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An. 5. Enc. Energ. Meio Rural 2004

 

Principais fatores que influenciam a demanda e o consumo de energia elétrica em sistemas fotovoltaicos domiciliares

 

 

Federico MoranteI; Roberto ZillesII

IPrograma Interunidades de Pós Graduação em Energia, Laboratório de Sistemas Fotovoltaicos, Instituto de Eletrotécnica e Energia - Universidade de São Paulo. Av. Professor Luciano Gualberto, 1289 - Cidade Universitária - CEP 05508-900. São Paulo - SP Telefone: 11 30912657 - Fax: 11 38167828 email: fmorante@iee.usp.br
IIPrograma Interunidades de Pós Graduação em Energia, Laboratório de Sistemas Fotovoltaicos, Instituto de Eletrotécnica e Energia - Universidade de São Paulo. Av. Professor Luciano Gualberto, 1289 - Cidade Universitária - CEP 05508-900. São Paulo - SP Telefone: 11 30912657 - Fax: 11 38167828 email: zilles@iee.usp.br

 

 


RESUMO

A partir dos resultados alcançados por meio de uma pesquisa que teve o objetivo de entender o comportamento da demanda de energia elétrica em sistemas fotovoltaicos domiciliares, se conseguiu identificar alguns fatores que influenciam o caráter aleatório da demanda. Estes podem ser agrupados em fatores técnicos, gerenciais, psicológicos, geográficos, demográficos, socioculturais e econômicos. A finalidade deste artigo é descrever cada um deles e, simultaneamente, mostrar algumas constatações que resultaram do trabalho de campo. A pesquisa envolveu 178 pessoas e 13 comunidades rurais localizadas nos Estados de São Paulo, Pernambuco e Amazonas e, além disso, na região Puno, no Peru. Dez dessas comunidades estão eletrificadas utilizando a tecnologia solar fotovoltaica e três a rede elétrica rural.

Palavras-chave: Tecnologia Solar Fotovoltaica, Sistemas Fotovoltaicos Domiciliares, Contadores de Ah, Demanda de Energia Elétrica, Eletrificação Rural.


ABSTRACT

From the results obtained with a field research looking for to understanding the behavior of the electric energy demand in Solar Home Systems, the aleatory influence factors in the demand was identified These can be contained in technical, management, psychological, geographical, demographic, sociocultural and economic factors. The purpose of this paper is to describe each of them and, simultaneously, present some registration discover with the field work. The survey involved 178 people and 13 rural communities located in the States of São Paulo, Pernambuco and Amazonas and, besides, in the Puno area, in Peru. Ten of those communities are electrified with photovoltaic systems and three with the conventional electric grid.


 

 

1. Introdução

De forma geral, o estudo da demanda e do consumo envolve complexos e variados fatores de tal forma que seu entendimento conduz à análise de variáveis, entre outras, econômicas, sociológicas, psicológicas e culturais. Por tal razão resulta até inconcebível que qualquer teoria geral do consumo considere somente uma ou duas dessas variáveis. Se tal fosse o caso, tal teoria seria muito reduzida e, na realidade, "haveria muitas simplificações e demasiados ceteris paribus para engolir" (Ben & Leopold, 1993: 8).

De modo genérico pode-se dizer que a demanda surge quando aparece uma necessidade e o consumo quando se satisfaz a mesma. Entretanto, a demanda e o consumo estão diretamente relacionados com a questão fundamental das necessidades humanas. Embora sejam dois conceitos muito diferenciados, ambos se realimentam a ponto de um ser conseqüência do outro. Pode-se perceber que a demanda antecede o consumo, pois, para que isto último aconteça têm que haver uma necessidade a ser satisfeita a que, por sua vez, gera a procura de um objeto ou bem. Tanto a demanda quanto o consumo resultam da busca incessante da comodidade corporal. Falando de maneira um tanto metafórico, se pode dizer que a demanda se origina quando se trata de "agradar os cinco sentidos e os sete pecados" (Ben & Leopold, 1993: 3).

Partindo de uma análise semântica se pode inferir que a demanda é a ação de demandar, isto é, pedir, reclamar, requerer, exigir ou procurar, sendo que para que isso aconteça tem que haver um motivo de caráter físico ou espiritual. Em tal sentido a demanda tem muita relação com os aspectos psicológicos como são as expectativas, os costumes, os gostos, os desejos, as motivações, etc. Tudo isso conduzindo a valorizar um determinado objeto ou elemento capaz de satisfazer uma necessidade vital ou supérflua.

Por outro lado, o verbo consumir significa completar, acabar, concluir, extinguir; gastar; ou seja, fazer uso de alguma coisa. De maneira geral o consumo é o uso que se faz dos bens ou dos serviços produzidos. Assim, desde o ponto de vista da economia, o consumo aumenta em razão da produção que por sua vez é estimulada pela existência de uma demanda. Desta relação surge a conhecida "Lei da Oferta e da Procura". Numa forma geral o consumo está relacionado com um elemento ou objeto perceptível, tangível ou palpável como um livro, uma lâmpada ou um televisor, todos os quais de alguma maneira ajudam a satisfazer uma determinada necessidade. Após cumprir sua função, estes elementos são transformados, rejeitados ou dissipados.

Entretanto, quando se estuda a demanda e o consumo de energia elétrica se apresentam algumas particularidades que se manifestam, fundamentalmente, no tamanho dos sistemas utilizados na produção dessa energia. Assim, no caso das redes de distribuição de energia elétrica ao longo de sua história foram desenvolvidos diversos métodos para antecipar dita demanda. No entanto, na tecnologia solar fotovoltaica isto ainda é um assunto não resolvido e, conseqüentemente, ao momento de dimensionar os sistemas ela é tratada como uma constante.

Na realidade, a complexidade verificada ao momento de dimensionar um sistema fotovoltaico domiciliar nasce da problemática imposta pela existência de duas variáveis aleatórias: o recurso solar e a demanda. Enquanto à previsão do recurso solar muito se tem avançado nestes últimos anos, porém, isto não tem acontecido com a demanda que é um tema ainda em aberto.

Tentando preencher esta lacuna, a partir de 1998 o Laboratório de Sistemas Fotovoltaicos do Instituto de Eletrotécnica e Energia da Universidade de São Paulo (LSF-IEE/USP) vem desenvolvendo uma pesquisa relacionada com esse tema. A metodologia utilizada consistiu na construção de contadores de Ampèr-hora (Ah) e no acoplamento destes instrumentos em algumas instalações fotovoltaicas. Cada uma das famílias registrou diariamente os dados numéricos numa planilha preparada especialmente para essa finalidade. Diversos dados sobre a construção destes contadores assim como alguns resultados da pesquisa foram publicados oportunamente (Morante & Zilles, 2001; Morante & Zilles, 2002a; Morante et al., 2002b; Morante & Zilles, 2002c; Morante et al., 2003).

Na tabela 1 estão indicadas as diversas comunidades onde foi realizada a pesquisa assim como sua localização. Estas comunidades foram eletrificadas utilizando sistemas fotovoltaicos domiciliares com as características mostradas na tabela 2. Os resultados do consumo médio em kWh/mês obtidos utilizando os contadores de Ah estão indicados em ordem ascendente nessa mesma tabela. Além disso, a pesquisa também incluiu três localidades cujos domicílios estão ligados à rede elétrica por meio do sistema Monofilar com Retorno Por Terra (MRT): São João do Lopez no município de Ouricuri, bairro de Bom Jardim do município de Benjamim Constant e comunidade de Suaquello no município de Huancané, Puno - Peru.

De acordo com os dados obtidos e as observações realizadas em campo, pode-se constatar que o comportamento do consumo de energia elétrica está sujeito à interação de diversos fatores que atuam de forma simultânea. Desta maneira, o consumo difere ao longo do tempo tanto na mesma família, quanto entre as famílias ou as comunidades. Em tal sentido os resultados exibem seu caráter aleatório o qual, desde nosso ponto de vista, reflete a atuação de um elenco de fatores que a continuação serão descritos:

 

2. Fatores que influenciam o comportamento da demanda de energia elétrica

2.1. Fatores técnicos

Atuam como limitantes físicos do consumo e são geralmente de caráter exógeno, pois, dependem principalmente do emissor e não do receptor da tecnologia. Estes fatores englobam as questões relacionadas com o tipo de tecnologia utilizada, o tamanho dos sistemas, os materiais e acessórios selecionados, a qualidade dos equipamentos, a potência dos aparelhos de usos finais, a qualidade das instalações elétricas, etc. Dado que tudo isso define o desempenho técnico tanto do sistema de geração e acumulação quanto das cargas utilizadas, o consumo de energia elétrica estará condicionado desde o inicio a essas variáveis.

Um aspecto importante a ser levado em conta é a eficiência dos equipamentos de usos finais que, inextricavelmente, se manifestará de forma direta no consumo de energia. Isto ficara ressaltado fundamentalmente no uso de lâmpadas fluorescentes em comparação às incandescentes. Apesar disso, a experiência mostra as vantagens das lâmpadas incandescentes de potencias inferiores a 2 W quando utilizadas para iluminar de maneira tênue os ambientes.

No que se refere ao desempenho técnico das instalações fotovoltaicas e o conseqüente nível de consumo, nisso também estará envolvido o sobre ou sub-dimensionamento dos sistemas. Neste aspecto é relevante considerar que se a fonte de geração não consegue satisfazer as necessidades mínimas do usuário, ou se não foram previstas as soluções aos possíveis problemas técnicos, poderá acontecer a manifestação de uma grande demanda reprimida. Se isso não é solucionado oportunamente haverá grandes chances da tecnologia ser rejeitada. Obviamente, se por ventura acontecer esta sucessão de problemas o consumo será sempre mínimo.

Em suma, as diversas questões técnicas envolvidas no consumo, tornam importante a necessidade de selecionar equipamentos, materiais ou acessórios que respeitem as normas de qualidade e confiabilidade estabelecidas. Para isso é fundamental tomar os cuidados necessários nas faces iniciais do projeto e, em especial, no momento da aquisição e da montagem no sentido de fazer cumprir essas normas. Isto também deve contemplar a escolha de materiais que possam ser facilmente achados e substituídos.

2.2. Fatores gerenciais

Atuam também como limitantes do consumo e, em grande medida, são de caráter exógeno. Na verdade, aqui entram as ações tomadas antes e depois da eletrificação com a intenção de garantir a sustentabilidade dos projetos. Assim, se as pessoas não foram tomadas em conta no desenvolvimento do projeto ou este é imposto de forma vertical, elas não se sentirão envolvidas e existirão poucas chances da tecnologia ser inserida no quotidiano das famílias. Adicionalmente, se não são estabelecidos os mecanismos adequados para garantir a manutenção e o ótimo desempenho dos equipamentos, em pouco tempo aparecerão as falhas e o sistema não poderá satisfazer os requerimentos energéticos das famílias. Desta maneira, o consumo de eletricidade ficará delimitado dentro de pequenas margens e tudo por causa de deficiências de ordem gerencial.

Neste tema é de grande importância a maneira como foram passadas as informações sobre a utilização da nova tecnologia. Um fato grave relacionado com este assunto é a difusão de informações muito fracionadas e cheias de recomendações negativas sobre o cuidado dos sistemas. Em tal situação as pessoas acabarão interpretando que a tecnologia fotovoltaica é muito frágil e, portanto, terá que ser tratada com muita delicadeza e minimamente utilizada. Na realidade, este conjunto de informações negativas levará às pessoas atuarem de forma reprimida e, portanto, mesmo tendo um sistema muito bem dimensionado terão um baixíssimo consumo.

Embora sejam tomadas todas as medidas para garantir a sustentabilidade, cabe aos usuários - por sua condição de serem as pessoas em direto contato com os sistemas - levar à prática todas essas ações. Enquanto a isso, por diversas razões não todos assumem com a mesma intensidade seu papel de administradores e responsáveis diretos e, portanto, o uso das cargas e o conseqüente desempenho dos sistemas refletirão este comportamento. Ao lado disso, se não forem tomadas algumas ações preventivas por parte dos usuários, seu consumo irá diminuindo na medida em que falhem seus aparelhos e sejam difíceis as reposições. Como resultado de todas esse conjunto de ações negativas poderá acontecer o caso mais perigoso, ou seja, o consumo nulo que se apresenta quando as pessoas decidem rejeitar a tecnologia.

2.3. Fatores psicológicos

Estes fatores se referem à fundamental questão da intimidade do ser humano, ou seja, a sua espiritualidade regida pelo simbolismo, os valores, a conduta, as motivações, as ansiedades e os desejos. Desde o ponto de vista individual tudo isso se manifesta na personalidade e no comportamento de cada ser humano. Já desde o ponto de vista coletivo isto se encontra plasmado nas particularidades da dinâmica da estrutura das sociedades, em outras palavras, no caráter social de uma determinada comunidade.

Uma das manifestações do caráter social é a personalidade típica ou os aspectos em comum que determinam as diferenças comunitárias ou nacionais de um agrupamento humano. Tudo isso termina aflorando, por exemplo, nos gostos, nas receitas alimentarias, nos costumes ou no calendário festivo, assim como no caráter extrovertido ou introvertido das sociedades, das famílias ou das pessoas. Obviamente, todo este conjunto de fatores em alguma medida influencia a demanda e o consumo de energia elétrica, pois, indubitavelmente o uso dos equipamentos está sujeito a decisões e exigências originadas na intimidade das pessoas.

Sendo assim, os fatores psicológicos ficam expostos, por exemplo, na escolha e uso de certos eletrodomésticos em menoscabo de outros assim como na própria adoção da tecnologia fotovoltaica. Em linhas gerais pode-se afirmar que os fatores psicológicos regem fortemente a demanda por equipamentos de usos finais e a maneira como eles serão utilizados. Em outras palavras, uma grande parcela de fatores que determinam a aceitação ou rejeição de uma tecnologia, ou em geral qualquer inovação, são de caráter psicológico.

Por outro lado, uma das questões mais relevantes associadas aos fatores psicológicos é a denominada mudança social. Dado que fundamentalmente a manifestação desta mudança se da no nível da sociedade como um todo, isto não pode esconder o fato de que é a nível individual onde isto primeiramente acontece. No seu cerne, estas mudanças obedecem a um comportamento onde se verifica a natural tendência das pessoas de escalar progressivamente por uma variedade de desejos cada vez mais sofisticados. Esta sucessão de mudanças progressivas vai desde a satisfação das necessidades fisiológicas, de segurança, de participação e afeição, de estima e, no topo, as de realização. No que se refere à demanda de bens e serviços e ao consumo de energia elétrica, seu comportamento também segue em certa medida esta escada (Krech et al., 1973: 91; Bennett & Kassarjian, 1975: 87).

Outro aspecto que não pode ser deixado de lado se relaciona com a questão dos valores no sentido de que aquilo que as pessoas valoram se apóia numa base psicológica que, muitas vezes, arrasta a herança vinda das gerações anteriores. Estes valores exercerão forte influência no comportamento das pessoas e na maneira de satisfazer suas necessidades. Tudo isso fica mais patenteado na questão da estimulação e da comodidade e, fundamentalmente, na procura e uso de certos equipamentos que por suas características intrínsecas são valorados mais do que outros.

2.4. Fatores geográficos

Se considerarmos uma abordagem mais abrangente da geografia, esta deve aceitar que "a história de um dado lugar é construída a partir tanto de elementos locais, desenvolvidos ali mesmo, como de elementos extralocais, resultantes da difusão; e que a definição de um lugar pressupõe uma análise do impacto seletivo, em diferentes épocas, das variáveis correspondentes" (Santos, 1972/2003: 42). De acordo com esta perspectiva, os fatores geográficos que influenciam o consumo de energia elétrica englobam tanto o tipo de relevo, a paisagem, o clima e os acidentes geográficos que configuram o cenário onde os seres humanos se desenvolvem, quanto às influencias externas que foram assimiladas na cultura de uma determinada sociedade.

Sendo assim, a localização geográfica de qualquer assentamento humano é um bom indicador do comportamento do consumo de energia elétrica. Isto porque de acordo ao posicionamento geográfico de suas residências as pessoas tentarão amenizar as inclemências do clima mediante o desenvolvimento de diversas soluções. Assim por exemplo, nos lugares de clima quente as pessoas sentem a necessidade de possuir e utilizar ventiladores, refrigeradores, frízeres, etc. Isto, por obvias razões, acontece com menor freqüência nos lugares de clima frio onde, pelo contrario, os equipamentos que produzam calor são os mais procurados e utilizados.

Enquanto às moradias, seu desenho arquitetônico geralmente se adapta ao clima e ao ambiente local com a finalidade de brindar conforto a seus ocupantes. Desta maneira, o número de lâmpadas, o tamanho da fiação e o conseqüente consumo de eletricidade estará fortemente relacionado com a distribuição dos ambientes.

A este respeito são ilustrativas as construções residenciais das comunidades de Taquile, Amantaní e Huancho Lima, as quais seguem o desenho da típica casa andina, geralmente de dois níveis e distribuídas em volta de um pátio central. Já as casas da comunidade Los Uros são feitas de junco como uma simples cabana e, em contraste, as casas das comunidades de Vera Cruz e de Varadouro são de madeira e em palafitas. Assim também, as casas das comunidades de Pedra Branca, Maruja, Sitio Artur e Itapanhapina possuem características próprias e, muitas delas, incorporaram elementos das típicas moradias urbanas.

Em adição a tudo isso, o posicionamento geográfico e o clima local também terão forte influência nos horários e no tempo de uso dos equipamentos e, em alguma medida, no desempenho dos mesmos. Assim, em climas quentes as pessoas geralmente dormem mais tarde que as pessoas que vivem em climas frios, em conseqüência, os equipamentos elétricos também serão utilizados de acordo a esse ritmo.

Por outro lado, na zona rural as atividades econômicas das pessoas, mormente, também estão relacionadas com os recursos disponíveis os quais dependem das características geográficas da localidade. Desta maneira, de acordo ao lugar, haverá mais ou menos tendência a praticar atividades de pesca, pecuária, agricultura ou artesanato. Como conseqüência disso o consumo de energia elétrica também estará sujeito às necessidades e peculiaridades impostas por essas atividades.

2.5. Fatores demográficos

Estes compreendem a estrutura familiar, a idade, o gênero, etc. todos os quais de alguma forma influenciarão o consumo de energia elétrica. Neste sentido a tabela 3 e a figura 1 mostram a estrutura por idades das famílias que dispõem de sistemas fotovoltaicos domiciliares.

 

 

De acordo a os dados exibidos, de uma população de 178 pessoas o 47% corresponde a menores de 20 anos. Se considerarmos a faixa etária entre 0 e 30 anos esta porcentagem subira a 63%. Isto é importante porque a idade das pessoas pode influir no consumo de energia elétrica no sentido dela determinar a maior ou menor valoração dos equipamentos e, além disso, os horários e tempo de uso dos mesmos.

Se bem isto não é uma regra, pelo geral as pessoas jovens são mais receptivas às inovações, é o caso da família F12vale a qual possui e utiliza diversos eletrodomésticos, aparelhos ou ferramentas elétricas. Também é ilustrativo o caso da família F2puno na qual o filho de 23 anos instalou uma estação de radio FM de curto alcance que funciona entre as 14 e 16 horas transmitindo música e mensagens cobradas. Já o chefe da família F9puno por exigências de sua profissão de professor rural e, além disso, para melhorar a formação dos filhos adquiriu e utiliza, através de um inversor CC/CA, um aparelho de vídeo e um computador portátil.

No que se refere à televisão, geralmente as crianças assistem durante o dia programas próprios para sua idade, já os adultos assistem filmes, telejornais ou novelas nos horários noturnos. Quando há jogos de futebol a televisão fica mais tempo ligada. Algo similar acontece com o uso dos rádio-gravadores e os aparelhos de vídeo ou de som. Obviamente, todas essas nuances acabarão se refletindo na quantidade de energia consumida durante um determinado lapso de tempo.

Enquanto à influência do gênero no consumo de eletricidade de um universo de 178 pessoas, 99 correspondem ao sexo masculino (56%) e 79 ao feminino (44%). Este aspecto se manifesta, principalmente, na preferência por alguns equipamentos em menoscabo de outros. Assim por exemplo, na comunidade de Pedra Branca as donas de casa dão muito valor ao liquidificador, pois segundo elas, este eletrodoméstico ajuda muito nas atividades da cozinha. Em geral, as donas de casa das áreas rurais sentem muita falta do ferro de passar roupa e, em contrapartida, os homens desejam fazer funcionar ferramentas elétricas como furadeiras, serras tico-tico, etc.

Enquanto ao grau de instrução, este influi na demanda e no consumo de energia elétrica devido, fundamentalmente, à aquisição de necessidades de ordem superior. Mediante isso, o processo educacional, na maior parte dos casos, conduz às pessoas a darem mais valor e a utilizar alguns equipamentos que em outras condições não teriam a mesma importância. É o caso da família F9puno mencionada anteriormente. Um aspecto muito importante relacionado com este tema se refere a que o grau de instrução facilita a recepção e assimilação das informações técnicas fornecidas durante a capacitação, a montagem ou após a entrada em funcionamento dos sistemas. Isto, na maioria dos casos, se refletira no cuidado dos sistemas e no gerenciamento da energia disponível.

Ao lado de tudo isso, o tempo de permanência no lar é um dos aspectos fundamentais para definir a magnitude do consumo. Isto porque algumas atividades familiares obrigam às pessoas a ficarem muito mais tempo no lar como é o caso das famílias F1vale, F3puno, F4puno ou F5puno. Outras, pelo contrario, permanecem pouco tempo em casa tal como acontece com a família F6vale constituída somente por uma pessoa, ou viajam muito como é o caso da família F6vera. Em adição a isso, as condições resultantes da idade avançada, das deficiências físicas e a saúde em geral, obrigam algumas pessoas a permanecerem mais tempo no lar do que outras. Neste particular, de fato as crianças e mulheres geralmente ficam mais tempo em casa com o qual o radio, a televisão e outros equipamentos são utilizados de forma mais intensiva.

Cabe mencionar que de acordo ao observado na tabela 2, o número de pessoas que ocupam permanentemente uma moradia não é uma determinante fundamental do consumo. Uma das razões disso é que, mesmo existindo varias pessoas, os cômodos não são muitos e os equipamentos elétricos tampouco. Além disso, a forma de distribuição arquitetônica das moradias e os hábitos familiares colaboram no sentido de utilizar os equipamentos de forma comunitária e em poucos casos de maneira individual.

Nas situações onde existe a presença de população flutuante - caso da família F3puno - o número de pessoas sim determina o consumo, no entanto, esta situação se apresenta porque a casa também é um albergue para turistas. Em algumas famílias também se verifica o aumento do consumo quando existe a presença de visitantes. O mesmo acontece quando há reuniões sociais como festas.

2.6. Fatores socioculturais

Estes se originam fundamentalmente a partir das relações entre o ser humano e seu entorno. A formação de tribos, clãs, comunidades ou nações e as instituições de sobrevivência criadas, em última instancia refletem a adaptação dos seres humanos ao meio. Desde o ponto de vista energético estes fatores ficarão expostos, por exemplo, na interação das comunidades para garantir a sustentabilidade dos empreendimentos. Nesse momento é quando afloram a organização da comunidade, o funcionamento de suas instituições sociais, as tradições, os hábitos, etc. que poderão ser favoráveis ou não à sustentabilidade.

No que corresponde ao consumo de energia, nisso estará envolvida a interação das pessoas através da preferência pelos equipamentos que melhor se adaptaram à cultura local. Também influenciara a forma arquitetônica das casas a qual é o resultado da adaptação do homem ao meio e da incorporação de inovações no entorno da sociedade local. Além disso, o consumo de energia dependera também dos costumes das pessoas. Assim por exemplo, os hábitos alimentares influirão na freqüência do uso de aparelhos como liquidificadores ou batedeiras. Os horários das comidas também obedecem à cultura local, portanto, o uso da iluminação, do radio ou da televisão pode guardar relação com isso. É obvio que os artesãos, pescadores, pecuaristas ou agricultores têm horários e um ritmo de vida diferente devido às peculiaridades impostas por suas atividades.

No mesmo sentido as viagens dos habitantes rurais também exercem forte influência sobre o consumo de energia. Estas viagens têm diversas motivações que podem ser tanto com fins econômicos (venda e compra de produtos), sociais (visita a parentes, participações em eventos religiosos, festas, etc.) ou emergenciais (doenças, trabalho, etc.). Muitas dessas ausências também são regidas pelas atividades de sobrevivência como a coleta, a pesca, a caça, a pecuária, a agricultura, etc.

No caso das pessoas se ausentarem pode diminuir o consumo de energia, no entanto, isto não é um ponto pacífico, pois, também acontece que algumas pessoas, por motivos de segurança ou por simples esquecimento, deixam alguma lâmpada acessa. Esta situação pode ser observada no fragmento do formulário correspondente à família F6vera mostrado na figura 2. Pode-se observar que apesar de terem ficado fora 7 dias o consumo de energia nesse lapso de tempo foi de 37 Ah, isto devido a que deixaram a lâmpada incandescente de 2 W ligada.

 

 

Por outro lado, como já foi mencionado, quando as famílias receberem visitantes o consumo tende a aumentar porque geralmente essas visitas têm fins sociais e, por causa disso, as horas de uso da iluminação, da televisão ou dos aparelhos de som se acrescentam devido às confraternizações sociais através das festas ou da simples conversação. Isto geralmente acontece em épocas especiais como os aniversários, as festas religiosas, o natal, ano novo, carnaval, etc.

Outro dos aspectos fundamentais relacionados com as questões socioculturais é a influência do estilo de vida urbano sobre um ou alguns dos membros da família ou da comunidade. Neste caso o que está envolvido é a mudança social que se manifesta na aquisição de novos hábitos ou nas alterações acontecidas no intimo das pessoas que conduzem a observar a vida e o mundo de forma diferente (Morante & Zilles, 2002c).

2.7. Fatores econômicos

Estes fatores englobam a renda, o tipo de atividades de sobrevivência, a organização do fluxo de mercadorias, a captação de dinheiro corrente, etc. As questões econômicas também podem explicar as relações do poder local e o funcionamento das instituições que regem o cotidiano da comunidade. Na demanda e consumo de energia elétrica este fator se manifestará, principalmente, através do acesso ao fluxo monetário que se reflete no poder aquisitivo das pessoas. Isto, por sua vez, permite a compra de equipamentos elétricos assim como o melhoramento e ampliação da infraestrutura representada tanto pela moradia quanto pelo próprio sistema de geração. Assim mesmo, mediante o acesso ao dinheiro corrente as pessoas podem ter acesso a uma multidão de bens e serviços que podem ocasionar uma mudança sociocultural tanto no nível pessoal quanto comunitário.

De acordo aos dados obtidos na pesquisa se bem existe uma certa tendência que indica uma relação direta entre a renda e o consumo, esta não é lineal. Em outras palavras, as pessoas com maior renda não necessariamente consomem mais energia elétrica. O que se pode dizer é que a renda é um fator determinante para satisfazer a demanda de equipamentos de usos finais, porém, não do consumo de energia elétrica. Na realidade, o consumo de eletricidade obedece a um conjunto de fatores que leva às pessoas a usar ou não esses aparelhos.

Um caso extremo é aquele onde as pessoas mesmo possuindo múltiplos equipamentos por diversos motivos não os utilizam e, portanto, seu consumo de energia elétrica é muito baixo. Uma das razões desse comportamento é que estes não foram incorporados em seu modo de vida nem fazem parte de seu sistema sociocultural. Quando isto acontece fica em evidência que a decisão de utilizar os eletrodomésticos depende da valoração das necessidades, dos gostos, hábitos, etc.

Contudo, a pesquisa também mostrou que as atividades produtivas realizadas dentro do lar têm forte influência no consumo de energia elétrica, sendo este o caso das famílias F1vale, F12vale, F1puno, F2puno, F3puno, F4puno, F5puno, F6puno e F7puno. Nestes casos o consumo verificado tem uma forte componente que provêm da utilização da iluminação para atender os requerimentos do comércio, da fabricação de artesanato ou da tecelagem.

 

3. Comentários finais

Os dados mostrados na tabela 2 indicam que o comportamento da demanda de energia elétrica não é linear, porém, aleatório. Uma importante constatação é que com a finalidade de não incorrer em graves simplificações seu estudo necessariamente deve favorecer uma abordagem multidisciplinar. Isto é fundamental, pois, desde essa perspectiva ficará facilitado o caminho para entender integralmente o tema e, como conseqüência disso, a compreensão dos mecanismos que regem o comportamento da demanda será maior.

Mediante esta abordagem foi possível identificar um elenco de fatores que determinam o caráter aleatório da demanda. Estes foram denominados fatores técnicos, gerenciais, psicológicos, geográficos, demográficos, socioculturais, e econômicos. Todos eles, dependendo do grau de predominância de cada um, com maior ou menor intensidade terminarão definindo o nível do consumo familiar de energia. Na realidade, todos estes fatores atuam em conjunto sendo que seu grau de influência varia de uma família para outra.

O grau de predominância ficará mais evidente em alguns fatores do que em outros. Assim por exemplo, de antemão é fácil deduzir que as famílias que realizam atividades dentro de casa tenderão a consumir mais energia. Da mesma maneira, o nível de renda também será um bom indicativo para inferir que a família terá um maior ou menor consumo. Aliado a isso, a identificação de um ou mais membros da família rural com forte influência do estilo de vida urbano em seu quotidiano, será um bom indicativo para pensar em que essa família tenderá a consumir mais. Obviamente que em todos os casos não se pode falar de regras fixas mais sim de tendências.

De certo modo, a importância de tomar em conta estes fatores não será percebida no desenvolvimento dos pequenos projetos de eletrificação, entretanto, isto será diferente quando se trate dos grandes projetos a serem implantados no futuro. Na realidade, a existência destes fatores conduz a refletir sobre a questão de incluir um só tipo de equipamento estandardizado nos projetos de eletrificação rural com tecnologia fotovoltaica, tal como na atualidade é realizado. Tudo leva a pensar que isto teria que ser considerado somente como um primeiro passo, pois, indubitavelmente haverá algumas famílias que precisarão de um sistema maior.

Em outras palavras, de acordo às constatações fornecidas pela pesquisa é possível deduzir que, após a implantação dos projetos, no curto ou médio prazo se tornará evidente que um grupo pequeno de famílias necessitarão ampliar seu sistema de geração. Em contrapartida, a grande maioria dos usuários tenderá a ficar com o sistema que foi introduzido numa primeira etapa. Entretanto, esta identificação exigirá o monitoramento do consumo por meio da introdução de instrumentos de medição apropriados, como é o caso dos contadores de Ah, os quais também podem ajudar no gerenciamento da demanda.

 

Agradecimentos

Este trabalho foi possível graças ao apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, FAPESP.

 

Referências

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