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An. 6. Enc. Energ. Meio Rural 2006

 

Proposição de uso de óleo vegetal in natura e biodiesel de mamona em termelétricas

 

 

B. F. SoaresI; C. M. V. TahanI; M. A. PelegriniI; L. H. Polizel; M. V. M. VandelliII; H. K. TakenoIII

IENERQ - Centro de Estudo em Regulação e Qualidade de Energia, da USP
IITermocabo Ltda
IIICEP - Companhia Energética de Petrolina

 

 


RESUMO

Este trabalho propõe uma alternativa energética de combustíveis renováveis para utilização em usinas termelétricas (UTE) com grupo de máquinas geradoras que estão operando atualmente no setor elétrico com óleo combustível de origem mineral não-renovável (OCA - Óleo Combustível de Alto teor de enxofre). Os combustíveis renováveis propostos para a substituição total ou parcial do óleo mineral são: óleo vegetal de mamona, nas formas in natura e transesterificado (biodiesel). Então, analisou-se o desempenho, em laboratório, das misturas de óleos não-renovável e renováveis pelo método de ensaios físico-químicos de caracterização de combustíveis. Para tanto, avaliou-se a performance energética dessas misturas em termelétricas, tomando como referência o atual combustível utilizado, e verificando que há condições satisfatórias de utilização de combustíveis renováveis.

Palavras-chave: Combustíveis renováveis e não-renováveis, Biodiesel, Óleo Vegetal de Mamona; UTE; OCA


ABSTRACT

This paper proposes the adoption of renewable fuels on thermal power plants using diesel or high sulfur fuel oil generator sets. The renewable fuels proposed to partially or fully replace the fossil fuels are castor oil in natura or transesterified (biodiesel). Physical and chemical analyses were carried out on laboratory, stablishing the energetical performance of each sample. The results showed that mixtures of biodiesel-fossil fuel offers similar performance when compared to the conventional fuels, allowing its use on thermal power plants in a satisfactory basis.


 

 

1-Introdução

Estudos sobre o uso de combustíveis alternativos, em especial de origem vegetal de oleaginosas, com o propósito de substituir total ou parcialmente combustíveis de origem fóssil é um tema vastamente investigado em pesquisas existentes na literatura mundial. No entanto, as referências bibliográficas revelam a escassez de pesquisas voltadas ao estudo de usos desses combustíveis alternativos em unidades termelétricas com testes operacionais com duração e regime significativos.

De forma complementar a esse tema, o Brasil é um país com amplo potencial de recursos energéticos renováveis, possui uma enorme extensão geográfica territorial e uma ampla diversidade de espécies agrícolas oleaginosas em zonas inter-tropicais, além do incentivo que se tem notado no que diz respeito à produção de biodiesel no país, surge a oportunidade de se investigar a inserção de combustíveis renováveis como insumo primário para termelétricas já instaladas e operando atualmente no sistema elétrico brasileiro com combustíveis de origem fóssil.

Nesse contexto, este trabalho propõe avaliar o desempenho de misturas de combustíveis renováveis e não-renováveis como insumos para usinas térmicas de geração de energia elétrica. Para tanto, o combustível não-renovável é o OCA-1 (Óleo Combustível com Alto teor de enxofre) e o renovável, é óleo vegetal de mamona, na forma in natura ou transesterificado (biodiesel). A metodologia de avaliação consiste em analisar o desempenho dessas misturas, em determinadas proporções, submetidas a testes físico-químicos laboratoriais de caracterização de combustíveis. Com os resultados, realiza-se análise de sensibilidade do poder calorífico das misturas em função da adição gradual de óleo vegetal.

Em seguida, elaborou-se um estudo de caso por meio de um exercício de aplicação das misturas propostas neste trabalho em usinas termelétricas situadas no semi-árido brasileiro. Então, simularam-se aplicações dessas misturas em grupos geradores convencionais Wärtsila, os quais são utilizados pelas termelétricas Termocabo Ltda e Companhia Energética Petrolina (CEP).

A escolha da espécie oleaginosa mamona (Ricinus communis L.) foi determinada pela maior adaptabilidade da espécie as regiões semi-áridas (ANJOS, 2004). O texto seguinte apresenta as considerações e ensaios realizados para a prospecção de aplicação de combustíveis renováveis em termelétricas.

 

2- Características de Óleos Vegetais de Mamona

O óleo vegetal in natura de mamona é um óleo bruto extraído do processo de prensagem dos frutos da oleaginosa mamona, sendo não refinado e que se assemelha ao óleo combustível (HFO) quanto a algumas de suas propriedades.

Em colaboração com o Instituto Nacional de Tecnologia (INT), em 2004, identificaram-se as características físico-químicas de óleo vegetal in natura de mamona, conforme a Tabela 1.

Evidentemente que as características físico-químicas podem apresentar pequenas variações conforme a amostra ensaiada, em virtude das condições intrínsecas do óleo.

Já o óleo vegetal transesterificado (biodiesel) é um óleo vegetal modificado quimicamente, com características mais próximas ao diesel mineral, que tem vocação para motores de pequeno porte e que são mais sensíveis à qualidade do combustível.

Em colaboração com a Wärtsila (fabricante de máquinas de grupos geradores), identificaram-se as características físico-químicas de óleo vegetal na forma transesterificada (biodiesel), conforme a Tabela 2.

Semelhante ao óleo vegetal, as características físico-químicas podem apresentar pequenas variações conforme a amostra ensaiada, em virtude das condições intrínsecas do biodiesel.

 

3- Desempenhos Físico-Químicos de Misturas

O Laboratório de Combustíveis e Energia (POLICOM), vinculado a Universidade de Pernambuco (UPE), à pedido dos pesquisadores deste trabalho, realizou ensaios laboratoriais para avaliar o desempenho físico-químico de misturas de OCA-1 (óleo combustível com Alto teor de enxofre) com óleo vegetal de mamona, na forma in natura e transesterificada.

3.1. Especificações dos Ensaios em Óleos Vegetais e Misturas

a) Óleo Vegetal de Mamona

b) Biodiesel (B100)

c) Misturas (6 Misturas)

As proporções de misturas inicialmente selecionadas para realização dos ensaios foram:

• Temperatura de estabilidade da mistura

• Viscosidade Cinemática (cinco temperaturas: 30 C, 50 C, 70C, 80 C, 100 C)

• Ponto de Fulgor

• Ponto de Combustão

• Análise Termogravimétrica (teor de umidade, voláteis, carbono fixo e cinzas)

• Análise Calorimétrica (Determinação do Poder Calorífico Superior e Inferior)

• Densidade

3.2. Resultados dos Ensaiados

Os principais resultados obtidos de ensaios em misturas (Amostras A, B, C, D, E e F) estão apresentados na Tabela 3.

3.3. Análise dos Resultados

Os resultados obtidos foram analisados e os respectivos comentários estão apresentados abaixo.

Viscosidade Cinemática: a viscosidade cinemática (VC), em CSt, do biodiesel de mamona (BD) e do óleo de mamona (OM) são bastante inferiores à do óleo combustível tipo A1 (OCA1), sendo a VC do BD a menor entre as três. Nos testes realizados com as misturas OCA1 e BD, e OCA1 e analisou-se que o comportamento da viscosidade cinemática da mistura. Quando é misturado o BD com o OCA1, verificou-se uma redução significativa da VC do OCA1 da mistura, ou seja, quanto maior o percentual de BD, menor a VC da mistura.. Comparando-se os resultados da VC das misturas 5%BD + 95%OCA1 com a 50% BD + 50% OCA1, ambas a 30o C, verificou-se uma redução de 8 vezes na VC. Aumentando-se a temperatura das misturas para 100°C, esta redução passa a ser de aproximadamente 3,8 vezes, desta forma, evidenciando-se o efeito da elevação de temperatura na VC das misturas, ou seja, quanto mais elevada a temperatura, menor a VC. Para as misturas de OM a variação da VC quando comparado a misturas de 5%OM + 95%OCA1 com a 50% OM + 50% OCA1, a 30°C. verifica-se uma redução de 2,8 vezes. É bastante evidenciada a influência da temperatura na viscosidade das misturas. Porém, entre as misturas do OCA1 com BD e OM, nas temperaturas elevadas, 80 oC e 100 oC, não há variação significativa entre os valores de VC para o mesmo percentual de mistura. Deve ser ressaltado que foi necessário aquecer as misturas de OM e OCA1 a uma temperatura de 40°C sobre agitação para que fosse possível homogeneizar a mistura.

Teor de água: o BD apresentou um percentual de 1,33% sendo superior ao do óleo de mamona que apresentou um percentual de 0,25%.

Massa especifica: A massa especifica do OCA1 é maior do a do OM puro, e esta maior do que a do BD puro. Vale ressaltar que a densidade do BD e de suas misturas com OCA1 foi efetuada a 20 °C conforme a norma NBR 7148:1992. Porém, a densidade do OM e de suas misturas foram medidas a 35°C, devido ao fato, de ocorrer separação de fases quando em temperaturas inferiores a esta.

Poder calorífico: O poder calorífico é definido como a quantidade de calor que é liberada na combustão completa por unidade de massa. Essa medida corresponde à capacidade do combustível de gerar calor. O poder calorífico pode ser apresentado sob dois modos: o poder calorífico superior e o poder calorífico inferior. O poder calorífico superior (PCS) traz consigo o calor recuperado pelo vapor d'água que é produto da combustão. Seu valor foi medido em um calorímetro digital marca IKA-WERKE, modelo C2000. Sendo realizada a média entre três análises realizadas. O PCS do OM foi de 36.534 kJ/kg e o do BD 37.482 kJ/kg, sendo inferiores ao do OCA1. Portanto, espera-se que o consumo especifico de combustível, em kg/MWe gerado, tenha um acréscimo ao se utilizar misturas mais ricas em BD e OM, se comparado ao consumo do OCA1 .

Ponto de Fulgor e de Combustão: O ponto de fulgor é definido pela temperatura nas quais os combustíveis liberam uma quantidade de voláteis suficiente para em contato com a chama piloto provocar o flash, ou seja, surge uma chama, que se apaga quase que instantaneamente. No ponto de combustão, a geração de gases voláteis é tal, que a chama permanece acessa. Analisando os resultados, observa-se que os pontos de fulgor e de combustão do BD e do OM são superiores ao do OCA1. sendo de 202 oC e 210 oC para o BD e, 286,5 oC e 305,5 oC para o OM, respectivamente.

Estabilidade: Esta análise objetivou a investigação da possível existência de separação de fases entre o BD, OM e suas misturas com o OCA1 em função da temperatura., ou seja, a estabilidade das misturas. Como resultados, verificou-se que as misturas de BD e OCA1 mantiveram-se estáveis em uma única fase na faixa de temperatura entre 17 e 200°C. Porém, com as misturas do OM e do OCA1 ocorreu a separação de fases em temperaturas inferiores à 32°C quando a mistura permaneceu sem agitação por períodos superiores a 10 minutos.

Termogravimetria: Nesta análise é possível quantificar o teor de umidade da amostra, o teor de material volátil, teor de carbono fixo e o residual de cinzas. Esta análise foi realizada em uma rampa de aquecimento de 10°C/min, entre 30°C e 900°C, em atmosfera inerte de nitrogênio. Quando atingiu a temperatura de 900°C, a atmosfera passou a ser de oxigênio para permitir que o material em análise entre em combustão.Desta forma, o carbono fixo é queimado, e pode-se determinar o teor de cinzas. Até a data da preparação deste relatório, foi realizada os testes com o BD e suas misturas com OCA1. OS testes com OM ainda não foram realizados devido a um problema eletrônico do equipamento. Portanto, analisando-se os resultados dos testes termogravimétricos, verifica-se que o teor de cinzas gerados com o BD é inferior ao da mistura OCA1 + 5% de BD, mostrando a sua melhor combustão e uma menor geração de particulados. Esta é uma característica importante, quando da sua utilização com combustível de motores e caldeiras. O BD apresentou um percentual de cinzas bastante inferior ao produzido pelas misturas com o OCA1.

 

4- Estudo de Caso: Aplicações de Misturas em Termelétricas

O Estudo de Caso propõe um exercício de aplicação de misturas de óleos vegetais de mamona com combustível fóssil convencional nas usinas termelétricas Termocabo Ltda e Companhia Energética de Petrolina, com as respectivas potências elétricas instalada: 48MW (3 unid. geradoras), 128MW (8 unid. geradoras). Ambas as usinas são compostas por um conjunto de máquinas de grupo gerador de fabricação Wärtsila de 17,025MW cada. Tais unidades de geração foram projetadas para operar com óleo combustível derivado de petróleo (não-renovável) de alta densidade (OCA-1 - Óleo Combustível de Alto teor de enxofre), também conhecido como HFO (Heavy Fuel Oil). Segundo o fabricante, cada grupo gerador consome 3.490 kg/h de óleo combustível (OCA-1), o qual apresenta poder calorífico superior (PCS) de 43.141 kJ/kg (150.562.090 kJ / h).

Os óleos vegetais renováveis propostos para se adicionar ao OCA-1 são os apresentados e caracterizados anteriormente. E as proporções de misturas de combustíveis renovável e não-renovável são as estabelecidas nas especificações de ensaios realizados (Amostra A, B, C, D, E, F, G e H).

Inicialmente, o estudo de caso avaliou a evolução de PCS para as misturas em conformidade com as proporções estabelecidas pelas amostras, conforme a Figura 1.

Através dos resultados apresentados pela Figura 1, pode-se verificar o impacto da adição de óleo vegetal de mamona, na forma in natura ou transesterificada (biodiesel), no rendimento do poder calorífico das amostras.

Conforme proposto no estudo de caso, a aplicação em termelétrica é apenas possível em testes operacionais ideais, pois a disponibilidade das mesmas para realização de ensaios de 300 horas de operação anual possui algumas restrições, as principais são:

Por esse motivo que se optou pela realização de ensaios laboratoriais para obtenção de informações que pudessem ser utilizadas para simular aplicação de combustíveis de origem vegetal em usinas termelétricas (UTE). Então, os estudos foram realizados observando alguns critérios, os principais são:

Então, com as informações de evolução de PCS com adição gradual de óleo vegetal no OCA-1, o valor de referência de consumo por máquina do grupo gerador e a estimativa de despacho operacional das termelétricas analisadas (por máquina), pode-se obter a massa (em kg) dos óleos renováveis e não-renováveis que compõem a mistura numa determinada proporção, conforme a Tabela 4.

Com os dados apresentados pela tabela acima, pode-se elaborar a evolução de consumo de biodiesel e de óleo vegetal in natura necessária para operação de uma unidade de geração de energia elétrica de 17MW, conforme as figuras a seguir.

 

 

 

 

5- Conclusões

Os resultados dos ensaios laboratoriais evidenciaram que é possível obter em misturas homogêneas e estáveis em temperaturas de operação de usinas termelétricas. Os testes físico-químicos de misturas de combustíveis não-renováveis (OCA - Óleo Combustível de Alto teor de enxofre) com adição gradual de combustível renovável (óleo vegetal de mamona, na forma in natura e transesterificada - 'biodiesel') pôde obter resultados satisfatórios com várias proporções de misturas (5/95, 20/80 e 50/50, de óleo vegetal/mineral) e desempenho compatível com o combustível convencional utilizado atualmente. Verificaram-se reduções graduais do poder calorífico das misturas em função da adição proporcional de biodiesel e óleo vegetal in natura no óleo mineral OCA. Além do poder calorífico, houve diminuição significativa da viscosidade cinemática, aumento do ponto de fulgor e do ponto de combustão, diminuição da densidade, da umidade e do residual de cinzas das misturas analisadas.

Conforme a Figura 1, observa-se certa estabilidade de PCS para as misturas contendo óleo de mamona in natura, entre os percentuais de 5% e 50%. No entanto, as misturas contendo biodiesel apresentam reduções, aproximadamente, lineares para todas as proporções de misturas ensaiadas.

Com o exercício de aplicação em termelétricas para uma determinada expectativa de operações anuais, por meio do estudo de caso, destaca-se o aumento da quantidade, em massa, de combustível alternativo (mistura: renovável + convencional) consumido pela termelétrica, conforme a Figura 4. Esse fato se justifica devido à necessidade de compensação do déficit energético que o óleo vegetal apresenta com relação ao combustível utilizado atualmente (OCA).

 

6- Referências bibliográficas

[1] Lei nº 11.097, 13/01/05, Constituição Federal. Dispõe sobre a introdução do biodiesel na matriz energética brasileira e dá outras providências.

[2] Resolução BNDES nº 1.135 / 2004. Programa de Apoio Financeiro a Investimentos em Biodiesel no âmbito do Programa de Produção e Uso do Biodiesel como Fonte Alternativa de Energia.

[3] Resolução ANP nº 3, 10/01/03. Estabelece o procedimento para comunicação de incidentes, a ser adotado pelos concessionários e empresas autorizadas pela ANP a exercer as atividades de exploração, produção, refino, processamento, armazenamento, transporte e distribuição de petróleo, seus derivados e gás natural, biodiesel e de mistura óleo diesel/biodiesel no que couber.

[4] Instrução Normativa SRF nº 516, 22/02/05. Dispõe sobre o Registro Especial a que estão sujeitos os produtores e os importadores de biodiesel, e dá outras providências.

[5] Portaria ANP nº 240, 25/08/03, Estabelece a regulamentação para a utilização de combustíveis sólidos, líquidos ou gasosos não especificados no País.

[6] Anjos, J. B. dos; Drumond, M. A. Adaptação de semeadora manual para plantio direto de mamona. In: I Congresso Brasileiro de Mamona - Energia e Sustentabilidade, 23 a 26 de novembro de 2004. Campina Grande - PB. CD-ROM Anais.

 

 

Este trabalho foi desenvolvido no âmbito dos programas de P&D-ANEEL da Companhia Energética de Petrolina (CEP) e Termocabo Ltda, ciclos 2002/2003 e 2004/2005, com o Centro de Estudos em Regulação e Qualidade de Energia (ENERQ/USP). Prof. Dr. Carlos M. V. Tahan (e-mail:cmvtahan@pea.usp.br) - USP / POLI / PEA - São Paulo-Brasil (+55 11 3091-5404)