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An. 6. Enc. Energ. Meio Rural 2006

 

Análise da evolução institucional da atividade de regulação no setor elétrico Brasileiro: 1920-1997

 

 

Mauricio Lopes Tavares; Elnatan Chagas Ferreira; José Antonio Siqueira Dias

Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação da UNICAMP DEMIC/FEEC/UNICAMP - Caixa Postal 6101 - Campinas, SP 13081-970- email: siqueira@demic.fee.unicamp.br

 

 


RESUMO

É apresentada uma análise da evolução institucional das entidades governamentais, antecessoras da ANEEL, responsáveis pela regulação do setor de energia elétrica no Brasil. Nessa análise são comparadas as diferentes missões e prerrogativas conferidas a cada órgão, quanto aos poderes para fiscalização, planejamento e regulação da indústria de energia elétrica, considerando os diferentes graus de subordinação e independência na atuação. A análise é essencialmente formal, baseada nos instrumentos legais que definiram e regulamentaram a criação desses órgãos.

Palavras chave: regulação no setor elétrico brasileiro, agências reguladoras, intervenção do estado, monopólios naturais.


ABSTRACT

An analysis of the institutional evolution of the governmental organizations which were responsible for the regulation of the electrical energy sector in Brazil (before the establishment of the ANEEL) is presented . Taking into account the various levels of subordination and independence in their actuation, the different missions and powers given to these agencies regarding the inspection, controlling, planning and regulating the industry, are compared and discussed. The conducted analysis is essentially formal, based on the legal instruments which defined and established the creation of those agencies.


 

 

1. Introdução

Durante o Século XX, a eletricidade e os serviços a ela associados foram adquirindo, progressivamente, importância social e econômica, até que seu fornecimento veio a ser considerado um serviço público, que é aquela atividade protegida pela lei que impõe à indústria deste setor a obrigatoriedade da universalidade, igualdade e continuidade da prestação do serviço (Carvalho, 2002). A própria definição jurídica de associar essa natureza à uma atividade econômica específica já representa uma forma de intervenção governamental na atividade, visto que são impostas obrigações a que não estão sujeitas as outras indústrias.

A intervenção na indústria, porém, não se dará de forma minimamente eficiente se for limitada à imposição de obrigações legais à indústria, deixando ao poder judiciário a obrigação de zelar pelo cumprimento de tais obrigações. Isso ocorre porque o poder judiciário não dispõe da especialização técnica necessária para a decisão sobre temas relevantes da indústria, não dispõe do poder ou da iniciativa fiscalizadora, já que atua somente mediante requerimento de interessados. Além disso, particularmente no Brasil, quando o poder judiciário é chamado a atuar, o processo decisório é extremamente lento e inadequado para a condução da atividade econômica e sem a capacidade de ditar normas que organizem a o desenvolvimento da indústria.

Assim, foi natural que, à medida que a sociedade impunha obrigações legais, fossem também criadas instituições com poderes executivos, normativos e decisórios, que seriam incumbidas de zelar para que as normas fossem aplicadas de forma eficiente, visando assegurar objetivos sociais fixados em lei ou escolhidos pelo Executivo (Benjó, 1999).

Essas instituições assumiram os mais diversos contornos jurídicos, como Comissões, Conselhos, Departamentos, Divisões, Autarquias e, finalmente, Agência. Podemos afirmar que, idealmente, essas instituições deveriam ter como missão garantir a possibilidade de intervenção no mercado da forma mais restrita possível e com a agilidade necessária para manter estável o mercado, bem como as expectativas dos agentes envolvidos, visando a eficiência técnica e econômica em seu funcionamento (Eaton & Eaton, 1999).

Tais instituições são também uma forma racional da sociedade lidar com mercados que podem ser caracterizados como "monopólios naturais", onde a concorrência é inviável, dada a estrutura de custos características da tecnologia empregada. Tais instituições, têm, portanto, o objetivo de minimizar os possíveis danos econômicos decorrentes da excessiva concentração de poder da empresa detentora do "monopólio privado".

A literatura econômica indica que uma instituição encarregada da regulação de mercados caracterizados como monopólios naturais, especialmente aqueles de utilidades públicas ou de setores de infraestrutura, seja qual for a sua formatação político-jurídica, deve possuir as seguintes características (Benjó, 1999):

- Autonomia Financeira;

- Independência Política;

- Poder fiscalizador e regulador;

- Profissionalização.

Na estreita análise aqui desenvolvida buscou-se examinar as instituições ao longo do tempo, no que diz respeito à presença de atribuições e prerrogativas referentes às características acima descritas, ignorando-se os pormenores e atribuições burocráticas e administrativas de cada uma. A metodologia utilizada nesse estudo foi de proceder-se ao levantamento mais amplo possível de todos os instrumentos legais infra-constituicionais (Leis, Decretos-Leis, Decretos, Portarias, etc.) que criaram as diversas instituições responsáveis pela intervenção na indústria elétrica.

Com base nesses instrumentos legais, apresentados na Tabela 1, buscou-se, inicialmente, traçar um quadro da evolução no tempo dessas instituições, registrando e concatenando todos os momentos em que ocorreram alterações relevantes. Posteriormente buscou-se consolidar, de forma analítica, as diferenças e semelhanças entre as diversas instituições, procedendo-se, no final, à consolidação dessas características semelhantes e dissonantes em um quadro sinótico quanto às variáveis relevantes da eficiência da intervenção governamental no setor, ou seja, quanto à existência de poderes relativos à definição de políticas, capacidade de planejamento do setor e de regulação (ampla ou normativa, e restrita ou fiscalizadora).

Destaca-se que, neste trabalho, tais características são analisadas sob o aspecto meramente formal do conteúdo dos instrumentos legais, sem preocupação com a verificação da aplicação efetiva das prerrogativas de cada instituição.

 

2. Evolução histórico-institucional da intervenção no setor elétrico

A primeira instituição responsável pela intervenção governamental na indústria de energia elétrica foi constituída em 1920, apesar de já existirem iniciativas de aproveitamento de recursos hidroelétricos, inclusive para serviços públicos, desde a década de 1830, como no caso da iluminação pública do Município de Campos/RJ (Andrade, 1992). Essa instituição pioneira consistia na Comissão de Estudos de Forças Hidráulicas, subordinada ao Serviço Geológico e Mineralógico do Brasil, órgão do então Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio.

Em 1933 o Instituto Geológico e Mineralógico do Brasil, subordinado à Diretora Geral de Pesquisas Científicas do Ministério da Agricultura instituiu uma Divisão de Águas (Decreto 22.426 de 30/01/1933), posteriormente reorganizada na Diretoria de Águas (Decreto 23.016 de 28/07/1933), que passou a ser subordinada à Diretoria Geral de Produção e Mineração do Ministério da Agricultura.

Essa Diretoria de Águas teve uma curta duração, tendo sido substituída com a Reforma Juarez Távora pelo Serviço de Águas (Decreto 23.979/34 de 8/3/1934), então subordinado ao Departamento Nacional da Produção Mineral, que por sua vez era subordinado à Secretaria de Estado dos Negócios da Agricultura do Ministério da Agricultura. As atribuições do Serviço de Águas foi definida pelos arts. 99 a 105 do Regulamento do Departamento Nacional da Produção Mineral.

Apenas 4 meses após sua criação, o Serviço de Águas sofreu alterações em sua competência, com a promulgação do Código de Águas (Decreto 24.643 de 10/07/1934), que definiu a caracterização jurídica das águas e o regime de concessões para seu aproveitamento. Os pedidos de concessões deveriam, a partir de então, ser encaminhados ao Serviço de Águas, definindo o caráter fiscalizador desse órgão em relação às concessionárias (art. 144 e 178-184), e extinguindo-se o período histórico caracterizado pelas concessões municipais para a exploração de serviços relacionados ao serviço público de fornecimento de energia elétrica, dando início à caracterização federal do serviço, mantida até hoje.

O Código de Águas também determinou, em 1934, a criação de outra instituição responsável pela intervenção governamental na indústria de eletricidade, o Conselho Federal de Forças Hidráulicas, que nunca chegou a ser implementado e que teve suas atribuições assumidas pelo CNAEE somente em 1939.

Em 1938 o Decreto-Lei 852 reforçou os principais dispositivos do Código de Águas, definindo medidas relativas aos serviços de energia elétrica, sua organização e contratos de concessão. Esse Decreto-Lei alterou a competência original do Serviço de Águas, incumbindo-lhe a responsabilidade de zelar pelo cumprimento das obrigações ali definidas, especialmente quanto aos contratos de concessão.

Em 1939 foi criada a Divisão de Águas, substituindo o Serviço de Águas (Decreto-Lei 982 de 23/12/1938) suas atribuições, porém, só vieram a ser definidas pelo DNPM em 1940, um ano depois de sua criação, consolidando um modelo de descentralização da atividade de intervenção no setor elétrico com a definição dos Distritos Regionais. A Divisão de Águas passou a contar com as Seções de Energia Hidráulica, Hidrometria, Irrigação e de Legislação-Concessão-Fiscalização.

Também em 1939 foi criado o Conselho Nacional de Águas e Energia Elétrica (CNAEE) (Decreto-Lei 1.285 de 18/05/1939), diretamente subordinado à Presidência da República, enquanto a Divisão de Águas manteve-se subordinada ao Ministério da Agricultura, mas passou a ser considerada órgão técnico e posteriormente consultivo do CNAEE. O CNAEE foi constituído como órgão de consulta, orientação e controle quanto à utilização dos recursos hidráulicos e de energia elétrica, com jurisdição em todo o território nacional

As atribuições do CNAEE vieram a ser sucessivamente alteradas nos anos seguintes (Decreto-Lei 2281 de 05/07/1940, Decreto-Lei 3763 de 25/10/1941, Decreto-Lei 4295 de 13/05/1942 e Decreto-Lei 5287 de 26/02/1943).

Cada ato normativo expandiu, progressivamente, a competência do Conselho, enquanto era refinada a forma de intervenção na indústria de energia elétrica em um contexto de estado de guerra, inclusive com a atribuição de competência para julgar os recursos quanto ao valor ou à legalidade dos impostos e taxas que incidam direta ou indiretamente sobre os aproveitamentos de energia hidráulica ou termelétrica. O Conselho tinha poderes também para determinar a interconexão entre duas ou mais empresas ou usinas, determinar a repartição de reservas de água ou de energia a serem entregues ao Poder Público, autoridade para propor medidas para a coordenação do racional aproveitamento dos recursos hidráulicos, atuação para racionalização da demanda mediante mudanças de horário de consumidores ou por seu agrupamento em condições mais favoráveis (inclusive pela imposição de racionamento), além da capacidade de emitir determinações para o estabelecimento compulsório de novas instalações de produção de energia elétrica e respectivas instalações de transmissão e distribuição, para evitar deficiências nas zonas de operação atribuídas às empresas.

Da mesma forma, em poucos meses a competência da Divisão de Águas foi redefinida com a edição do Regimento do Departamento Nacional da Produção Mineral (Decreto 6.402 de 28/10/1940), passando a contar com as Seções de Energia Hidráulica, Pluviometria e Inundações, Irrigação, Fotogametria, Concessão-Legislação-Estudos Econômicos, Fiscalização-Estatística e, especial-mente, com 7 Distritos, supostamente consolidando um modelo de descentralização da atividade intervencionista.

A Divisão de Águas passou por outra alteração em sua estrutura somente após a fase aguda da guerra, através do Decreto 18.571 de 10/05/1945, onde foram redefinidas suas seções e a competência de seus Distritos. A sua configuração básica só viria a ser alterada mais de uma década depois, com a edição do Regulamento dos Serviços de Energia Elétrica (Decreto 43.019 de 26/02/1957), que redefiniu as atribuições quanto à fiscalização das empresas concessionárias em seus arts. 12, 13, 15, 16, 17, 26 e 36.

Nessa mesma época o CNAEE passara por mais uma alteração em suas atribuições (Decreto 40.499 de 06/12/1956), passando à sua carga a organização do cronograma de obras financiados pelo FFE, com a emissão de pareceres sobre projetos de empreendimentos federais, sobre os planos de suprimento público relacionados com o Imposto Único elaborados pelos Estados, Distrito Federal e Municípios em coordenação com o Plano Nacional de Eletrificação, sobre propostas para tomada de ações e obrigações pelo BNDE na conta do FFE por empresas do setor, sobre minutas de contratos e planos de amortização e juros de financiamento a serem concedidos a empresas por entes públicos com base nas contas do IUEE, além de calcular as cotas do IUEE cabíveis a cada um dos entes estatais.

O próprio Regulamento dos Serviços de Energia Elétrica alterou as competências do CNAEE dois meses depois do referido Decreto, reforçando antigas competências e impondo um caráter mais nítido de fórum adequado para definição de políticas para o setor energético, especificadas em seus arts. 8, 10 e 11.

No que concerne à intervenção no setor da energia elétrica, a década de 1960 é caracterizada por mais uma profunda reforma institucional, realizada apenas 3 anos após a redefinição propiciada pela edição do Regulamento dos Serviços de Energia Elétrica. A Lei 3.782 de 22/07/1960 cria o Ministério de Minas e Energia (MME), atribuindo-lhe o estudo e despacho de todos os assuntos relativos à produção mineral e energia, sendo incorporados à sua estrutura o DNPE e o CNAEE, competências essas que vieram a ser detalhadas pelo Decreto 50.390 de 29/03/1961.

A Divisão de Águas do Departamento Nacional da Produção Mineral, criada em 1939, foi extinta com a criação do Departamento Nacional de Águas e Energia (DNAE), pela Lei 4.904 de 17/12/1965, que foi então o órgão incumbido de promover e desenvolver a produção de energia elétrica e de assegurar a execução do Código de Águas e leis subseqüentes (arts. 19 e 20), ou seja, coube a essa instituição as tarefas de planejamento e regulação simultaneamente.

Essa mesma Lei alterou as atribuições do CNAEE, definindo-o como órgão consultivo, orientador e controlador da utilização dos recursos hidráulicos e energia elétrica. O regulamento do DNAE (Decreto 58.076 de 24/03/1966) veio a ser promulgado posteriormente. O novo regulamento do CNAEE (Decreto 59.741 de 15/12/1966) veio a ser promulgado somente após um ano da redefinição das competências do Conselho.

O Decreto nº 63.951, de 31/12/1968 extinguiu o DNAE, ao criar o Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica (DNAEE), subordinado ao Ministério de Minas e Energia, definindo-o como órgão orientador e controlador da política de utilização dos recursos hídricos e da energia elétrica, cabendo-lhe supervisionar e estimular o uso correto da água e eletricidade, fomentar as pesquisas hídricas e elétricas, no campo científico e tecnológico, assegurar a execução do Código de Águas e Legislação subseqüente e supervisionar a aplicação do IUEE.

A atribuição de tais competências ao DNAEE levou à extinção do CNAEE através dos Decretos 689 de 18/07/1969 e 726 de 31/07/1969. Em 1970 o DNAEE teve seus oito distritos regionais definidos, bem como as competências dos mesmos (Decreto 67.588 de 17 de novembro).

Em 1973 foram criados oficialmente os GCOI-Sudeste e GCOI-Sul da Eletrobrás (Decreto 73.102 de 7 de novembro), órgãos da Eletrobrás (que desde sua criação absorveu várias atribuições anteriormente da competência do CNAEE) responsáveis pela coordenação racional das instalações geradoras e de transmissão existentes, ou que viessm a existir nos sistemas elétricos interligados da Região Sudeste e da Região Sul, ou seja, da gestão do Sistema Interligado Nacional.

O DNAEE sofre novas alterações quanto a suas atribuições, passando concentrar maiores poderes, ao ser considerado oficialmente o "Órgão Central de Direção Superior" responsável pelo planejamento, coordenação, e execução dos estudos hidrológicos em todo território nacional; pela supervisão, fiscalização e controle dos aproveitamentos das águas que alteram o seu regime, bem como pela supervisão, fiscalização e controle dos serviços de eletricidade com a edição do Decreto 73.620 de 12 de fevereiro de 1974. Essa tendência de acúmulo de poderes de intervenção na organização do setor elétrico é consolidada com a promulgação de Regimento Interno (Portaria MME 234 de 17/02/1977).

A proeminência institucional do DNAEE veio a ser confirmada uma década depois, com a delegação de poder concedente com referência a pequenos potenciais hidrelétricos de até 1 GW (Decreto 93.897 de 30/01/1987). Pelo mesmo instrumento legal, o MME também obteve o poder de indicar concessões para a exploração de potenciais de até 10 GW.

Essa estrutura institucional de organização do setor elétrico perpetuou-se por mais uma década (considerando-se que nesse período ocorreu a extinção da RENCOR, da equalização tarifária e a privatização de diversas empresas estatais em especial as de distribuição), até a promulgação da Lei 9.427 de 26/12/1996, que instituiu a Agência Nacional de Energia Elétrica - ANEEL, autarquia sob regime especial, vinculada ao Ministério das Minas e Energia, com a finalidade de regular e fiscalizar a produção, transmissão e comercialização de energia elétrica. O Decreto 2.335 de 06/10/1997 aprovou a Estrutura Regimental da ANEEL. Deve-se mencionar a criação, em outubro do mesmo ano (Lei 9.478/98), do Conselho Nacional de Política Energética - CNPE.

 

3. Estabilidade e perenidade institucional no tempo

O resumo dos fatos descritos, apresentado na Tabela 2, mostra que por poucos períodos foi possível alguma estabilidade institucional na regulação do setor de energia elétrica. Essa instabilidade institucional no Brasil não é restrita ao setor elétrico, constituindo-se uma característica da organização sócio-política nacional.

Muitos prejuízos ao desenvolvimento do setor elétrico são decorrentes dessa relativa instabilidade, haja vista tratar-se de um setor de infra-estrutura onde são necessários longos prazos de retorno de investimentos, prazos esses que freqüentemente superam a existência da instituição que inicialmente validou esse investimento.

Destacam-se como exemplos de persistência no tempo, sem alterações relevantes em suas atribuições, a Comissão de Estudos de Forças Hidráulicas que durou 13 anos, bem como a Divisão de Águas (DNPM), que passou por um período de 11 anos sem alterações. Esse período de estabilidade da Divisão de Águas coincide com um período de 12 anos de estabilidade institucional do CNAEE, exatamente no pós-guerra.

Mais modernamente, o DNAEE teve um período máximo de 9 anos sem alterações relevantes entre as décadas de 1970/1980, estabilidade essa que deve ser encarada com reservas tendo em vista que todo o país passava por alterações profundas com o fim do regime militar, o restabelecimento da democracia e a existência de uma assembléia nacional constituinte.

Quanto à perenidade institucional, mesmo que com alterações em suas atribuições, destacam-se os exemplos da Divisão de Águas (DNPM), com 27 anos, e do próprio DNAEE, que durou 28 anos até sua substituição pela ANEEL na segunda metade da década de 1990. O CNAEE persistiu como fórum de discussão e proposição de políticas públicas, diretamente subordinado ao presidente, por 31 anos (1939/1969), período em que se sucederam diversos presidentes das mais diferentes vertentes políticas e que assumiram o poder por sucessão, golpes e até mesmo eleições.

Evidentemente, o Ministério de Minas e Energia (1960) é exemplo de instituição que se perpetuou no tempo. Porém cabe destacar que com a organização do mencionado Ministério (Lei 4.904 de 17/12/ 1965) e criação do DNAE, não foram determinadas quais seriam as atribuições do CNAEE. A co-existência de dois órgãos com finalidades análogas entre 1960/1969 ocasionou dificuldades que se refletiam na política energética nacional.

Por outro lado, algumas instituições tiveram existências bastante curtas como a Divisão de Águas (IGM) e a Diretoria de Águas (DGPM), que existiram apenas por alguns meses em 1933. O DNAE e o Serviço de Àguas (DNPM) também se destacam pela brevidade de sua existência, de 3 e 5 anos respectivamente.

 

4. As atribuições das instituições

A partir dos dados apresentados na Tabela 2, buscando fornecer alguma padronização nas atribuições das diversas instituições de forma a viabilizar uma comparação direta entre elas, foi elaborada a Tabela 3.

É possível identificar uma progressiva atribuição de prerrogativas e missões às instituições incumbidas da regulação do setor elétrico, o que indica um persistente refinamento na política intervencionista estatal no setor. Essa tendência é revertida com a instituição da ANEEL, cujas atribuições foram compiladas apenas como referencial de comparação. Há que se destacar, entretanto, que a instituição da ANEEL ocorreu em um contexto de ampla revisão do modelo intervencionista e foi acompanhada da criação de outras instituições desconsideradas no presente trabalho (como o MAE, ONS, CNPE etc.), o que não permite uma conclusão direta sobre uma reversão da tendência intervencionista no setor.

Deve-se lembrar que as atribuições apresentadas na Tabela 3 foram obtidas diretamente das normas legais que criaram as respectivas instituições, sendo desconsideradas aquelas de natureza meramente burocrática.

 

5. Instituições e políticas públicas, planejamento e regulação

Os dados compilados diretamente da legislação e apresentados na Tabela 3 foram reagrupados na Tabela 4, em grandes categorias de atribuições institucionais referentes a:

- prerrogativas para criação de políticas públicas;

- realizar atividades de planejamento;

- atividades tipicamente regulatórias.

 

 

Essa categorização se mostrou necessária para identificar se o progressivo acúmulo de poderes intervencionistas identificados anteriormente eram referentes apenas a uma expansão da especialização em atividades anteriormente realizadas, ou seja uma expansão meramente quantitativa de prerrogativas e poderes de mesma natureza, ou se havia no tempo o acúmulo de atribuições de naturezas diversas, como o acúmulo de poderes referentes à capacidade para realização de políticas públicas, planejamento e regulação.

Verifica-se, através da análise da Tabela 4, que a tendência de crescente intervenção estatal no setor foi confirmada, com a ampliação progressiva das prerrogativas institucionais, o que viabilizava uma transferência cada vez mais completa do poder de concessão e governamental para aquelas instituições, tendência essa só revertida, novamente, com a ampliação da ANEEL.

 

6. Conclusões

Considerando-se o levantamento realizado do histórico da intervenção estatal no setor elétrico ao longo do Século XX, pôde-se constatar a ocorrência de um progressivo refinamento, e cada vez mais amplo, da intervenção estatal no desenvolvimento dessa indústria. Essa tendência só veio a ser revertida, ao menos parcialmente, com a instituição da ANEEL, na segunda metade da década de 1990.

Também foi possível identificar que a instabilidade institucional e de regras definidoras da intervenção estatal no setor elétrico não é exclusividade do período recente, tendo sido inclusive mais aguda no passado, influenciada por alterações institucionais que ocorriam na sociedade como um todo e que naturalmente influenciaram a intervenção no setor elétrico.

Quanto à efetividade da atuação institucional, é possível anotar que a tarefa de formulação de políticas públicas e do planejamento de médio e longo prazo competiam ao Ministério de Minas e Energia (MME) a partir da década de 1960, embora na prática essa instituição nunca tenha sido suficientemente aparelhada para essa atividade, que efetivamente era exercida pela Eletrobrás e demais empresas estatais e simplesmente homologadas pelo MME (Bajay, 2005). Da mesma forma, o CNAEE poder ser destacado como umas das instituições que mais se perpetuaram com amplos poderes de intervenção, especialmente no planejamento da expansão do sistema elétrico, que nunca chegou a ser exercida, haja vista que nunca foi capaz de propor um único plano nesse sentido (Andrade, 1992).

Uma das causas dessa ineficiência regulatória das concessionárias estatais decorria do fato de que estavam, em sua maioria, diretamente subordinadas ao mesmo órgão que detinha o poder concedente, o que propiciou que, paulatinamente, as concessionárias assumissem a postura de poder concedente (Carvalho, 2002). Esse aumento de poder das concessionárias estatais levou ao conseqüente enfraquecimento dos órgãos reguladores.

 

Referências

[1] ANDRADE, M. T. O.; Desenvolvimento do Setor Elétrico Nacional até 1968; Notas de aula curso de pós-graduação interdisciplinar de Planejamento Energético - FEM-UNICAMP, Campinas, 2005.

[2] BAJAY, S. V.; Reestruturação do MME e criação de um órgão de apoio, Relatório técnico do departamento de Política Energética, Secretaria de Energia, Ministério de Minas e Energia, Brasília 2001 .

[3] BENJO, I.; Fundamentos da Economia da Regulação. Rio de Janeiro: Thex Ed., 1999.

CARVALHO, V. M.; Regulação de serviços públicos e intervenção estatal na economia, em FARIA, J. E.; Regulação, Direito e Democracia, São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2002.

[4] EATON, B.C.; EATON, D.F.; Microeconomia., Trad. de C. C. Bartalotti. São Paulo: 1999