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An. 6. Enc. Energ. Meio Rural 2006

 

A geração de energia elétrica em um modelo de desenvolvimento endógeno: possíveis soluções para as comunidades isoladas do interior do estado do Amazonas

 

 

André Frazão TeixeiraI; Carla Kazue Nakao CavalieroII

IFEM/UNICAMP - Doutorando em Planejamento de Sistemas Energéticos
IIFEM/UNICAMP - Professora Doutora em Planejamento de Sistemas Energéticos

 

 


RESUMO

Neste trabalho procurou-se enquadrar a geração de energia elétrica para as comunidades isoladas do interior do Estado do Amazonas em um contexto de desenvolvimento endógeno. Propõe-se um desenvolvimento regional local, com a inclusão da geração de energia elétrica para estas comunidades em um contexto de desenvolvimento, e não de forma isolada como proposto pelo programa de eletrificação do Governo Federal "Luz Para Todos".

Palavras Chave: Energia Elétrica, Desenvolvimento, Comunidades Isoladas, Amazonas.


ABSTRACT

This work was developed to fit the generation of electric energy for the isolated communities of the interior of the Amazonas State in a context of endogenous development. A regional development is proposed, with the inclusion of the generation of electric energy for these communities in a context of development, rather than the isolated form proposed in the federal government electrification program of "Luz Para Todos" (Light For All).


 

 

1. Introdução

O Estado do Amazonas possui um baixo nível de desenvolvimento em seu interior. Os dados do IDH mostram todo o atraso do interior em se tratando de desenvolvimento socioeconômico, chegando a 72% o número de pessoas vivendo com uma renda mensal abaixo de R$ 75,50 [1]. A parcela da população pertencente às comunidades isoladas sofre com a falta de uma geração de renda que culmine em um processo de desenvolvimento, devido principalmente à ausência ou à inadequação dos planos de desenvolvimento (quando) propostos para elas. Para estas, a ausência de planos se deve ao fato de não se tratar de uma parcela da população com voz ativa em debates regionais sobre processos de desenvolvimento e à própria configuração do desenvolvimento brasileiro, excludente quando se trata da região Norte do país. Mesmo quando foram implantados programas para a região, sua inadequação mostrou que apenas copiar modelos de outras regiões não é garantia de sucesso em todo o território brasileiro. É preciso que se aproveite as potencialidades disponíveis localmente tanto para o início de um processo de desenvolvimento quanto para a efetiva eletrificação destas localidades.

O fornecimento de energia elétrica nos sistemas isolados é realizado através de motores-geradores a óleo Diesel que causam desperdício de combustível, em função da vida útil ultrapassada e da baixa eficiência, e de recursos financeiros, uma vez que a manutenção destes sistemas térmicos é subsidiada pela Conta de Consumo de Combustíveis - CCC-ISOL. Além da precariedade do serviço prestado, existem ainda muitas comunidades dos sistemas isolados onde sequer a energia elétrica chegou. Diante deste fato, o Governo Federal criou o programa Luz para Todos. Este programa tem prazo até 2008 para atender toda a população atualmente excluída energeticamente no país. Com isso a esfera federal "espera" que a energia elétrica sirva como um vetor para o desenvolvimento desta parcela da população. Porém, o programa tende a ser generalizante, tratando de forma igual comunidades isoladas no Estado de São Paulo e no Amazonas, por exemplo, indicando como o primeiro passo a ser tomado a extensão de linhas de distribuição, inviável para a maior parte das comunidades do Estado do Amazonas. Além disso, não possui uma clara ligação com o início de um processo de desenvolvimento, não indicando o uso de potencialidades regionais, apenas indicando uma "melhora" para a implantação de outros programas federais [2].

Para implementar um sistema de geração de energia elétrica que aproveite as potencialidades locais da região, inclusive de sua população, e promova um desenvolvimento de dentro pra fora, é necessário, antes de tudo, definir os atores envolvidos, no caso a população local, as instituições acadêmicas e de pesquisa, as prefeituras municipais, o governo estadual e o Governo Federal. As condições básicas para o início desse processo são: o apoio de todas as esferas governamentais, principalmente as locais (estaduais e municipais), mas também a federal; e a vontade da população local em se desenvolver, ou seja, querer o desenvolvimento. Isto inclui outra condição importante: a organização política local, a fim de contribuir para o processo e evitar futuros problemas e desacordos internos (como por exemplo, posse de áreas).

Instituições acadêmicas e de pesquisas também possuem papel importante no processo, desenvolvendo novas tecnologias e testando-as; apoiando (principalmente com a formação e disponibilidade de mão-de-obra) projetos de iniciativa das esferas governamentais; e propondo novos projetos para estas comunidades.

Com a participação ativa de todos os atores interessados definem-se duas classes principais de problemas a serem combatidos:

Desta forma, este artigo tem como objetivo propor para os sistemas isolados da região Norte uma adequação do modelo de geração de energia elétrica ao modelo endógeno, permitindo que se inicie um processo de desenvolvimento auto-sustentável e ambientalmente correto. Para tanto, são tecidos alguns comentários sobre os pré-requisitos necessários para esta adequação. Por fim conclui-se que a geração de energia elétrica por si só não é capaz de promover o desenvolvimento sócio-econômico, ambiental e energético das comunidades isoladas. Outros fatores têm igual importância dentro deste processo e precisam ser contemplados para que se possa chegar a este objetivo.

 

2. PRÉ-REQUISITOS: ORGANIZAÇÃO, INTERCÂMBIO E REDES.

Como na maioria dos casos a comunidade possui disposição e organização política para se desenvolver, é fundamental que ela seja incluída no processo, dando voz ativa à mesma. Em muitos projetos desenvolvidos nos sistemas isolados, nos quais a consulta e participação da comunidade ocorreu em todas as etapas do processo de geração de energia elétrica, desde a escolha do potencial energético mais adequado até a implantação da tecnologia, foi verificado um engajamento maior da população aos projetos e principalmente, um cuidado maior com os equipamentos instalados. Este engajamento se intensificou ainda mais nos projetos em que foram ministrados também cursos técnicos que permitiram à própria comunidade, através de um ou dois moradores, realizar a manutenção básica destes equipamentos.

Além das próprias comunidades, a participação das prefeituras municipais também é fundamental neste processo, já que é a instituição pública mais próxima destas. Da mesma forma, a participação das instituições acadêmicas e de pesquisa também deve ser ponto-chave, como forma de suprir cientificamente (e tecnologicamente) os anseios da comunidade e da prefeitura, para a viabilização do início de um processo de desenvolvimento e para propor projetos aos órgãos de financiamento federais e estaduais. O governo estadual também deve participar do processo através de programas de fomento à pesquisa e ao desenvolvimento, mas não de forma generalizada como tem sido feito, e principalmente analisando e (se for o caso) apoiando iniciativas de desenvolvimento regional que partam dos próprios municípios.

E finalmente o Governo Federal, através de suas agências de fomento à pesquisa, pode agir como sinalizador de investimentos, tanto nos fatores condicionantes quanto nos estruturantes, e, neste último caso, principalmente na geração de energia elétrica. A esfera federal também deve agir de forma a interligar todos os programas de cunho social, tornando mais claro seus objetivos.

Outros fatores importantes são a organização, o intercâmbio de informações entre todos e a formação de redes pessoais e impessoais entre os atores citados acima. Iniciativas pontuais, embora válidas, não serão suficientes para se iniciar um processo de desenvolvimento, já que a comunidade não possui voz ativa; a prefeitura municipal não toma conhecimento de suas necessidades; as instituições acadêmicas e de pesquisas se deparam com um abismo entre o querer, o implantar e o mais correto; e os governos, estadual e federal, tendem a generalizar o processo, não atendendo às expectativas anunciadas.

A formação de redes é de extrema importância para a continuidade e o sucesso do projeto e são imprescindíveis para o processo de desenvolvimento. Estas redes podem ser formais e informais. No caso de redes formais para viabilizar o financiamento necessário para a implantação, evolução e continuidade do projeto de desenvolvimento, e no caso de redes informais para adquirir o intercâmbio de informações importantes sobre a cultura da comunidade e a forma ideal para o seu desenvolvimento, e para o intercambio de informações sobre tecnologias disponíveis, como por exemplo no caso da geração de energia elétrica de forma distribuída através de células a combustível.

Um diagrama sobre como seria o processo ideal é mostrado na Figura 1:

 

 

Onde:

Este diagrama implica num grande poder decisório para as comunidades isoladas, colocando ainda as esferas governamentais com o mesmo poder que as instituições acadêmicas e de pesquisa responsáveis pelas tecnologias necessárias, o que seria o ideal. Porém, mais do que ideal é preciso um pensamento realístico. Grande parte das lideranças comunitárias, se não a totalidade, não possui experiência política nem instrução necessária. E ainda, há de se ressaltar o grande abismo que é a chegada da opinião de uma comunidade isolada ao Governo Federal e vice-versa. Assim, é preciso adequar o pensamento teórico à realidade.

Além de todos estes passos, é preciso também que sejam colocadas alternativas de geração de renda para estas comunidades, como o uso de produtos regionais através da organização e o aproveitamento de suas cadeias produtivas. Para isto devem-se utilizar as matérias-primas disponíveis na própria localidade, ou seja, desenvolver a cadeia produtiva e, do ponto de vista da geração de energia elétrica, adotar a tecnologia que melhor se encaixa para cada caso.

 

3. CRITÉRIOS PARA A SELEÇÃO DE TECNOLOGIAS DE GERAÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA.

Assim como é fundamental a consulta à comunidade quanto às potencialidades locais para geração de renda, o é também quanto ao aproveitamento energético e às tecnologias disponíveis. O mais importante é perceber que não existe uma fórmula única para todas as comunidades isoladas do Estado do Amazonas, ou seja, não existe apenas uma tecnologia que seja a ideal. Existem potenciais diferenciados para cada região, e às vezes cada localidade, que podem ser aproveitados com tecnologias também distintas.

Como exemplo, serão analisadas quatro alternativas de geração de energia elétrica nos sistemas isolados: os painéis fotovoltaicos, o motor-gerador multicombustível, os gaseificadores e as Micro-centrais Hidrelétricas - MCH.

O uso de painéis fotovoltaicos, embora seja uma tecnologia disponível e já utilizada na região, vem sendo destinado apenas ao atendimento residencial em virtude dos elevados custos da tecnologia e do rendimento energético, ainda baixo quando comparado com outras tecnologias. Para atender atividades nos quais a demanda de energia elétrica seja grande, seriam necessários vários painéis, um banco de baterias e, principalmente, uma grande área segura para abrigar estes equipamentos, lembrando que o período de chuvas inunda muitas áreas na região. Assim, para um maior desenvolvimento da comunidade sob o ponto de vista econômico, esta tecnologia apresenta algumas restrições que podem dificultar a sua utilização, sendo mais viável apenas em localidades onde não existam outras alternativas energéticas e visem, preferencialmente, o atendimento residencial. Um outro ponto a ser ressaltado, é que na maioria dos projetos em que os painéis foram instalados, não houve qualquer preocupação em informar a população sobre a tecnologia em si, mantendo-a praticamente desconhecida dos habitantes locais [3] (Cavaliero, 2003). Isto também pode gerar alguma desconfiança e até receio em utilizar os painéis fotovoltaicos, colocando em risco não apenas o projeto energético em si, mas também a possibilidade de desenvolver uma atividade produtiva local.

A utilização de motores-geradores multicombustível é outra opção de tecnologia. Esta foi utilizada na comunidade do Roque, no município de Carauari, e embora o projeto não tenha atendido todos os seus objetivos, sob o ponto de vista técnico da geração de energia elétrica esta tecnologia tem se mostrado viável até o momento. Vale ressaltar que o óleo vegetal produzido a partir da andiroba pode ser destinado também para outras atividades, servindo como matéria-prima para a indústria de cosméticos e farmacêutica. Assim, além de atender a comunidade com energia elétrica, o uso deste óleo também promove uma atividade econômica para a população, já que são os próprios moradores que administram e trabalham na mini-indústria, permitindo no médio e longo prazo um maior desenvolvimento para a região.

No caso dos gaseificadores, com o grau de maturação da tecnologia acredita-se que não haverá maiores problemas para utilizá-lo na geração de energia elétrica na região, ainda que o projeto mencionado esteja em andamento. Mais ainda, espera-se que seja outra tecnologia viável no curto prazo, tornando-se uma alternativa importante dentro do escopo de desenvolvimento local, especialmente no projeto em questão em vista da perspectiva de geração de renda a partir da comercialização da polpa de açaí. Um exemplo desta tecnologia é encontrado no projeto NERAM, de responsabilidade do Centro de Desenvolvimento Energético da Amazônia - CDEAM. O projeto prevê a criação de uma cooperativa (contemplando quatro comunidades situadas no município de Manacapuru, interior do Amazonas) para a produção e comercialização de polpa de açaí. Neste processo o caroço desta fruta será usado para a produção de energia, através de um gaseificador, instalado na própria cooperativa.

Em se tratando das MCH, apesar da grande quantidade de rios, existe a restrição climática da própria região, na qual o inverno e o verão são marcados por um período de seca, chegando a fazer muitos rios sumirem, e um período de chuvas, alagando várias áreas. Nestas condições é preciso tomar cuidado com a localização da instalação dos equipamentos. No entanto, em regiões propícias e havendo um projeto bem planejado, esta tecnologia se configura em uma opção importante, não podendo de forma alguma ser descartada. Com a melhor tecnologia disponível escolhida, é preciso dar prioridade para o principal problema para o efetivo desenvolvimento destas comunidades isoladas: a geração de renda. E relacionar a geração de energia elétrica com esta.

 

4. CADEIAS PRODUTIVAS, GERAÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA E GERAÇÃO DE RENDA.

Constatando-se que o maior problema a se combater para o efetivo sucesso de um projeto de desenvolvimento para as comunidades isoladas do interior do Estado do Amazonas é a geração de renda, e que esta depende de vários fatores, não somente da implantação de energia elétrica, vislumbra-se como maior oportunidade para um efetivo sucesso o aproveitamento dos produtos amazônicos através de suas cadeias produtivas.

A disponibilidade destes produtos na região é gigantesca e seu aproveitamento torna-se necessário para estas comunidades, que além de tudo já os conhecem muito bem. Várias são as opções de cadeias produtivas e não se deve generalizá-las para todas as comunidades, já que existem potenciais diferentes em cada localidade.

Desta forma, para que as diversas cadeias produtivas possam ser exploradas, é fundamental um estudo individualizado em cada comunidade, verificando algumas características, como por exemplo, qual produto tem maior disponibilidade na região, se este apresenta uma boa perspectiva de expansão, se sua demanda é alta e qual destes é de maior conhecimento da comunidade em questão, etc. Somente desta forma, e não padronizando, será possível obter um aproveitamento vitorioso destas cadeias.

Como exemplo de uma cadeia produtiva promissora na região, cita-se a do açaí, que conta com a participação desde os apanhadores, passando pelos barqueiros que transportam o produto, até as agroindústrias de transformação atacadista/varejista, finalizando no consumidor [4] (Moreaes et all, 2001). Alguns estudos identificaram que as principais dificuldades para a comercialização deste produto no mercado externo são a qualidade do suco exportado, cuja melhoria exigiria investimentos direcionados ao desenvolvimento de uma tecnologia de conservação do vinho do açaí, controlando o efeito da ação microbiana; a definição do tipo de material para embalagem e transporte de frutos ensacados; e a consolidação de uma legislação específica de comercialização do produto [4] (Moreaes et all, 2001).

Sob o ponto de vista energético, a comunidade isolada que possua a matéria-prima disponível tem a possibilidade de gerar eletricidade através do caroço do açaí. A energia estaria inserida no processo como um dos elos necessários para garantir o desenvolvimento da comunidade, não sendo, porém, o único.

Um outro exemplo, muito comum na região, é o aproveitamento do pescado como atividade econômica. E neste caso a energia elétrica poderia ser necessária para condicionar o peixe e até mesmo congelá-lo para ser vendido na sede dos municípios ou em épocas de estiagem.

Este é um exemplo de cadeia produtiva que não apresenta características a serem relacionadas como opção energética para a geração de eletricidade, como é o caso dos óleos vegetais ou do açaí. No entanto, outros potenciais da região podem estar disponíveis para este fim, como àqueles associados às MCHs e aos painéis fotovoltaicos, destinados a atender baixas demanda de eletricidade, de tal forma que a geração de energia continue sendo um meio, em não um fim no processo de desenvolvimento.

Em 2003 a SUFRAMA apresentou um estudo que mostrou o potencial de exploração de sete produtos no Estado do Amazonas: açaí, dendê, guaraná, cupuaçu, piscicultura, produtos madeireiros, amido de mandioca e plantas para uso cosmético e medicinal [5].

Embora o estudo tenha dado ênfase às áreas que já possuem certa infra-estrutura (não contemplando especificamente as comunidades isoladas e sim as sedes dos municípios, especialmente os mais urbanizados) para o desenvolvimento destes produtos, não se pode negar o potencial destes também em comunidades isoladas, guardadas as devidas proporções de escala de produção. Além disto, a diversidade amazônica é gigantesca e, infelizmente, o estudo não contemplou outros produtos, como por exemplo, a andiroba, com menos destaque que o açaí, porém com grande quantidade disponível no interior amazonense.

Além de conhecer as cadeias produtivas, é preciso poder explorá-las economicamente. E neste caso, a abertura de linhas de financiamentos específicas por parte do Governo Federal é outra necessidade que precisa ser suprida. Além dos próprios equipamentos para o desenvolvimento de atividades econômicas, este financiamento deveria ser estendido também para a aquisição das tecnologias de geração de energia elétrica através de um programa direcionado especificamente para a Região Norte, que pudesse também atrair investidores privados num horizonte mais distante. Iniciativas como os projetos vinculados às instituições federais, como o CNPq, são importantes, porém pontuais e não são comparáveis a um projeto maior de financiamento.

Com isto, em um primeiro momento estariam sendo dadas as condições necessárias para a comunidade desenvolver a cadeia produtiva mais adequada, ou pelo menos parte dela.

Outro ponto importante é o fornecimento de subsídios (atualmente relacionados diretamente com a ZFM) para a produção e comercialização destes produtos. Apesar destas vantagens não afetarem diretamente as comunidades isoladas, cuja produção deverá ser inicialmente de pequena escala, poderão se tornar interessantes para empresários das sedes dos municípios mais desenvolvidos e para os da capital Manaus, já que estes teriam um aumento na oferta de matérias-primas (brutas ou semi-industrializadas) provenientes do interior, favorecendo indiretamente tais comunidades. No entanto, é bom lembrar que para que isso aconteça torna-se necessária uma reestruturação, ou estruturação, completa das comunidades isoladas e das sedes dos municípios, principalmente em relação aos fatores estruturantes do processo.

Como pode ser observado, atualmente existem vários empecilhos para o aproveitamento das cadeias produtivas e muito ainda precisa ser feito para dar suporte à este aproveitamento de forma a promover o desenvolvimento das comunidades isoladas.

 

5. INVESTIMENTOS: A INFRA-ESTRUTURA E O PROBLEMA DA GERAÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA

Investimentos são primordiais para qualquer tentativa de desenvolvimento de uma região ou localidade. Em se tratando do interior amazonense e principalmente de comunidades isoladas, estes são vitais para a manutenção do próprio ribeirinho no local.

Neste caso específico, os fatores estruturantes do processo são os que demandam maiores investimentos. Os problemas ligados à infra-estrutura nestas localidades vão desde a geração de energia elétrica até uma rede de saneamento básico e distribuição de água, ou no mínimo a construção de um poço artesiano.

Para o início de um processo de desenvolvimento antes de tudo é preciso conhecer cada realidade regional destas comunidades, de forma que se faça investimentos dentro de cada realidade local. E isto está explícito também no caso da geração de energia elétrica.

O interior do Estado do Amazonas possui um alto potencial energético em fontes renováveis, mas é preciso definir metas bem claras para o uso destas. E como vem sendo defendido neste trabalho, é preciso que estas metas estejam atreladas ao início de um processo de desenvolvimento.

A Figura 2 mostra um exemplo de investimento no setor elétrico nos moldes tradicionais de atendimento.

 

 

Onde:

Neste modelo a geração de energia elétrica surge como um condicionante único para o início de um processo de desenvolvimento, como ocorre, por exemplo, nos moldes do programa Luz para Todos do Governo Federal. Não há o elo entre a energia elétrica e outros fatores estruturantes e condicionantes necessários para desenvolver a comunidade.

A Figura 3 mostra o diagrama incluindo a geração de energia elétrica em um processo de investimentos em cadeia, de forma a possibilitar a geração de renda para estas comunidades e efetivar um processo de desenvolvimento endógeno.

 

 

Onde:

Desta forma os investimentos são feitos em cadeia, ou seja, sem uma hierarquia específica, colocando a geração de energia elétrica como um dos fatores a serem incluídos no processo. Direcionar tais investimentos aos gargalos das cadeias produtivas também é uma medida importante para viabilizar a comercialização dos produtos regionais e contribuir para o desenvolvimento das comunidades.

Assim, acredita-se que amenizar um ou outro gargalo não traga resultados tão satisfatórios. O ideal seria que os investimentos fossem aplicados em o máximo de fatores possíveis, em cadeia, de forma a atender aos pontos fracos, inclusive a geração de energia elétrica na região.

Com o processo de desenvolvimento direcionado volta-se para a relação entre as cooperativas (empresas) instaladas e o crescimento e desenvolvimento destas comunidades.

 

6. COMUNIDADES ISOLADAS & EMPRESAS

Em um primeiro momento imagina-se que a produção em cada localidade seja pequena, artesanal, e neste caso uma opção interessante seria a criação de cooperativas contemplando os produtores locais visando atingir o mercado mais próximo, como a sede do município e até mesmo a capital do estado, Manaus. No entanto, para dar segmento a um processo de desenvolvimento é preciso pensar no crescimento e na industrialização na própria comunidade.

Se inicialmente recomenda-se a construção ou ampliação de mini-indústrias e empresas para manufaturar e escoar a produção praticamente in natura fornecida pelas comunidades envolvidas, num horizonte de tempo maior é preciso que o manufaturamento e até mesmo a distribuição do produto, desta vez já partindo com valor agregado, seja feito a partir da própria comunidade, ou seja, levar o sistema produtivo para a própria comunidade.

Este princípio deve-se ao fato de que, para uma empresa, no longo prazo, permanecer auferindo lucros, promovendo a geração de renda e consequentemente o desenvolvimento de seu entorno, esta deve constantemente procurar crescer, sempre visualizando novos mercados, inclusive o externo.

Este crescimento pode ocorrer de algumas formas para uma empresa [6], como por exemplo com a introdução de um novo bem, não familiar aos consumidores ou uma nova quantidade de um bem; a introdução de um novo método de produção; a abertura de novos mercados consumidores; a conquista de uma nova fonte de matérias-primas ou de produtos semi-acabados e o estabelecimento de uma nova organização, com a formação ou ruptura de um sistema de monopólio.

Estas formas de crescimento devem sempre ser observadas para as empresas configuradas nas comunidades isoladas. Tais empresas, dependendo da cadeia produtiva utilizada, obtêm vantagens como a inclusão de um produto novo no mercado ou o aumento da oferta deste produto e a abertura de novos mercados para este produto, ou seja, desde sua criação dispõe de mecanismos para crescer. Porém, o fator que se torna indispensável para o crescimento destas empresas é a adoção de novas tecnologias, principalmente tecnologias de estocagem e manufaturamento, fatores importantes quando se quer atingir o mercado externo. Estas tecnologias devem ser fornecidas a estas comunidades pelo menos no médio prazo, se configurando no diferencial para o seu desenvolvimento.

 

7. CONCLUSÃO

Dentro da perspectiva de geração de energia elétrica a partir do modelo de desenvolvimento endógeno que se propõe na região, alguns pré-requisitos são fundamentais. O primeiro deles é o claro intercâmbio de informações entre todas as esferas governamentais, as instituições acadêmicas e de pesquisa e a própria comunidade isolada. Somente com este intercâmbio poderão ser ouvidos os anseios da comunidade; incluídas as tecnologias de geração de energia mais adequadas aos potenciais energéticos locais; e utilizados os recursos públicos, já tão escassos, de forma efetiva, sem desperdícios.

Um outro pré-requisito é o aproveitamento dos produtos amazônicos através de suas cadeias produtivas. Para tanto são necessários estudos que indiquem o potencial de cada localidade e apontem os gargalos que precisam ser atacados. Desta forma, poderá ser possível iniciar uma atividade econômica que promova geração de renda à população.

Neste sentido, investimentos são imprescindíveis, tanto no âmbito governamental quanto privado. No âmbito governamental, os fatores condicionantes ganham espaço no leque de investimentos que devem ser feitos. Estes se tornam essenciais principalmente por se tratar do capital humano e em pesquisas. Quanto ao capital humano, refere-se principalmente ao fornecimento e qualificação de mão-de-obra, tanto nas comunidades isoladas quanto nas instituições (federais e estaduais) acadêmicas e de pesquisas localizadas no estado, como meio de formar profissionais capacitados a desenvolver projetos e tecnologias em todas as áreas pertinentes ao bom andamento do projeto.

Quanto à pesquisa, refere-se ao fortalecimento e criação de novas agências de fomento, principalmente estaduais, também como forma de fomentar o desenvolvimento de tecnologias e mesmo de formação de pesquisadores especializados.

No médio e longo prazo, o desenvolvimento e o crescimento das atividades produtivas podem atrair agentes privados em todos os setores da economia, desde o setor comercial até o setor energético, especificamente com a participação de empresas energéticas na geração de energia elétrica.

Sobre a geração de energia elétrica, a necessidade de se viabilizar um modelo próprio para a região é imensa. Isto se deve ao fato de tratar-se dos Sistemas Isolados, do curto horizonte da CCC, e principalmente da necessidade de ter em seu bojo a prioridade para o uso do potencial energético local, e sempre que possível das fontes renováveis de energia, atendendo as preocupações ambientais da atualidade.

Vale ressaltar que não existe um sistema de geração de eletricidade padrão para atender todas as comunidades do interior do Amazonas. Cada localidade tem o seu próprio potencial, que precisa ser pesquisado e aproveitado de acordo com as características locais, sempre consultando a comunidade e respeitando a sua opinião.

Além de buscar a melhor forma de atender as comunidades isoladas com energia elétrica, é necessário também atacar outros fatores estruturantes importantes, de tal forma que os investimentos nestes sejam realizados preferencialmente em cadeia, já que a maioria das comunidades carece de praticamente todas as necessidades básicas de infra-estrutura.

Assim, mais que tudo, é preciso que a geração de energia elétrica seja vista como um dos fatores, e não o único, a promover o desenvolvimento econômico, social, ambiental e energético local. Este é um dos diferenciais desta proposta de desenvolvimento endógeno em relação ao resto dos programas até hoje implantados nas comunidades isoladas do Estado do Amazonas, entre eles o programa Luz para Todos.

 

8. Referências Bibliográficas

[1]. Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil. IDH - Índice de Desenvolvimento Humano. Disponível no site: http://www.fjp.mg.gov.br/produtos/cees/idh/atlas_idh.php .Acessado dia 12/06/2005.

[2] MME - Ministério das Minas e Energia (2005). Programa Luz Para Todos. Disponível no site: http://www.mme.gov.br/programs_display.do?prg=8 .Acessado dia 10/08/2005.

[3]. CAVALIERO, C. K. N. (2003) Inserção de Mecanismos Regulatórios de Incentivo ao uso de Fontes Renováveis Alternativas de Energia no Setor Elétrico Brasileiro e no Caso Específico da Região Amazônica. Campinas: FEM, UNICAMP, 2003. Tese (Doutorado) - Faculdade de Engenharia Mecânica, Universidade Estadual de Campinas, 2003.

[4]. MORAES, E. da Cruz. et all (2001). Análise da Cadeia Produtiva do Vinho/suco de Açai (Euterpe oleracea Mart.). Disponível no site: http://www.ufpel.tche.br/sbfruti/anais_xvii_cbf/socio_economia/710.htm .Acessado dia 15/01/2005.

[5] SUFRAMA - Superintendência da Zona Franca de Manaus (2003). Potencialidades Regionais. Disponível no site: http://www.suframa.gov.br/suf-publicacoes-projpotregionais.cfm. Acessado dia: 10/11/2005.

[6]. NAPOLEONI, Cláudio. O Pensamento Econômico do Século XX. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979.