ 1.141,80. Sendo o pneu usado, um passivo ambiental, neste trabalho não foi considerado custo na sua aquisição.

Os custos destas transformações podem ser convertidos em botijões de 13 Kg de GLP. Assim o custo da transformação da esterqueira e da bioesterqueira em biodigestores serão respectivamente equivalentes a 44 e 38 botijões de 13 Kg de GLP.

Sabe-se que em média 1 m3 de biogás corresponde a 0,44 kg de GLP. Portanto, 30 m3 de biogás equivalem a aproximadamente um botijão de 13 kg de GLP.

Partindo-se das produções diárias de biogás de ambas as estruturas transformadas, que é de 14,49 m3, em um mês será produzido um volume de gás equivalente à aproximadamente 14,5 botijões de GLP. Tendo como referência o preço médio de R$ 30,00 do botijão de gás de cozinha, preço obtido no mês de fevereiro de 2003, em Florianópolis - SC, têm-se uma economia mensal de gás em torno de R$ 435,00. Sendo assim, o produtor que possuir uma esterqueira e desejar transformá-la em um biodigestor, terá um tempo de retorno do seu investimento em aproximadamente 3 meses, não considerando neste caso o custo com juros e correção. Já no caso da bioesterqueira, o tempo de retorno deste investimento será em torno de 2,5 meses.

 

8 Viabilidade Técnica

A transformação de esterqueiras e bioesterqueiras em biodigestores rurais se apresenta como tecnicamente viável, já que as modificações propostas são de fácil execução, utilizam matérias disponíveis no mercado e podem ser realizadas pelo próprio produtor quando bem orientado pelo extensionista rural.

A escolha do biodigestor balão foi baseada principalmente na dificuldade de se construir os gasômetros convencionais dos modelos chinês e indiano. No biodigestor chinês, devido à forma de construção de sua cúpula e às dimensões das unidades transformadas, e no modelo indiano, por seu gasômetro ser de difícil transporte, além do alto custo de material para a sua construção.

A proposta de transformação da esterqueira mostrou-se mais onerosa, pois é necessária a construção de uma parede de alvenaria e uma divisória de madeira, as quais já existem no caso da bioesterqueira.

A construção da parede divisória é conveniente para melhorar o comportamento hidrodinâmico do reator, ou seja, diminuir a ocorrência de curtos circuitos e de zonas mortas, favorecendo o processo de digestão dos dejetos. Com isso aumenta-se o tempo de detenção real do biodigestor, fazendo com que a digestão anaeróbia seja favorecida, o que resulta em um efluente mais maturado e em uma maior produção de biogás.

Na proposta de transformação da bioesterqueira optou-se pela demolição das calhas de entrada e de saída da câmara de digestão, para possibilitar a colocação das tubulações de entrada e saída que são mais apropriadas para os biodigestores por facilitarem a instalação do selo hídrico e permitirem um melhor direcionamento do escoamento na câmara de digestão. A tubulação de saída, tanto na transformação da esterqueira quanto da bioesterqueira, possui também a função de determinar o nível dos dejetos no interior da câmara de digestão.

O gasômetro foi projetado adotando-se a capacidade de armazenamento de 60% da produção diária de biogás, pois não há necessidade do gasômetro acumular todo o gás produzido diariamente. Deve possuir capacidade para armazenar gás suficiente para absorver os picos de consumo diários. No cálculo do gasômetro deve-se observar que haverá consumo de gás durante as atividades diárias e que o gás continua sendo produzido independente das horas em que é consumido.

Como as propostas de transformação apresentadas são de execução de biodigestores balão com pressão de gás regularizada, constante, com o auxílio de um selo hídrico, faz-se necessária a colocação de um lastro, que exerça uma força sobre a área superficial do líquido a ser deslocado (dejetos e água do selo hídrico), resultando em uma pressão constante. Esta pressão deve ser igual à pressão de utilização dos equipamentos a biogás, acrescida das perdas de carga resultantes do escoamento do gás.

Para a fixação da lona ao selo hídrico, optou-se pelo uso de ganchos, pela simplicidade de execução e manutenção, quando da retirada para limpeza e manutenção do biodigestor.

Para a escolha do material a ser utilizado como lastro, pensou-se em materiais que fossem econômicos e que possuíssem composição semelhante à do material da lona, o que diminuiria a possibilidade de causar danos à lona devido ao atrito entre materiais diferentes, o que poderia comprometer a estrutura do gasômetro.

O pneu usado foi proposto por ser de fácil obtenção, ser produzido com material semelhante ao da lona e não adicionar custos para a transformação. Também contribui para minimizar o problema ambiental com a destinação final dos pneus gerados pela grande frota de veículos do nosso país, os quais geram um expressivo passivo ambiental. Porém, é necessário cuidado na escolha do pneu, para que este não apresente fios de aço expostos, que possam provocar danos à superfície da lona.

Estes pneus serão justapostos e amarrados com cordas, de modo a formar uma rede. Como a área da lona é diferente para cada transformação, a conformação dos pneus sobre a lona também é diferente. Na transformação da esterqueira, a rede é composta por uma pilha de 36 pneus, dispostos em 4 linhas e 6 colunas de pneus, sendo as duas linhas centrais, duplas. Já na transformação da bioesterqueira são necessários 32 pneus dispostos em 3 linhas e 8 colunas sendo que sobre a linha central são colocados os 8 pneus restantes.

Para assegurar que esta rede de lastros não se desloque na superfície da lona, podendo danificar as paredes da calha do selo hídrico, é proposta a colocação de cordas laterais, amarradas à cinta superior de concreto das estruturas a serem transformadas. Também é tomado o cuidado de se utilizar uma área útil de colocação de pneus que impeça que estes encostem na estrutura desta calha.

Geralmente utiliza-se uma pressão de gás, constante, de 14 a 18 c.c.a. Para que se consiga a pressão escolhida de 15 c.c.a., optou-se por encher os pneus com uma argamassa de solocimento misturado com pedras de mão e brita nº 1 de acordo que se obtenha um peso específico em torno de 2.200 Kg/m3.

 

9 Viabilidade Econômica

Com os valores apresentados na análise de viabilidade apresentada no item 7, verifica-se que a transformação tanto da esterqueira como da bioesterqueira, em biodigestores rurais, apresenta-se viável para o produtor e possibilita uma sustentabilidade energética, dependendo da demanda de energia da unidade produtiva rural, ou seja, que este biogás possa viabilizar a agregação de valor aos produtos agrícolas.

O valor do biofertilizante não foi considerado neste cálculo da viabilidade econômica pois, o produtor que possua esterqueira ou bioesterqueira, já utiliza este recurso, mesmo sem a transformação proposta. Portanto, considera-se aqui apenas o ganho referente à utilização do biogás que poderá ser utilizado para diversos fins e o seu aproveitamento dependerá da imaginação do produtor.

Segundo informações de consumo e produção de biogás fornecidas por diversos autores, estima-se que o gás produzido diariamente nestes biodigestores possa ser utilizado diariamente para: alimentação de uma geladeira de 240 L, cocção para cinco pessoas, funcionamento de 5 lampiões durante quatro horas e alimentação de 1 motor de 5,5 HP durante duas horas e meia. O motor poderia ter várias funções, tais como, servir para o bombeamento de água para irrigação da lavoura e geração de energia.

 

10 Considerações Sobre as Transformações

Segundo BLEY JR. (2002), um problema muito comum envolvendo os sistemas de armazenamento é a existência de projetos subdimensionados, que não são capazes de suportar o volume de dejetos produzidos, provocando vazamentos e contaminação do meio ambiente. Mesmo em projetos corretamente dimensionados, existe a questão das águas pluviais, que devido ao desnível do terreno e da localização dos sistemas, podem aumentar o volume dos dejetos e provocar vazamento e conseqüente poluição do meio ambiente.

No caso das transformações destas estruturas em biodigestores rurais como foi proposto, não haverá aumento do volume de dejetos líquidos pela água da chuva, uma vez que as estruturas são cobertas, o que impede a entrada de águas pluviais.

Outro ponto importante no uso dos biodigestores é que estes promovem uma melhor digestão dos dejetos do que quando estes são armazenados em esterqueiras ou bioesterqueiras, tendo como um dos motivos a cobertura hermética da câmara de digestão do biodigestor. Assim, tanto a esterqueira quanto a bioesterqueira necessitam de tempos de detenção maiores que os utilizados em biodigestores.

Tendo em vista a preocupação ambiental com os dejetos de suínos, é necessária uma atenção especial à poluição do ar, pois estes sistemas simplificados, esterqueiras e bioesterqueiras, não promovem a captação dos gases para que possam ser utilizados com finalidades energéticas. A composição do biogás é em sua maioria, de gases contribuintes para o efeito estufa, como mostrado na Tabela 1. Os biodigestores permitem a captação deste gás, impedindo que ele seja liberado na atmosfera, ou seja, contribuindo para a diminuição da poluição atmosférica e da liberação de gases com comprovado potencial de aquecimento global.

O maior problema para a adequação das propriedades existentes às exigências da legislação é que as ações para a redução do poder poluente dos dejetos suínos a níveis aceitáveis, requerem investimentos significativos, normalmente acima da capacidade de pagamento do produtor e, muitas vezes, sem garantias de atendimento das exigências da legislação ambiental.

A tecnologia dos biodigestores vem como uma alternativa simplificada, podendo contribuir para a sustentabilidade da atividade da suinocultura. A sustentabilidade ambiental pode ser alcançada através da promoção do saneamento rural, prevenindo a poluição do ar e conservando os recursos hídricos, os quais são finitos, vulneráveis e essenciais para a manutenção da vida em nosso planeta. A sustentabilidade energética é possibilitada através do uso do biogás, que permite substituir combustíveis fósseis. A sustentabilidade econômica pode ser atingida através do fechamento de um ciclo, produtivo e ambientalmente correto, alem de possibilitar a agregação de valor aos produtos agrícolas, com a ajuda de equipamentos movidos à biogás.

Este trabalho dedica-se à transformação das unidades, visando-se principalmente o pequeno produtor, que apesar de já ter realizado despesas com a construção e manutenção das estruturas de armazenagem de dejetos existentes em suas propriedades, não tem um retorno adequado através do uso do biofertilizante e desperdiça o potencial energético do biogás. Os biodigestores podem ser uma alternativa simples, relativamente barata e viável ao pequeno produtor, tendo em vista o baixíssimo tempo de retorno e o ganho energético com o uso do biogás.

 

11 - Conclusões e Considerações Finais

Para a manutenção do setor da suinocultura, principalmente no estado de Santa Catarina, faz-se necessária uma política abrangente de apoio à sustentabilidade ambiental, energética e econômica da suinocultura. Quanto mais dependente das agroindústrias, maior será a vulnerabilidade do suinocultor, que está sujeito às variações do mercado e às implicações impostas pela agroindústria.

Também se faz necessário possibilitar a adequação ambiental do suinocultor, de acordo com as normas ambientais e viabilizar a manutenção do mesmo dentro da atividade. Se isto não acontecer, poderá haver o êxodo rural destes produtores, com todas as suas conseqüências.

A mentalidade de uso da água no manejo dos dejetos de suínos deve ser revista, objetivando um uso racional da mesma

Conclui-se, que a tecnologia dos biodigestores pode contribuir para criar possibilidades de permanência de trabalhadores no meio rural, propiciando o bem estar, a saúde e a satisfação de pequenas comunidades rurais, contribuindo ainda para tornar os produtores rurais auto-sustentáveis energeticamente e cumprindo as exigências legais com relação ao meio ambiente. Entretanto, são necessários trabalhos e programas que apóiem e auxiliem na propagação desta tecnologia, em face aos benefícios advindos da mesma.

Portanto, propõe-se a transformação de esterqueiras e bioesterqueiras em biodigestores rurais, por apresentarem viabilidade técnica e econômica, e poderem contribuir para tornar um problema em um benefício. Assim a utilização do grande potencial energético dos dejetos de suínos contribuirá decisivamente para a sustentabilidade do setor da suinocultura.

Recomenda-se para tanto a necessidade da validação deste trabalho em campo, conforme proposto.

 

12 - Referências

ANDRADE, M. A. N. et al. Biodigestores rurais no contexto da atual crise de energia elétrica brasileira e na perspectiva da sustentabilidade ambiental. Anais do 4º Encontro de energia no meio rural. Campinas, 2002.

BELLI FILHO, P. et al. Tecnologias para o Tratamento de Dejetos de Suínos. Revista Brasileira de Engenharia Agrícola e Ambiental, Campina Grande, v.5, n.1, p.166-170, 2001.

BLEY JR., C. J. Suinocultura Intensiva e a Qualidade das Águas. Florianópolis, ECOURBS 2002. 09/12/2002 (exposição em mesa redonda).

CAZARRÉ, M. M. Otimização de lagoas anaeróbias para o tratamento de dejetos de suínos. 2001. 98f. Dissertação (Mestrado em Engenharia Sanitária e Ambiental) - Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis.

CHRISTMANN, Airto. In. SANTA CATARINA. Secretaria de Estado da Agricultura e Abastecimento. Manual de uso, manejo e conservação do solo e da água: projeto de recuperação, conservação e manejo dos recursos naturais em microbacias hidrográficas. 2ª ed. Florianópolis: EPAGRI, 1994.

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