6, v.2Impactos econômicos da implementação das novas usinas de cana-de-açúcarLas Energías Renovables en la Electricidad Rural en Chile índice de autoresíndice de assuntospesquisa de trabalhos
Home Pagelista alfabética de eventos  





An. 6. Enc. Energ. Meio Rural 2006

 

Implementação de um sistema autônomo fotovoltaico/eletrolisador/célula a combustível

 

 

Ennio Peres da SilvaI; Fernando Rezende ApolinárioII; Rubem Cesar Rodrigues SouzaIII; Adailton de Souza PintoIV; André Luis FurlanV

ILaboratório de Hidrogênio - Instituto de Física Gleb Wataghin - UNICAMP lh2ennio@ifi.unicamp.br
IILaboratório de Hidrogênio - Instituto de Física Gleb Wataghin - UNICAMP rezende@ifi.unicamp.br
IIICentro de Desenvolvimento Energético Amazônico - UFAM rubem_souza@yahoo.com.br
IVCentrais Elétricas do Norte do Brasil S/A adailton@eln.gov.br
VLaboratório de Hidrogênio - Instituto de Física Gleb Wataghin - UNICAMP decofu@yahoo.com.br

 

 


RESUMO

Este artigo apresenta o projeto que está se iniciando e que tem como objetivo principal analisar a viabilidade técnica da utilização de um sistema fundamentado na produção de hidrogênio (H2) para o armazenamento da energia gerada por sistemas fotovoltaicos. O trabalho prevê o projeto, a execução física e a avaliação do desempenho de um sistema de geração eletrolítica de hidrogênio com energia solar-fotovoltaica, o tratamento do gás, seu armazenamento e sua utilização em sistemas de célula a combustível. O trabalho será executado em cooperação entre os pesquisadores do Laboratório de Hidrogênio (LH2) da UNICAMP e do Centro de Desenvolvimento Energético Amazônico (CDEAM) da UFAM, sendo financiado pela ELETRONORTE, tendo duração prevista para dois anos.

Palavras-chave: energia solar - fotovoltaica; hidrogênio; células a combustível.


 

 

Introdução

A aplicação de sistemas energéticos fundamentados em energia solar fotovoltaica traz quase sempre a necessidade da utilização de um meio de armazenamento da eletricidade gerada, função que é tradicionalmente desempenhada por bancos de baterias chumbo-ácido com bastante sucesso, mesmo que apresentem curta vida útil e sérios riscos de contaminação ambiental associados ao seu descarte.

Inserido na realidade geográfica da região amazônica, com um altíssimo índice de comunidades isoladas ainda não atendidas pelos serviços de fornecimento de eletricidade, a utilização de sistemas fotovoltaicos se apresenta como uma das mais prováveis opções de atendimento básico previsto pelo plano de universalização estabelecido pelo Governo Federal.

Dentro de tal contexto é possível imaginar no médio prazo um aumento significativo na utilização de sistemas completos de energia solar na região amazônica, com a utilização das tradicionais baterias, que dentro da vida útil inicialmente prevista para os painéis fotovoltaicos (por volta de 25 anos) podem fazer com que os dois problemas associados (necessidade de troca freqüente das baterias e riscos de danos ambientais) a estes sistemas de armazenamento se transformem em uma séria questão relacionada à logística de manutenção dos mesmos, uma vez que estas comunidades isoladas, em sua maioria, apresentam dificuldades no acesso, que oneram os custos de geração de energia elétrica por domicílio.

Tal questão aponta para a necessidade da busca de sistemas alternativos para este armazenamento, de preferência que apresentem uma vida útil compatível aos painéis e mínimos impactos ambientais. Uma das opções seria a utilização de H2 gerado através da eletrólise da água, constituindo um sistema autônomo completo de produção, armazenamento e aproveitamento final da energia com a utilização de células a combustível, tecnologia bastante promissora e com baixíssimos impactos ambientais.

Entretanto, tal possibilidade deveria ser investigada para que sua viabilidade técnica seja avaliada, buscando determinar ainda a eficiência e segurança no ciclo de armazenamento, a possibilidade de funcionamento autônomo, índice de confiabilidade e qualidade da energia elétrica, expectativa de custo e vida útil para o sistema, entre outros fatores que possibilitarão uma análise mais aprofundada da viabilidade desta opção como sistema de armazenamento.

 

Objetivos

O objetivo principal do trabalho de pesquisa é analisar a viabilidade técnica de se implementar um sistema desta natureza que funcione de maneira autônoma e com segurança. Será realizado o projeto, a execução física e a avaliação experimental do funcionamento de um sistema completo de geração eletrolítica de hidrogênio a partir da energia solar fotovoltaica, tratamento e armazenamento deste gás e sua utilização final em sistemas de célula a combustível.

Espera-se ainda que as informações obtidas através do funcionamento do sistema possam fundamentar uma análise mais profunda sobre montagens desta natureza, com o objetivo de se desenvolver técnicas de operação e controle, fundamentais para se otimizar o desempenho da usina autônoma. Neste caso especifico, a preocupação maior está em estabelecer os parâmetros ótimos para o acoplamento direto de um eletrolisador bipolar aos painéis fotovoltaicos, buscando maximizar a produção de H2 no período de disponibilidade solar.

Outro importante resultado será obtido aliando-se as informações fornecidas por estes parâmetros com o conhecimento das características de funcionamento dos equipamentos envolvidos, desenvolvendo-se um método matemático global que considere todos os fluxos de energia e que possa servir para projetar e simular a operação de sistemas dessa natureza.

Por fim, acredita-se obter como resultado a formação de especialistas no desenvolvimento e manutenção de sistemas que envolvem a tecnologia do H2. A cooperação entre o LH2 (UNICAMP) e o CDEAM (UFAM) deverá ampliar esta rede de formação e propiciar à Eletronorte, além da possibilidade de ampliação de seus negócios e oportunidades, a possibilidade de contar localmente com profissionais especialistas e atualizados com relação a estas tecnologias.

 

Projeto e dimensionamento do sistema

Experiências anteriores com trabalhos que envolviam o acoplamento de painéis fotovoltaicos à eletrolisadores bipolares (Silva et al, 2002) permitiram aos pesquisadores do LH2 o entendimento de algumas questões técnicas que foram úteis para o dimensionamento inicial do sistema a ser desenvolvido. A previsão inicial é adquirir painéis para compor um subsistema fotovoltaico com potência elétrica nominal de 2 kW.

Este valor nominal será importante para o dimensionado do subsistema de eletrólise da água. Fundamentado nestas experiências anteriores, sabe-se que em condições reais de funcionamento a potência instantânea fornecida pelos painéis raramente alcançará este valor nominal, e uma análise da ocorrência destes valores permite observar que na maior parte do período os valores identificados são bem menores que este valor.

Esta questão está bastante relacionada ao dimensionamento de inversores para acoplar sistemas fotovoltaicos à rede de distribuição convencional, e publicações de trabalhos que analisam o problema tem mostrado que nesta ocasião a potência AC do inversor deve ter um valor até 30% menor que a potência nominal do sistema fotovoltaico (Burger e Rüther, 2006).

A compreensão desta questão fornecerá parâmetros iniciais para o projeto do subsistema de eletrólise adequado aos 2 kW de painéis fotovoltaicos, entendo-se como adequado um subsistema que se acople diretamente ao conjunto de painéis e que apresente ao longo de todo o período de funcionamento um valor máximo para o índice de utilização do subsistema de eletrólise, parâmetro cujo conceito será definido ao longo do desenvolvimento do trabalho.

Estes parâmetros iniciais definidos conceitualmente serão testados experimentalmente através da caracterização do fornecimento fotovoltaico, etapa que antecede a definição e construção do subsistema de eletrólise, permitindo assim que se estabeleçam definitivamente os valores de tensão e corrente elétrica para o projeto do eletrolisador.

Durante toda esta fase o sistema estará sendo desenvolvido no LH2, situado em Campinas/SP, estando condicionado às condições de disponibilidade do recurso solar desta região. Mesmo que todo este desenvolvimento se dê no LH2, após o acoplamento e a realização dos testes iniciais todo o sistema será transportado para Manaus/AM, local onde será instalado de forma definitiva. Desta forma, a diferença existente entre os valores do potencial solar das duas regiões deverá ser considerada tanto no projeto do eletrolisador quanto no dimensionamento do sistema armazenamento do H2 produzido ao longo do dia.

O volume físico do reservatório vai depender da quantidade de H2 produzida diariamente e da pressão na qual este gás será confinado. Inicialmente não está previsto a utilização de um compressor para este gás, adição que certamente permitiria a diminuição do volume físico do reservatório, aumentando o custo do sistema e diminuindo a eficiência global do ciclo. Espera-se que seja possível a utilização de um gasômetro de maior volume, operando a um a pressão de trabalho um pouco acima da atmosférica, valor adequado para a aplicação a células a combustível.

O valor da potência elétrica da célula a combustível foi definido em 1 kW, fornecendo energia a um conjunto de cargas durante o período noturno. Todos os valores de interesse serão monitorados e registrados por um sistema informatizado de aquisição de dados. Um diagrama esquemático do sistema completo conforme previsto inicialmente está apresentado na figura 1.

 

 

Metodologia prevista

Com o objetivo de planejar o desenvolvimento do trabalho tal como previsto, organizou-se o mesmo em algumas etapas descritas a seguir.

Etapa 1: Revisão bibliográfica.

O trabalho terá início com uma revisão da literatura relacionada aos temas envolvidos direta ou indiretamente ao desenvolvimento do referido sistema. O objetivo desta etapa é definir os conceitos envolvidos em toda a linha de pesquisa e atualizar as informações sobre o estado-da-arte dos produtos e insumos da planta.

Serão elaborados textos sobre o aproveitamento da energia solar, principalmente sobre a tecnologia fotovoltaica, e sobre o potencial solar da região amazônica, textos sobre a eletrólise da água, sistemas de purificação e armazenamento do gás produzido, além da tecnologia e aplicação de células a combustível, com base em diversos outros projetos semelhantes desenvolvidos atualmente em outras regiões do mundo.

No final desta etapa, além do conhecimento técnico consolidado e agregado para a Eletronorte, espera-se determinar teoricamente uma metodologia de dimensionamento deste tipo de planta com base nos parâmetros práticos de utilização destas tecnologias.

Etapa 2: Aquisição, caracterização e testes dos componentes do sistema completo.

Conforme indicado na etapa anterior, o sistema de célula a combustível será adquirido, sendo então submetido a um procedimento de testes a fim de proceder com sua caracterização em maiores intervalos de tempo, fazendo uso de hidrogênio analítico de qualidade certificada. Sua caracterização renderá parâmetros importantes para o dimensionamento do reservatório e definição das cargas, e seu ensaio de estabilidade em longos tempos de utilização dará subsídios para quantificação de sua confiabilidade.

Da mesma forma, deverão ser adquiridos os painéis fotovoltaicos, os equipamentos de monitoramento de toda a planta, tais como: heliômetro, transdutores de tensão e corrente, transdutores de pressão e sensores de temperatura e vazão, além do sistema de aquisição destes dados.

Todos os parâmetros necessários para que se possa concluir sobre a eficiência de toda a planta, assim como das eficiências parciais de seus componentes, serão monitorados por um sistema de aquisição de dados. Toda a metodologia de avaliação do sistema será apresentada também como resultado da etapa anterior, assim como as estratégias de implementação desta metodologia em ambiente computacional.

A caracterização do fornecimento fotovoltaico fornecerá parâmetros elétricos para o projeto e dimensionamento do sub-sistema de eletrólise da água. Tais ensaios deverão ser conduzidos no LH2, dada sua disponibilidade de infra-estrutura apropriada para tais caracterizações.

Etapa 3: Projeto, construção e testes do sub-sistema de eletrólise da água.

Após a caracterização do fornecimento elétrico dos painéis fotovoltaicos será possível dimensionar apropriadamente um eletrolisador com o padrão elétrico otimizado para utilização nesta planta. Desta forma, será projetado e construído um eletrolisador bipolar, constituído por materiais e tecnologias descritas e especificadas durante a etapa de revisão bibliográfica.

Ao eletrolisador de água devem ser adicionados os componentes destinados ao tratamento e purificação do hidrogênio produzido, que será previamente analisado para quantificação das impurezas gasosas e suas respectivas quantidades. Oxigênio, a provável mais abrangente impureza gasosa, deverá ser removido cataliticamente, num reator que carecerá para seu dimensionamento das análises anteriores, e será seco em sistema de separação física. Maiores detalhes de todos estes procedimentos serão também abordados no produto resultante da etapa 1.

O hidrogênio produzido, já na pressão requerida pelo sistema de célula a combustível, será armazenado num reservatório que deverá ser dimensionado a partir de um tempo estimado de funcionamento para este sistema.

Etapa 4: Acoplamento entre os sub-sistemas e instalação da célula a combustível.

Com o término da construção e dos testes finais do eletrolisador, bem como da instalação e dos testes da célula a combustível, ambos serão integrados ao sub-sistema fotovoltaico, sendo esta integração realizada pelos pesquisadores do LH2.

O acoplamento entre o conjunto fotovoltaico e o sub-sistema de eletrólise será realizado diretamente, uma vez que as características de fornecimento elétrico dos painéis e de consumo do eletrolisador desenvolvido possuem o mesmo padrão, sendo inclusive o projeto do eletrolisador realizado com base nas informações do fornecimento dos painéis. Entretanto, a possibilidade de utilização desta estratégia de acoplamento direto será avaliada e se necessário será proposta alguma técnica de controle para o acondicionamento entre os dois equipamentos.

Nesta mesma etapa a célula a combustível será instalada definitivamente no sistema, compondo-se o sistema completo fotovoltaico/eletrolisador/célula a combustível que passará a operar de maneira autônoma.

Durante este período, deverá também ser elaborado o mapa de riscos do sistema e os procedimentos em caso de variados tipos de emergência.

Etapa 5: Funcionamento e coleta de dados.

O sistema completo será transportado de Campinas/SP para Manaus/AM e colocado em operação para um período de avaliação, quando os dados principais que fornecerão as informações relevantes sobre o funcionamento serão coletados para uma análise posterior.

Nesta transição será realizado um Workshop em Manaus para apresentar os resultados do projeto e para que os procedimentos de operação do sistema sejam passados para os profissionais do CDEAM. Durante o início do funcionamento será fundamental um acompanhamento por parte dos pesquisadores do LH2 para que possíveis ajustes sejam realizados e com o objetivo de se certificar a estratégia de operação do sistema.

Etapa 6: Análise dos dados.

Através dos dados coletados será realizado o balanço energético de todo o sistema, definindo-se os parâmetros de interesse que descrevem o funcionamento e que serão úteis para se propor um modelo matemático global que possa servir para projetar e simular a operação de sistemas desta natureza.

Durante esta mesma etapa deverão se calcular os custos relacionados ao hidrogênio produzido, assim como o custo da energia elétrica gerada pelo sistema fotovoltaico/eletrolisador/célula a combustível.

Etapa 7: Elaboração do relatório final.

Será realizado um relatório final que descreva todo o trabalho desenvolvido, desde as informações obtidas na revisão bibliográfica, com os conceitos teóricos envolvidos com o sistema, passando pela escolha dos equipamentos, desenvolvimento do sub-sistema de eletrólise da água, a metodologia de análise dos dados e o modelo matemático proposto. Constará também um conjunto de trabalhos posteriores que certamente surgirão como uma seqüência natural do trabalho.

A figura 2 apresenta um cronograma que apresenta estas etapas distribuídas durante os dois anos previstos para a realização do trabalho.

 

Considerações finais sobre a seqüência dos trabalhos

O projeto apresentado neste artigo encontra-se ainda em suas fases iniciais, sendo já escolhido pelo Eletronorte e estando atualmente em fase final de contratação. Pelo cronograma, acredita-se que nos seis primeiros meses do desenvolvimento já se contará com os principais equipamentos, que serão testados e caracterizados no LH2, dando seqüência ao trabalho como previsto.

Já na etapa de revisão bibliográfica espera-se determinar uma metodologia para estimar o custo da eletricidade gerada, utilizando modelos econômicos encontrados na literatura, tanto para o armazenamento com hidrogênio quanto para as baterias, utilizando informações preliminares encontradas na literatura sobre eficiência, custos iniciais, custos de operação e manutenção, parâmetros que poderão ser atualizados e certificados através da análise do desempenho do sistema desenvolvido.

Entretanto, o objetivo principal deste trabalho é demonstrar a viabilidade técnica de se implementar sistema que possa funcionar de maneira autônoma e com segurança, sendo possível com sua operação a determinação experimental dos principais parâmetros de interesse, resultados que fornecerão informações para uma análise completa da viabilidade do sistema proposto.

 

Referências bibliográficas

Burger, B., Rüther, R., Inverter sizing of grid-connected photovoltaic systems in the light of local solar resource distribution characteristics and temperature. Solar Energy 80, pg. 32-45, 2006.

Silva, E.P da, Apolinário, F.R., Marin Neto, A.J., Estudo da viabilidade técnica de sistemas solar-fotovoltaico-hidrogênio, Anais do IX Congresso Brasileiro de Energia, pg.1940-1945, Rio de Janeiro/RJ, 2002.