An. 5. Enc. Energ. Meio Rural 2004
Sistema conversor mono-trifásico de alta qualidade para aplicações rurais e de geração distribuída
Ricardo Q. MachadoI; Simone BusoII; José A. pomilioI
IUniversidade Estadual de Campinas, Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação, Caixa Postal 6101 13081-970, Campinas, Brasil ricardom@dsce.fee.unicamp.br
IIUniversidade de Padova, Departamento de Engenharia da Informação. Via Gradenigo 6/B 35131 Pádua - Itália simone.buso@dei.unipd.it
RESUMO
Este trabalho descreve um método para a conexão direta entre um sistema monofásico e outro trifásico. Como principais aplicações pode-se considerar sistemas rurais de pequeno porte. Mesmo para este tipo de consumidor, a necessidade de energia se expande para além da simples alimentação de motores de indução, com crescente necessidade de energia de boa qualidade para alimentar cargas sensíveis como: computadores, equipamentos de comunicação e eletrodomésticos, etc. Tanto a conversão mono-trifásica quanto a manutenção da qualidade da energia é feita por um inversor trifásico do tipo PWM. Diferentemente da solução tradicional, na qual existe uma dupla conversão da energia, o que reduz o rendimento do sistema, a proposta apresentada processa penas parte da potência consumida pela carga. O sistema compensa a distorção harmônica da carga local, regula a tensão e a freqüência e garante, para a rede monofásica, um fator de potência próximo da unidade. Adicionalmente o sistema podo operar com fontes de geração distribuídas, sejam CA (como um gerador de indução sem controle de velocidade), sejam CC (como painéis solares ou células a combustível). Resultados experimentais comprovam o funcionamento do sistema.
Palavras-chave: - Conexão mono trifásica, geração distribuída, controle digital, eletrificação rural, inversor PWM.
ABSTRACT
This paper describes a line-interactive single-phase to three-phase converter. The typical application is in rural areas supplied by the single-wire with earth return. The traditional objective of feeding a three-phase induction motor is not anymore the main concern for such conversion. Due to the evolution of the agro business, some of the local load (as electronic power converters, computers, communication equipments, etc.) requires high quality power, intended as sinusoidal, symmetrical and balanced three-phase voltage. Additionally, to maximize the power got from the feeder, the system provides a unitary power factor to the feeder. A three-phase PWM converter is used for this purpose. The power converter does not process all the load power, as in the conventional solutions, but only the fraction necessary to regulate the three-phase bus voltage. The control strategy, design highlights and experimental results are presented.
1 - Introdução
A utilização de sistemas de alimentação monofásica em áreas rurais é uma opção de baixo custo e que se torna conveniente quando a carga alimentada é relativamente baixa. Tais circuitos, no entanto, normalmente padecem de problemas de regulação de tensão, devido ao longo comprimento dos alimentadores, bem como de outros problemas de qualidade de energia, como distorção harmônica e baixo fator de potência.
A evolução tecnológica, no entanto, atinge também estes consumidores, para os quais a energia elétrica não é mais utilizada apenas para o acionamento de motores [1] e iluminação, mas também em uma quantidade crescente de equipamentos eletrônicos sensíveis a qualidade da energia que recebem.
O sistema proposto neste trabalho conjuga a necessidade de obter uma alimentação trifásica simétrica e equilibrada com requisitos de qualidade da energia, entendidos como regulação da tensão, da freqüência e minimização de distorções harmônicas na tensão fornecida às cargas locais.
Nas soluções tradicionais, a proposta é utilizar conversores PWM que processam duas vezes a potência solicitada: retificando a energia proveniente da rede monofásica e criando uma rede trifásica desacoplada da primeira [2-8]. Nesta proposta, mostrada na Fig. 1, o inversor PWM opera como uma fonte de tensão trifásica a qual impõe a tensão no barramento local, ao mesmo tempo em que controla o fluxo de potência pela rede monofásica. Com o emprego de novas técnicas de controle associado a microprocessadores e DSP's de alto desempenho é possível eliminar um dos conversores. Com isso, tanto as perdas como os custos são minimizados, sem prejuízo na qualidade da energia entregue ao consumidor. Observe que não há necessidade de uma fonte CC no inversor, pois tal conversor não processa potência ativa, a qual é toda proveniente da rede monofásica. Desta forma minimiza-se a circulação de energia pelo conversor eletrônico.
Este sistema possui outra característica interessante que é possibilidade de aumentar a capacidade de fornecimento local de energia, inserindo fontes alternativas tais como: geração hídrica (gerador de indução associado a uma turbina hidráulica), painéis fotovoltaicos e células a combustível. Esta associação de várias fontes com um alimentador monofásico representa o sistema híbrido de geração de energia mostrado na Fig. 2.
2 - Operação Básica do Sistema
A estratégia de controle faz a imposição de tensões simétricas, equilibradas e senoidais no barramento no qual o consumidor irá se conectar. Além disso, deseja-se que: imonofásica (corrente na rede monofásica) e νmonofásica (tensão na rede monofásica) estejam em fase ou defasadas 180º, garantindo fator de potência unitário. A defasagem será de 180° caso haja uma fonte conectada ao consumidor local, injetando a energia excedente para a rede.
Esta estratégia se baseia na operação do sistema elétrico interligado, no qual o controle do fluxo de potência ativa pode ser feito pelo ajuste da diferença da tensão instantânea entre dois pontos, o que é conseguido tanto pela alteração dos valores eficazes quando da defasagem. O fluxo de potência depende tanto desta diferença quanto da impedância existente entre os pontos conectados [9-10].
Um dos objetivos deste sistema é o de garantir ao usuário local energia de qualidade, que se exprime, dentre outras características, por uma tensão estabilizada. Ressalta-se que da capacidade do inversor impor a tensão local depende a capacidade de compensação automática de potência reativa e de harmônicas.
Caso exista um gerador trifásico conectado ao barramento local, as tensões senoidais e equilibradas do barramento produzirão correntes do gerador senoidais e equilibradas. Ou seja, mesmo na presença de cargas desequilibradas, reativas e não-lineares, o GI mantém boas condições de operação. Uma análise semelhante pode ser feita para o lado da rede monofásica. Com isso, as componentes harmônicas da corrente da carga, e a potência reativa fluirão através do conversor PWM.
Na realidade, como o conversor PWM possui uma impedância de saída finita (determinada pelo filtro passivo de saída e pela lei de controle do inversor), haverá uma certa influência das harmônicas tanto no GI e na rede. No entanto, com projeto adequado do filtro e do controle da tensão, este efeito pode ser suficientemente reduzido [9-10].
Caso, a demanda energética da carga seja menor do que as eventuais fontes locais podem fornecer, o excesso será enviado à rede monofásica. Caso a energia solicitada pela carga seja superior àquela gerada localmente, o sistema absorve energia da rede, como mostra a Fig. 3.
Em relação à variável Pmonofásica (potência ativa absorvida e/ou injetada na rede monofásica), caso o sinal seja positivo, o ângulo β é positivo e VAB (tensão de linha imposta pelo inversor) está adiantado em relação a Vmonofásica (tensão de linha na rede monofásica). Se o sinal for negativo, β também o é, e VAB estará atrasada em relação Vmonofásica. Em qualquer uma das situações, a tensão local VAB, será tal a produzir uma corrente pela linha que resulte em fator de potência unitário.
3 - Resultados Experimentais
3.1 - Conversão mono-trifásica
Nesta primeira etapa são mostradas situações onde estão presentes rede monofásica e cargas locais. Tal estrutura foi chamada de conversão mono-trifásica,
3.1.A - Análise em Regime Permanente
O sistema está alimentando uma carga resistiva equilibrada com potência igual a 1800 W. Na Fig. 4 são mostradas as tensões trifásicas produzidas pelo inversor. Como esperado, tais tensões estão balanceadas e defasadas 120º. Na Fig. 5, como a carga absorve energia da rede monofásica, o resultado é um β negativo entre a tensão de linha nos terminais do inversor e a tensão da rede monofásica. A tensão aplicada à carga é senoidal e tanto a corrente quanto a tensão da rede monofásica possuem a mesma distorção.
A Fig. 6 mostra uma situação de carga trifásica equilibrada de 1500W. Como a fase C não está conectada á rede, o suprimento de potência à carga conectada em tal fase depende de uma circulação de potência das demais fases. Dos 500 W necessários, cada uma das outras fases (A e B) suprem metade. Os valores medidos são ligeiramente superiores devido às perdas do conversor.
3.1.B - Análise Dinâmica
Para testar o comportamento dinâmico do sistema, uma carga linear monofásica de 500 W foi conectada entre as fases A e B. No momento em que tal carga é inserida, ocorre uma redução na tensão do barramento CA. Tal afundamento é determinado de acordo com os limites indicados pela ANEEL e rapidamente compensados pela atuação do controle da tensão CA através dos novos valores de ângulo β e amplitude de VAB. Com isso, o sistema absorve uma quantidade adicional de energia da rede monofásica para suprir a carga que foi inserida [11].
As Figs. 7 e 8 mostram o desacoplamento conseguido entre os controles da tensão CA (que é ajustado visando obter em regime permanente FP unitário na rede monofásica) e o controle da tensão do barramento CC, a qual faz ajustes transitórios no ângulo β de modo a regular a referida tensão. Note que VAB não depende do valor instantâneo de VCC.
Em outro teste, um motor de indução de ½ CV (sem carga mecânica) foi conectado ao barramento CA sem que houvesse algum tipo de partida suave. No instante em que ocorre a inserção do motor, tanto a corrente proveniente da rede monofásica quanto a tensão do barramento CC sofrem alterações. Essas alterações podem ser mensuradas como um Δβ e, de acordo com a estratégia adotada de transitoriamente somente alterar o defasamento entre imonofásica e νmonofásica, a amplitude de VAB não sofre nenhuma alteração, como mostra a Fig. 9. Apesar da grande demanda de potência reativa durante a partida, não se observa redução na tensão da carga.
A Fig. 10 ilustra uma situação em que o sistema já retornou ao regime permanente isto é, muitos ciclos de rede após a partida do motor.
A Fig. 11 apresenta o diagrama fasorial do sistema já em equilíbrio, podendo-se verificar o fator de potência praticamente unitário. A Fig. 12 mostra espectros de tensão e de corrente para a mesma situação da Fig. 11. Nestas medições foi utilizada uma fonte monofásica que não apresentava distorção harmônica, o que explica as melhores formas de onda em relação aos resultados anteriores.
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3.1.C - Análise com Carga Não-linear
Uma carga não-linear composta por um retificador trifásico não controlado consumindo 600 W foi conectada no barramento CA. A Fig. 13 demonstra a capacidade de compensação das harmônicas por parte do sistema. A referência interna e a tensão na rede monofásica estão superpostas, ilustrando o sincronismo entre as tensões produzidas pelo inversor e a rede. Também, determinou-se o THD tanto para VAB quanto para icarga e os valores medidos foram 2% e 40% respectivamente.
A Fig. 14 mostra a tensão de referência do conversor PWM e a tensão produzida em seus terminais sendo que ambas estão superpostas. O inversor é capaz de suprir toda a distorção solicitada pela carga. Com isso, a corrente circulante pela rede monofásica permanece senoidal. O defasamento apresentado entre Vmonofásica e Imonofásica resultou em um FP igual a 0,99.
3.1.D - Variação de Carga Não-linear
Nesta situação o sistema possui inicialmente um carregamento igual ao apresentado no item 3.1.C. Em um determinado instante adicionou-se 600 W ao retificador trifásico. O controle da tensão do barramento CC do conversor PWM identificou tal variação e rapidamente alterou β para que o sistema absorvesse da rede monofásica a energia adicional. Após este degrau de carga, FP e THD permaneceram os mesmos do item anterior, Fig. 15.
3.1.E - Operação sob Variação de Freqüência
Para verificar a capacidade do sistema autar sob variação da tensão da rede, o que é feito Poe meio de um PLL (phase locked-loop), foi imposta na rede monofásica um degrau de 0,5 Hz quando nos terminais do conversor PWM estava conectada uma carga linear trifásica de 1300 W. O sincronismo entre νref e νmonofásica é rapidamente obtido devido à performance do PLL. Porém, tais variações resultam em oscilações no fluxo de potência entre a carga + inversor e a rede monofásica.
Esta variação instantânea de freqüência altera β e produz perturbação no fluxo de potência que por sua vez causa alteração na tensão do barramento CC. O compensador PI da tensão do barramento CC possui como saída um Δβ que lentamente é ajustado. A Fig. 17 apresenta os mesmo resultados da Fig. 16 isto é, o sistema está em regime [12.] Note-se no entanto, que para o usuário praticamente não há perturbação, dado que a tensão no barramento CA permanece regulada e de freqüência controlada.
3.2 - Geração Distribuída
Aqui foi inserido um gerador de indução, sem controle da turbina, ou seja, sem controle da potência gerada. O objetivo é aumentar a capacidade do sistema. Em situações nas quais o consumidor rural estiver auto-suficiente o mesmo poderá vender à concessionária local todo o excesso de energia, quando a legislação assim o permitir.
3.2.A - Análise em Regime Permanente
O sistema alimenta uma carga resistiva equilibrada com potência igual a 1800 W. A Fig. 18 apresenta a tensão de fase vA e sua referência. Devido ao controle utilizado, o erro residual é quase nulo. Nestes testes a rede monofásica não é ideal (é a própria rede). O fator de potência medido entre vfonte e ifonte resultou em 0,99, com THD iguais a 2,2% e 2,28% respectivamente. Já para VAB o THD encontrado foi 0,9%. A tensão produzida pelo inversor apresenta menor distorção que a rede local, de modo que se pode afirmar que a distorção na corrente da rede monofásica é essencialmente devida à distorção do próprio alimentador.
Na Fig. 18, como a carga absorve energia da rede monofásica, o resultado é um β negativo entre a tensão de linha nos terminais do inversor e a tensão da rede monofásica. Como esperado, a tensão aplicada à carga é senoidal e tanto a corrente quanto a tensão da rede monofásica possuem a mesma distorção.
Na Fig. 19 são apresentadas duas das tensões trifásicas produzidas pelo inversor, assim como as correntes de saída do gerador de indução. Como esperado, tais tensões estão balanceadas e defasadas 120º, assim como as correntes do GI, o que significa uma operação equilibrada para o gerador.
3 - Conclusões
Foi apresentada uma nova proposta para conversão mono-trifásica com o objetivo de minimizar o processamento da energia, aumentando o rendimento do sistema e, além disso, garantir energia de boa qualidade ao consumidor (tensões senoidais equilibradas e FP na rede monofásica igual a 1). Duas situações distintas foram mencionadas: uma utilizando rede monofásica+cargas+conversor PWM e outra, utilizando rede monofásica+cargas+conversor PWM+fonte alternativa de energia (gerador de indução associado a uma turbina hidráulica, painéis fotovoltaicos e células à combustível). Em ambos os casos são atingidos os objetivos propostos. O conversor empregado na conversão é um inversor PWM usual, no qual foi alterada a estratégia de controle. Este sistema poderia utilizar plataformas disponíveis em inversores comerciais, o que possibilita soluções de baixo custo.
Agradecimento
Os autores gostariam de agradecer a CAPES e FAPESP (proc. BEX0277/02-9 e 00/11038-9) pelo suporte financeiro a este projeto.
Referencias
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