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On-line ISBN 978-85-60944-06-4

An. 5 Col. LEPSI IP/FE-USP 2004

 

O que ainda não está decidido na estrutura infantil

 

 

Robert Lévy

Université de Paris 13 e Université d'Aix en Provence (França)

 

 


RESUMO

Este texto analisa a constituição da metáfora na criança e o faz a partir de dois eixos: a questão do recalque no infantil; a questão do sintoma (symptôme) infantil esuas conseqüências.
Analisar a constituição da metáfora é imperativo para diferenciar infans de infantil, diferenciar as estruturas sem recorrer à forclusão como princípio único e, finalmente, pois, assim, se pode discriminar melhor os métodos de comunicação dos autistas.


ABSTRACT

This text analyses the constitution of the metaphor in a child, doing that in two axes; the question of the repression in the infant, the question of the infantile symptom (symptome) and its consequences. The analysis of the constitution of the metaphor is imperative to differentiate infans from infant to differentiate the structures without appealing to foreclosure as a unique principle and, finally, because of this it is possible to better discriminate the method of the communication of autists.


 

 

Depois de Freud e da clínica do recalque, Lacan nos traz uma clinica da metáfora, e abre toda uma série de novas questões.

O que podemos extrair disso hoje? Por que a questão se coloca no sentido de sabermos algo sobre a aquisição da metáfora?

a) É imperativo para o que diz respeito à diferença entre infans/infantil Édipo
b) É imperativo para uma abordagem da constituição do sintoma e de sua resolução na criança
c) É imperativo para diferenciar a questão das estruturas após Freud. Efetivamente, a diferença neurose/psicose é insuficiente se a reduzirmos apenas à forclusão ou à não forclusão.
d) Finalmente, é imperativo, pois sem esta abordagem não podemos discriminar todos os métodos de comunicação com os autistas que florescem atualmente, e que não são, em sua maioria, como o método Titch, apenas quadros de aprendizagem diretamente resultantes das técnicas de comunicação com os macacos, e que justamente estão, por definição, fora da metáfora.

É preciso lembrar que esses métodos estão essencialmente baseados no código: para um significante corresponde um significado, e um só, e ignoram portanto as modalidades de deslocamento e d condensação que fundam, com a metonímia, o que chamamos de leis da linguagem. Efetivamente, os estudos feitos para comparar a evolução do bebê e do chipanzé mostram, na tentativa de aprendizagem da linguagem ASL (American Sign Language)1 que, se "durante os dezoito primeiros meses os chipanzés avançam, aos dois anos o vocabulário da criança é mais extenso. Se os macacos têm uma notável capacidade de aprender a comunicação simbólica, eles a utilizam para buscar alimento ou contato social, mas não a utilizam de modo matético, isto é, para informar-se sobre o mundo que os cerca, como o faz de modo eficaz uma criança a partir de três anos. Se os macacos superiores podem utilizar a linguagem de modo semântico, nenhum indício claro prova que seus atos de expressão lingüística são revestidos de uma forma sintática."

De fato, os macacos não teriam acesso às formas superiores da linguagem humana: nem assinatura, nem raciocínio ao qual se somaria a capacidade matética, isto é, o fato de questionar para aprender, desenvolvido por nossas crianças desde o terceiro ano, bem conhecida pelo dilúvio de perguntas através das quais elas procuram entender seu universo. Os antropóides não perguntam !

Poderíamos dizer que se ignorarmos o problema da constituição da metáfora na criança, ignoraremos que os métodos ditos de comunicação com os autistas são essencialmente baseados na metonímia com as crianças que já estão fora da metáfora.

Esta apresentação sobre a abordagem da constituição da metáfora na criança será feita a partir de dois eixos:

. A questão do recalque no infantil

. A questão do sintoma (symptôme) infantil e suas conseqüências na direção da cura.

Assim, esta aquisição da metáfora na criança é o efeito de um longo processo de maturação. Esta questão nos remete a nos perguntarmos de que modo se constitui, se constrói, o que chamamos de "pensar" no falaser.

Talvez devêssemos precisar novamente esta noção de "pensamento". No Seminário "A lógica do fantasma", e particularmente na sessão de 15 de fevereiro de 1967, as seguintes observações de Lacan: "o pensamento, tal como o entendemos, não é animado, ele é o efeito do significante, isto é, em última análise, do traço; é isto que se chama estrutura. Seguimos o pensamento como o traço e a nada mais, porque o traço sempre causou o pensamento (...) . Que Freud, inventando a psicanálise, seja a introdução de um método para detectar um traço de pensamento onde o próprio pensamento o mascara para que ele não se reconheça de outro modo além daquele designado pelo traço, eis o que promovi"2

Em outros termos, para Lacan, o pensamento é o efeito do significante, isto é, a trace que constitui o que chamamos de estrutura3.

Conseqüentemente, a psicanálise é um método que consiste em detectar esta trace (de pensamento) ali onde o pensamento mascara a trace. Esta última definição poderia constituir em si mesma a definição de todas as modalidades de organização de exclusão pelas quais o pensamento mascara a trace: Verdrängung, Verwerfung, Verleugung e, evidentemente, Verneinung , que são modalidades estruturais produzidas para mascarar a trace e portanto modalidades de pensamento, isto é, diferentes modalidades de efeitos do significante.

Proponho considerar um período infantil, entre dois e cinco anos, durante o qual o recalque ainda não foi plenamente efetuado, o que conduz a uma falta de metáfora em crianças dessa idade. Estas faltas se percebem tanto no nível da linguagem quanto da constituição intrínseca do sintoma nesse estágio.

É difícil considerar que a aquisição da metáfora se produza antes de uma certa forma de "edipianização". Os exemplos são múltiplos, e o mais banal é aquele da experiência que todos tivemos e que consiste em perceber que quando contamos uma história a uma criança desta idade, se dizemos que somos o lobo, ela terá medo de nós como se ela tivesse realmente um lobo diante de si. Um outro exemplo nos é dado por Freud: alguém lhe contou a história de uma criança que, tendo sido informada de que as crianças chegavam trazidas por cegonhas e eram depositadas em pequenos fossos próximos a seu domicílio, precipitou-se para a extensão de água para ir buscar o irmãozinho...

Assim, não podemos considerar que a noção de metáfora do Nome do Pai esteja definitivamente adquirida, de modo inicial (com a entrada na linguagem), mas mais como o efeito produzido pela maturação do aparelho psíquico que se elabora durante a evolução infantil. Dito de outro modo, por ocasião das etapas da integração de um recalque completo.

As conseqüências desta evolução sobre a estrutura psíquica da criança são múltiplas. Assim, é preciso que nos perguntemos, por exemplo, se a perversão é uma estrutura ligada à falta de recalque no infantil. Se a resposta for positiva, deve-se considerar que o objeto fetiche se constrói sobre uma falta de metaforização relativa a este mesmo período, isto é, no modelo da metonímia. Do mesmo modo, podemos considerar este conhecido "perverso polimorfo" como o resultado da falta de metáfora desta época infantil, isto é, como o efeito produzido pelo fato de que o recalque ainda não tenha sido integralmente efetuado.

As psicoses infantis, ou certas formas de psicoses infantis, podem estar associadas às mesmas interrogações. Qual é a parte de não-aquisição da metáfora do Nome do Pai e/ou da não-realização de um recalque completo na época infantil?

A título de exemplo, podemos citar as crianças que persistem tardiamente numa espécie de relação direta com o adulto sem que possamos, na maior parte das vezes, estabelecer um diagnóstico de psicose.

Isto nos conduz, talvez, a um outro esclarecimento sobre o que chamamos de forclusão parcial e, nesse caso, considerar novamente esta questão sob o ângulo dos efeitos produzidos pela falta de metáfora pela não aquisição de um recalque total.

O que significaria considerar aquilo que chamamos até hoje de forclusão parcial, mais como um recalque parcial, e portanto, incompleto, deixando o sujeito num registro mais metonímico. Isto em função da grande proximidade entre a constituição da forclusão e a do recalque originário.

Finalmente, a clínica da metáfora questiona a diferença entre o que chamamos até hoje de regressão ao estágio infantil e a constituição do aparelho psíquico nesta etapa da evolução.

Assim, esta clínica nos convida tanto a rever a noção de construção do sintoma, pois é muito diferente considerar um sintoma construído em função do recalque e por retorno do recalcado, quanto considerar um sintoma construído a partir de uma falta de recalque. Do mesmo modo, os pais terão um lugar diferente na construção do sintoma, que se expressará de modo distinto se considerarmos o sintoma construído sobre o modelo metafórico-metonímico, enquanto que a presença desses mesmos pais se compreende, analisa-se de outro modo, se a criança ainda não tiver adquirido a capacidade de metaforização.

Propomos, portanto, a seguinte definição: a criança não é, tal como tantas vezes enunciado, o sintoma (symptôme) dos pais, mas seu sintoma (sinthôme), ou, mais exatamente, o sintoma (symptôme) da criança faz sintoma (sinthôme) para os pais. Não poderíamos explicar melhor esta questão do que através do Seminário de Lacan "O Sintoma", sessão de 17 de fevereiro de 19764:

"Bom, então, o que disse da última vez é o seguinte: fazendo alusão ao fato de que o sintoma (symptôme), o que este ano chamei de "sinthome" é o que, no borromeano, a cadeia borromeana é o que permite nesta cadeia borromeana, se não fizermos mais cadeia, deve-se saber que aqui fazemos o que chamei de erro, aqui e também aqui [mostra o quadro] , isto é, ao mesmo tempo, se o simbólico se libera como o demonstrei antes, temos um meio de reparar isto, fazendo o que, pela primeira vez, defini como o "sinthome", a saber, o algo que permite ao simbólico, ao imaginário e ao real de manter-se juntos, ainda que aqui nenhum se mantenha mais com o outro, e isto graças a dois erros. Permiti-me definir como "sinthome" o que não permitiria ao nó de três ainda ser nó de três, mas o que o conserva numa posição tal que ele pareça ser nó de três (...). Pensei que estaria aí a chave do que aconteceu com Joyce. Que Joyce tenha um sintoma (symptome) que parte do fato de seu pai ser carente, radicalmente carente, ele só fala disso. Concentrei a coisa em torno do nome, do nome próprio e pensei – façam o que quiserem com este pensamento – pensei que por querer um nome Joyce fez a compensação da carência paterna".

Parece-nos ser possível estender o que Lacan diz aqui a respeito do pai de Joyce para outros tipos de carência e, particularmente na época infantil, em relação aos pais do infantil.

Há uma relação de circularidade entre o sintoma (symptôme) e o simbólico no inconsciente O sintoma (symptôme) e o inconsciente constituem o que chamamos de uma nova espécie de simbólico que induz o sintoma (symptôme).

O sintoma (sinthôme) é portanto o quarto, espécie de adição forçada, como o indica Lacan, um elo suplementar cuja função é a reparação de uma falha de um ou dos dois pais. Isto é, um elo necessário no caso em que um acontecimento, como, por exemplo, a presença do significante do nome do pai tenha falhado, carência da função metafórica. Nesse sentido, a criança, na construção de seus sintomas, revela-se bem o sintoma (sinthome) de seus pais. Aliás, constantemente, quando o casal vai mal, eles imaginam que o nascimento de uma criança virá reparar algo, o que se revela, na maior parte do tempo, uma catástrofe.

Ainda que a criança construa os sintomas – enurésia, encoprésia, distúrbios do sono, da alimentação ou hiperatividade, seus sintomas têm valor de sinthome para os pais e é toda a questão do recalque que se encontra novamente colocada pois, até uma certa época do infantil, ainda não há recalque, ou no máximo recalque parcial.

É justamente porque ainda não há recalque completo que se produzem um certo números desses sintomas na criança, que não são portanto o efeito de um recalque, mas, ao contrário, o produto de uma falta de recalque. O analista terá então justamente a tarefa de conduzir a um recalque possível. Esta é toda a questão das pulsões parciais e, conseqüentemente, do sexual infantil, que se encontra assim colocada no modelo que nos foi dado por Freud: "A sexualidade infantil ainda não conhece o objeto sexual5". Não há muita distância em supor que só há recalque integral a partir do momento em que haja objeto ou constituição de um objeto total. Mas devemos acrescentar que a economia psíquica repousa justamente sobre o fato de que não há pulsão genital nem objeto pulsionalmente definido além do objeto parcial e, como observa corretamente C. Conte: "Algo certamente vem ligar num feixe mais ou menos convergente o agregado heteróclito das pulsões parciais, mas este algo é de ordem simbólica, quer dizer que ele não pertence como tal ao campo da pulsão6". O que nos permite melhor apreender em que o conflito psíquico não é o resultado de um sexual a recalcar porque ele seria contrário à lei, mas o inverso, e assim considerar que é a lei que intervém como mediação, artifício e recurso e permite que o sujeito encontre na ordem simbólica com o que estruturar-se e abrigar sua sexualidade enquanto desejo.

Finalmente, essas diversas modalidades de presença dos pais acarretam , talvez, uma modificação no estabelecimento do dispositivo de consulta e/ou de psicoterapia da criança no estágio infantil. Efetivamente, no contexto de uma falta de recalque, o lugar de sintoma [sinthome] da criança para os pais é prevalente e, nesse caso, tratar-se-á mais de um trabalho com os pais, para possibilitar um recalque completo. Enquanto que numa época mais "edipianizada", a aquisição da metaforização possibilita escutar a criança in absencia de seus pais, isto é, in presencia do modo com que ela se tornou autora de uma história original: a sua, e a de seus pais.

 

 

1 Estudos de aprendizagem por signos, realizados por Les Gardner desde 1996.
2 : Lacan J. « La logique du fantasme », 15/2/1967, não publicado
3 Pode-se encontrar esses elementos em Freud, principalmente no cap. VIC de "L´Interprétation des rêves", p. 657, 658.
4 Lacan J., « Le sinthome », Séminaire, 1975-1976, não publicado
5 Freud, Essais, Paris, Gallimard, Idées, p 76[ STANDARDIZEDENDPARAG]
6 Conté C, Le réel et le sexuel, Paris, Ed. Point Hors Ligne, 1992, p89