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On-line ISBN 978-85-60944-06-4

An. 5 Col. LEPSI IP/FE-USP 2004

 

Reflexões acerca das inscrições significantes na dinâmica da aprendizagem

 

 

Jaqueline Bendini

Mestranda na faculdade de Educação da USP

 

 

Pensar as aprendizagens – como efeito de significantes, produzida no interior do campo do Outro, do campo discursivo, é pensar , desde a psicanálise, que conhecimento é produzido a partir de articulações significante.

Todo processo epistêmico implica a (re)construção de alguma coisa já construída por outros, implica (re)construir o conhecimento do outro para si mesmo. Na apropriação deste, o sujeito toma para si, produzindo o "seu" conhecimento, articulado a suas marcas simbólicas. Na escrita de um texto, o autor ao escrever, produz e refaz algo já dito.Transcreve em nome próprio o conhecimento que veio do outro, com o seu saber na ordem do (de seu) desejo.

Conforme Lajonquière (1992), o sujeito (re)constrói o conhecimento arrancando-o dos outros.O conhecimento está cifrado em chaves significantes que estão no Outro (tesouro dos significantes – Lacan): todo sujeito deve apoderar-se dessas chaves para decifrando-as, poder então cifrar (em si e para si) o conhecimento socialmente compartilhado.

Assim, dizemos que o sujeito deve denegar a alteridade do Outro (suposto saber).Isto é, negar que o seu conhecimento veio do Outro, para que assim possa preservar o seu desejo e se apropriar do conhecimento,o que permite o surgimento do sujeito epistêmico, como possibilidade a partir da constituição do sujeito do desejo.

Neste sentido, o desejo de ensinar do educador deve propiciar ao educando o desejo de saber, de apropriar-se do conhecimento transmitido pelo educador e (re)construí-lo em sua cadeia de significantes.

Porém, a aprendizagem longe de ser um acontecimento tranqüilo, é uma "batalha", no qual estão envolvidos, o sujeito (do desejo) aprendiz com sua história particular, com o desejo de seus pais, avós..., e o sujeito que ensina, que suporta a função do Outro (suposto saber), que pode possibilitar ou não que as aprendizagens sejam possíveis.

Então, podemos dizer que não existe nada de natural no processo epistêmico, que se desenvolve, como escutamos ainda hoje: "com o tempo ele aprende"; "está atrasado, precisa ser estimulado".Ao invés disto, sabemos que o sujeito se constitui a partir do desejo do Outro (Mãe), que o inscreve no mundo da Cultura, e que não existe uma linearidade padronizável no aprender, capaz de dar sentido ao processo epistêmico, mas sim uma lógica do significante – a lógica do inconsciente.

"(...) o sujeito não tem origem,portanto não se desenvolve mas, pelo contrário ele se constitui graças a duas operações lógicas ou"encruzilhadas estruturais"(Lacan) que a teoria chama de estádio do espelho e complexo de Èdipo" (Lajonquière,1992,p.151).

Essas duas operações estruturais fazem parte da constituição do sujeito e acontecem no interior do campo do Outro, sendo que as vicissitudes que o sujeito enfrenta em suas aprendizagens refletem sua posição subjetiva diante dessas duas operações.A forma de cada sujeito estar no interior do campo do Outro, de lidar com suas questões, com sua aprendizagem, relaciona-se ao modo como se posicionou diante da castração, faz parte da maneira como o sujeito lida com a falta no Outro.

A operação inconsciente de castração articula o drama do Èdipo ( SER ou TER o falo) e assim, podemos dizer que é em relação a ela que o sujeito acaba encontrando uma posição subjetiva particular de "estar" no mundo.

"(...) dos embates que o infantil sujeito tenha enfrentado no Édipo dependerá a modalidade ou sabedoria com que um sujeito consagre sua vida a Saber sobre o desejo.Ou, se preferirmos, as vicissitudes edípicas que tenha enfrentado acabam por fazer-lhe ou fabricar-lhe uma"forma de estar" no interior do campo do Outro, isto é, uma forma de metaforizar ou processar as tensões que imperam no seu seio"(Lajonquière, 1992,p.228).

Portanto, cada sujeito singular tem um caminho próprio a percorrer - querer saber sobre aquilo que falta - traçando um caminho próprio na busca da chave que decifre o enigma do desejo.Kupfer (2001) coloca que a história dessa busca deixa marcas , inscrições , que o sujeito manifesta vez por outra nas fraturas da linguagem.Ele é constituído por essas inscrições originárias, que determinarão o rumo e a direção da história de sua vida e estarão presentes em suas aprendizagens, já que implicam na forma como o sujeito irá às buscas de um suposto saber objeto havido e perdido – objeto causa do desejo.

Mas, sabemos que em se tratando de uma construção mítica , esse objeto o sujeito nunca irá encontrar, pois ali cessaria sua busca, seu desejo, a razão de sua existência.

Neste sentido, a partir da prática clínica com crianças,nas conversas com os professores - suas queixa e em seus questionamentos: A dificuldade de aprendizagem pode estar relacionada a algo orgânico, mental? É algo na relação familiar que está produzindo esta dificuldade ? - nos levam a pensar sobre a aprendizagem enquanto um efeito de significantes, que não está pronta a priori, mas em construção...em cada sujeito particular.

E, a partir da escuta dos pais, em seus anseios e angústias, encontramos a criança, que fala, brinca...mas em muitos casos não consegue ler , nem escrever...e nos interrogamos:

De que criança os pais falam, se queixam? Qual é o seu lugar no desejo parental? E para os professores – Qual é o lugar dessa criança? Qual é a relação que estabelecem com ela? Qual a posição que a criança ocupa no universo simbólico, que a possibilite ou não, apropriar-se dos conteúdos escolares?

A instituição escolar, trabalha com o conhecimento. A criança ao ingressar na escola, é introduzida em um outro mundo, diferente do familiar - vai ter que se haver com esta lógica, para além dos outros que são os primordiais.A possibilidade da criança se situar em um cenário que não é o familiar - é público, demarca uma diferença importante, pois as questões familiares não interessam ali e sim as questões escolares.Assim, a forma de cada sujeito se posicionar diante destas questões , deste lugar, irá demarcar de início seu caminho, porém também entra em jogo, o Outro (professor), como possibilidade de "entrada" deste sujeito neste novo horizonte.

Conforme Meira (2003), as salas de aula ou o pátio, ou os espaços por onde a criança transita, passam a ser o lugar onde ela constrói um saber acerca de sua posição diante do outro, um saber acerca dos objetos, que não se limitam aos atributos estritamente pedagógicos.Ali onde as crianças deixam suas famílias para ingressar em instituições escolares, o lugar desde o qual o professor as recebe marca uma diferença nestas crianças que poderão ser sujeitos na construção de um saber, ou meros objetos, ao discurso do consumo, da doença, da psicologização...Assim sendo, algumas das contribuições que a psicanálise pode dar aos educadores nos tempos atuais articulam-se na direção de que os caminhos que cada criança vai trilhar em seu processo de aprendizagem sejam percorridos passo a passo com um saber singular, nas trocas cotidianas com seus pares, marcados por um tempo não digitalizado, que lhe outorgara a possibilidade de elaborar, desde outro lugar, novas formas de estar no mundo.Marcados pelo prazer de brincar, de inventar o mundo que as rodeiam..,(re)construindo o conhecimento socialmente compartilhado.

Ali onde a criança pode brincar com as palavras, tomar um objeto como sendo um representante do que está ausente - fundando sua posição simbólica- entre a ausência-presença, um sujeito passa a se revelar , inscrevendo-se a na buscar de saber acerca do que ele é para o outro – ele diz isso, mas o que ele quer de mim? E, é a partir dessa questão que a criança irá tentar buscar respostas para o enigma do desejo do Outro, em outras palavras, de sua própria existência.

No brincar, assim como, nos textos escritos, nas histórias contadas...inscreve-se a possibilidade da criança efetuar construções metonímicas, significantes – deslocando o conhecimento..., criando metáforas ali onde a palavra se faz presente, compartilhando com os outros o prazer de viver.Pois desejar é viver e o Outro "é aquele que sustenta, pulsiona, o sujeito a viver avançando" (Lajonquière,1992,p.159).

Assim, o tema exposto neste trabalho – APRENDIZAGEM – pretende refletir sobre sua dinâmica na ordem significante, levantando questões a respeito das vicissitudes que um sujeito enfrenta em suas aprendizagens e o processo nela envolvido.

 

Referências bibliográficas:

KUPFER, M. C.(2001). Educação para todos: psicanálise e educação. São Paulo, SP : Escuta.

LAJONQUIÈRE, L.de.(1992). De Piaget a Freud: para repensar as aprendizagens.A (psico) pedagogia entre o conhecimento e o saber. Petrópolis, RJ: Vozes.

________________( 1997). Infância e ilusão (psico)pedagógica: escritos de psicanálise e educação.Petrópolis, RJ: Vozes.

MEIRA, A. M.(2003). Sobre a infância, as psicoses e a escola na contemporaneidade.Correio da APPOA- 114, 20 – 4.