An. 5. Enc. Energ. Meio Rural 2004
O papel do estado na universalização dos serviços de energia para comunidades isoladas
Maria Julita Guerra FerreiraI; Adnei Melges de AndradeII
ISecretaria de Estado de Energia, Recursos Hídricos e Saneamento - SERHS.Rua Bela Cintra, 847, 11º andar, CEP - 01410-000, São Paulo, SP Fax: 11 3258-6700; email: mjulita@sp.gov.br
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RESUMO
O presente trabalho é dedicado à discussão de questões inerentes ao atendimento energético de comunidades isoladas dentro da atual Política de Universalização do acesso e uso da energia, através do Programa "Luz para Todos". Apresenta ainda a adequação da proposta apresentada no Agrener-2002 (FERREIRA e ANDRADE, 2002) às novas diretrizes do setor elétrico para projetos de eletrificação rural.
Palavras chaves: Políticas Públicas; comunidades Isoladas; universalização dos serviços de energia; Planejamento Integrado de Recursos.
ABSTRACT
This work is dedicated to the discussion of inherent questions to the energy supply to isolated communities in the frame of the current Policy of extension of modern energy options to all citizens (the access and the use of the energy), through the Program " Luz para Todos ". It still presents the adequacy of the proposal presented at the Agrener-2002 (FERREIRA & ANDRADE, 2002) to the new guidelines of the Brazilian electric sector for electrification on rural communities.
INTRODUÇÃO
A integração das populações que habitam regiões isoladas aos serviços de energia é uma das questões principais a serem enfrentadas pelo setor energético brasileiro nesse início do século XXI. A reflexão sobre o papel do Estado nesse contexto é de fundamental importância, porque dela decorrem as definições de responsabilidades que devem estar presentes nas Políticas Públicas a serem implementadas e os limites de atuação das instituições envolvidas nas ações decorrentes.
No momento atual, em que o mundo todo renova a sua atenção para a questão das desigualdades sociais e em que está sendo redefinido o modelo do setor elétrico nacional, essa reflexão ganha importância estratégica: trata-se da implantação das bases de um "contrato social" que irá estruturar as ações para os próximos anos com a conseqüente implantação de dinâmicas de relações intersetoriais, da redefinição da rede de apoio social, da qual dependem fortemente as camadas mais necessitadas da população e, especialmente, do destino do investimento nacional dirigido às populações de baixa renda, característica dos moradores dessas áreas isoladas.
Apesar de se verificar a existência de um consenso sobre a importância do Estado nessas questões por parte dos diferentes atores envolvidos, observa-se que os atuais Programas Sociais da área de energia, embora tenham se esforçado em explicitar claramente o que se espera dos diversos atores nesses programas, desconsideram as estruturas organizacionais pré-existentes que os capacitem a atuar conjuntamente no desenvolvimento das ações propostas e, além disso, a ausência de uma reflexão conjunta leva cada um dos atores envolvidos a ter uma expectativa sobre quais são as responsabilidades próprias e do Estado que nem sempre são convergentes. Essa desconsideração pode acarretar no desencadeamento de ações que, negando as premissas programáticas, distanciam-se do objetivo de levar a energia a todos os cidadãos.
RELAÇÃO DE PROGRAMAS FEDERAIS COM AS ADMINISTRAÇÕES ESTADUAIS
Uma das características marcantes dos projetos sociais está relacionada com a sua duração. De forma geral, projetos cujo público-alvo são comunidades carentes têm um tempo de maturação bastante longo. Isso se deve à necessidade de se conquistar a confiança de populações já bastante descrentes de suas possibilidades de ascensão social e de fazer valer seus direitos frente ao restante da sociedade. Em muitos casos, é preciso iniciar pela explicitação desses direitos e demais conceitos de cidadania. A necessidade de longos períodos de trabalho em que muitas vezes as metas principais não são atingidas, também modela o perfil dos implementadores diretos, o pessoal de campo desses projetos, requerendo pessoas extremamente dedicadas, capazes de empenhar-se em situações adversas, diferentes das que caracterizam seus estratos sociais de origem.
Como nas demais áreas administrativas, também a eletrificação rural, seja através da rede convencional ou através do uso de fontes renováveis, já vem sendo embrionariamente desenvolvida nas diferentes regiões do país, e em maior ou menor grau, por estruturas ligadas às administrações estaduais. Porém, em um cenário anterior onde o Estado vinha exercendo frouxamente as suas responsabilidades junto às populações dessas comunidades, o pouco atendimento que vinha sendo feito apoiava-se numa teia muito delicada de envolvimentos, que apesar de insuficiente, era o caminho para a ruptura do isolamento dessas comunidades (FERREIRA, 2002), mas onde cada um dos participantes zelava pela preservação das competências institucionais de seus parceiros, construindo junto às comunidades isoladas a imagem do Estado e a esperança na melhoria de sua qualidade de vida.
A inserção impositiva de novos atores nessa teia, como no caso do Programa de Revitalização e Capacitação do PRODEEM PRC-PRODEEM a instituição da figura da empresa regional (FURNAS, CHESF, ELETRONORTE e ENERSUL), agora a responsável pela ligação do Ministério de Minas e Energia - MME com as administrações estaduais, embora se baseie na intenção de buscar o necessário controle dos programas sociais do governo federal nos estados, coloca em risco essa teia nas localidades onde existia, desconsiderando programaticamente esse enredamento pré-existente, e transformam as intenções federais em uma intervenção que gera a desarticulação de parcerias locais e o descrédito institucional junto à população, o que pode vir a comprometer o desenvolvimento das ações necessárias.
Ainda sobre essa questão, é importante ressaltar que não se trata de uma pré-disposição negativa em relação à presença das empresas federais. Pelo contrário, examinando o caso particular da atividade de FURNAS no estado de São Paulo, a integração da empresa no cenário do atendimento a comunidades isoladas, de forma orgânica com os demais atores prévios, só enriquece o processo. Mais ainda, demonstrando sensibilidade para o problema, essa empresa vem tentando adequar o papel institucional que lhe foi delegado às especificidades do estado e de sua própria constituição institucional. E exatamente por assim agir, a prática vem expondo àquela empresa aos obstáculos e riscos apontados acima.
Além dos riscos citados, o maior problema que essa inserção Política representa é o desrespeito ao papel constitucional das administrações estaduais, legalmente empossadas, de exercerem as Políticas no campo estadual.
No caso da universalização dos serviços de energia, houve um avanço considerável com o reconhecimento da eletrificação rural como uma questão política e como um Projeto Social, como se observa nas definições do programa "Luz para Todos" (MME, "Luz para Todos", 2004). No entanto, mais importante foi a determinação de Governo assumida desde o primeiro momento da atual gestão, de colocar o atendimento universal de energia como meta básica, fato político da maior relevância. Significa tirar da marginalidade as atividades voltadas às camadas mais carentes da população na esfera de atuação do setor elétrico, e ainda mais admitir a importância de coordenar a Política social da área energética com as demais Políticas de Governo.
Essa compreensão da necessidade de expandir a intervenção energética para uma intervenção mais consistente do Estado junto às comunidades que ainda não dispõem dos serviços de energia já estava presente em programas anteriores, como é o caso do Programa para o Desenvolvimento Energético de Estados e Municípios - PRODEEM, que teve início no início de 19951. No entanto, o grande desafio, que o PRODEEM foi capaz de superar apenas em pequenos aspectos está diretamente ligado a uma compreensão mais ampla do papel do Estado, cuja discussão precisa ser enfrentada, especialmente considerando as diversas modificações pelas quais o Estado brasileiro2 vem passando nos últimos anos, e em especial o setor energético brasileiro.
Esses pontos explicitam na nova administração uma compreensão coerente do papel da administração federal do Estado brasileiro com os problemas a enfrentar, mas simultaneamente, as estruturas de ambos os programas federais citados, no PRC-PRODEEM com a intermediação das "empresas regionais" e no "Luz para Todos", tendo as empresas de distribuição como braços operacionais do Programa. A administração federal peca por desconsiderar a importância do reconhecimento das estruturas locais, fato reconhecido inclusive mundialmente, como se apresenta na Declaração Política do recente encontro internacional sobre energias renováveis, de Bonn (RENEWABLES, 2004), da qual o Brasil é signatário.
COMPATIBILIZAÇÃO DE PROGRAMAS FEDERAIS COM ESTADUAIS
Uma característica marcante e comum a qualquer programa social, seja qual for o setor administrativo ao qual esteja relacionado, é que sua estruturação envolve a compatibilização de interesses de todos os envolvidos. E, não raro, cada parte envolvida encara o problema com contornos bastante diferentes. Como não poderia deixar de ser, partindo de pressupostos diferentes, cada parte define o problema segundo óticas próprias. Para as comunidades, ações que se limitam a ofertar o recurso energético, sem reunir as condições para a manutenção desse recurso e consolidação das melhorias na qualidade de vida que o recurso propicia (SILVA e BERMANN, 1999) são vistas como ações meramente empresariais, corriqueiras e incompletas, na medida em que para outros estratos sociais que já dispõem do recurso energético, além da oferta do recurso também são desenvolvidas ações de qualidade do recurso, com penalização para a interrupção dos serviços. Ou seja, ações de eletrificação rural não são entendidas pelo público - alvo como projetos sociais, mas sim como obrigação da prestadora de serviços. De forma mais global, do ponto de vista das comunidades, ações que se limitam a fornecer o recurso energético não correspondem ao anseio das comunidades envolvidas, cujas carências ultrapassam em muito a carência energética, e alguns dos conflitos verificados em campo são oriundos dessa limitação, como relatado em trabalhos específicos.
Assim, cresce a necessidade de reconhecimento institucional por parte do Governo Federal das estruturas que já desenvolvem ações junto às comunidades isoladas, coordenando ações políticas de diferentes áreas.
A proposta que se apresenta neste trabalho engloba a proposta estrutural apresentada nos congressos Agrener 2000 (FERREIRA, ZILLES e SHALDERS, 2000) e Agrener 2002 (FERREIRA & ANDRADE, 2002), com as atuais estruturas implantadas pelo MME em seus projetos sociais. Baseia-se na preocupação de uma inserção institucional que garanta a continuidade e sustentabilidade das ações voltadas a comunidades isoladas, de forma a que se constituam em reais "projetos sociais".
É fácil constatar que a exclusão dos serviços de energia é uma das formas pela qual se expressa o distanciamento existente entre os diferentes estratos sociais no país inteiro e em outros países. Isto se dá não apenas na zona rural, e expõe as conseqüentes formas diferenciadas de atendimento que o Estado dispensa aos diferentes estratos sociais. A fronteira que delimita o grupo de cidadãos que tem seu direito aos serviços de energia assegurado define também qual é a Nação que os Estados Nacionais tem representado, e com a qual mantém o compromisso em fornecer a infra-estrutura básica por ela requerida.
Portanto, para as comunidades isoladas, ao lado da questão do atendimento energético está a compreensão de direitos e deveres sociais, os princípios básicos de cidadania. No programa de universalização em curso, essa questão traduz-se na dificuldade de efetivar a universalização do uso, uma vez que as metas de universalização do acesso se consolidem. Por ser uma decorrência da capacidade do Programa de promover o "crescimento/ desenvolvimento econômico" das populações atendidas, a solução desse grande desafio está condicionada à construção de estruturas adequadas à erradicação da pobreza e da miséria, além da já prevista transversalidade entre os demais programas sociais do Governo.
Partindo da posição avançada que se alcançou com o entendimento de que o Estado é o ator mais indicado para executar projetos sociais por reunir condições estruturais abrangentes e diferenciadas, e por que sempre terá algum nível de envolvimento legal com o atendimento de demandas sociais, permanece a questão sobre a capacidade real do Estado brasileiro de promover ações voltadas às camadas mais necessitadas da população.
As tentativas da atual gestão em implantar as ações sociais em diversas áreas, e com as dificuldades que vem sendo veiculadas pela imprensa, como no caso do Programa "Fome Zero", fortalecem a argumentação do presente artigo de que o Estado brasileiro ainda não está adequadamente instrumentalizado para a implantação de ações voltadas às comunidades carentes. Nesse caso, o sucesso dos programas sociais está condicionado à criação dessas estruturas.
A proposta apresentada nos trabalhos já mencionados é aproveitar a oportunidade do projeto energético para incentivar a participação da comunidade em estruturas mais abrangentes como os Comitês de Bacia Hidrográfica CBHs. Mais ainda, se o programa de universalização associar suas ações às dos CBHs é possível passar a desenvolver atividades de planejamento energético incorporados aos Planos de Bacia desenvolvidos anualmente pelos CBHs, como forma de ter acesso às demandas regionais. E, utilizando a metodologia do Planejamento Integrado de Recursos - PIR, expandir o atendimento para outros aspectos da infra-estrutura3.
Mais um ponto relevante que a participação das comunidades nos CBHs propicia é a visualização das alternativas energéticas disponíveis na região. Também nesse caso, a discussão com os parceiros regionais é fundamental para escolher a forma de geração de energia a ser adotada na comunidade, dentro da ótica do desenvolvimento sustentável, cujas metas devem ser definidas pelas comunidades.
Em regiões carentes como a região do Vale do Ribeira, onde os recursos disponibilizados tanto pelo Estado quanto pela iniciativa privada responsável por serviços públicos de infra-estrutura são limitados, a otimização dos recursos disponíveis em cada esfera de atuação do Estado e da sociedade civil ganha importância fundamental na medida em que cada unidade de recurso investida na região pode gerar benefícios nos diferentes aspectos da infra-estrutura, e deve ser planejado para atingir a máxima produtividade possível nessa direção.
No caso da exploração de recursos regionais, ou mesmo da otimização das ofertas energéticas convencionais, a participação comunitária e dos representantes da administração pública local é condição necessária para o êxito e deve ser praticada desde as etapas iniciais de planejamento e levantamento de dados. Esses atores que estão reunidos nos CBHs são os maiores conhecedores das condições regionais, seja no que diz respeito à demanda de serviços, seja no que diz respeito aos recursos naturais disponíveis para uso e/ou exploração. Além do mais, trata-se do desenvolvimento da região habitada por esses atores, e os caminhos desse desenvolvimento devem ser definidos localmente em uma primeira e fundamental instância de decisão, no espírito da Constituição de 1988, que implantou os sistemas integrados de recursos hídricos, de meio ambiente, de saúde, de saneamento, entre outros. Além do mais, as ações de planejamento energético, devem estar compatibilizadas com os planos estratégicos das demais áreas (transportes, comunicações, energia no âmbito nacional), e cada vez mais considerar as restrições ambientais e as relativas à preservação dos recursos hídricos.
No caso do estado de São Paulo, para viabilizar o atendimento energético às comunidades não atendidas pela rede convencional de distribuição de energia elétrica, a Secretaria do Estado de Energia - SEE a partir de 1995 concebeu o PACI - Programa de Atendimento a Comunidades Isoladas como um programa extra-oficial. As atividades do PACI, atualmente na Coordenadoria de Energia da Secretaria de Energia, Recursos Hídricos e Saneamento - SERHS, mantém forte ligação com o incentivo ao desenvolvimento do uso de energias renováveis e o envolvimento com as estruturas de Meio Ambiente. Assim, integrando as ações intersetoriais energia/ recursos hídricos e energia/ meio ambiente, o PACI busca inserir suas atuações numa ótica de desenvolvimento sustentável e planejamento integrado de recursos da ação do Estado (SHALDERS NETO, 2003). Foi através dessa atuação que foram sendo conhecidas as demandas das comunidades isoladas e suas importantes especificidades.
Os atendimentos mais freqüentes realizados pelo PACI são em de ilhas, aldeias indígenas, remanescentes de Quilombos, assentamentos rurais provisórios e comunidades de moradores tradicionais em áreas de proteção ambiental. Essas comunidades caracterizam-se por apresentar uma distribuição espacial de casas muito dispersa. Por serem de baixa renda decorre o baixo consumo de energia, tornando oneroso o investimento de expansão da rede. Além disso, existem as restrições ambientais impedindo legalmente muitos desses atendimentos. No caso dos assentamentos rurais provisórios4, justifica-se o uso dos sistemas solares fotovoltaicos especialmente para o bombeamento de água, enquanto não se viabiliza a expansão das redes de distribuição de energia.
Logo, para o estado de São Paulo, é determinante que os programas de universalização de energia contemplem a criação de uma estrutura capaz de implantar projetos de geração distribuída de energia, atendendo a proposta de desenvolvimento que a sociedade pretende implantar na região.
Como insumo inicial ao PRC-PRODEEM no estado de São Paulo, o PACI propôs a seguinte composição, adequada às diferentes regiões do estado:
- Projetos da região do Vale do Ribeira: participação dos representantes das administrações dos Parques Estaduais da Ilha do Cardoso - PEIC, de Jacupiranga e da Estação Ecológica Juréia-Itatins, subordinados institucionalmente ao Instituto Florestal - IF/ Secretaria de Estado do Meio Ambiente - SEMA, do grupo de quilombos da Fundação ITESP, e do Pároco de Cananéia;
- Projetos da região de Ubatuba/ litoral Norte: participação dos atuais parceiros e administradores dos Parques Estaduais da Ilha Anchieta - PEIA, do Núcleo Picinguaba do Parque Estadual da Serra do Mar, ambos ligados ao IF, da Fundação Pró-Tamar, da representação regional da FUNAI e do grupo de quilombos da Fundação ITEP;
- Projetos da região do Pontal do Paranapanema: espera-se a fundamental participação do grupo de assentamentos da Fundação ITESP;
- Para a totalidade do estado, independente de restrição regional, as seguintes instituições: Coordenadoria de Ensino do Interior, da Secretaria de Estado da Educação - CEI; grupo de atendimento a comunidades indígenas da FUNASA, de São Paulo; grupo do Laboratório de Sistemas Fotovoltaicos do IEE/USP; representantes da empresa ELEKTRO Eletricidade e Serviços S/A, concessionária dos serviços de distribuição de eletricidade na maior parte dos projetos; representante do PACI/SERHS; representante da coordenação geral do PRODEEM, de Brasília.
Em função das condições operacionais que norteiam as suas atividades, FURNAS, atual coordenadora estadual do PRODEEM, optou por outra configuração para o GEE, incorporando o PACI, o IEE/USP e empresa de distribuição. Ficaram fora os agentes de campo, base da proposta do PACI.
Além das atividades de instalação de sistemas de geração distribuída, o PACI também atua no encaminhamento das demandas das localidades isoladas às áreas de eletrificação rural, buscando junto com outros atores/ instituições locais a visualização e organização de um plano de atendimento dessas demandas que otimize recursos e satisfaça os anseios da população.
Por conseguinte, seria de grande importância que a Coordenação Estadual do Programa "Luz para Todos" tivesse incluído o PACI entre seus participantes, o que não ocorreu. No entanto, as formas centralizadas de decisão, que vem caracterizando as ações do Programa até o momento, levaram à desconsideração dessa participação, bem como da área energética da administração estadual. Em junho de 2004 a Coordenação Estadual do Programa "Luz para Todos" não conta com nenhuma representação oficial da área energética da administração estadual.
CONCLUSÕES
Ao que tudo indica, esses anos iniciais da administração federal estão comprovando o entendimento de Gilles Deleuze, de que não existe um governo de esquerda. O máximo que se pode esperar é que um governo seja favorável a certas exigências da esquerda. Segundo transcrito no Jornal "Folha de São Paulo" ("Mais", 30/05/2004), acerca de entrevista concedida por aquele pensador:
"... Ser de esquerda é não deixar de ser minoritário. Isso quer dizer que a esquerda jamais é majoritária enquanto esquerda... A maioria é um padrão vazio, fundado na predominância estatística - homem, adulto e urbano - e que determina o voto. Governos são eleitos para corresponder a esse padrão abstrato. A esquerda não é questão de governo... É o conjunto dos processos do devir minoritário".
Em se pensando na defesa das exigências de "esquerda", traduzidas nos projetos que visam atender os direitos do poder minoritário (os excluídos), longe de diminuir o papel das esquerdas ou de fomentar a obediência cega a determinações centralizadas, a declaração de Deleuse incentiva a manutenção de um pensamento crítico, principalmente em governos de esquerda.
Foi com essa intenção que esse texto foi concebido, cujas principais conclusões são:
- A integração das populações que habitam regiões isoladas aos serviços de energia é uma das questões principais a serem enfrentadas pelo setor energético brasileiro nesse início do século XXI;
- A reflexão sobre o papel do Estado "atual" ganha importância estratégica: trata-se da implantação das bases de um "contrato social" que irá estruturar as ações para os próximos anos com a conseqüente implantação de dinâmicas de relações intersetoriais, da redefinição da rede de apoio social, da qual dependem fortemente as camadas mais necessitadas da população;
- Os atuais Programas Sociais da área de energia, embora tenham se esforçado em explicitar claramente o que se espera dos diversos atores nesses programas, têm desconsiderado as estruturas organizacionais pré-existentes nos estados;
- Essa desconsideração pode acarretar no desencadeamento de ações que, negando as premissas programáticas, distanciam-se do objetivo de levar a energia a todos os cidadãos;
- No cenário anterior, o Estado vinha exercendo frouxamente as suas responsabilidades junto às comunidades isoladas; o pouco atendimento que vinha sendo feito apoiava-se numa teia muito delicada de envolvimentos, e a inserção impositiva de novos atores nessa teia, coloca em risco essa teia nas localidades onde ela existia;
- A desconsideração desse enredamento pré-existente pode levar à desarticulação de parcerias locais e o descrédito institucional junto à população, o que pode vir a comprometer o desenvolvimento das ações necessárias ao Programa de Universalização.
- A exclusão a que estão submetidas as comunidades isoladas mesmo no estado de São Paulo não se restringe a aspectos da infra-estrutura. Essa capacidade está basicamente centrada na capilaridade das estruturas existentes e que compõem o Estado no Brasil;
- O Estado vem desmontando sistematicamente suas estruturas internas para implementação de projetos voltados às populações mais carentes. Se anteriormente não reunia as condições necessárias para implementar projetos sociais, cada vez mais se distancia dessa condição. Essa situação pode levar a um enfraquecimento das instituições democráticas, como citou Alain Tourraine:
"....o maior perigo que as sociedades enfrentam neste início de século XXI .... o desaparecimento das estruturas intermediárias entre os estratos sociais (estruturas nacionais), ... expõe as nações à mercê das imposições do mercado globalizado e torna mais frágeis as instituições democráticas."
AGRADECIMENTOS
Gostaríamos de agradecer o apoio fundamental prestado pelas equipes de campo às comunidades isoladas no estado de São Paulo, em especial aos funcionários das seguintes instituições: ITESP, Instituto Florestal, FUNAI, FUNASA, Secretaria de Educação, Fundação Pró-Tamar.
REFERÊNCIAS
[1] FERREIRA, M. J. G & ANDRADE, A. M; "Modelagem de Políticas Públicas para Atendimento Energético a Comunidades Isoladas", Anais do 4º AGRENER-2002, Campinas/SP, out/2002.
[2] FERREIRA, M. J. G.; "Experiência de Projetos Fotovoltaicos no estado de São Paulo: Modelagem para Planejamento Energético em Comunidades Isoladas", tese de doutorado, orientação Prof. Dr. Adnei Melges de Andrade, IEE/USP, São Paulo, 2002.
[3] MME; Programa "Luz para Todos", in http://www.mme.gov.br/LuzParaTodos, acessado em 18/05/2004.
[4] RENEWABLES 2004, "Declaração Política", in http://www.renewables2004.de, Bonn, junho/2004, acessado em 08/06/2004.
[5] SILVA, M. V. M. E BERMANN, C; "Eletrificação Rural: Elementos para Debate", Anais do VIII Congresso Brasileiro de Energia, v. 3, 1273 - 1231, Rio de Janeiro, dezembro/1999.
[6] FERREIRA, M. J. G., ZILLES, R, e SHALDERS, N. A.; "A Eletrificação Fotovoltaica e a Necessidade de Treinamento", Anais do 3º AGRENER - 2000, Campinas - SP, setembro/2000.
[7] UDAETA, M. E. M; "Planejamento Integrado de Recursos Energéticos - PIR para o Setor Elétrico, (pensando o desenvolvimento sustentável)", tese de doutorado, sob orientação do Prof. Dr. Lineu Belico dos Reis, Escola Politécnica da USP, São Paulo, 1997.
[8] GIMENES, A. L. V; "Agregação de Valor à Energia Elétrica Através da Gestão Integrada de Recursos", dissertação de mestrado, sob orientação do Prof. Dr. Lineu Belico dos Reis, Escola Politécnica da USP, São Paulo, 2000.
[9] SHALDERS NETO, A; "Regulamentação de desempenho térmico e energético de edificações", 198p, Dissertação (Mestrado), PIPGE/USP, São Paulo, 2003.
[10] DELEUSE, GILLES; "Confissões de um Pensador", trechos de entrevista publicados no caderno "Mais", jornal "Folha de São Paulo", São Paulo, 30/05/2004.
[11] TOURRAINE, ALAIN; entrevista no programa "Roda Viva", da TV Cultura, 18/03/2002, São Paulo, 2002.
1 O PRODEEM foi criado a nível nacional através do Decreto Federal de 27 de dezembro de 1994.
2 É importante observar que essas mudanças estão inseridas em modificações ainda em curso no âmbito mundial.
3 Essa convicção é compartilhada por Udaeta (UDAETA, 1997), que entende que "... o processo integrado do planejamento energético (... deve ser...) abrangente quanto aos recursos, quanto a oferta e a demanda, quanto a supridores e consumidores, e quanto ao tempo e a geografia - entorno ambiental cultural social e político...", e por Gimenes (GIMENES, 2000), que postula a "... disponibilização de energia elétrica integrada em um cenário mais amplo, o da infra-estrutura, abrangendo o Transporte, a Água e Saneamento, o Tratamento de Lixo e as Telecomunicações, com vistas a criar uma base sólida para alavancar o desenvolvimento...".
4 Assentamentos que aguardam a solução dos problemas jurídicos relativos à propriedade e disponibilização das terras para o assentamento definitivo das famílias cadastradas no programa.