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An. 6. Enc. Energ. Meio Rural 2006

 

O beneficiamento do açaí no projeto modelo de negócio de energia elétrica em comunidades isoladas na Amazônia - NERAM

 

 

Diogo J. C. Xavier; Rubem C. R. Souza; Omar Seye; Atlas A. Bacellar; Eyde C. S. Santos; Katriana T. Freitas; Mônica Rodrigues; Márcia R. Morais; Euler L. Guimarães

Pesquisadores vinculados ao Centro de Desenvolvimento Energético Amazônico - CDEAM, Universidade Federal do Amazonas - UFAM. Cep: 69.077-000 - Manaus - AM. Fone/Fax:(092) 3647-4416/4417. e-mail: diogo_am@yahoo.com.br, cdeam@ufam.edu.br

 

 


RESUMO

Este artigo tem como objetivo a apresentação e discussão dos processos produtivos envolvidos no beneficiamento do Açaí dentro do projeto "Modelo de Negócio de Energia Elétrica em Comunidades Isoladas na Amazônia - NERAM", financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq. Com a premissa de aproveitamento global do fruto do açaizeiro, todas as etapas previstas para o processo são descritas. Estas etapas envolvem a extração da polpa, tratamento dos resíduos, secagem do caroço do açaí e seu aproveitamento para geração de energia elétrica. Estão descritas estimativas das proporções em massa do fruto envolvidas nas etapas dos processos, da extração da polpa aos produtos finais, e características dos equipamentos de geração.

Palavras chaves: Geração Distribuída, Fontes alternativas, Biomassa local, Açaí.


ABSTRACT

This article presents a discussion on the productive processes associated with the açai within the project "Model for Electric Power Enterprise in Isolated Communities in the Amazon - NERAM", financed by the National Council for Scientific and Technological Development - CNPq. With the premise of global use of the fruit of the açaizeiro, all the stages of the processing are described. These stages comprise the extraction of the pulp, treatment of residues, drying of the açai seeds, and it use for power generation. Estimates of the proportions are described in mass of the fruit involved in the stages of the processes, from the pulp extraction till the final products, and characteristics of the generation equipments.


 

 

1. Introdução

A universalização dos serviços públicos em geral e de energia elétrica em particular, adquire, no caso da Região Norte, características bastante peculiares, em função da dimensão territorial, da cobertura por densa floresta equatorial e grandes rios. Tais características contribuem para a distribuição esparsa e irregular do mercado de energia, tornando-o extremamente difícil a formulação de ações para a ampliação do acesso à energia elétrica, tais como, a construção de sistemas de transmissão e distribuição interligados. Da mesma forma, a utilização de sistemas abastecidos por derivados do petróleo, como o diesel, são cada vez mais prejudiciais a matriz energética do setor de transportes no Brasil, gerando um déficit de cerca de 30% em volume de diesel que precisa ser importado já em forma de destilado final (ROCHA e SILVA, 2003).

O baixo poder aquisitivo que predomina na região e a carência de tecnologias avançadas nacionais, adaptadas a realidade amazônica, não podem inibir novos modelos para o suprimento elétrico da região Amazônica, haja vista que o modelo vigente parte do pressuposto de que o agente regulador do setor deve preservar o equilíbrio entre os agentes de forma a promover o desenvolvimento social através da oferta de energia elétrica. Nesse sentido, as ações do projeto NERAM são paralelas à posição de Tortorello e Gouvêa (2003) que afirmam: "deve-se considerar a energia elétrica como um insumo de desenvolvimento e produção, capaz de alterar e melhorar a qualidade de vida de uma determinada região, no âmbito do planejamento setorial da expansão da oferta".

Do ponto de vista de insumo energético sustentável, Souza e Santos (2003) sinalizam a biomassa como capaz de suprir as demandas aqui consideradas, apontando a necessidade do desenvolvimento de tecnologias nacionais adequadas à realidade amazônica, a captação de recursos financeiros disponibilizados através dos instrumentos regulatórios disponíveis no país e também aqueles que podem ser captados através da comercialização dos créditos de carbono.

Necessário se faz ainda, que sejam estudados e experimentados a constituição de agentes no âmbito das comunidades que sejam capazes de gerir a produção e comercialização de energia elétrica de acordo com os pressupostos legais vigentes no país.

Diante deste cenário, é proposto o projeto de pesquisa "Modelo de Negócio de Energia Elétrica em Comunidades Isoladas na Amazônia - NERAM", pelo Centro de Desenvolvimento Energético Amazônico (CDEAM). Esta iniciativa agrega à geração distribuída o aproveitamento de resíduos de biomassa como fonte energética para a produção de energia elétrica, com o objetivo da redução da demanda por óleo diesel, além da geração de emprego e mais renda, fixando assim o homem no campo.

As comunidades contempladas pelo projeto são: Cristo Rei, Pentecostal do Brasil, Nossa Senhora da Conceição e São Francisco do Parauá, do sistema Cururu que se estende próximo a Ilha do Parati (3º 30' 0,468'' S; 60º 45' 57,528'' W) até o sistema lacustre do Cururu (3º 26' 25,116'' S; 60º 43' 25,572'' W) no município de Manacapuru - AM, localizadas de acordo com a figura 1.

Dentro desse contexto, este artigo apresenta uma discussão dos processos produtivos que estão sendo desenvolvidos e implantados no projeto.

 

2. O processo de geração de eletricidade

O processo de geração a ser implantado pelo projeto utiliza a tecnologia de gaseificação de biomassa, tendo como insumo energético o caroço de açaí. O sistema, de acordo com a figura 2, é formado por dois subsistemas de geração, e um de secagem de biomassa. A opção por trabalhar com dois subsistemas de geração é a mais indicada, por ser mais confiável e disponibilizar a realização de manutenção sem que haja a paralisação total da geração de eletricidade, além de atender a modulação de carga.

 

 

Cada subsistema de geração é composto por: um reservatório de biomassa (A), com capacidade de 3 m3; um gaseificador (B), com volume de 0,2 m3 e diâmetro interno de 41,2 cm, com consumo de caroço de caroço de açaí de 44,3 kg/h que possibilita a produção de 145 m3/h de gás de baixo teor de alcatrão e particulados, e rico em hidrogênio (H2); Um filtro de gás (C), tipo baghouse com sistema de auto-desobstrução, um grupo gerador (D) com saída trifásica e potência elétrica variando de 13 a 40 kW. Os níveis de emissões estão na ordem de 3% de partículas em relação à massa inicial de biomassa utilizada. Com a potência instalada (80 kW) se pretende atender 130 unidades consumidoras residenciais e uma indústria para produção de polpa de açaí.

O sistema de secagem (E), é equipado com um secador rotativo, modelo SER-075, com características técnicas listadas na tabela 1. O secador, além de utilizar calor residual (gases de escape do motor acoplado ao gerador de energia) tornando mais eficiente o processo global de gaseificação, será equipado com uma fornalha de grelha fixa, possibilitando o uso alternativo do calor proveniente do processo de combustão de material lenhoso. Esta configuração possibilita, caso seja necessário, direcionar o calor residual proveniente do processo de gaseificação para outra atividade que não seja a de secagem da biomassa.

 

3. Processos produtivos

O açaí, dentre outros produtos agrícolas tipicamente amazônicos, representa uma fonte de renda bastante significativa para os moradores das comunidades ribeirinhas atendidas pelo projeto. Essas comunidades extrativistas exploram o fruto, além de desenvolverem outras atividades produtivas, que não se traduzem em rentabilidade capaz de atrair grandes investimentos para atendimento elétrico dessas áreas.

Diante deste cenário, as ações desenvolvidas pelo projeto NERAM objetivam a ampliação da renda da população, tornando-a competitiva, além de gerar mais emprego e novas perspectivas de desenvolvimento sócio-econômico.

Na figura 3 consta um fluxograma do processo, cuja etapa referente ao beneficiamento do açaí foi concebida com base em informações de NOGUEIRA et al (2005).,Consta do fluxograma também a proporção da massa do fruto envolvida nas etapas, partindo da extração da polpa.

Seguindo a disposição das atividades listadas na figura 3, tem-se inicialmente a etapa de extração da biomassa, que consiste na coleta manual do açaí.

O colhedor do fruto do açaizeiro sobe no açaizeiro e retira os cachos. Ao descer, faz a separação manual dos frutos do cacho, e os armazena em cestos, paneiros, rasas ou caixas de plástico. A maior parte do açaí é coletada nas comunidades do Lago Cururu, com acesso fluvial a Comunidade do Parauá, onde está sendo implantada pelo projeto NERAM uma agroindústria de polpa de açaí. Em seguida, os recipientes são transportados manualmente até o ponto de embarque, de onde, em barcos de pequeno e médio porte partem e realizam o transporte até o centro de beneficiamento. Sendo os frutos do açaizeiro muito perecíveis, resistindo no máximo a 24 horas, após a colheita, quando estocados sob temperatura ambiente (NOGUEIRA et al, 2005), é importante que o transporte seja feito no menor tempo possível, evitando o comprometimento da qualidade do produto.

A etapa seguinte consiste no beneficiamento do açaí em uma agroindústria, que possibilitará beneficiar a produção dos moradores de todas as comunidades circunvizinhas.

O açaí ao chegar à agroindústria, é armazenado com cuidado em prateleiras, para evitar esmagamentos, rompimento da casca e contaminação. A próxima etapa é o beneficiamento do fruto, que inicia com a recepção ou pré-lavagem do material, onde as matérias estranhas e impurezas (terra, pedras, insetos, etc.) presentes são retiradas com a utilização de jatos de água, seguindo para a lavagem em tanque, com água em bom estado sanitário, de acordo com a Portaria nº 518/GM (SAÚDE, 2004), a uma solução de cloro de 5 a 10 ppm. Após alguns minutos, o fruto segue para o enxágüe em uma mesa de lavagem, equipada com sistema de circulação de água.

De posse do fruto limpo, ocorre a seleção manual em uma mesa de aço inox com tampo liso. De forma visual, são selecionados os frutos danificados e restos de matéria orgânica (gravetos, folhas, etc) que não tenham sido retirados nas etapas de lavagem. A etapa seguinte contempla a maceração, onde os frutos são depositados em recipientes com água à temperatura adequada. Neste momento, há o amolecimento da casca e da polpa, com a finalidade de facilitar o processo de despolpamento.

No despolpamento, utilizando máquinas despolpadeiras, é separada a polpa, que representa aproximadamente 30% da massa do fruto, do caroço, fibras e restos da casca, sendo os últimos, que representam 70%, reaproveitados. O processo de beneficiamento continua com a homogenização da polpa que após a extração, sendo esta acondicionada no homogenizador para ser misturada e tornar-se um líquido de aspecto e sabor homogêneo, passando em seguida para o envasamento semi-automático. Esse envasamento se dará em material plástico (polietileno linear), submetido ou não a vácuo, conforme a qualidade final desejada no produto, sendo a polpa distribuída em diferentes proporções, de acordo com a regulação do equipamento, e encaminhada para o congelamento de forma lenta, o que ocorrerá em uma câmara frigorífica.

Assim, se tem o primeiro produto - polpa de açaí - que será comercializado diretamente nos mercados atacadistas e varejistas das cidades de Manacapuru (a cerca de duas horas de barco regional), e de Manaus (distante oito horas de barco). Com o intuito de agregar mais valor ao produto, as embalagens conterão informações que esclareçam ao consumidor, que o produto é amazônico, advindo de atividade que preserva o meio ambiente, utiliza energia alternativa, proporcionando a redução de uso de combustíveis fósseis, além de contribuir para a inclusão social de comunidades ribeirinhas, através da geração de renda e desenvolvimento local. Isto também poderá ser feito com certificações (ex. Imaflora).

Prosseguindo com o aproveitamento do caroço, fibras e restos da casca do processo de despolpamento, tem-se o tratamento dos resíduos, que inicia com a lavagem do material por imersão em água seguido de agitação e peneiramento, para que ocorra a separação dos caroços e fibras dos demais sedimentos. A parte líquida, que contem cerca de 15% da massa residual, é canalizada para um decantador, que após alguns minutos separa os sedimentos da água, sendo 0,6% canalizado junto a água para uma lagoa de estabilização, onde após o tempo de retenção necessário para a diminuição da Demanda Bioquímica de Oxigênio (DBO) dentro dos limites estabelecidos na Resolução n0 357 (CONAMA, 2005), será despejada no Rio Solimões.

Os sedimentos, 14,6% do material, são secos naturalmente e armazenados em sacos de estopa, servindo de matéria-prima para a atividade produtiva de ração animal e adubo. Os caroços e as fibras, que somam 54,8%, serão encaminhados para um armazém, protegidos de intempéries, caracterizando com isso o início do processo de geração de energia e a primeira etapa da secagem do material (secagem natural).

Posteriormente, de forma gradativa é realizada a secagem forçada, utilizando um secador rotativo SR-075, onde ocorre a redução do teor de umidade do caroço a aproximadamente 10%, utilizando os gases provenientes dos motores da geração, além de contar com os gases quentes produzidos na etapa de produção de calor. Esta atividade compõe-se da coleta de material lenhoso, disponibilizado na floresta e nas margens do rio, seguido do armazenamento em local protegido e seco, processamento para o ajuste da granulometria do material de acordo com os limites físicos do forno e combustão, que consiste na queima da lenha para a produção do gás.

O procedimento de secagem forçada é necessário para que se obtenha melhor rendimento no processo de gaseificação. Também nesta etapa, ocorre a separação do caroço da fibra, que com a movimentação do equipamento se desprende e cai pelos orifícios externos em um coletor. A fibra, 3,5 % da massa do fruto, é ensacada e destinada para a atividade produtiva de fabricação de peças de artesanato, criando uma nova fonte de renda para a comunidade, ou a venda direta in natura.

Após a secagem, o caroço seco (50,2%) é encaminhado para o gaseificador. Neste ocorre inicialmente a combustão da biomassa caroço de açaí, a uma temperatura de 9000C, liberando gás quente, que passa por um processo de limpeza e de resfriamento. Em seguida, o gás é consumido em um motor de combustão interna acoplado a um gerador elétrico (grupo gerador), que por sua vez gera energia elétrica, a um rendimento de 0,96 kg/kW, e gás quente, finalizando as proporções do açaí envolvido no processo, de acordo com a figura 4.

 

 

Toda produção de energia elétrica dará suporte a atividade produtiva de comercialização de energia elétrica, que através da Cooperativa Energética e Agro-extrativista Rainha do Açaí - CEARA, a comunidade venderá a energia para a Companhia Energética do Amazonas - CEAM, concessionária responsável pelo suprimento elétrico na região, que será a responsável pela distribuição e comercialização da energia elétrica para os consumidores finais.

A Cooperativa Energética e Agro-extrativista Rainha do Açaí - CEARA foi constituída pelo grupo do projeto NERAM, tendo como cooperados moradores de todas as comunidades na área de abrangência do projeto. Caberá a CEARA a coordenação de todas as atividades produtivas e de comercialização desenvolvidas, não somente restringindo-se às atividades acima descritas, mas atuando como elo entre os produtores e o mercado, valorizando a produção local, buscando apoio técnico, quando necessário, e novas alternativas de geração de renda.

 

4. Considerações finais

Apesar do trabalho de avaliação e planejamento já realizado, os processo de beneficiamento e e tratamento dos resíduos do açaí, quando da sua fase de implantação, passarão por um período de avaliação e ajustes, buscando o maior equilíbrio entre os processos em questão. A agroindústria inicialmente será equipada com o instrumental básico, para se ter um produto de qualidade, e terá como metas a aquisição de novos equipamentos, como por exemplo o pasteurizador, que aumenta a conservação do alimento. É oportuno destacar que todos os procedimentos estão sendo adotados para a legalização do produto junto ao Ministério da Agricultura.

Referente às etapas de secagem, serão testadas novas opções de secagem natural, a exemplo da utilizada no armazenamento da castanha-do-brasil (SIMÕES, 2004), que auxiliará na conservação e secagem do caroço de açaí, reduzindo o tempo da secagem forçada.

O projeto em questão busca, adaptando tecnologia a potencialidade energética local, desenvolver um modelo de gestão pautado no uso sustentável dos recursos e ainda no arcabouço regulatório vigente no Brasil. Além disso, constituir em exemplo de sucesso de eletrificação e desenvolvimento local a ser replicado para outras localidades, observada certas condicionantes.

 

Referências

[1] CONAMA - CONSELHO NACIONAL DO MEIO AMBIENTE; Resolução n0 357, de 17 de Março de 2005.

[2] NOGUEIRA, O.L. et. al.; Sistema de Produção do Açaí; Embrapa Amazônia Oriental; Sistemas de Produção; Num. 04; ISSN1809-4325 Versão Eletrônica; Belém, PA; Dezembro, 2005.

[3] SAÚDE - MINISTÉRIO DA SAÚDE; Portaria nº 518/GM de 24 de Março de 2004.

[4] SIMÕES, A.V.; Cartilha do coletor: boas práticas de manejo; Programa Castanha do Brasil; 2ª Edição; Manaus,AM; 2004.

[5] PINHALENSE S/A MÁQUINAS AGRÍCOLAS; Catálogo comercial; 2005.

[6] ROCHA, B.R.P.; SILVA, I.M.O. Energia para o desenvolvimento sustentável da Amazônia; In: ALex Fiuza de Melo. (Org.); O futuro da Amazônia: Dilemas, oportunidades e desafios no limiar do século XXI; 01 ed.; v. 01; p. 35-43; Brasilia, 2003.

[7] SOUZA, R.C.R. e SANTOS, E.C.S.; Incentivos ao Uso de Biomassa para Geração de Eletricidade na Amazônia; III Congresso Brasileiro de Regulação de Serviços Públicos Concedidos - ABAR. Gramado-RS; Maio, 2003.

[8] TORTORELLO, L.M. e GOUVÊA, M.R.; Zoneamento Sócio-econômico-ecológico como Instrumento de Apoio a Regulação da Energia Elétrica; III Congresso Brasileiro de Regulação de Serviços Públicos Concedidos - ABAR; Gramado-RS; Maio, 2003.