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On-line ISBN 978-85-60944-06-4

An. 5 Col. LEPSI IP/FE-USP 2004

 

Inclusão escolar: do "politicamente correto" à política da ética do sujeito no campo da educação

 

 

Sandra Francesca Conte de Almeida

Universidade Católica de Brasília

 

 


RESUMO

O tema inclusão escolar é abordado, desde uma perspectiva psicanalítica, em suas relações com as metas do empreendimento educacional de tratar, lidar com as diferenças de modo a torná-las assimiláveis às normas-padrão do desenvolvimento infantil. Interessa interrogar se a "onda" da inclusão escolar aponta para o real da educação ou para a idealização/recalque das diferenças no contexto social e educativo. À questão "do que se trata, uma criança?", psicanalistas e educadores se confrontam com os impasses advindos das relações entre processos de subjetivação e cultura. Se nos interrogarmos a respeito "do que se trata, uma criança diferente?", estaremos nos deparando com o horror à castração, inimiga cruel do narcisismo, com a falta-a-ser que expõe o real do corpo e torna o desejo sempre insatisfeito. A inclusão escolar cumpre a função de tamponar a falta pela via do gozo barrado ou trata-se, mais, de idealizar/recalcar as diferenças de modo a torná-las simulacro da igualdade?

Palavras-chave: inclusão escolar, psicanálise, educação.


ABSTRACT

The issue of school inclusion and its relationship with certain educational aims such as treating and dealing with differences for making it possible to assimilate them to the normative standards of children's development is approached from a psychoanalytic perspective. It is of interest to interrogate if the fashionable idea of school inclusion points out to the 'real' of education or to idealization/repression processes in the social and educational context. To the question of 'what is it that is treated, a child?', psychoanalysts and educators are confronted with impasses derived from the relationship between processes of subjectivization and culture. If we question ourselves concerning 'what is it that is treated, a different child?' we have to face the horror of castration, a cruel enemy of narcissism, with the 'lack-to-be', which exposes the real of the body and makes desire always unsatisfied. Does school inclusion fulfills the function of tamponing the absence via a processes of barred jouissance or is it more related to idealizing/repressing differences for making them simulacra of equity?

Keywords: school inclusion, psychoanalyses, education.


 

 

Identifico-me na linguagem, mas somente ao aí perder-me como um objeto. O que se realiza na minha história, não é o passado simples do que foi pois não é mais, nem mesmo o passado composto do que tem sido no que eu sou, mas o futuro anterior do que eu teria sido para o que eu estou me tornando.
J. Lacan (1953, p.164)

 

O tema da educação inclusiva e, conseqüentemente, o da inclusão escolar, tem sido bastante polemizado, na atualidade, nos diferentes segmentos das políticas públicas educacionais, nas universidades e nas instituições sociais escolares onde deveria, na prática, ocorrer o processo de integração/inclusão escolar.

A proposta de inclusão, tal como se encontra nos discursos político-educacionais oficiais - leis, documentos, programas (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº 9394/96; MEC, 1999, 2001; UNESCO, 1994) - e em vários trabalhos, estudos e pesquisas (Boato, 2002; Mantoan, 2001; Mazzota, 2003; Souza, 1997) se apresenta como sendo democrática, inovadora, criativa e, sobretudo, baseada no paradigma da singularidade na diversidade.

A inclusão, como prática educativa, "repousa em princípios até então considerados incomuns, tais como: a aceitação das diferenças individuais, a valorização de cada pessoa, a convivência dentro da diversidade humana, a aprendizagem através da cooperação" (Sassaki, 1999, p. 42).

No cenário educacional brasileiro, a "onda inclusiva" está invadindo as areias (e as poeiras) de nossas escolas, supostamente produzindo rupturas nas estruturas e nos modos de funcionamento das instituições, entamando discussões sobre velhos conceitos/preconceitos, revisando e criando novas práticas e competências profissionais, deslocando certezas e introduzindo muitas dúvidas e conflitos acerca dos modos de compreensão e de aplicação, à prática pedagógica, dos princípios deste novo paradigma educacional. Toda mudança no ideário pedagógico implica, necessariamente, que novas práticas sejam concebidas, visando a uma atualização e reestruturação das condições em que se realizam os processos de desenvolvimento, de ensino e de aprendizagem, no caso da perspectiva inclusiva na escola.

"O princípio democrático da educação para todos só se evidencia nos sistemas educacionais que se especializam em todos os alunos, não apenas em alguns deles, os alunos com deficiência. A inclusão, como conseqüência de um ensino de qualidade para todos os alunos provoca e exige da escola brasileira novos posicionamentos e é um motivo a mais para que o ensino se modernize e para que os professores aperfeiçoem as suas práticas. É uma inovação que implica num esforço de atualização e reestruturação das condições atuais da maioria de nossas escolas de nível básico" (Mantoan, 2004, p.1).

Esta concepção, compartilhada por muitos teóricos e práticos do campo educativo, tem se apresentado, de modo geral, como a narrativa textual consensual presente nas diversas formações discursivas pedagógicas e nas produções científicas e acadêmicas que emprestam seu apoio e prestígio ao paradigma da inclusão. Os discursos descrevem, não sem razão, o cenário educacional brasileiro impactado com os novos desafios postos pelo paradigma da inclusão escolar e apontam que a verdadeira filosofia da educação inclusiva tem como princípio fundamental "a valorização da diversidade dentro da comunidade humana. Quando a educação inclusiva é totalmente abraçada, nós abandonamos a idéia de que as crianças devem se tornar normais para contribuir para o mundo" (Kunc, 1992, citado por Mrech, 2004, p.14).

De modo complementar, encontramos que "o paradigma da inclusão encontra-se atrelado, na prática pedagógica, a uma Pedagogia da Diversidade, da Diferença e não da Normalidade" (Mrech, 2004, p. 14).

Para Kupfer (2000), entretanto, se a escola "puder ser um lugar de abertura para o sujeito, lugar de transformação e eliminação das desigualdades, lugar de exercício da diferença, então não haverá mais crianças com necessidades especiais. Todas elas portarão necessidades especiais e todo educador será um educador especializado. Aquilo que se deve propor para a criança especial é o que se deve propor para qualquer criança. Inclusão escolar é para todas" (p. 92).

Cabe, então, a respeito desse tema, desde uma outra visão política, ideológica e, sobretudo, teórico-epistemológica, interrogar-se: de que se trata, uma criança, desde os ideais de uma educação inclusiva? De que se trata, ainda mais, uma criança diferente, na perspectiva de incluir sua singularidade de sujeito a uma educação escolar regular, cujas práticas apontam em direção oposta à da aceitação da diversidade e ao acolhimento da diferença?

Do ponto de vista político, as origens da inclusão social e escolar parecem estar atreladas a um projeto ideológico maior concebido pelo liberalismo sócio-econômico do capitalismo central, cujas variações, na periferia do sistema, refletem os movimentos globais e se adaptam perfeitamente aos ajustes necessários à sua própria sobrevivência. Podemos dizer, então, que a proposta de uma educação inclusiva nada tem de inovadora e muito menos de revolucionária – trata-se tão somente de uma proposta reformista, como, aliás, tantas outras que a precederam.

De que se trata, então, para além dos discursos instituídos, quando nos referimos à educação escolar inclusiva?

Esta é uma questão bastante delicada que demanda, na sua análise e encaminhamentos, uma posição ética, amparada em uma concepção da condição humana que aponta para a constituição de um sujeito divido, marcado inelutavelmente por uma falta-a-ser irredutível a todo e qualquer objeto de satisfação, cujo modelo de perfeição e completude narcísicas, advindo do eu-ideal e demolido pelo advento da castração, constitui apenas e tão somente, um projeto nostálgico de retorno ao passado e de resgate do objeto perdido. Este desejo, no entanto, se confronta, permanentemente, no fluir da vida presente (e no futuro marcado pelo real da morte) com a obrigação, sem direito a férias, de se instalar, ou de se mal-instalar/estar na cultura, pagando o preço exigido pelos ideais civilizatórios: recalque das pulsões sexuais e impossibilidade radical de plena satisfação narcísica. Para alguns sujeitos, "mais exitosos", Freud aponta a possibilidade da sublimação das pulsões, mas, também para estes, embora o recalque e a neurose não sejam o destino certo, a fonte do gozo pleno é ferida pela insatisfação.

Pode-se dizer que, para Freud, a relação antagônica entre a cultura e o livre desenvolvimento das pulsões sexuais é vivenciada, na dimensão dos três registros da vida psíquica, o imaginário, o simbólico e o real, no âmbito da singularidade do sujeito, no Complexo de Édipo, cuja função primordial é introduzir o sujeito na castração, isto é, instituir o advento do sujeito a partir de um sacrifício fundador, qual seja, a renúncia ao poder, à perfeição e ao gozo absolutos. Instala-se, assim, o sujeito na cultura, como um sujeito de linguagem, um "fala-ser" (parlêtre), cuja necessidade de dizer o torna "doente do significante", "doente da linguagem", como se referia Lacan, cuja divisão subjetiva se manifesta nas experiências do sujeito em relação a ele mesmo (seu corpo, seu psiquismo) e aos outros (família, amigos, grupos). Para Lacan (1966), a noção de sujeito, em psicanálise, é correlativa àquela de ex-sistência (isto é, do lugar excêntrico), onde ele situa o sujeito do inconsciente. A expressão "o sujeito ex-siste" expressa, em Lacan, o decentramento do sujeito em relação si próprio e sua dependência radical em relação ao Outro.

Portanto, a concepção psicanalítica de sujeito nos remete, a todos nós, sujeitos humanos, seres falantes, a um sentimento de estranheza, de estranha familiaridade (unheimlich, como diria Freud), em relação ao nosso próprio Eu, quando este se expressa ou tropeça na linguagem, claudicante, de um enunciado ou de uma enunciação. Assim, a expressão de Rimbaud "Je est um autre" (Eu é um outro) se apresenta como o corolário da divisão subjetiva do sujeito, instaurada pelo fato de que somos seres de linguagem. Falar, portanto, significa aceitar o fato de que a significação de minhas palavras me escapa e, mais ainda, que as minhas palavras, interpretadas pelo outro, provocam efeitos subjetivos (em mim e no outro) que fogem ao meu controle. Falar comporta riscos e mal-entendidos. Falar anuncia demandas que estão sempre aquém do desejo e que se dirigem a um Outro, em relação ao qual se deseja o desejo de desejo. Falar implica o assujeitamento a uma nomeação e a um lugar oriundos do campo do Outro. Falar, enfim, significa, para o sujeito, "alterizar" sua própria fala, no sentido em que ela se torna tão estranha ou estrangeira quanto o Outro. É isto que permite a Lacan avançar a idéia de que "o inconsciente é o discurso do Outro" (Lacan, 1966, p. 549). Deste modo, todo sujeito falante tem uma inquietante, para não dizer angustiante relação de estranheza com sua própria fala e com a fala do Outro, relação de intimidade e de extimidade que revela que o inconsciente é, paradoxalmente, ao mesmo tempo, íntimo e exterior ao sujeito (Raffy, 2000).

É a partir desses pressupostos da psicanálise, que situa a constituição do sujeito e seu processo de humanização na passagem do biológico para o campo da cultura e da linguagem, que queremos interrogar as formações discursivas que, repetidamente, insistem em apontar a diferença do outro a ser incluída, em nome do bem-estar social e do bem-estar particular, dentro do prisma do bem-fazer, do "politicamente correto", em um espaço educativo onde, idealmente, esta diferença será respeitada e acolhida em sua singularidade, embora a realidade do cotidiano escolar aponte em direção oposta.

Obviamente que nossas indagações e dúvidas se situam no campo da ética e não no campo da moral ou dos bons costumes, políticos ou religiosos. Trata-se de uma interpelação ética na qual se formula "a questão do sujeito, da ex-sistência da palavra e do desejo singulares" (Imbert, 2001, p. 17). Uma ética que se confronta à repetição do mesmo, aos princípios de identidade e de não-contradição; uma ética que encerra uma práxis (clínica ou educativa) que atualiza constantemente a Lei simbólica e que se apresenta como um campo de criação e de autocriação sempre aberto ao inesperado e às novas possibilidades do ser falante, e por meio da qual se barra o gozo pela assunção do desejo (Almeida, 2003).

É, portanto, desde uma perspectiva ética, a ética do bem-dizer, como dizia Lacan, que a questão da inclusão escolar, para além das boas intenções e das belas formas/fórmulas político-pedagógicas, nos interroga, em seu cerne: o que se (des)vela com o projeto de inclusão das diferenças?

Trata-se aqui, é uma pergunta, do reconhecimento ou da denegação de uma exclusão original, primeira, no campo do Outro, a qual se deseja resgatar, recalcar ou simplesmente foracluir no campo da linguagem? Mais do que isto, tratar-se-ia de uma modalidade discursiva criada como uma estratégia defensiva para dar conta da diferença absoluta e radical que separa os sujeitos uns dos outros e que, ao mesmo tempo, os une, em uma situação de um mesmo desamparo original, demandantes e dependentes de um saber que criaria a ilusão de um domínio sobre o real do corpo, o real do sexo, o real da morte, presentificada nas mais diversas diferenças inscritas, marcadas, nos corpos e nas mentes, e expostas, tal qual uma grande ferida aberta, ao olhar horrorizado do Outro? Seria esta diferença, repetidamente apontada como objeto ora a ser tratado, ora a ser integrado, agora a ser incluído, uma das (per)versões fantasiosas do horror do homem à castração, produzida pelo psiquismo do sujeito (pós)moderno, nesta nossa cultura do mais-de-gozar? Seria a diferença, juntamente com o sujeito que a suporta, no real do corpo, um significante não-fálico, portanto insuficiente e inoperante para fazer o Outro gozar e, desta feita, não pode ser reconhecido e se inscrever, simbolicamente, no campo do desejo do Outro? Não seria este bebê, esta criança estranhamente familiar, aquela cuja diferença remete o Outro não à jubilação narcísica, mas à verdade (e ao horror) de sua castração?

Como afirma Jerusalinsky (2002), "sabemos que o lugar do filho se constitui para os pais inconscientemente como uma possibilidade narcísica de transmissão de seus próprios ideais, e é justamente esse ponto de endereçamento de uma criança ao ideal-do-eu parental que pode ser flanqueado diante do precoce diagnóstico ou levantamento da suspeita de uma patologia. O futuro de um bebê, que geralmente assume na dinâmica familiar o lugar de uma tela de projeções das realizações parentais, na clínica dos problemas de desenvolvimento se constitui em fonte de angústia, pois, a cada desejo acalentado, comparece o temor de que o problema apresentado pelo bebê venha a fazer-lhe obstáculo" (p. 117).

Mas, lembra-nos ainda a autora, não é apenas o nascimento do bebê que assegura aos pais o acesso a um gozo narcísico. "Para serem reconhecidos enquanto pais, eles dependem, em primeiro lugar, de que este bebê possa dar suporte com seu corpo à promessa de um gozo social, à promessa de realização de certos ideais da cultura. A criança que não faz com que o corpo social goze dessa forma, ou que não conforma seu Eu ao ideal que a ideologia propõe, é designada pelos seus e pelos outros como um marginal, um pária, um excluído" (Jerusalinsky, 2002, p. 118).

Retomando a nossa interrogação a propósito da inclusão escolar, e sem pretensão alguma de apresentar respostas aos desafios e (im)possibilidades que essa empreitada nos propõe, arriscamos afirmar que a "necessidade de dizer", a necessidade de produzir um saber sobre o outro, de produzir um discurso sobre a diferença e uma prática social destinada a incluí-la, aponta em duas direções.

Lembramos aqui, en passant, da hipótese iconoclasta de Foucault, retomada por Raffy (2000), a propósito da repressão do sexo no Ocidente. Para Foucault, a regulamentação e a repressão sobre o sexo permitiram e até mesmo se constituíram como um pretexto para o desenvolvimento e a proliferação do discurso sobre o sexo. Com efeito, aponta Raffy, a regulamentação necessita da elaboração de um discurso sobre o sexo e as práticas sexuais, não seria que para interditá-las. Assim, na perspectiva de Foucault (1976), deter um saber sobre o outro confere poder a quem o detém, o que equivale a dizer que a problemática do poder e do saber se intricam uma na outra. A lógica foucaultiana, aplicada ao discurso sobre a educação inclusiva e às suas decorrentes práticas sociais, revela o impacto determinante da linguagem e da fala nos modos sócio-historicamente determinados de "dar conta" da diferença que nos habita.

Por outro lado, desde a perspectiva da ética do sujeito, ou da ética do desejo, essa formação discursiva se presta, com modulações, conforme as diferentes circunstâncias políticas, sociais e educacionais, mas também na dependência das estruturas psíquicas que a colocam em ação, em ato ou palavras, a justificar ou a reparar dívidas simbólicas e, sobretudo, reais, do outro parental/social com os excluídos do campo do Outro da linguagem e da cultura. Tal tentativa de reparação, no entanto, se vê confrontada a um insucesso inerente ao próprio movimento reparador, pela via do saber/poder: a diferença que, no discurso (moral, religioso, pedagógico ou científico) se deseja resgatar, é na prática, pela ação educativa, pela linguagem, conformada ao todo, igualada, apagada, reduzida a um semblant de diferença, ou, de outro modo dito, recalcada, quando não denegada ou foracluída. Senão, vejamos:

"A Educação Inclusiva, por outro lado, implica que não se espera mais que o deficiente se adapte aos alunos normais. O que é visado é que ele atinja o máximo de sua potencialidade junto com os seus colegas "normais". Com isto fica garantido o direito à singularidade da sua atuação" (Mrech, 2004, p. 10).

"Na visão inclusiva, não se segregam os atendimentos, seja dentro ou fora das salas de aula e, portanto, nenhum aluno é encaminhado às salas de reforço ou aprende a partir de currículos adaptados. O professor não predetermina a extensão e a profundidade dos conteúdos a serem construídos pelos alunos nem facilita a aprendizagem para alguns, porque, de antemão, já prevê a dificuldade que possam encontrar para realizá-las. Porque é o aluno que se adapta ao novo conhecimento e só ele é capaz de regular o seu processo de construção intelectual" (Mantoan, 2004, p. 4).

E, para finalizar, um último fragmento discursivo sobre a inclusão escolar:

"Para nós, que temos uma longa trajetória no atendimento de crianças e adolescentes com dificuldades de aprendizagem, a realidade nos tem demonstrado que, antes do aluno ser incluído numa sala estruturada para alunos padrão, o sujeito precisa estar bem constituído, que possa discriminar a realidade exterior e a conseqüente descoberta do EU POSSO, para garantir uma significativa descoberta do EU APRENDO" (Fabrício & Bueno de Souza, 2004, p. 11).

A que escolas, professores e alunos, "normais" ou deficientes, se referem estes autores? Para que realidade, material e psíquica, se orienta a ação educativa? Em que dimensão situar a diferença do outro, se, a seu respeito promessas de garantias (imaginárias), antecipações (predictivas) de futuro e projetos de normatização do desenvolvimento se constituem como os pressupostos básicos de uma educação escolar inclusiva? De que gozo se trata, posto que o desejo aí não intervém, a não ser aquele, cuja compulsão à repetição, se coloca a serviço da pulsão de morte, e, paradoxalmente, a serviço da manutenção mesma da vida? Sintomas, vicissitudes, utopias, idealizações, produções de mais-de-gozar que (re)velam modos diferentes de enfrentamento do real que (des)vela a verdade do sujeito, tal como a histérica aponta para a verdade do Mestre: a de que ele é castrado. A diferença do outro, marcada no real do corpo físico/psíquico, a alteridade estranhamente familiar, constitui isto que, do encontro com o real, traumatiza o sujeito. É pela mediação do simbólico, pela linguagem, que desnuda e exclui o outro, designando-lhe um (in)certo lugar, que o sujeito tenta tornar inofensivo o real, criando a ilusão imaginária de resgatar/recalcar/incluir o que fora excluído/rejeitado, se precavendo, assim, contra novas intrusões do real.

Assim, "os mitos (coletivos), os fantasmas (individuais), as teorias filosóficas e científicas se apresentam como tantos aparatos culturais (simbólicos) contra a intrusão traumática do real na vida dos seres falantes" (Raffy, 2000, p. 71).

Vãs tentativas, mas que sustentam certas miragens narcísicas na trilha das nossas neuroses, já que o real resiste a ser colocado em palavras, resiste ao significante, e nenhuma definição, por mais exaustiva que seja, é capaz de traduzir o real sem traí-lo. Por isso, Lacan definiu o real como o impossível, para o ser falante - o "fala-ser" (Lacan, 1988).

Situa-se aí, na impossibilidade radical de nomear o real da diferença, o projeto "exitoso" e, a um só tempo, fadado ao insucesso, do chamado Paradigma da Inclusão Escolar. Temos todos nós, educadores, pais ou mestres, nos haver com a real(idade) da diferença: do sexo, das gerações, do tempo, da vida e da morte, pois o encontro com desejo do Outro, embora sempre faltoso e traumatizante, é inevitável...

Dedico este trabalho à Raíssa e ao Gouvan, os quais, na posição de filha e de companheiro permitem que eu me confronte diariamente com a alteridade e com a inquietante diferença que em mim um dia se instalou: a da maternidade.

 

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