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On-line ISBN 978-85-60944-06-4
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An. 5 Col. LEPSI IP/FE-USP 2004
O psicanalista "malgré lui"
Jean-Jacques Rassial
RESUMO
Este texto problematiza a relação psicanálise e instituição. Parte de uma análise do quanto a história concreta do exercício desta relação evidencia os impasses a que se pode chegar. Distingue três tempos desta relação : a netrada da psicanálise na instiuição se dá sem os analistas; os analistas como super-psis; os analistas como ideólogos.
Por fim conclui que o analista não poderia esquecer que não há boa instituição.
ABSTRACT
This text questions the relation between psychoanalysis and institution. It starts with an analysis of how much the concrete history of the exercise of this relation makes evident the impasse, which is possible to reach. It distinguishes three moments; the entrance of psychoanalysis happens without psychoanalysts; the psychoanalysts as super "psis"; the analysts as ideologists. At the end, it concludes that the analyst could not forget that there is no good institution.
Vou abordar essas mesmas questões, de um modo muito diferente, e penso que isto ajudará a animar o debate.
"O que eles foram fazer neste barco?" São palavras de um personagem de Molière, de um pai enganado por seu filho, que responde aí a uma provocação de Scapin. O que os psicanalistas vão fazer nesta galera, neste barco, que chamamos instituição?
Infelizmente, não sou Molière, mas penso que poderíamos considerar que um Molière moderno poderia dedicar uma comédia à caricatura do psicanalista, como dedicou-se à caricatura do médico, ou, melhor ainda, à impostura psicanalítica, que não é acidental, mas estrutural.
Imaginemos portanto a cena, e um enquadre. Escolham qualquer instituição, um hospital, um centro médico-educativo, uma escola experimental, com três personagens principais: um Tartufo analista, evidentemente, reinando como mestre, mestre do silêncio, mais ainda do que de sua palavra, mestre do sub-entendido, da alusão, transformando a menor banalidade pronunciada em elemento que lhe permita afirmar seu todo-poder de palavra, proferindo, de vez em quando, algumas sentenças definitivas. Ele seria também, evidentemente, como Tartufo, suficientemente lúbrico para seduzir, nesse lugar, aquelas que lhe seriam proibidas em seu consultório. Vocês conhecem a figura do analista sedutor na instituição.
O segundo personagem, um Sganarelle, e penso aqui no Médecin malgré lui (Médico à força), chamado em socorro por um namorado qualquer ameaçado por este Tartufo, que viria opor-se a ele em seu próprio terreno. Um psicanalista, malgré lui, não muito cuidadoso, mas sabendo usar sua ignorância crassa, do inocente, para produzir o discurso inverso de uma psicanálise, que inventaria a cada vez, diante do menor problema, a causa mais absurda, porque pura causa de palavra. Evidentemente, cito a cena do Médecin malgré lui em que Sganarelle, diante desta jovem que também sofre de um amor impossível, de quem no séc XIX diríamos ser neurastênica, explica seus distúrbios através de um jargão, através de um latim de "fundo de quintal", para concluir, por este saber totalmente correto: eis porque sua filha está muda. Finalmente, a moral da farsa: o marido enganado, e o velho que não resiste à inteligência do perverso. O bobo da farsa é o diretor da instituição, que assim não sabe mais em que analista confiar.
A intriga não traz muita coisa, basta apenas pensar em qualquer caso clínico proposto à sagacidade desses famosos analistas, o verdadeiro e o falso, mas entendam que tenho mais simpatia pelos "falsos" analistas.
Então vou tentar falar disso em três tempos: rapidamente, a história da psicanálise nas instituições, no sentido de uma pequena aventura – já falamos da psicanálise na universidade. Em seguida, falar do que se espera de um psicanalista nas instituições e, numa terceira parte, de que modo o analista lida com esta situação.
A entrada do psicanalista nas instituições é marcada, parece-me, entre outras coisas, salvo raras exceções, pela entrada da psicanálise sem os psicanalistas. Isto pode ser visto, por exemplo, pelo fato excepcional, nesta história da psicanálise e das instituições na França, que as pessoas sejam recrutadas como psicanalistas. A partir de 1972, isto se tornou estritamente impossível, em função de um decreto do Ministério Social, determinando a contratação apenas de psiquiatras e de psicólogos clínicos.
Podemos ver bem o que se opera por este mecanismo: o psiquiatra é determinado, lógica e felizmente, pelo discurso médico. Clavol mostrou de que modo esse discurso médico estava diretamente ligado ao discurso do mestre. É o discurso do diagnóstico, basta uma palavra, que aparece como significante-mestre, e serão seguidas as indicações. Então, a psicanálise entrou na vizinhança do discurso do mestre, para fazer falar novos mestres, dos quais se espera mais inteligência do que os antigos. Por outro lado, admitiram-se os psicólogos clínicos, e foi inventada a psicologia clínica, por Lagache. O que deve se observar aqui é a questão sobre em que discurso se encontraram os psicólogos clínicos na instituição.
Eu diria que, primeiramente, no discurso de uma posição que eu definiria com facilidade como a do psicanalista que não se autoriza por si só, isto é, na posição de alguém que viria fazer, de seu trabalho na instituição, uma parte de sua formação para um futuro de analista, um sub-analista. Aliás, este é um projeto que Anzieu escreveu, textualmente, dizendo que devemos formar os psicólogos clínicos como sub-psicanalistas. Eles vão trabalhar em instituição, serão mal pagos e, quando crescerem e estiverem bem formados, abrirão um consultório e serão bem pagos. E assim assistimos ao desenvolvimento de uma população de sub-psicanalistas que se viram presos na dialética de dois discursos em que o discurso psicanalítico não tem nenhum lugar, entre uma alternância, um pouco maníaco-depressiva, entre o fato de serem os únicos guardiões de um discurso possível sobre o paciente - era o discurso universitário que lhes dava seu lugar, seu estatuto – e, em seguida sua queixa permanente de não ser suficientemente reconhecido pelo médico, pelo psicanalista, e até pela equipe, pela qual eles se sentiam mal-amados, o que fez com que eles oscilassem facilmente para a posição da histérica, até o ponto em que a queixa dos psicólogos clínicos durante anos era "queremos um estatuto", "queremos que nos seja dado um lugar". Evidentemente, a posição histérica, em oposição àquilo que pode sustentar a posição analítica. O analista, como bem o mostrou Serge Leclair, é alguém que recusa todo lugar que lhe é proposto.
Então tivemos essa situação, que produziu o que eu chamaria de psicanálise adocicada, uma psicanálise em tínhamos o gosto pela psicanálise, o vocabulário da psicanálise, mas não muita coisa do que vem do ato psicanalítico. Então, fomos mais adiante. Nos anos 70 e 80, dirigimo-nos para a invenção do super-psi supervisor. Fomos introduzir, ali onde os corajosos psicólogos clínicos penavam para sustentar na relação com o paciente, uma posição psicanalítica – a que havia sido proibido, é preciso dizer – o super-psi, que vinha, de vez em quando, uma vez por mês, supervisionar. Vocês sabem que a palavra supervisão, na cura analítica, foi recusada pelos franceses. Não somente por Lacan, mas dizemos controle, falamos em análise de controle. Então a palavra supervisão foi excluída do vocabulário francês, com exceção das instituições em que intervêm os "super". Além disso, quando a psicanálise estava flamejante, houve uma conquista de território, pois fomos tomar o lugar daqueles que são os mais capazes de realizar o que chamamos a análise das práticas, ou seja, os psicólogos sociais. E fizemos desaparecer, na França, a chamada Psicologia Social clínica, disciplina que poderia apoiar-se na psicanálise, e que tentava examinar, nas práticas, os determinantes transferenciais – não é preciso ser analista para perceber que há determinantes transferenciais, nem para desmontar os motores institucionais. Penso até mesmo que um psicólogo social bem formado é mais competente nesse exercício.
O terceiro tempo, hoje, é que a psicanálise não prevalece mais no campo institucional, neste lugar em que predomina o ponto de vista organicista, genético, as abordagens comportamentalistas, falsamente cognitivas, pois não se trata em absoluto de psicologia cognitiva. Efetivamente, quando um psicólogo clínico se apresenta numa instituição, espera-se sobretudo que ele tenha uma boa formação cognitivo-comportamental. Ele não precisa mais ser analista, nem estar em análise. Então, para voltar ao segundo ponto, o que era pedido ao psicanalista na instituição? Penso que aí temos um ponto de divergência. O que lhes é pedido é trazer um plus à instituição, através da psicanálise, vir sustentar, com o discurso analítico, uma positividade científica da subjetividade, inversamente à psicanálise.
Eu não concordo com tudo o que eles desenvolveram, mas penso ser muito correta a interpelação feita em 72 ou 73 por Deleuze e Guatari – isto é, observar os psicanalistas intervindo em instituições como militantes do Édipo, da edipianização. Lacanianos, e além do mais militantes da simbolização, do nome-do-pai. É preciso simbolizar, é preciso edipianizar, é o que lhes foi pedido. Evidentemente, um psicanalista que vem ocupar esse lugar está num lugar muito diferente do lugar do analista, ele está no lugar do ideólogo e daquele que vem sustentar uma certa ideologia.
Ontem R.Levy falou sobre as terapias familiares , e da utilização de sala de espelho para examinar um dos membros da família, num voyeurismo generalizado. O que opõe o psicanalista ao terapeuta familiar é que o que nós tentamos na cura não é curar a família, mas curar a criança de sua família. A família é sempre uma formação patológica, Freud nos diz que não há bons pais, há apenas uns piores do que outros. E, de certo modo, a operação que temos que fazer é destacar sempre, desde o início, a criança de sua família, onde ele é sintoma.
Segunda demanda, a defesa do narcisismo. Pode-se dizer, em termos modernos, em termos lacanóides, a defesa do sujeito, e aí seríamos os defensores do sujeito, mas de um sujeito positivo. Sujeito significa o modo com que estamos submetidos à língua, é o resultado de um significante, que nos aliena, pela família. A função da família é alienar, constituir o campo, o lugar e a orientação da alienação que nos protege da psicose. Lacan ressalta que o alienado é o neurótico. O psicótico, vocês sabem, quando vocês o vêm na rua falando sozinho, eles estão com seu grande Outro, com quem eles mantêm uma troca direta e não invertida. É o neurótico que é perturbado na sua relação com o outro.
Então, quando não se era lacaniano era preciso sustentar o eu, era preciso que a análise viesse constituir um dos pólos fortes para permitir a estruturação do pequeno eu, inclusive, eventualmente o do terapeuta, e, quando se era lacaniano , tratava-se da defesa do sujeito, de reintroduzir a fala do sujeito, como se o sujeito não falasse sozinho, como se fôssemos fazê-lo existir falando com ele (o falaser), enquanto que falando com ele não o fazemos existir, alienamo-lo. Elogio do narcisismo, suporte do narcisismo. Freud nos mostra bem, Lacan insiste sobre isso, Melanie Klein também, que o narcisismo é o lugar privilegiado de exercício da pulsão de morte, da pulsão agressiva. Lembro a vocês deste texto notável de Lacan "A agressividade em psicanálise".
Em terceiro lugar, e isto é totalmente recente, os psicanalistas como reinventores de uma moral sexual. Os guardiões da heterossexualidade, por exemplo. Muitas vezes falei sobre o problema colocado pela mudança de estatuto na homossexualidade, mas vimos um certo número de psicanalistas tornarem-se os guardiões da instituição social e de uma boa moral sexual, qualquer que seja ela, como se houvesse uma boa, como se o sexual não fosse sempre traumático, o que aliás constitui seu charme.
E, finalmente a instituição quer tornar o psicanalista um bom guia para a educação. Como vocês sabem, há um velho debate entre Mireille Cifali e Catherine Millot, e eu adoto a posição de Cifali, interessante, mas não freudiana, portanto não psicanalítica. A posição psicanalítica é a de Catherine Millot. Freud, anti-pedagogo.
O que vai fazer o psicanalista numa instituição, quando ele aceita fazer parte dela? Eu diria que ele chega no inverso, não somente desse positivismo, mas do otimismo. É o pessimista de plantão. É aquele que vem ressaltar, mostrar, insistir, indicar, lembrar, permanentemente, o fracasso radical e absoluto da subjetividade. Ele está lá para dizer que o sujeito não produz subjetividade. Temos o sujeito, no sentido do sujeito alienado, e temos essa palavra, muito em moda no nosso meio há alguns anos, que me faz dar pulos, e que é a subjetivação.
Então o que vem fazer o analista? Muitas coisas, e enumerei três ou quatro. Primeiro, lembrar a prevalência da estrutura, o que quer dizer que o que pode mudar é relativamente limitado. Não é simplesmente lembrar a diferença entre a neurose e a psicose, a não mudança da estrutura, é lembrar de coisas muito mais radicais. Por exemplo, um psicanalista é alguém que é capaz de dizer que há pessoas que não valem nada. E nos apressamos em debitar à neurose o fato de que não valham nada. Podemos até mesmo dizer que eles são degenerados. Freud, 1905, Sobre a psicoterapia.
Lacan diz que a primeira contra-indicação para a análise é a babaquice. É importante lembrar, numa instituição, que há pessoas para as quais nada se pode fazer, porque estão presas nessa babaquice, para utilizar o termo de Lacan, ou nesse posicionamento ético que proíbe qualquer mudança e isso acontece até mesmo com crianças. Então o analista é alguém que vem dizer coisas não muito simpáticas, mas eu vou lhes dizer em que elas são realmente antipáticas na modernidade.
Em segundo lugar, o que ele pode vir dizer, com Lacan, e aqui também cabe uma articulação com o que disse ontem R. Levy, é que o único modo com que o sujeito pode se salvar um pouco não do assujeitamento, não da alienação, mas do sofrimento produzido por este assujeitamento e por esta alienação, e o único modo com ele pode resolver isso, é através do sintoma. O analista, como defensor do sintoma na instituição.
Constantemente aconteceu-me dizer nas instituições, onde o ideal, para as pessoas que estão lá, é a cronicidade. E há esses esquizofrênicos cronicizados que giram em torno, e, de vez em quando, um deles tem uma crise, um episódio clássico. Então eu digo que é uma sorte. Há alguma coisa aí do sujeito que se passa em outro lugar. E, evidentemente, o analista é chamado para sedá-lo. E, justamente, sua função é nunca sedar, é fazer a crise, sustentá-la, a crise é o que prova que o sujeito desejante ainda existe um pouco ali. Com relação às supervisões de equipe, as preocupantes são aquelas em que tudo vai bem, e aí vocês podem ter certeza de que as crianças de que essa equipe cuida vão muito mal. Nas equipes em que o conflito é aberto, as crianças, e particularmente os adolescentes, resolvem-se muito bem. É preciso vir sustentar o sintoma.
Terceira idéia, a transferência prova o fracasso da intersubjetividade. Estamos aqui para não nos ouvirmos, e isso faz nossa oposição radical aos terapeutas sistêmicos ou à Escola de Palo Alto, que pensa que os fracassos de comunicação são as causas da patologia. Mas nós pensamos o contrário: quando a comunicação é transparente, temos a patologia, o transitivismo da psicose. O que faz a consistência e a singularidade irredutível do sujeito é que justamente não nos compreendemos. Essa é uma velha idéia de Winnicott sobre a adolescência, os adolescentes não suportam que os compreendamos. O analista é aquele que vem semear a discórdia entre os apóstolos da compreensão. Não estamos ali para compreender os outros. Quando compreendemos os outros é que os reduzimos a ser o puro alimento de nosso saber.
E, sobretudo, não participar do gozo partilhado na instituição. O que faz com que a instituição funcione bem é algo descrito muito bem por Lacan, utilizando uma parábola de Paul Valéry. O drama do sujeito é estar sempre em posição par, isto é, sempre precisar de um outro, em relação ao qual ele vem numa posição secundária. Se vocês colocam os pares em círculo, todos se considerarão ímpares. Vê-se bem que o que faz funcionar esse horror institucional, é o espírito democrático na instituição. O analista é aquele que vem dizer que o modo mais eficaz de complacência com um gozo de dominação do outro é o ideal democrático. O psicanalista não é um democrata. O analista está ali para lembrar que quando estamos num gozo partilhado estamos no pior.
Então, depois de tudo, poderíamos dizer que o analista poderia estar na instituição simplesmente para dizer uma coisa, repetindo-a: não há. Evidentemente, não há relação sexual, mas também não há encarnação do pai simbólico, e, aliás, não há encarnação do grande Outro, pois o grande Outro é uma pura função lógica e não existe, mas , para retomar o título de um dos primeiros números de Psicanálise da Criança, proposto por Jean Bergès, não há uma boa instituição.