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An. 6. Enc. Energ. Meio Rural 2006

 

A universalização do atendimento no campo gerando um problema de exclusão social

 

 

Rui Manuel B.S. MarquesI; José do CarmoI; Fernando Selles RibeiroII

IMestre em Energia da Universidade de São Paulo - PIPGE - Instituto de Eletrotécnica e Energia, Av. Prof. Luciano Gualberto 1289, CEP 05508-900 - São Paulo - SP - E-MAIL: carmo-jd@uol.com.br, FONE: (0XX-11) (3224-7269)
IIEscola Politécnica da Universidade de São Paulo - USP - Av. Prof. Luciano Gualberto, Travessa 3, 158 - Bloco A - Sala A2-33 - CEP 05508-900 - São Paulo - SP. fribeiro@pea.usp.br (Prof.Dr.) FAX: 5511816287 FONE: (0XX-11) (3091-2657)

 

 


RESUMO

O modelo de universalização do atendimento vigente no Brasil exclui do acesso e do uso da energia as famílias rurais pobres que outrora foram atendidas pela rede elétrica, mas que foram perdendo a capacidade de pagar os financiamentos que fizeram para a ligação da eletricidade em suas casas, e tiveram a ligação cortada pelas distribuidoras. O presente trabalho explora a tensão social que emerge diante do impasse criado e da falta de solução aparente na legislação atual. Propõe ação que pode resolver o problema e conclui, portanto, que é obrigação do Estado, por força da Carta Magna, de erradicar a pobreza no Brasil, cabendo ao Poder Concedente a busca de uma solução para esta desigualdade social, criando as condições necessárias, por meio de uma nova lei, para que efetivamente seja permitido a todos o acesso à luz elétrica.

Palavras-chave: universalização, exclusão social e solução política.


ABSTRACT

The Brazil's model of electric energy's universalization excludes the access and use of energy to the countryside poor families that, in the past, had electricity in his properties, but have not had conditions to pay the financing made for installing the energy in his houses, and had his energy cut by the distributions companies. This work explores the social tension that emerges of that fact and the lack of legislation to deal with the problem. This work also proposes actions that may solve the problem and concludes, therefore, that is state obligation, by means of the constitution, to eradicate the poverty in Brazil, and deal to the Conceding Power the search for a solution to this social problem. Creating the necessary conditions, by means of a new law, to effectively allow the access and use of electric energy to all people.


 

 

1. Introdução

O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) foi o pioneiro que questionou a inexeqüibilidade técnica de atender ao direito de todos ter acesso à energia elétrica, conforme as concessionárias consagraram na tradição do setor elétrico brasileiro.

Chamou a Escola Politécnica como consultora, para dar-lhe o respaldo necessário à discussão, longa discussão, havida com a engenharia de distribuição brasileira.

O Programa "Luz da Terra" provou ser exeqüível a inclusão de todos e abalou a velha engenharia de distribuição.

Discursos tidos por acadêmicos sonhadores há quinze anos, hoje são ditos de boca cheia.

A luz deixou de ser restritiva a partir da Lei da Universalização. Se o BNDES quebrou o paradigma que era possível a luz chegar a todos, a Lei nº 10.438, por meio de seus artigos 14 e 15, quebrou outro paradigma, muito mais significativo: a luz é para todos e de graça, totalmente de graça. Mas, mais adiante veremos que nem todos continuarão tendo acesso a esse insumo. E algo precisa ser feito para que todos cidadãos efetivamente tenham acesso à luz.

 

2. A lei da Universalização

A Lei nº 10.438 veio ratificar o que o BNDES propôs, e a Universidade de São Paulo (USP) e outras poucas universidades tomaram como bandeira. Todos têm o direito ao acesso ao serviço público de energia elétrica e compete ao Estado a obrigação de garantir a todos a concretização desse direito. Esta lei, publicada em 29 de abril de 2.002, dependia de regulamentação, mas era grande a expectativa do morador rural que há muito tempo aguardava o atendimento. O tema "universalização", com o atendimento gratuito e irrestrito, ainda seria motivo de muitos estudos, propostas e análises e levou algum tempo para haver compreensão de temas como claro, prazo de atendimento, impactos tarifários, caixa das empresas, etc., porque se tratava radicalmente de um novo conceito no mercado de energia e no setor elétrico.

Somente em abril de 2.003 a Aneel regulamentou essa lei e estabeleceu metas para a universalização, ou seja, após um ano. A origem dos recursos é da Conta de Desenvolvimento Energético (CDE) e da Reserva Global de Reversão (RGR) conforme Lei nº 10.762, que possibilitou ampliar a fatia que se poderia ter direito à universalização por meio do programa "Luz para Todos", pois se prevalecesse a redação inicial da Lei 10.438 os recursos seriam escassos para a finalidade proposta.

2.1. As discussões no CNPE

Segundo Pereira (2004), o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) criou o Comitê Técnico 7 - Universalização no Fornecimento de Eletricidade (CT-7) com o objetivo de propor as metas e os melhores instrumentos para se atingir, o mais rápido possível, a universalização no fornecimento de eletricidade.

Foram realizados estudos em grupos temáticos de interesse, que eram discutidos em reuniões mensais resultando num processo participativo, o qual produziu recomendações consistentes e amplamente discutidas, sendo ponderados diversos pontos de vista, até atingir uma grande convergência.

O Comitê não considerou a possibilidade de revisão da Lei nº. 10.438, mas recomendou alguns caminhos como forma de focalizar o conceito de universalização ao público que necessitaria intervenção do Estado para inclusão social. Outras recomendações foram feitas, entre elas:

Ficou patente que o cobertor era curto e se esses recursos que a Lei nº 10.438 criara não fossem destinados prioritariamente para universalização do atendimento, os prazos teriam de ser drasticamente ampliados.

Entretanto é importante registrar que a CT-7:

 

3. O efeito do "Luz para Todos" sobre os clientes do "Luz na Terra"

Na forma da lei que vigia para se ter luz elétrica em casa era preciso pagar pela ligação, no caso de se tratar de moradia rural. Um programa de estender a todos o direito do acesso ao serviço de eletricidade era, então, necessariamente um programa de estender a todos o acesso ao crédito. Precisava haver crédito para o pobre rural poder conseguir a ligação e, então, ele teria de pagar pelas obras. Ele acabava assumindo uma dívida alongada, e precisava saldar essa dívida por muito tempo, sessenta meses no caso do programa "Luz da Terra".

Com o advento do debate sobre a lei da universalização, criou-se uma nova expectativa para o morador rural de baixa renda que há muito aguardava a luz. Os ventos, aos poucos, foram levando a informação aos mais necessitados. Os "boca de espera" - jargão do setor que indica os moradores que se caracterizam por estar debaixo da linha secundária e de se recusarem a pagar pelo acesso à linha, deixando-a na conta de seus vizinhos enquanto permanecem no escuro até uma oportunidade de conexão de graça - seriam contemplados com a ligação gratuita, sem terem financiamento para pagar.

Os primeiros casos aconteceram ainda na época das expectativas sobre as alterações da legislação, em setembro de 2002, no município de Itanhaém, onde começaram as cobranças por parte dos vizinhos dos que tiveram as suas ligações de luz financiadas pelo "Luz da Terra" para que fossem também beneficiados com o futuro programa.

Alguns moradores rurais notificaram o BNC e continuaram pagando as prestações sob pena de terem o seu fornecimento de luz interrompido. Outros, simplesmente, deixaram de pagar as prestações e, conseqüentemente, as contas de luz, estão sem luz. A situação se agravou quando foi divulgado o programa federal "Luz para Todos", com a meta de ligar a luz de graça até 2006 para os moradores do estado de São Paulo.

Não há mais pagamento a fazer, logo não há mais crédito a tomar para ter acesso à luz.

3.1. A inadimplência do Programa "Luz da Terra"

A carteira de financiamentos bancários aos beneficiários do programa "Luz da Terra"1 revela comportamento dos pagadores diferente do planejado. Apresenta uma inadimplência superior a R$ 3 milhões, ou seja, aproximadamente 10% do valor financiado.

A cobrança das parcelas no programa "Luz da Terra" é feita por meio da conta de luz, independentemente dos créditos estarem em inadimplentes, pois o objetivo será sempre minimizar esses saldos. O cidadão inadimplente, mesmo que já tenha terminado o seu período de amortização, se quiser ter a luz religada ou não ter o seu nome registrado nos órgãos de proteção ao crédito, terá que acertar com Banco.

No Rio Grande do Sul, no programa "Proluz"2, atribuiu-se grande importância a um instrumento de redução de crédito que, sem objetividade alguma como garantia efetiva, foi de valor psico-social de alta relevância na vida comunitária, que era o "aval cruzado". À vontade de pagar pelo "aval cruzado" foi motivo de diminuição do risco. O modelo aceitou isso e foi um sucesso.

Com a implementação do "Luz para Todos", os beneficiários do "Luz na Terra" passaram a ver os seus vizinhos serem ligados gratuitamente. Em que pese não haver "aval cruzado" no "Luz da Terra" o papel da pressão comunitária age no sentido inverso do "Proluz". Ninguém quer pagar as prestações. As pessoas estão prontas para não pagar. O efeito psicológico da universalização do serviço elétrico foi criar um clima social que induzisse o cidadão à não pagar. Este fenômeno se constitui em uma externalidade de efeitos profundamente negativos.

 

4. O paradoxo do modelo atual

Uma das preocupações da Comissão de Eletrificação Rural do Estado de São Paulo (CERESP) no contexto de suas responsabilidades perante o programa "Luz para Todos" é a inadimplência que se vê aumentando entre os atendidos pelo programa "Luz da Terra".

O programa "Luz para Todos" não permite que sejam usados os recursos da CDE3 e da RGR4 para ligar quem já tenha sido ligado em outros programas. O planejador do "Luz para Todos" considerou ser mais justo que os recursos setoriais, que são escassos perante as necessidades de dez milhões de brasileiros ainda sem luz, sejam destinados somente ao público considerado hoje "excluído elétrico". Logo, quem já foi ligado e está cortado do fornecimento de energia por inadimplência, não pode ser atendido pelo programa cujo discurso é atender a todos.

Mas fica aqui a pergunta: será justo de fato que os inadimplentes do programa "Luz da Terra", que têm a estrutura física do fornecimento de energia permanentemente à sua porta, não tenham direito à ligação efetiva de luz elétrica? Esse ponto é dramático e expõe dificuldades ainda não resolvidas no modelo atual. A inadimplência é um fenômeno que se agravou tanto pela dificuldade crescente do povo pobre do campo quanto pela transição entre dois modelos de eletrificação rural que se sucederam no Brasil. Se para o Banco ela pode ser considerada como algo superável (o risco para o Banco foi ponderado), o sentimento de injustiça social que ela tem causado é uma preocupação constante. Identifica-se um problema social e constata-se que a resposta que o modelo vigente dá a ele é simplesmente ignorá-lo, condenando à exclusão elétrica justamente as famílias mais desprotegidas da sociedade: o pobre rural que pretendeu sair da escuridão e que, tendo ficado mais pobre ainda, vai ficar no escuro ao lado de seu vizinho que, por não ter tomado a mesma iniciativa de aderir ao financiamento popular, agora vai ter luz de graça.

Os agentes do Comitê Gestor Estadual de Universalização de São Paulo em suas andanças pelo interior levando a proposta do programa "Luz para Todos". Todos confirmam que os cidadãos raciocinam como se os programas anteriores, aos quais ficaram inadimplentes, lhes fossem um engodo, ou uma armadilha, culpando os planejadores do "Luz na Terra", o Agente Financeiro ou a Eletrobrás por esse sentimento de injustiça social.

 

5. A dinâmica dos atores sociais

Fabio Rosa e outros autores que também participaram do planejamento e da gestão da experiência pioneira do BNDES com a eletrificação rural no Rio Grande do Sul correlacionaram o grau de organização das comunidades atingidas com o sucesso do projeto, correlação que se manifestava positivamente também em relação à variável mais cara à comunidade, literalmente: o custo das ligações. Mais atenta à comunidade, mais barata a eletrificação rural (ROSA et al., 1993).

Os autores foram muito incisivos em demonstrar que há impacto da pressão do coletivo sobre a atitude que cada um toma face à responsabilidade com que se posta frente às obrigações referentes ao programa que permitiu à sua família o acesso à eletricidade.

Vale a pena lembrar que os programas de energização rural baseados em tecnologia fotovoltaica colocam seus estudiosos sempre preocupados com a sustentabilidade desses programas. E o envolvimento da comunidade é um componente fundamental da sustentabilidade.

Conforme comentado anteriormente, considerou-se de natureza dialética a tensão entre a tese de que "pressão construtiva de fato fortalece o programa de eletrificação rural", com a sentença que lhe é oposta: "sentimento negativo emanado do contato com o coletivo da comunidade induz ao surgimento de barreiras ao programa de eletrificação". Essas duas sentenças são equivalentes a "se todos pagam, eu faço questão de pagar" e sua antítese, anteriormente comentada, "se ninguém paga eu devo deixar de pagar".

Esses opostos se antagonizam dinamicamente. Será da tensão entre esses dois fatos sociais - ambos fatos reais, da prática da eletrificação rural - que eclodirá o novo fenômeno que irá representar a solução para o problema, que é interpretado como um paradoxo do atual modelo de política energética: o modelo vigente de universalização do atendimento exclui do acesso e do uso da energia elétrica as famílias rurais muito pobres que participaram dos programas governamentais anteriores, justos as mais pobres famílias rurais. Só as rurais, pois os cidadãos urbanos já não precisavam pagar, na prática, pela ligação da rede elétrica em suas casas.

Os pesquisadores encontraram farto material, de diferentes naturezas e de diferentes interesses. Há cidadãos que conseguem se manter mesmo sentindo-se comprimidos pelos mecanismos frios de suas relações com o banco e com a concessionária; e outros que soçobraram e foram excluídos. Encontra-se uma realidade cuja complexidade desafia estudiosos não apenas do campo das políticas energéticas, mas também do interesse dos campos da agricultura familiar, inclusão social, psicologia social, ordem política e do direito. Todas essas dimensões haverão de conduzir o problema à sua vertente natural: o campo político.

5.1. Demandas na feira Agrifam

A Federação dos Trabalhadores Rurais do Estado de São Paulo (Fetaesp) realizou em Agudos, em mês de agosto, a edição de 2005 de sua concorrida feira anual de agricultura familiar, Agrifam, evento que envolve os atores dessa atividade, com destaque para o ator principal: dezenas de ônibus chegam de todo o interior, trazendo o agricultor familiar para discutir os problemas de sua difícil atividade. Dentre dos problemas formalmente apontados em tal ambiente da maior representatividade, dentre as barreiras do desenvolvimento da agricultura familiar, foi encaminhada ao Governador de Estado a preocupação com esses que ficaram sem luz por falta de recursos financeiros para pagar suas prestações do "Luz da Terra". Além de estarem sem luz estão sem crédito para continuarem suas atividades, pois a vida continuar. Estão com os seus nomes inscritos nos sistemas de proteção ao crédito. O Governador, os Secretários de Agricultura e de Energia e o Agente Financeiro, receberam a solicitação de dar uma solução para o problema.

5.2. Demanda do MST

Após a feira houve um manifesto dos assentados em Pirapozinho. Liderados pelo Movimento Sem Terra (MST) apresentaram ao BNC uma pauta que, entre os pontos elencados, destaca-se a questão do endividamento com o programa "Luz da Terra". Querem que o programa "Luz da Terra" seja transformado em "Luz para Todos". O BNC não tem mecanismos legais que permita atender a solicitação. A cortina começa a abrir-se mostrando um cenário não muito promissor.

5.3. O movimento dos legislativos estaduais

Extrapolando para a esfera nacional, o ruído é o mesmo. Houve um evento promovido pela Câmara Setorial Temática da Assembléia Legislativa do Estado de Mato Grosso, por meio de vídeo conferência, realizado no mês de julho de 2005, em que alguns deputados mato-grossenses discutiram a situação constrangedora no seu Estado. Os beneficiários do programa "Luz para Todos" estão recebendo luz de graça, sendo que muitas das vezes as linhas são derivados dos ramais feitos pelo "Luz no Campo" para quem tem que pagar as prestações do contrato financeiro. Pelo programa "Luz no Campo" foram realizados em Mato Grosso 42.222 ligações, tendo sido utilizados aproximadamente R$ 139 milhões. Nessa data, o saldo devedor do programa era da ordem de R$ 93,7 milhões. Pelo programa "Luz para Todos" já foram utilizados R$ 1,3 bilhão em todo Brasil. Continuam conectando na rede feita pelo "Luz no Campo" novos consumidores. Com esse procedimento estimula-se que os beneficiários do "Luz no Campo" deixem pagar a suas prestações. Esta era a preocupação do representante das Centrais Elétricas Mato-grossenses (Cemat), concessionária pertencente ao Grupo Rede. De acordo com a informação do representante do Grupo Rede na CERESP a inadimplência do "Luz no Campo" nas áreas de abrangências de suas concessionárias é da ordem de 20%. Para uma empresa que tem como finalidade a distribuição de energia elétrica uma inadimplência de 20% não contribuirá com resultados satisfatórios nos seus balanços. Há que a Aneel, Eletrobrás e Ministério das Minas e Energias olhem atentamente este problema. Persistindo o quadro, então, há que se pensar e concordar que as concessionárias e permissionárias estavam certas ao adotar o critério de seletividade de dar crédito e colocar luz somente para quem tinha dinheiro. A sugestão colocada em discussão era a seguinte: no "Luz para Todos" além da construção do ramal em média tensão também é dado o 'kit interno" instalado. Valendo-se dessa prerrogativa estão propensos a encaminhar, por meio de um deputado federal, ao Congresso Nacional um anteprojeto baseado no conceito de isonomia para que os beneficiários do 'Luz no Campo" tenham o mesmo beneficio.

5.4. Preocupação do Secretário de Energia de São Paulo

Em julho de 2005, o Secretário de Energia de São Paulo, preocupado com as manifestações da sociedade relatadas, com reclamos do BNC com relação à inadimplência, com a "chiadeira" das concessionárias que têm que enfrentar as discussões no campo e suportar a inadimplência do "Luz no Campo" procurou recentemente agendar audiência com o Ministro de Energia para externar a preocupação do Estado de São Paulo com os problemas provocados pela implementação da Lei nº 10.438. Estava agendada para 27 de julho, mas não foi possível e continua na pauta do Secretário de Energia.

 

6. Ações do Ministério Público

Liminar contra o Agente Financeiro e determinações judiciais

A região do Vale do Ribeira é das regiões do estado de São Paulo mais pobres. Há municípios nessa região que, segundo o IBGE, a renda per capita é menor que o salário mínimo. Mais de 80% do público atendido se enquadra na condição de renda familiar bruta de um salário mínimo mensal a R$ 7.500,00 anualmente. A maioria é posseira. Não tem titulo de posse da terra e vive em condições de vida limitadas.

Desde 2002, havia beneficiários do "Luz da Terra" que reclamavam da conta de luz em conjunto com a prestação do financiamento do programa "Luz da Terra". Muitos argumentavam que tinham dificuldades em pagar as duas coisas ao mesmo tempo.

Representantes do Banco Nossa Caixa S.A. e da Elektro Eletricidade e Serviços S.A., por várias vezes, foram convidados a discutir esse problema com os advogados e representantes das comunidades de alguns municípios, principalmente no Vale do Ribeira. A posição dos representantes do Banco sempre foi a de respeitar as condições contratuais.

Lembrar da política definida pelo formulador do "Luz da Terra" é oportuno. Esta era uma das condições para minimizar o risco dessa operação, vir a prestação a ser paga no mesmo papel da conta de luz, cujo pagamento é obrigatório e reconhecido como tal.

O tempo foi passando e não se abriu mão dessa condição.

A Promotoria de Justiça do Consumidor, órgão ligado ao Ministério Público do Estado de São Paulo, intimou o Banco e a Elektro para que seus representantes prestassem os devidos esclarecimentos a respeito dos reclamos da sociedade dessa região.

Em 31 de março de 2004 os representantes da Elektro e do BNC, acompanhados de respectivos advogados, estiveram perante o Promotor de Justiça do Consumidor prestando os esclarecimentos solicitados. Primeiramente, o Promotor tentou buscar a solução da exclusão da prestação do financiamento da conta de luz, e não houve consenso. Então foi lavrado o Termo de Audiência nº. 30/2004 que, depois de identificados os participantes, diz:

(...) informando o seguinte: reiteram os esclarecimentos já prestados nos autos; informam que há previsão legal e contratual para a cobrança de outros serviços, como o financiamento tratado nos autos, em conta de energia elétrica; no caso de inadimplência, mesmo havendo cobrança de outros serviços, o art. 91, inc. II, da Resolução nº. 456, de 29/11/2000 da Aneel permite o corte; o contrato tratado nos autos teve por base o Decreto Estadual nº. 41.187, de 25/09/1996, que conferiu à CERESP - Comissão de Eletrificação Rural do Estado de São Paulo (situada na Rua Bela Cintra nº.847, 11º andar, nesta capital - Coordenador Sr. Paulo Ernesto Strazzi) o dever de coordenar e gerenciar o programa "Luz da Terra"; diante da previsão legal, as empresas esclarecem que não possuem condições de transigirem, no sentido de deixar de efetuar a cobrança do financiamento na conta de luz. Nada mais.

Passados alguns meses, os representantes da CERESP foram intimados a prestar esclarecimentos a respeito, os quais ratificaram a posição anterior.

Posteriormente, em outubro de 2004, novamente foram intimados os representantes do Banco Nossa Caixa S.A. e a Elektro a prestar mais esclarecimentos. O Promotor atuou tentando buscar uma solução pacifica no desmembramento das prestações do financiamento da conta de luz. Não se chegou a um acordo.

O Ministério Público de São Paulo entrou com uma ação judicial cível requerendo uma liminar que permitisse a desvinculação da prestação do financiamento da conta de luz. O juiz da 10º Vara Cível Central em São Paulo, em 7 de março de 2005, deferiu nos seguintes termos:

(...) Posto isso, concedo parcialmente a tutela para o fim de determinar que a co-ré Elektro, antes do corte de energia do consumidor inadimplente, e sempre que tiver custos de financiamento do programa "Luz da Terra" incluídos em sua conta de energia, encaminhe-lhe, com antecedência mínima de 15 dias, fatura, resgatável na rede bancária, discriminando exclusivamente o valor do consumo de energia em atraso, sendo-lhe vedado o corte de energia daquele consumidor se por ele for liquidada tempestivamente aquela fatura, tudo sob pena do pagamento de multa de R$ 10.000,00 para cada consumidor prejudicado. A religação da luz, por sua vez, quando o corte de energia vier a ocorrer, será operacionalizada pela Elektro tão logo liquidada a fatura relativa ao consumo exclusivo de energia elétrica em atraso, que será relativa ao consumo exclusivo de energia elétrica em atraso, que será expedida sempre que solicitada pelo consumidor, tudo sob pena do pagamento de multa de R$ 10.000,00 para cada consumidor prejudicado. Intime-se a co-ré Elektro a cumprir de imediato a tutela ora deferida, intimando-se também a co-ré Nossa Caixa Nosso Banco e o Ministério Público dos termos presentes.

Portanto, pela decisão do digníssimo juiz, o pleito não foi atendido plenamente. Entendeu o juiz que a cobrança da prestação do financiamento na conta de luz é amparada legalmente. Entretanto só se faria a desvinculação da prestação antes do corte. Como o corte somente é feito após 60 dias de vencida a primeira parcela, pois esse é o critério na Elektro, o devedor terá, pelo menos três prestações vencidas na data do corte. Serão, portanto, três contas de luz e três prestações vencidas. Para esse público, que tem outras necessidades primárias, vai-se agravando a situação, e pode-se presumir que essa nova disposição possa aumentar o risco de inadimplência relativa ao financiamento do Banco.

O Banco e a Elektro, por meio dos seus Departamentos Jurídicos recorreram da decisão e até setembro de 2005, não houve decisão do recurso. Os procedimentos de cortes continuam os mesmos. A Elektro é a empresa que detém na sua área de atuação a maior parte dos contratos do programa "Luz da Terra", aproximadamente 60%. É evidente que se a decisão for mantida em última instância a inadimplência deverá aumentar assustadoramente. O desdobramento dessa ação será estendido às demais empresas, e, inclusive ao programa "Luz no Campo".

6.1. O Juiz de Direito proíbe a cobrança no Horto Florestal Guarany

O Assentamento Horto Florestal Guarany localizado no município de Pradópolis, é administrado pelo Instituto de Terras do Estado de São Paulo (ITESP) e das 273 famílias assentadas, 242 famílias foram beneficiadas com o programa de eletrificação rural "Luz no Campo" pela Companhia Paulista de Força e Luz (CPFL).

O critério de cobrança da prestação do financiamento é feito na conta de luz em conjunto com a fatura do consumo. O consumidor tornando-se inadimplente, a CPFL procede ao desligamento do seu fornecimento de luz. O procedimento é idêntico ao "Luz na Terra" e gerou protestos também por causa da gratuidade do modelo atual. Os moradores foram ao Ministério Público que entrou com uma ação judicial na Comarca de Guariba, em julho de 2005, para que fosse concedida medida liminar aos inadimplentes moradores do Assentamento Horto Florestal Guarany, baseada no princípio de isonomia.

O pedido de liminar foi deferido, em 26 de julho de 2005, pelo Juiz de Direito dessa Comarca que, nos termos a seguir, ordenou à concessionária:

(...) abstenha-se de cobrar a taxa de financiamento dos consumidores de energia elétrica que aderiram ao programa "Luz no Campo", no Horto Florestal Guarany bem como restabeleça, em relação a essas mesmas pessoas, eventuais, interrupção do serviço em razão do inadimplemento das contas, sob pena de multa diária, em cada um dos dois casos, no patamar de R$ 1000,00."

Argumenta o Juiz de Direito:

A plausibilidade do direito mostra-se evidente, porquanto o Governo Federal, visando à redução da pobreza, aumento da renda familiar e com o fito de permitir maior desenvolvimento econômico às comunidades do meio rural, lançou o programa "Luz para Todos", incluindo, de forma expressa, a eletrificação em assentamentos rurais.

O programa, instituído pelo Decreto nº 4.873 de 11 de novembro de 2003, por óbvio, é direcionado a todas as famílias que ostentem as mesmas condições, ainda que, parte delas, tenham aderido, anteriormente, o contrato de financiamento com a empresa fornecedora.

Como é cediço, o simples fato de se estar residindo no Horto Florestal Guarany indica tratar-se de famílias com parcos recursos financeiros, tendo em vista que a seleção para ser contemplado com um lote é rigorosa e só admite atender os mais desfavoráveis.

Diante disso, seria iníquo e infringiria princípios constitucionais, que pessoas nas mesmas condições sejam tratadas de maneira diferente, diante de um ato normativo editado pelo Governo Federal, devendo-se garantir o beneficio a todas as pessoas que estejam na mesma situação.

Assim, não é porque alguns moradores resolveram, com sacrifício, aceitar o financiamento perante a requerida, que não podem ser abrangidos pelo comando do decreto acima mencionado. A se raciocinar de forma diversa, a finalidade de programa e do Decreto estaria parcialmente comprometida, pois várias famílias continuariam a ter seus rendimentos comprometidos, em nada cooperando para a redução da pobreza.

É evidente que a CPFL irá recorrer da decisão porque, o risco financeiro dessa operação é dela perante a Eletrobrás, apesar de se ter certeza da condição desfavorável desse público.

Assim, como o Ministério Público o fez a favor dos beneficiários do "Luz da Terra", com esta liminar deferida fica patente que esta instituição está pretendendo que haja mais justiça com os mais pobres. Em outras palavras o Juiz de Direito repercute o sentimento da sociedade e diz, salvo maior juízo, que todos têm que ter o mesmo direito e que para que isso ocorra no caso do "Luz no Campo", a concessionária que busque resguardar seus direitos. Equivale dizer, no regime de concessões públicas de distribuição de energia elétrica no Brasil, que ela que se entenda com o regulador, já que quem determinou que a luz deveria ser de graça foi o Poder Concedente em manifestação livre e legítima do Congresso, sancionada pelo Presidente da República.

6.2. O que pode vir a acontecer?

Há que se imaginar que é provável que se alastre o movimento de não pagar as prestações tanto do "Luz da Terra" quanto do "Luz no Campo". Se forem consolidadas as decisões liminares da Justiça Estadual, é provável que os tomadores possam deixar de pagar as prestações dos programas de eletrificação rural.

Este é o cenário que as instituições envolvidas no processo não gostariam que acontecesse, pois as regras do jogo devem ser cumpridas.

Há uma tensão. O Estado representa a sociedade no combate à pobreza, e se a sociedade e Estado não se preocuparem com o resgate desses mais desamparados, com certeza não haverá uma sociedade mais justa. Por outro lado também não é justo que as instituições, tanto o banco no "Luz da Terra" como as concessionárias no "Luz no Campo" tenham prejuízos com essas atitudes. Na outra ponta, se prejuízo houver, ele será integralmente repassado, na forma da lei, à conta capital e ao acionista, no caso do banco, e à tarifa e daí ao conjunto de seus consumidores, no caso da concessionária.

 

7. A síntese

Há então a proposição de uma nova tese que o trabalho apresenta como resultado lógico e natural do tensionamento que se aguça. A nova tese é que "algo precisa ser feito". Se essa tese for demonstrada, dado que já se aceitou que nada pode ser feito dentro do quadro legal vigente, surge o corolário imediato: algo precisa ser feito além do quadro vigente. E como não há sentido em fazer algo fora da moldura legal, vem o segundo corolário, e será ele que irá sintetizar a ruptura do tensionamento. Desse segundo corolário, deriva a sentença: "A sociedade manifesta sua vontade de que se altere o marco legal para encontrar uma solução para as dívidas das famílias dos tomadores de empréstimos com a finalidade de fazer valer seu direito de acesso à eletricidade, dado que a lei garante a gratuidade dos atos necessários à consecução desse direito".

A dinâmica da sociedade que é envolvida diretamente nesse tema conduz à percepção de que o tensionamento vai ficando dramático. Os sinais que vêm da corda que se estica mais e mais chegam aos pesquisadores com um som tão agudo que eles passam a imaginar que o trabalho fugiu da mera demanda e passa a ser uma forma de pretender atender a um urgente chamado da sociedade. Os agentes do programa "Luz para Todos" se acostumaram à expectativa de serem abordados pelo tensionamento provocado pelas dívidas, hoje incompreendidas, a cada reunião com seu público-alvo. Não se pode falar em rotina, pois não há rotina se a tensão sempre se mostra mais aguçada.

 

8. Considerações finais

Os contratos entre as partes, Banco e beneficiários do programa "Luz da Terra", concessionários e beneficiários do programa "Luz no Campo" são atos jurídicos perfeitos e como tal não poderão ser contestados.

A prestação não paga para o banco são fatos previstos e provisionados e a prestação não paga, para as concessionárias, também é um fato previsto e protegido por lei, pois as empresas não poderão ter prejuízo. Portanto a legitimidade dos contratos e dos atos previstos neles não poderá ser questionada. Trata-se aqui de um público de baixa renda e que precisa ser resgatado e incluído na sociedade como digno cidadão e brasileiro.

O que resta é uma solução política. Ao político caberá encontrar o caminho que a atual conjuntura lhe mostre ser o mais conveniente. E para tal, bastará que o Poder Legislativo faça a alteração da lei vigente.

 

Referências

AGÊNCIA NACIONAL DE ENERGIA ELÉTRICA - Aneel. Resolução Aneel nº 223, de 29 de abril de 2003. Estabelece as condições gerais para elaboração dos Planos de Atendimento de Energia Elétrica para ligar novas unidades consumidoras ou aumento de carga, regulamentando o disposto nos artigos 14 e 15 da Lei 10.438, de 26 de abril de 2002, e fixa as responsabilidades das concessionárias e permissionárias de serviço público de distribuição de energia elétrica. Brasília, DF, 2003. Disponível em: http://www.aneel.gov.br/legislação ..

AGÊNCIA NACIONAL DE ENERGIA ELÉTRICA - Aneel. - DECRETO nº 4.873, de 11 de novembro de 2003. Institui o Programa Nacional de Universalização do Acesso da Energia Elétrica - "LUZ PARA TODOS" e dá outras providências. Brasília, DF, 2003. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/legislação .

AGÊNCIA NACIONAL DE ENERGIA ELÉTRICA - Aneel. - LEI nº 10.438, de 26 de abril de 2002. Dispõe sobre a expansão da oferta de energia elétrica emergencial, recomposição tarifária extraordinária e universalização do Serviço Público de Energia Elétrica, cria o Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica - PROINFA, a Conta de Desenvolvimento Energético - CDE, dá nova redação às Leis 9.427 de 26.12.1996, 9.648 de 27.05.1998, 3.890-A de 25.04.1961, 5.655 de 20.05.1971, 5.899 de 05.07.1973, 9.991 de 24.07.200, prorroga o prazo para entrada em operação das Usinas enquadradas no Programa Prioritário de Termeletricidade e dá outras providências. Brasília, DF, 2002. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/legislação .

AGÊNCIA NACIONAL DE ENERGIA ELÉTRICA - Aneel. LEI nº. 10.762, de 11 de novembro de 2003. Dispõe sobre a criação do Programa Emergencial e Excepcional de Apoio às Concessionárias de Serviço Públicos de Distribuição de 26.04.2002, e dá outras providências. Brasília, DF, 2003. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/legislação.

AGÊNCIA NACIONAL DE ENERGIA ELÉTRICA - Aneel. LEI nº. 10.848, de 15 de março de 2004. Dispões sobre a comercialização de energia elétrica e dá outras providências. Brasília, DF, 2004. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/legislação .

MARQUES, R.M.B.S. Universalização do atendimento: o paradoxo da exclusão dos inadimplentes dos programas de eletrificação rural anteriores. 2005. 140p. Dissertação (Mestrado). Instituto de Eletrotécnica e Energia, Universidade de São Paulo.

MINISTÉRIO DE MINAS E ENERGIA, Programa Luz para Todos, http://www.mme.gov.br/luzparatodos/programa_acesso.shtml , 2004.

PEREIRA, O.S. et alli. Modelo e prometo pioneiro de eletrificação com sistemas fotovoltaicos descentralizados, com vistas à universalização dos serviços de energia elétrica. Revista Brasileira de Energia, vol 10, nº 1 - SBPE. Itajubá, 2004.

ROSA, F.L.O.; RIBEIRO, F.S.;GOMES, J.F.; MELO, R.S. Programa de eletrificação rural simplificado para pequenas propriedades agrícolas do Rio Grande do Sul/PROLUZ - Brasil: avaliação preliminar dos resultados. In: XVI Conferência Latino Americana de Eletrificação Rural; Punta Del Este, Uruguai, 1993.

ROSA, F.L.O; MELO, R S. Eletrificação rural simplificada. Porto Alegre, 1997. Relatório apresentado à CERESP sobre o Serviço Municipal de Eletrificação Rural.

 

 

1 Programa Luz da Terra - criado no governo Mário Covas em São Paulo.
2 PROLUZ - Programa de Eletrificação Rural Simplificado para Pequenas Propriedades no Rio Grande do Sul.
3 CDE - Conta de Desenvolvimento Energético
4 RGR - Reserva Global de Reversão