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An. 6. Enc. Energ. Meio Rural 2006

 

Energia, pra que te quero? o lado humano da eletrificação rural em uma comunidade amazônica

 

 

Cecilia Geraldes Basile; Arthur C. Almeida; José H. A. Monteiro; Brígida R. P. Rocha

Grupo de Pesquisa ENERBIO - DEEC - Departamento de Engenharia Elétrica e Computação - Universidade Federal do Pará (UFPA) 66.075-110 - (91) 211-2072 - Belém - PA - Brasil. cecibasi@ufpa.br, arthur@ufpa.br, jhumberto01@yahoo.com.br e brigida@ufpa.br

 

 

1. Introdução

Nossa principal preocupação ao pensar na eletrificação rural de comunidades isoladas é com o planejamento energético adequado. É preciso dimensionar a demanda de energia, planejar a oferta com um preço justo e qualidade aceitável, prever a expansão do sistema e, principalmente, viabilizar a sua sustentabilidade.

Para atingir essas metas, fazemos levantamento detalhado dos costumes e hábitos sociais de lazer e de trabalho das comunidades envolvidas. Sondamos sua economia, seu modo de subsistência, seu relacionamento com o meio ambiente. Queremos saber o que fazem, o que produzem, o que pensam, o que esperam do futuro, para si e para seus filhos, como trabalham, como se divertem e até suas estruturas de parentesco e poder.

Depois, juntamos todas essas informações em nossas planilhas, submetemos esses dados a uma análise estatística impessoal, cruzamos informações, tabulamos, fazemos sumários e tiramos as nossas conclusões, ligadas todas ao planejamento energético. Nós os vemos, ao final do trabalho, como consumidores de energia elétrica, pontos de consumo.

Neste trabalho, resultado de um envolvimento com uma comunidade isolada da Amazônia, fomos tocados pelo lado humano gerado pelas expectativas e sonhos induzidos pela promessa de uma breve oferta de energia elétrica para a comunidade. E aprendemos a olhar o planejamento energético como uma atividade que possui uma motivação específica: melhorar a qualidade de vida das comunidades que serão beneficiadas pelo projeto. Nele, olharemos o planejamento energético do ponto de vista da comunidade, através de seus sonhos e esperanças de uma vida melhor.

 

2. Metodologia de levantamento de dados.

Em homenagem ao clássico trabalho "Uma Comunidade Amazônica", de Charles Wagley, chamaremos de Itá, a comunidade amazônica, objeto de nosso estudo. Ela fica em uma região isolada qualquer da imensa Amazônia, um lugar próximo de florestas e grandes rios com muita água.

Cento e duas famílias da localidade foram selecionadas para serem entrevistadas. O questionário respondido pelo chefe da família, abrangia um total de 115 questões, distribuídas em várias categorias informacionais. A saber.

(a) relação das famílias pesquisadas e sua localização geográfica;

(b) sócio-economia;

(c) educação

(d) cultura e lazer

(e) saúde

(f) infra-estrutura e saneamento básico.

O acesso a essas famílias só podia ser feito por água, pois são ribeirinhos. Para isso foi utilizada uma lancha voadeira, com capacidade para sete pessoas.

 

3. Resultados

Quanto ao tempo de moradia na região, vemos que apesar da diversidade de origens, inclusive de outros estados, a maioria reside há mais de 10 anos na comunidade.

 

 

• 55% das famílias residem há mais de 10 anos;

• 11% residem com mais de 20 anos

A sobrevivência econômica é garantida essencialmente pela lavoura, pesca, criação doméstica de pequenos animais e extrativismo (66% das famílias). Essas atividades geram uma renda média de até dois Salários Mínimos (74% das famílias). As lavouras mais utilizadas são arroz, mandioca e milho. Os peixes, produto da atividade pesqueira, são principalmente tucunaré, mapará e pescada, que são vendidos a preços que variam entre R$0,30 e R$5,00 o quilograma.

Na educação, o quadro é o que se apresenta no gráfico a seguir, indicando, como seria de se esperar um baixo nível de escolaridade da população.

 

 

Para melhorar a qualidade e a disponibilidade da educação, os próprios moradores sugerem mais professores, mais escolas e melhoria na infra-estrutura das poucas existentes. Como se vê, faltam oportunidades, não disposição e interesse para estudar.

Mas é nas condições de saúde e na infra-estrutura de saneamento que se pode aferir o nível de abandono dessas populações. Dentre as famílias entrevistadas, 89% já contraíram malária em algum momento de suas vidas, algumas delas mais de uma vez. A presença de postos de saúde ou de agentes de saúde poderia minorar essas agruras, mas a principal reclamação dessas famílias é justamente a ausência de postos de saúde na comunidade, assim como a baixa freqüência da visita dos agentes de saúde. Esses serviços estão concentrados na sede do município e a locomoção para lá é difícil, por falta de transporte motorizado.

A água, item essencial para uma boa saúde é colhida diretamente do rio que passa na frente das casas, por 76% da população. Em algumas ela é coada em panos, em outras poucas, fervidas ou cloradas na própria residência. Apenas 18% das casas dispõem de poço para fornecimento de água. E esse poço é de pouca profundidade, a céu aberto, não raro próximo de fossas cavadas diretamente no solo, sem qualquer vedação (54%). Não espanta saber que a maioria das crianças e adultos também sofre de diarréias freqüentes e verminoses diversas. Também pudera, cerca de 17% das famílias lançam dos dejetos de banheiro e fezes diretamente no solo ou no próprio rio.

 

4. Considerações finais: Energia elétrica, fábrica de sonhos.

A população objeto do presente estudo apresenta um quadro extremamente precário de existência, no plano da sócioeconomia em relação aos vários e diferentes setores sociais, como educação, saúde, renda e saneamento básico, permitindo que o quotidiano das famílias se torne cada vez mais empobrecido quase sempre sem divisar uma saída como solução para seus infortúnios. Excluídos dos serviços públicos básicos como energia elétrica, água tratada, coleta de lixo e elevada inacessibilidade aos serviços básicos de saúde pública, constituem um testemunho vivo do descaso e da falência da assistência setorizada.

A partir do levantamento. feito há que se destacar a importância da atividade pesqueira, efetivamente a piscicultura como sonho de redenção econômica dessas populações. Mas, para isso, além de insumos tecnológicos é necessária a presença adequada da energia elétrica.

A falta de energia elétrica repercute em todos os setores e atividades da comunidade. Trazendo como conseqüência imediata a exclusão social dos moradores. E para que eles querem a energia elétrica? É interessante observar a energia elétrica como um sonho que chega para melhorar as suas vidas. Assim, entre as prioridades do uso de energia elétrica na comunidade, está a sua aplicação como fator de melhoria de renda. Com a sua disponibilidade, pensam, será possível comprar equipamentos para moer e triturar a mandioca, viabilizar a produção de polpa de frutas, produzir gelo para conservação do pescado e o grande salto: introdução da piscicultura para geração de emprego e renda para a comunidade sair de seu estado economicamente vegetativo, de simples subsistência.

Mas, o lazer também não é esquecido. É interessante observar que entre as facilidades mais lembradas do uso de energia elétrica é, justamente, dinamizar e tornar mais freqüentes e interessantes as festas da comunidade. As festas, certamente, constituem uma oportunidade única de lazer diferenciado, onde se esquecem as agruras do dia a dia, dançando um brega animado agarrado no colo da morena, cheirando a patchouli.

Para encerrar, cito o teatrólogo alemão Bertolt Brecht: "Eu sustento que a única finalidade da ciência é aliviar a miséria humana".

 

5. Referências Bibliográficas

WAGLEY, Charles. Uma Comunidade Amazônica. Ed. Itatiaia, 19xx.