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An. 6. Enc. Energ. Meio Rural 2006

 

Protocolo de Kyoto e co-geração no meio rural: configuração institucional e organizacional e perspectivas

 

 

Zilmar José De SouzaI; Paulo Furquim de AzevedoII

IPós-doutorando em Economia pela FGV-EESP. zilmar.souza@energiasdobrasil.com.br
IIProfessor da FGV-EESP.pfa@fgvsp.br

 

 


RESUMO

este artigo apresenta breve histórico acerca do arranjo institucional brasileiro dado ao Protocolo de Kyoto e, com base no perfil brasileiro de emissões, discute perspectivas gerais para a utilização do MDL, principalmente em projetos envolvendo co-geração no meio rural. Observa-se elevada incerteza quanto à liquidez e desenvolvimento do mercado de crédito de carbono, sobretudo com referência à definição do segundo período de compromissos do Protocolo de Kyoto. Mesmo assim, com a consolidação do ambiente institucional, o mercado de crédito de carbono deverá tornar-se favorável a projetos de co-geração no meio rural, sobretudo em países como o Brasil.

Palavras-chave: Protocolo de Kyoto, MDL, co-geração, meio rural, biomassa energética.


ABSTRACT

this article presents a brief historical record concerning the Brazilian institutional arrangement given to the Kyoto Protocol and, based on the Brazilian emissions profile, discusses general perspectives to the use of the CDM, mainly in projects involving co-generation in the agricultural sector. It is observed high uncertainty about the liquidity and development of the carbon credit market, above all, with reference to the definition of the second period of the Kyoto Protocol commitments. Even so, with the consolidation of the institutional environment, the carbon credit market must become favorable to the projects of co-generation in agricultural sector, especially in countries as Brazil.


 

 

Introdução

Definido no artigo 12 do Protocolo de Kyoto, o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) tem dois objetivos centrais: auxiliar no desenvolvimento sustentável das Partes não incluídas no Anexo I daquele protocolo e, simultaneamente, assistir as Partes do Anexo I no cumprimento de suas metas de redução de emissões.

De acordo com Rocha (2004) [1], o MDL foi proposto inicialmente como um Fundo de Desenvolvimento Limpo pela delegação brasileira, em maio de 1997, nas discussões preparatórias da terceira Conferência das Partes (COP-3), sendo chamada de "proposta brasileira". Em essência, o MDL permite que cada tonelada de CO2 equivalente não emitida, em virtude de determinada ação (ou projeto) implementada em países em desenvolvimento, gere um crédito (certificado), representando um bem intangível passível de ser comercializado no mercado internacional.

O MDL é uma ferramenta que promove uma melhor alocação, na ótica do investidor, no sentido de que as empresas impossibilitadas (ou que não desejam devido sua estrutura de custos) em reduzir suas emissões possam adquirir os Certificados de Redução de Emissões (CREs) para cumprir parte de suas obrigações, representadas pelas cotas de emissões. Da ótica do país em desenvolvimento, o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo tem por premissa que o projeto certificado contribuirá para o desenvolvimento sustentável local. Dado o perfil brasileiro de emissões, projetos de co-geração de energia no meio rural são fortes candidatos na exploração do mercado de crédito de carbono. Este artigo apresenta breve histórico sobre o arranjo institucional brasileiro dado ao Protocolo de Kyoto e, com base no perfil brasileiro de emissões, discute perspectivas gerais para a utilização do MDL, principalmente em projetos que envolvam co-geração no meio rural.

 

O perfil brasileiro de emissões

O Brasil tem um perfil de emissões de gases de efeito estufa diferente do resto do mundo, com forte concentração de emissões em atividades relacionadas ao Uso da Terra, Mudança do Uso da Terra e Florestas (Land Use, Land-use Change and Forestry - LULUCF), conforme se observa pela Tabela 1. É digno de nota que as emissões resultantes de atividades relacionadas ao uso da terra e florestas são, no Brasil, mais de três vezes superiores à média mundial.

Em novembro de 2004, foi apresentada pela Coordenação-Geral de Mudanças Globais de Clima do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) a Comunicação Nacional Inicial do Brasil, uma avaliação de acordo com critérios científicos do estado atual do país em relação à mudança climática. Com base em dados de 1990 a 1994, a Comunicação Nacional foi apresentada em 10 de dezembro de 2004 na COP-10, em Buenos Aires. O inventário inclui apenas estimativas das emissões e remoções de gases de efeito estufa causadas pelas atividades humanas (antrópicas), sendo avaliado o nível dos seguintes gases: dióxido de carbono (CO2), metano (CH4), óxido nitroso (N2O), hidrofluorcarbonos (HFCs), perfluorcarbonos (PFCs) e o hexafluoreto de enxofre (SF6), além dos chamados gases de efeito estufa indireto, como os óxidos de nitrogênio (NOx), monóxido de carbono (CO) e outros compostos orgânicos voláteis não metânicos (NMVOCs).

O principal setor responsável na emissão de CO2 identificado foi justamente o de Mudança de Uso de Terra e Florestas - LULUCF (75%), seguido do setor de Energia (23%). A agropecuária se destaca na emissão de CH4, com 77%, e de N2O, com 91,5% do total. A Tabela 2 apresenta a participação percentual por setor, por tipo de gás no total de emissões, para o ano base de 1994.

Ainda, de acordo com o MCT (2004) [3], no setor de energia foram estimadas as emissões antrópicas devidas à produção, à transformação e ao consumo de energia, incluindo tanto a queima de combustíveis quanto as emissões devidas a fugas na cadeia produtiva do setor. As emissões de CO2 do setor de energia são devidas à queima de combustíveis fósseis (98%), com aumento de 16% de 1990 a 1994, refletindo um crescimento no consumo de energia. A emissão de CH4 no segmento de energia em grande parte foi devida à queima de biomassa (lenha, bagaço, carvão vegetal etc.), diminuindo em 9% no período de 1990 a 1994, pela queda de consumo em fontes como a lenha.

As emissões dos gases de efeito indireto foram, na maioria, devidas ao transporte rodoviário, sendo que houve redução entre 1990 e 1994 na emissão de CO (-12%) e de NMVOC (-16%) devido às transformações tecnológicas na frota de veículos. No setor de agropecuária, as emissões de CH4, também denominado metano, atingiram 10.161 gigagramas devido ao fenômeno da fermentação entérica dos rebanhos de ruminantes (92% deste total), que inclui o rebanho bovino. As emissões de N2O foram devidas principalmente aos dejetos de animais em pastagens (43% do total) e ao aumento do uso de fertilizantes à base de nitrogênio. A queima da cana-de-açúcar antes da colheita foi a principal responsável pelas emissões dos gases de efeito estufa indireto na agropecuária. No setor de processos industriais foram estimadas as emissões antrópicas resultantes dos processos produtivos nas indústrias e que não são resultado da queima de combustíveis, como a produção de cimento e de cal (80% das emissões de CO2) e produção de ácido adípico (96% das emissões de N2O).

Esse perfil de emissões conferiu ao país um índice responsável por 3% das emissões globais de gases causadores do efeito estufa, mas que tende a crescer com o esperado desenvolvimento econômico. Mesmo considerando o princípio da responsabilidade comum, mas diferenciada, espera-se um novo arranjo institucional para o segundo período do Protocolo de Kyoto, com eventuais obrigações de reduções por parte de países como Brasil, China, Índia e México.1 Para tanto, o Brasil vem consolidando seu mercado de crédito de carbono, procurando se situar em um bom ponto na curva de aprendizagem quando os compromissos mandatórios forem inevitáveis. A seguir, mostra-se brevemente a evolução desse mercado no país, bem como sua configuração institucional e organizacional.

 

Protocolo de Kyoto no Brasil: configuração institucional e organizacional

O governo brasileiro sempre assumiu um papel de liderança no desenvolvimento do arcabouço institucional no âmbito do mercado de crédito de carbono, sendo o primeiro país a assinar a Convenção-Quadro, durante a Rio-92. De acordo com o MCT (2004) [3], Rocha e Furriela (2004) [5], Rei e Cunha (2005) [6] e BM&F (2005) [7], entre as principais instituições e atores relevantes podem ser citados:

Programa Nacional de Mudanças Climáticas: objetivando o cumprimento das obrigações assumidas na Convenção-Quadro, bem como a implementação desse tratado no Brasil, o governo brasileiro, sob a atuação do Ministério da Ciência e Tecnologia, instituiu, em 1996, o Programa Nacional de Mudanças Climáticas. Esse programa tem como objetivo prover apoio técnico e científico às ações governamentais relacionadas a mudanças climáticas. O programa estabelece a realização de estudos e pesquisas necessários à elaboração dos inventários nacionais de emissões. Em novembro de 2004 foi apresentado um inventário nacional de emissões por meio do relatório "Comunicação Nacional Inicial do Brasil à Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança de Clima", apresentado na COP-10 em dezembro de 2004, na cidade de Buenos Aires. Os resultados desse inventário foram abordados na seção anterior.

Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas (FBMC): criado pelo Decreto 3.515, de 20 de junho de 2000, tendo como objetivo conscientizar e mobilizar a sociedade para discussão e tomada de posição, sendo integrado por representantes dos Ministérios do governo federal, da Agência Nacional de Águas (ANA), de representantes da sociedade civil, do Congresso Nacional, de governadores dos estados e de prefeitos das capitais dos estados. O Fórum é presidido pelo Presidente da República.

Câmara Técnica de Mudanças Climáticas do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável: criada em 2000, pelo Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS), a Câmara é um esforço da Petrobras, Vale do Rio Doce e Copene, com o apoio da Firjan, em instituir uma entidade representativa do setor empresarial brasileiro nas discussões nacionais e mundiais sobre mudanças climáticas.

Comissão Interministerial de Mudança Global do Clima (CIMGC): foi criada por meio do Decreto Presidencial de 7 de julho de 1999, com a finalidade de articular as ações de governo decorrentes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima e seus instrumentos subsidiários de que o Brasil faça parte.

Resolução nº 1 da CIMGC, de 02/12/2003: com o objetivo de prover as condições legais e procedimentais necessárias ao desenvolvimento de projetos MDL no país, a Comissão Interministerial de Mudança Global do Clima instituiu sua primeira Resolução, em 2 de dezembro de 2003. Essa norma contém nove artigos e três anexos. Os Anexos I e II são traduções dos Acordos de Marrakesh2 e o Anexo III traz os critérios de desenvolvimento sustentável. O objetivo da Resolução foi estabelecer os procedimentos para aprovação das atividades de projeto no âmbito do MDL, incluindo a aprovação dos procedimentos para as atividades de projetos de florestamento e reflorestamento. A Resolução promoveu a internalização do Documento de Concepção do Projeto (DCP), na forma determinada pelo Conselho Executivo do MDL. A apreciação e a aprovação das atividades de projeto no âmbito do MDL foram designadas como atribuição da Comissão Interministerial de Mudança Global do Clima, que é a Autoridade Nacional Designada para efeitos do MDL.

Observatório do Clima: é uma rede brasileira de organizações não-governamentais e movimentos sociais referente a mudanças climáticas, contando com 30 entidades e movimentos sociais de todo o país. Tem como proposta acompanhar e influenciar as negociações internacionais e as posições do governo brasileiro sobre mudanças climáticas, entre outras atividades.

Mercado Brasileiro de Reduções de Emissões de Gases do Efeito Estufa (MBRE): o MBRE é iniciativa conjunta da BM&F e do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC), que objetiva desenvolver um sistema eficiente de negociação de certificados ambientais, em linha com os princípios do Protocolo de Kyoto. Mais precisamente, a iniciativa BM&F/MDIC consiste em criar no Brasil as bases para um mercado de créditos de carbono que venha a constituir referência para os participantes em todo o mundo.

A primeira etapa desse mercado, lançada em meados de setembro de 2005, corresponde à implantação do Banco de Projetos BM&F, que receberá para registro projetos validados por Entidades Operacionais Designadas (certificadoras credenciadas pela ONU) segundo o rito do MDL - ou seja, projetos que deverão gerar créditos certificados de carbono no futuro. Também acolhe para registro o que se convencionou chamar de intenções de projeto: idéias parcialmente estruturadas que objetivem a condição futura de projetos validados no âmbito do MDL. Projetos e intenções de projetos registrados na BM&F encontram nesse sistema poderoso instrumento de divulgação para interessados em oferecer financiamento ou adquirir os futuros créditos de carbono associados ao projeto. A esse respeito, cabe mencionar que o Banco de Projetos BM&F está aberto também ao registro de intenções de compra, ou seja, um investidor estrangeiro eventualmente interessado em adquirir créditos de carbono pode registrar seu interesse, descrevendo as características do projeto procurado. A segunda etapa desse trabalho de organização do mercado de carbono será a implantação do ambiente de negociação de créditos de carbono nos mercados de opções, a termo e a vista. Essa fase está sendo implementada gradualmente, desde o fim de 2005.

Em síntese, o MBRE corresponde ao conjunto de instituições, regulamentações, sistemas de registro de projetos e centro de negociação em processo de implementação no Brasil, visando estimular o desenvolvimento de projetos de MDL e viabilizar negócios no mercado ambiental de forma organizada e transparente, contribuindo para minimizar os custos de transação. Nessa plataforma, futuramente deverão ocorrer leilões, cujos negócios poderão ser feitos tanto no mercado a termo (projetos validados no âmbito do MBRE) como no de opções flexíveis (com intenções de projetos). Segundo Michahelles (2005) [8], até março de 2006, haviam sido validados dois projetos no Banco do MBRE:

 

Histórico de projetos, situação atual e perspectivas

De acordo com Miguez (2005) [10], até outubro de 2005, o Brasil havia apresentado 82 projetos no âmbito do MDL, sendo o 2º país no mundo quanto ao total de projetos (a 1ª posição foi ocupada pela Índia, a 3ª pelo México, a 4ª pela China e a 5ª pelo Chile). Se esses projetos concluírem sucessivamente todas as etapas do ciclo, corresponderão a um potencial de redução de aproximadamente 132,6 milhões de tCO2 evitadas. Ao preço de US$ 5 por CRE, a receita com esses projetos representaria um montante de aproximadamente US$ 662,9 milhões ao longo do período de vigência das CREs. Em termos anuais, na média, esses projetos significariam uma receita de US$ 89,8 milhões. O estudo de Miguez (2005) [10] está disposto na Tabela 3, apresentando as principais características desses projetos.

Do total de projetos (82), a maioria é caracterizada como de grande escala (cerca de 78%) e os 22% restantes de pequena escala.3 Apesar de ocupar a 2ª posição em número de projetos, em termos de volume de emissões, o Brasil ocupa a 1ª posição em quantidade de tCO2e a ser reduzida neste primeiro período de compromissos do Protocolo de Kyoto. Note-se que a maioria absoluta dos projetos está vinculada à área de energia, sendo 36,6% em indústria energética e 25,6% em energia renovável.

Em termos do ciclo de validação do MDL, quando se considera até novembro de 2005, um total de 103 projetos havia iniciado o processo, sendo que dois já obtiveram o registro, conforme se observa pela Tabela 4.

Mesmo não havendo projetos de co-geração com biomassa registrados no âmbito do MDL, observa-se pela tabela acima que, em termos de quantidade, esse tipo de projeto representa a principal parcela no total de projetos em validação, em aprovação e aprovados, mostrando a importância do segmento de co-geração de energia elétrica por meio de biomassa energética.

Com relação à última etapa do ciclo de validação do MDL - a própria certificação - de acordo com a PointCarbon (2005) [12], até dezembro de 2005, quatro projetos já tinham assegurado a emissão efetiva de CREs, incluindo o projeto brasileiro Vega referente a um aterro sanitário em Salvador. A emissão dessas primeiras CREs é fundamental para a credibilidade institucional do MDL e diminuição dos riscos de certificação. A Tabela 5 apresenta o total de CREs de projetos que cumpriram todo o ciclo de aprovação do MDL, emitidas até dezembro de 2005.

O Conselho Executivo do MDL estima que os projetos atualmente em curso no MDL irão gerar reduções de emissões de cerca de 550 milhões de toneladas de CO2e até 2012 (PointCarbon, 2005) [12]. A se confirmar esses números e um preço conservador de US$ 5 por tCO2e, a receita bruta esperada do MDL seria de US$ 2,75 bilhões até 2012, representando um mercado onde os direitos de propriedade garantirão uma renda que não pode ser desprezada na avaliação de atratividade de projetos como os de co-geração no meio rural.

O mercado de crédito de carbono pode ser dividido basicamente em atividades destinadas ao cumprimento de metas do Protocolo de Kyoto e atividades não relacionadas diretamente ao cumprimento de metas de Kyoto, muitas desenvolvidas em mercados de caráter local, restrito a municípios ou estados. Assim, os interessados no mercado não precisam esperar pela emissão das CREs para negociar a compra e venda de créditos, de modo que a grande maioria dos investidores tem negociado a venda dos créditos antes mesmo do registro no Conselho Executivo - etapa que oficializa a aceitação do projeto no Protocolo de Kyoto, podendo comercializá-los também em mercados não relacionados com o Protocolo de Kyoto (non-compliance). Dessa forma, apesar de serem o principal nicho no mercado de crédito de carbono, as transações oriundas do Protocolo de Kyoto não são as únicas na geração de receita pela comercialização de redução de emissões.

Com relação aos preços no mercado de crédito de carbono, segundo a PointCarbon (2005) [12], para projetos não-registrados, na categoria com pouco risco na parte do vendedor, os preços em dezembro de 2005 permaneciam em cerca de cinco a seis euros por tonelada de CO2 evitada. Projetos unilaterais e registrados, em que o vendedor assume a maior parcela do risco da entrega, foram comercializados entre 10 e 12 euros ou mais - dependendo das estruturas contratuais. Note-se, portanto, que a alocação de risco é um importante determinante dos preços praticados por tonelada de CO2 evitada.

Em termos de produto por período de entrega, os estudos identificam que há uma variação de preços. O preço dos CREs contratados para entrega nas contas dos compradores em 2006-2007 chegaria a ser 25% maior do que os CREs contratados para entrega no período 2008-2012. Mostrando que, conforme o período de compromisso das metas se aproxima, os preços poderão ter uma tendência crescente.

Ocasionalmente, ofertas de CREs têm sido atreladas ao preço das EUAs (European Union Allowances) ou Permissões da União Européia, como, por exemplo, uma percentagem determinada de desconto sobre o preço da EUA. Formalmente em vigor desde 1º de janeiro de 2005, o European Union Emissions Trading Scheme (EU ETS) é um esquema de negociações de emissões, a partir do estabelecimento de metas para seus membros, vinculadas a um sistema de negociações, conhecido como cap-and-trade system,4 sendo o principal mercado mundial de permissões. Nesse mercado são negociadas EUAs, cujo preço tem ficado bem acima dos CREs, em torno de 23 euros. Para a PointCarbon (2005) [12], muitos fatores podem explicar essa tendência: o número de comerciantes ativos da UE - que é pequeno, a oferta restrita de CRE na primeira fase de compromissos do EU ETS (que abrange 2005 a 2007), e o risco perceptível de que o registro de transação internacional não estará operando para a transferência das CREs às contas dos compradores antes de um processo de reavaliação do programa, que ocorrerá até 31 de março de 2008.

Nesse cenário, para Nordseth (2005) [13], o mercado de EUAs ainda permaneceria favorável aos vendedores devido basicamente ao risco de entrega que o mercado de CRE apresenta. A razão principal para o baixo preço dos CREs seria que em muitos poucos casos os vendedores de CRE possuiriam a credibilidade e a lealdade necessária para assumir risco significante de entrega de CRE - necessário para elevar os preços. Aparentemente, poucos compradores estariam dispostos a pagar preços semelhantes às EUAS por CREs que ainda levarão tempo para serem emitidas, com fortes riscos associados à essa emissão.

Ainda assim, considerando que, de acordo com o Word Bank (2005) [14], o custo marginal de se reduzir uma tonelada de dióxido de carbono variaria de US$ 15 a US$ 100 em países industrializados e de US$ 1 a US$ 4 em países em desenvolvimento, há uma perspectiva de tendência crescente de preços para CREs de projetos no âmbito do MDL, atualmente comercializadas de US$ 5 a US$ 6 a até por valores inferiores a US$ 1 (para alternativas representadas pelas iniciativas voluntárias, embora estas apresentem regras mais flexíveis e menores custos de transação).

A integração das iniciativas voluntárias ao Protocolo de Kyoto e a definição do segundo período de compromisso para o Protocolo de Kyoto deverão incentivar a consolidação desse mercado. Os preços poderão ser afetados se players ofertantes como Brasil, China e Índia passem a ter metas de reduções e conforme iniciativas como a européia entre em estágios de consolidação mais avançados, elevando o custo de oportunidade de cumprimento das metas (a multa prevista para o período 2008-2012 no mercado europeu - EU ETS - é de 100 euros).

Com relação ao ambiente institucional, em dezembro de 2005, na cidade de Montreal - Canadá, ocorreu a 11ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (COP-11) e a primeira reunião pós-implementação do Protocolo de Kyoto, chamada de Meeting of Parties to the Kyoto Protocol (MOP-1). As reuniões procuraram estabelecer compromissos para reduzir as causas do aquecimento global a partir de 2012, ou seja, discutir o segundo período do Protocolo. As Partes presentes no encontro chegaram a acordos sobre os seguintes pontos:

Todavia, o principal objetivo da COP-11, representando interesses da União Européia, que era inserir no Protocolo de Kyoto, com estabelecimento de metas, os Estados Unidos, a Austrália e países em desenvolvimento como o Brasil e China, não foi atingido. Se os EUA e Austrália entrassem no próximo período do Protocolo haveria uma maior demanda por créditos de carbono, proporcionando um aquecimento desse mercado e potencial transferência de recursos para países como a Rússia, China, Índia e Brasil, conforme previram Nordhaus e Boyer (1999) [15]. Nesse aspecto, projetos de co-geração de energia no meio rural, envolvendo o aproveitamento da biomassa energética poderiam representar um fonte de oferta de CREs, cuja receita, em conjunto com a comercialização de excedentes de energia elétrica, proporcionariam importantes receitas não-operacionais ao agronegócio brasileiro. Apresentado o ambiente institucional e organizacional do Protocolo de Kyoto, a seguir, discute-se o potencial desses projetos no âmbito do MDL.

 

Co-geração no meio rural e o potencial para projetos de MDL

Freqüentemente, os sistemas de co-geração têm sido implementados em indústrias que dispõem de subprodutos do processo industrial que podem ser utilizados como fonte combustível, como são os casos do setor sucroalcooleiro e de papel e celulose, configurando o conceito de bioeletricidade. Segundo o MME (2005) [16], no setor de papel e celulose, os principais energéticos utilizados para atendimento ao setor, em 2004, foram a lixívia (43,1%), a própria eletricidade (16,6%), lenha (15,6%), óleo combustível (8,7%), com crescente participação do gás natural (6,3%). No setor sucroalcooleiro, o emprego do bagaço já é consagrado como a principal fonte para a bioeletricidade, responsável pelo atendimento de 72,8% da demanda energética do setor de alimentos e bebidas em 2004, no qual está incluído o setor sucroalcooleiro. Com relação à potência instalada e a instalar de usinas de bioeletricidade, existiam em 2003 mais de 163 MW em usinas à casca de arroz e resíduos de madeira em implementação, e cerca de 1.037 MW movidas com bagaço de cana-de-açúcar. Ainda de acordo com estimativa do MME (2004) [16], o potencial de geração de energia elétrica a partir da biomassa seria de cerca de 4 mil MW, podendo chegar a 12 mil MW dependendo da tecnologia empregada.

Do ponto de vista apenas do mercado de crédito de carbono, segundo o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (2005) [17], os projetos com ênfase em biomassa geralmente prevêem atividades para um período de 7 de 21 anos, muito embora o primeiro período de compromisso do Protocolo de Kyoto seja de 2008 a 2012. Assim, torna-se difícil a determinação de qual seria o potencial de projetos no âmbito do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo. Como existe um alto grau de incerteza quanto às negociações para o segundo período do Protocolo de Kyoto, pode-se apenas fazer uma estimativa observando o primeiro período para o que seria o potencial de participação anual do Brasil e do agronegócio nesse mercado, conforme mostra a Tabela 6.

Quando se observa o potencial da biomassa e de seu efetivo emprego na matriz de energia elétrica brasileira, há um subaproveitamento considerável desse insumo energético, mesmo considerando que a atividade de geração de bioeletricidade não é a atividade típica dos setores envolvidos, pois a geração de excedentes de energia elétrica por meio da combustão de bagaço da cana-de-açúcar e resíduos de madeira é uma atividade não pertencente ao core business dos setores sucroalcooleiro e de papel e celulose. Por outro lado, também há um potencial para a biomassa no mercado de crédito de carbono. Assim, há um efeito sinérgico: a participação no mercado de crédito de carbono poderá melhorar a rentabilidade de projetos de co-geração por biomassa, elevando a receita não-operacional para os setores envolvidos e expandido a capacidade instalada de usinas de bioeletricidade na matriz energética brasileira.

 

Considerações finais

Este artigo teve como objetivo apresentar breve histórico sobre o arranjo institucional do Protocolo de Kyoto, apresentar o perfil brasileiro de emissões e discutir perspectivas gerais para o desenvolvimento do MDL, com foco em projetos de co-geração no meio rural. Apesar do avanço institucional que representou a entrada em vigor do Protocolo de Kyoto, em fevereiro de 2005, há ainda elevada incerteza quanto à liquidez e desenvolvimento do mercado de crédito de carbono, sobretudo quanto à definição do segundo período do Protocolo de Kyoto. Segundo a PointCarbon (2005) [12], o mercado de CREs tende a ser tornar mais padronizado, mas os preços oferecidos ainda variam muito, desde valores inferiores a cinco euros a valores próximos a vinte euros. A consolidação do ambiente institucional, acompanhada da minimização dos custos de transação, contribuirá para a expansão desse mercado, melhorando seu nível de liquidez.

O perfil brasileiro de emissões é favorável à redução de emissões por meio de atividades relacionadas ao uso da terra e à geração de energia elétrica por biomassa energética, por isso identifica-se o meio rural como principal agente na oferta de créditos de redução de emissões. De acordo com Souza & Azevedo (2005) [18], a oferta de CREs deverá justamente se concentrar em países como o Brasil, onde o custo marginal de redução de emissões é inferior ao dos países mais industrializados. Potencialmente, do lado da oferta, têm-se China e Índia (ambos com matriz energética baseada em carvão mineral), ex-países socialistas do Leste Europeu e a América Latina.

Em um cenário de consolidação institucional desse mercado, com metas compulsórias de redução de emissões para países como o Brasil, a evolução de mercados non-compliance diretamente ao Protocolo de Kyoto e a definição do segundo período de compromisso, deverá tornar o mercado mais favorável aos ofertantes de CREs. Nesse cenário, projetos de co-geração no meio rural brasileiro deverão ter sua implementação incentivada, elevando a rentabilidade global da atividade de geração de energia elétrica por meio da biomassa energética, além de melhorar a imagem de responsabilidade sócio-ambiental das firmas envolvidas, num efeito sinérgico capaz de proporcionar vantagens competitivas em seu core business no agronegócio.

 

Referências

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[4] CENAMO, M. C. Avanços na COP 10 e suas implicações para o Brasil: As Comunicações Nacionais de Brasil e China e os Projetos Florestais de Pequena Escala (PFPE). CEPEA/ESALQ/USP, jan. 2005. Disponível on line: http://www.cepea.esalq.usp.br/pdf/Cepea_COP%2010%20Mariano.pdf. Acesso em 05 de dezembro de 2005.

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[10] MIGUEZ, J. D. G. Projetos MDL no Brasil. Apresentação para o Fórum Paulista de Mudanças Climáticas. São Paulo, 26 de outubro de 2005.

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[3] MINISTÉRIO DE CIÊNCIA E TECNOLOGIA. Comunicação Nacional Inicial do Brasil à Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança de Clima. Coordenação-Geral de Mudanças Globais do Clima, DF: novembro de 2004.

[16] MINISTÉRIO DE MINAS E ENERGIA. Balanço Energético Nacional 2004. Brasília, DF: Eletrobrás/MME, 2005.

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[12] POINTCARBON. CDM & JI Monitor - diversos. Disponível em: < http://www.pointcarbon.com >. Acesso em 16 dez. 2005.

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[18] SOUZA, Z.J.; AZEVEDO, P. F. O Mercado de Crédito de Carbono: as características dos first-movers e implicações para o agronegócio. Artigo apresentado no XLIII Congresso da Sober (Sociedade Brasileira de Economia e Sociologia Rural). Ribeirão Preto 24 a 27 de Julho de 2005. Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade de Ribeirão Preto, SP.

[9] TRACTEBEL ENERGIA. Geração de Energia a Partir de Biomassa em Usinas de Médio e Grande Porte. Apresentação de Miroel Makiolke Wolowski in: 2° Congresso Internacional de Produtos de Madeira Sólida de Reflorestamento, nov. 2004, Curitiba.

[14] WORLD BANK. Carbon Finance Annual Report 2005: Carbon Finance for Sustainable Development. USA: The World Bank Group, 2005.

 

 

1 Países como Brasil, Índia, México, China etc não tiveram definidas metas de reduções devido ao princípio da responsabilidade comum, porém diferenciada, segundo o qual a mitigação das mudanças climáticas globais é de responsabilidade de todos, porém delega menor responsabilidade às partes não-Anexo I que, historicamente, contribuíram pouco para as mudanças climáticas globais (CENAMO, 2005) [4].
2 O Acordo de Marrakesh, assinado durante a sétima reunião da Conferência das Partes (COP-7), em 2001, define as modalidades e procedimentos dos Mecanismos de Flexibilização previstos no Protocolo de Kyoto: o MDL, a Implementação Conjunta (IC) e o Comércio de Emissões (CE).
3 Segundo o acordo de Marrakesh, projetos de pequena escala são aqueles: (i) projetos de geração de energia elétrica renovável com capacidade instalada de até 15 MW; (ii) projetos de eficiência energética que reduzam o consumo (do lado da oferta ou da demanda) equivalente a 15 GWh por ano; e (iii) outros projetos que reduzam as emissões antrópicas, promovendo a redução direta de emissões em menos que 15.000 tCO2 e por ano. A instituição da figura de projetos de pequena escala busca agilizar o ciclo de validação do MDL para esses projetos, procurando mitigar o efeito dos custos de transação.
4 Cap-and-trade system é um sistema no qual o total de emissões é limitado ( capped ) por licenças pré-estabelecidas, embora possa ocorrer a comercialização de licenças adicionais entre os integrantes do acordo (Pointcarbon, 2005) [12].