4O que a Psicanálise pode dizer sobre a adoção de crianças pequenas? author indexsubject indexsearch form
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On-line ISBN 85-86736-12-0

An. 4 Col. LEPSI IP/FE-USP Oct. 2002

 

Novas Configurações no Contexto Escolar: O que, de fato, o professor tem a ver com isso?

 

New Configurations in the School Context: What does teacher have to do with this?

 

 

Adriana Elisabeth Dias

Psicóloga e orientadora educacional. Mestranda no Programa de Estudos Pós-Graduados em Psicologia Social da PUC-SP, no Núcleo Psicanálise e Sociedade, sob a orientação do Prof. Dr. Raul Albino Pacheco Filho. Consultório: (11) 3034-3988. E-mail: adrianaelisabethdias@hotmail.com

 

 


RESUMO

Buscando articular a função paterna com a figura do professor, procuraremos apontar o verdadeiro lugar que o professor tem assumido atualmente no cotidiano escolar para, assim, tentarmos compreender a maneira pela qual ele tem se reconhecido e se implicado – ou não – na sua prática educativa.

Palavras-Chaves: professor, educação, psicanálise


ABSTRACT

Seeking to match the paternal function to the teacher’s figure, we’ll be searching to show the real role that the teacher, nowadays, plays at school daily. So, we’ll be able to realize the way he feels himself as a teacher in his educational praxis.

Key-Words: teacher, education, psychoanalysis


 

 

Uma análise histórica sobre a inserção da Psicologia no Brasil, nos possibilita refletir sobre a questão da autoridade do professor. Antunes (1998) analisa os campos da Medicina e da Educação, no contexto do desenvolvimento capitalista, como cruciais para o estabelecimento e autonomia da ciência psicológica. Tal desenvolvimento foi multideterminado, mas especificamente em relação à Pedagogia a autora nos mostra como esta foi um impulsionador fundamental para que a Psicologia se desenvolvesse no Brasil. Vejamos, então, a importância deste processo para o estudo em questão.

Em função da preocupação do governo em relação à educação no país, sendo este campo visto como um importante organizador da sociedade e formador dos cidadãos brasileiros, a ciência psicológica é vista, desde o século XIX, como um instrumento necessário e fundamental para que adequados métodos de ensino fossem inseridos nas escolas. Com uma atenção voltada ao estabelecimento de um rigor metodológico e a partir de uma ideologia burguesa, a Pedagogia utilizou-se da Psicologia para conhecer seus educandos, compreendendo-os na sua dimensão individual, sendo o indivíduo a essência de sua preocupação e o objetivo de sua ação. A partir disso, os educadores seriam formados para dominar esse saber e, cada vez mais, serem eficientes na sua prática educativa.

Com o movimento escolanovista no Brasil, advindo dos centros europeus e norte-americanos, a Psicologia tornou-se uma ciência crucial para subsidiar as transformações escolares e a nova concepção de Educação vigente no país, fornecendo seus aparatos teóricos e técnicos para que essas idéias de modernidade fossem fortemente estabelecidas no campo da Educação. Além disso, a Psicologia também serviria para instrumentalizar a Pedagogia para que esta também pudesse se tornar uma Pedagogia Científica, embora, segundo Antunes, isso não pudesse ser alcançado, pois esta necessitava de outras ciências que lhe dessem bases de sustentação.

Souza (1998) analisa essa entrada da Psicologia no campo educacional como a busca de progresso, no sentido desta ser solicitada para resolver os problemas da educação brasileira. Contudo, segundo a autora, tais problemas, num segundo momento, estariam vinculados a um sucesso que deveria ser contido, e não a um fracasso. A educação seria vista como arma perigosa que a população poderia obter e utilizar contra a manutenção do status quo da sociedade. Assim, a primeira função da escola como promotora da cidadania para os sujeitos teria sido, em grande parte, impedida, sendo a Psicologia chamada para colocar "o homem certo no lugar certo" através de seus métodos científicos.

A autora nos mostra que o fato da educação poder assumir também um outro lado, de "arma perigosa", seria o que justamente impedia que a profissão de educador se reduzisse às características econômicas e morais desse processo, pois os professores poderiam formar opiniões públicas independentes, resistentes e críticas ao sistema capitalista. Mas, para tanto, dependeria da posição e atitude assumidas por eles, pois a linguagem psicológica permeia os meios educacionais de forma a excluir quem não domina tal saber, porém, quem se submete a ele não tem a possibilidade de promover uma transformação. E o educador se encontra no meio desse paradoxo.

Souza (1998) aponta o fato dos saberes pedagógicos / psicológicos serem colocados no lugar dos conhecimentos específicos das diferentes disciplinas como a desvalorização da importância de uma tradição que tinha, nas mãos dos professores, conhecimentos importantes a serem transmitidos e que, pelo fato dos professores personificarem, de certa forma, determinados aspectos de suas disciplinas, garantiam e asseguravam a transmissão da cultura na qual estavam inseridos em função do grande domínio que possuíam sobre tais conteúdos. Tal transmissão, segundo a autora, foi retirada das mãos do professor, esvaziando seu valor social e simbólico e anulando sua experiência docente.

A ação educativa ficou submetida a ideais psicológicos que escapam do domínio dos docentes de forma a excluí-los de sua própria ação, pois, embora o domínio dos conhecimentos das disciplinas também não garantisse o sucesso absoluto, este ao menos era fruto da verdadeira implicação desses sujeitos educadores na sua função, o que não é garantido com a inserção da Psicologia no cotidiano escolar pelo fato desta promover uma certa psicologização neste contexto.

Essa idéia de cientifização dos conhecimentos será um dos argumentos utilizados por Julien (1991) para analisar um suposto abalo da figura do pai, articulando historicamente fatores políticos, religiosos e familiares e descrevendo um declínio de sua autoridade. Poderíamos relacionar a análise deste autor à figura do professor, uma vez que sabemos, a partir da psicanálise, que o professor precisa assumir uma função de autoridade frente aos seus alunos para que esses busquem o saber. E, como vimos, o professor tem vivido um certo mal-estar profissional em função, entre outros aspectos, da inserção da Psicologia nos meios educacionais. Esta assumiria a função de um "Pai-Soberano", que dita e possui os meios para o professor alcançar o sucesso.

Julien (1991) nos mostra que o pai, como representante da lei, precisou – e precisa – se submeter a ela, tal como o professor. Mas até que ponto? Compreendemos esse pai como uma função simbólica exercida, no caso do contexto escolar, também pelo professor. Este deve ser o transmissor da cultura, da lei, mas de que maneira fazê-lo uma vez que sua função parece estar submetida a algo que potencialmente a desvaloriza? Não esqueçamos que além dessa psicologização do cotidiano escolar há um enorme comprometimento nas próprias condições de ensino e do valor salarial do educador.

A função do pai seria a de promotor da atividade de simbolização do psiquismo do sujeito, possibilitando que o filho pudesse lidar com suas angústias de modo a simbolizá-las e não deixá-las dominar por completo suas ações. Para tanto, é necessário que o filho se identifique imaginariamente com esse pai, exaltando, admirando e idolatrando, num primeiro momento, a sua figura. Neste sentido, a função do professor se equivale a do pai, pois para que o aluno aprenda é necessário que um mecanismo de transferência se estabeleça. O aluno precisa enxergar na figura de seu professor algo que o faça ir em busca do saber, algo que ele idealize conquistar. Tais identificações imaginárias são necessárias para que o sujeito possa conseguir lidar simbolicamente com sua castração, pois sendo esta o catalisador crucial para o desencadeamento do afeto de angústia, saber lidar com ela – dentro do que é possível – é algo da maior importância para um bom desenvolvimento psíquico do sujeito.

Leal, na apresentação da obra de Julien (1991), afirma que um sofrimento é a conseqüência do fato do filho se deparar com a castração do pai. Inevitável, certamente. Mas não estaria esse sofrimento sendo acelerado ou potencializado justamente em função dessa revelação abrupta da castração do pai, quando sua função tem sofrido um certo declínio? E não seria justamente isso que tem ocorrido com a figura do professor?

Historicamente, a figura do pai foi sendo revista e necessitando de novos direcionamentos. Pelo fato do pai ser o representante da lei, este realmente necessita se submeter a ela e não daria mesmo para ser seu legislador. Contudo, submeter-se à lei, neste sentido, seria organizador para o sujeito, pois estaria no registro do simbólico. E o que parece estar acontecendo atualmente é uma submissão a conhecimentos ilusórios, pautados num registro imaginário e destituindo, assim, o pai de seu lugar de autoridade. Dessa forma, será que este submetimento favorece o desenvolvimento da criança, embora, de fato, seja a própria sociedade que coloca o pai, e qualquer um que exerça essa função, neste lugar inevitável? Favorecendo ou não, é nesse contexto que a figura do pai se encontra e é a partir dela que identificações e simbolizações são promovidas pelos sujeitos.

Da mesma forma, a figura do professor tem sua autoridade questionada à medida que este vivencia um contexto em que o discurso psicológico é o que reina nas escolas e ele precisa se submeter a esse discurso para mostrar a eficácia de seu trabalho. Além disso, o aluno – e não a transmissão da cultura – precisa ser o centro de suas ações, visto, principalmente nas escolas particulares, como o cliente que precisa estar sempre satisfeito, ressaltando o caráter do consumo – inerente à sociedade capitalista – nesse processo, onde o aluno é o grande consumidor dos "produtos" oferecidos na escola. Como se aprendizagem não necessitasse também de dúvidas, trabalho árduo e um certo sofrimento. Somado a tudo isso, o professor ainda sofre uma enorme desvalorização na sua profissão, sendo esta desprezada socialmente.

Outro ponto analisado por Souza (1998) nos mostra que as exigências do cotidiano escolar do professor são tantas que este se perde em meio a muitas tarefas sem realizá-las eficazmente, justamente por não poder haver uma hierarquia de prioridades, levando o educador a vivenciar uma sensação de não fazer nada pelo fato de precisar fazer tudo ao mesmo tempo. O professor, segundo a autora, tem ao mesmo tempo a tarefa de treinar os conhecimentos científicos em seus alunos, transmitir uma visão crítica e socializá-los de modo a integrá-los à cultura. Porém, tais finalidades da ação educativa, embora sejam todas fundamentais, precisariam ser administradas pelo professor para serem cuidadosamente englobadas e, possivelmente, atingidas. Claro que uma satisfação plena neste sentido seria impossível, mas por que não delegar ao professor a maneira mais adequada de exercer sua função? Pelo menos ao que realmente lhe cabe. Dessa forma, uma "concepção de sujeito impassível de ser instrumentalizada", como diz a autora, seria ultrapassada. Não se esperaria que o sujeito fosse formado perfeitamente a partir de todas essas vertentes e através de um pleno sucesso do professor, pois tais finalidades são executadas todas ao mesmo tempo em função do que a escola acredita, sem o educador estar, necessariamente, comprometido com este processo.

Gutierra (2002) afirma que "... para que seja possível o ato educativo, deve-se sustentar a Lei e a tradição, e veicular "um dever ser"..."(Gutierra, 2002, p.86). O professor, neste caso, precisa saber sobre seu dever, no sentido de sustentar a lei e a cultura e assumir a função paterna através do que a psicanálise denomina de sua própria dívida simbólica, a qual jamais poderá ser saldada por completo. Assim, embora sua profissão englobe suas próprias feridas narcísicas e embora o educador careça na sua função de um valor social mais positivo, o aluno não poderá pagar o preço desta dívida no sentido do professor buscar se satisfazer narcisicamente em seu aluno. O bom professor não poderá ter medo de assumir sua função.

A autora, estudando esta (im)possível função do professor, descreve como necessário para o processo educativo o ajuste, na figura do docente, de parte das causas edipianas dos alunos, sendo que um tanto desse processo fica reprimido e um tanto sublima-se em pulsão de saber e, neste caso, é transferido para o educador. Os alunos transferem as expectativas e ideais referentes ao pai para o professor, colocando este no lugar de Ideal-do-Eu, elegendo-o, inconscientemente, como o modelo que melhor representa a figura paterna.

Para que o aluno aprenda, o professor precisa assumir esse lugar que lhe é outorgado, mas precisa cuidar para não direcionar o processo educativo de seus alunos em função de seu próprio desejo. Assim, a partir deste lugar privilegiado em que é colocado, o professor pode promover uma educação voltada para o campo da alienação ou que se dirija a uma separação. Separação, esta, referida ao indivíduo poder se voltar para suas próprias questões, as quais, pelo professor, seriam devolvidas aos sujeitos (alunos) e não cristalizadas por possíveis respostas de outrem. Para isso, o educador deveria se privar desta imagem ideal para poder promover, assim, o processo desejante em seus alunos, embora não possa abrir mão deste lugar privilegiado em que é colocado, pois também é a partir desta posição que a busca do saber, por parte dos alunos, é instalada. De fato a ação educativa é paradoxal, mas é nela que o professor deve estar se reconhecendo.

Vimos como o declínio da função do pai – e do professor – vem ocorrendo nos últimos tempos. Porém, embora haja esse declínio, tais funções, de um jeito ou de outro, ainda permanecem, promovendo, talvez, novas articulações do sujeito com a cultura. Esse pai contemporâneo – e aqui dizemos também sobre o professor –, que tem sua figura desnudada expondo suas fraquezas perante o que a sociedade lhe atribui, parece ser um pai que percebe inevitavelmente fracassos e insucessos, inerentes à sua função, mas que não pode, talvez, lidar com esses pelo fato da sociedade somente aceitar certezas e a perfeição. Como e onde, então, será que esse pai se enxerga e reconhece sua função?

Talvez possamos encontrar essas respostas vendo, no caso do contexto escolar, o que os alunos têm feito com o conteúdo transmitido pelos professores, será que têm operado com estes de modo a ultrapassar uma simples transmissão de conhecimentos e estabelecer um saber singular sobre as informações recebidas? De qualquer modo, para que isso ocorra, ainda é crucial a participação do educador neste processo e isso dependerá de sua própria posição subjetiva, da maneira com que o professor tem se implicado na sua prática educativa, apesar dos pesares.

 

Referências Bibliográficas

ANTUNES, M. A. M. (1998). A Psicologia no Brasil: Leitura Histórica sobre sua Constituição. São Paulo, SP: Unimarco Editora / Educ.

GUTIERRA, B. C. C. (2002). O Mestre (Im)Possível de Adolescentes: Abordagem Psicanalítica. Dissertação de Mestrado, Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP.

JULIEN, P. (1991) O Manto de Noé – Ensaio sobre a Paternidade. Rio de Janeiro, RJ: Revinter.

SOUZA, M. C. C. C. (1998). À Sombra do Fracasso Escolar: A Psicologia e as Práticas Pedagógicas. Estilos da Clínica: Revista sobre a Infância com Problemas, 3 (5), 63-83.