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On-line ISBN 978-85-60944-06-4

An. 5 Col. LEPSI IP/FE-USP 2004

 

A instituição da adolescência e a educação

 

 

Tânia M. B. Aguiar

Mestranda FE-USP (Educação e Psicologia)

 

 

Entendemos que reunir num único texto a adolescência e a educação, é uma tarefa despropositada, pois ambos são temas que não se esgotam tão facilmente. Não podemos falar de educação em geral e nem de adolescência em geral, por isso, neste trabalho, nos limitamos ao levantamento de alguns aspectos referentes à adolescência como instituição criada historicamente e de sua relação com um tipo de prática educativa que a naturaliza.

Assim, abordar os temas adolescência e educação como instituições implica, antes de tudo, buscar a definição do conceito de instituição e também de adolescência, entendida como uma construção historicamente datada.

O conceito de instituição está ancorado num campo de conhecimento e de prática conhecido como Institucionalismo, precursor da Análise Institucional e do Movimento Institucional Europeu. De acordo com Altoé (2004, p.76), Lapassade e Lourau (1972), representantes da corrente institucionalista francesa, esclarecem o conceito de instituição nos seguintes termos: "para nós este conceito designa a produção e a reprodução das relações sociais dominantes tanto nos pequenos grupos, como na estrutura das organizações" . Ou, em outras palavras, a instituição é entendida como a organização das relações sociais entre os indivíduos; um conjunto de normas instituídas que regem uma organização.

Rodrigues (mmo.), afirma que as instituições são formas históricas das relações sociais, vividas como gerais e instrumentadas em organizações e estabelecimentos. "São criações históricas de práticas e discursos que instauram campos de real, assim como monopólios de legitimidade: criança/pedagogia, doença mental/psiquiatria, saúde/medicina, etc" . Podemos entender que, por exemplo, o estabelecimento escola é um dos locais geográficos onde a instituição Educação se atualiza.

Nos moldes dessa conceituação, pensamos a adolescência enquanto instituição, ou seja, uma criação histórica de práticas e discursos que uma vez constituída é tomada como "natural" e "imutável", uma forma histórica de relação social que é vivida como geral.

A partir dessa conceituação de adolescência como uma produção histórica, recorremos ao percurso histórico de Phillipe Àries (1986), que nos limites europeus, destaca o nascimento do sentimento de infância e sua particularização em relação ao mundo adulto em consonância com a escolarização de crianças e jovens, quando a educação escolar se torna importante prática social.

Segundo Àries, até o Século XVIII, na França, adolescência foi confundida com infância. De acordo com o autor "não havia lugar para a adolescência (...) no latim dos colégios empregava-se indiferentemente a palavra ‘puer’ e a palavra ‘adolescens’". (op.cit.pp.41,42) Porém, mais constantemente o que se via era o uso indistinto da palavra ‘enfant’ (criança). Àries afirma que "a longa duração da infância, tal como aparecia na língua comum, provinha da indiferença que se sentia então pelos fenômenos propriamente biológicos: ninguém teria a idéia de limitar a infância pela puberdade. A idéia de infância estava ligada à idéia de dependência. Só se saia da infância ao sair da dependência".(op.cit.p.46)

Para o autor, ainda no Século XVIII, é que serão pressentidas as idéias daquilo que hoje chamamos adolescência, e conclui que o primeiro adolescente moderno típico foi Siegfried de Wagner, que através da música, exprimiu, pela primeira vez, atributos como mistura de pureza e força física, naturismo, espontaneidade e alegria de viver. Àries denomina esse fenômeno de adolescente- herói, que surge na Alemanha Wagneriana, cruza fronteiras e penetra na França em torno dos anos 1900. Assim, para o autor, a juventude "que era então a adolescência", além de se tornar tema literário também passa a ser uma preocupação dos moralistas e políticos, dando início ao desejo de saber o que pensava a juventude, surgindo pesquisas sobre ela. (Cf. Áries, 1986, pp.43-48)

Àries nos remete ao fenômeno europeu do surgimento de uma nova consciência de juventude, que aparece como depositária de valores novos, uma força de renovação social e de contestação da ordem estabelecida, Porém, essa nova força se expande e logo se torna objeto de atenção e investigação, transformando-se numa realidade em termos de conceito e instituição.1 Ou seja, essa força disruptiva, a rebeldia, a recusa, passaram a ser uma realidade instituída: a adolescência. A partir de então foi catalogada e colocada sob investigação das ciências sociais, psicológicas e jurídicas, ou, de acordo com Foucault (1975), foi objetivada.

Dessa forma, entendemos que, assim objetivada, a adolescência é colocada sob a rubrica dos especialistas, discursos saberes e poderes que lhe determinarão uma função. E nesse sentido, a educação, entendida como uma instituição construída com a preocupação de conformar crianças e jovens às normas e a moral, (re) assegura essa mesma objetivação por meio de suas práticas e discursos, nos quais a adolescência ocupa lugar de destaque em atenção, preocupação e prescrições médicas, psicológicas e pedagógicas.

Quando objetivada pela educação (e não somente por ela) a adolescência adquire o caráter natural e imutável dos objetos instituídos e movimenta os educadores na busca por respostas "científicas" que dêem conta dessa "fase", quase sempre tomada como difícil e conflituosa.

É possível identificar no discurso de educadores e dos "especialistas" (o primeiro como eco do segundo), um tom queixoso, no qual, a adolescência é freqüentemente adjetivada na negatividade. Porém, não se trata de uma queixa qualquer que encontra na "máxima ciência" o recurso para resolver a problemática que a adolescência impõe à educação, mas de um discurso no qual, segundo Lesourd (2004, p.180), "os adolescentes são tratados, na melhor hipótese, como sujeitos em dificuldade, na pior hipótese, como pervertidos a serem reeducados."

Com isso, a tarefa que se apresenta àqueles que se dedicam à educação e adolescência é compreender quais são os imperativos no discurso social que marcam essa negatividade quando se trata da adolescência. Ou, em outras palavras, quais foram os caminhos percorridos entre a instituição do objeto adolescência, que nasce como uma força irruptiva, e os significantes a ela remetidos no discurso social da atualidade?

Os rumos tomados pelos "especialistas" em educação e adolescência foram e são, seguramente, traçados sob uma lógica "científica" que coloca sobre o "indivíduo" o estigma de pertencer a uma "categoria" de seres humanos, e nesse caso, não é qualquer categoria, mas aquela que demanda cuidados especiais por ser "naturalmente" difícil e conflituosa.

É nessa ordem simbólica, nesse discurso, ancorado na "cientificidade" e que combina significantes de modo que a adolescência é, ela mesma, um significante negativo, que o adolescente deve inscrever-se. É também, sob tais significantes sociais que a instituição da educação tenta "desvendar" a adolescência a fim de "garantir" a educação, sem, contudo, romper com a cadeia significante: adolescência – fase – dificuldade – conflito....

Assim, concluímos que, catalogada a partir de uma "lógica científica" e adjetivada na negatividade, a adolescência impõe uma tarefa à educação, que é, de alguma forma, possibilitar que o sujeito adolescente reconheça significantes que lhe permitam "fazer-se representar junto aos outros"; que lhe possibilitem "um lugar de autor" e que, finalmente, possibilite ao sujeito se construir sobre "uma dívida e não sobre um devido" (Cf. Lesourd, 2004,pp.169-171), através do rompimento dessa cadeia significante composta na negatividade, e da compreensão de que a adolescência não é uma operação solitária, mas uma interação entre o sujeito e um momento social.

 

Referências bibliográficas:

ALTOÉ, S. René Lourau: analista institucional em tempo integral. São Paulo: Hucitec, 2004.

ÀRIES, P. História social da criança e da família. 2ª. ed. Rio de Janeiro: Guanabara, 1986

CALLIGARIS, C. A adolescência. São Paulo: Publifolha, 2000 (Coleção Folha Explica)

FINK, B. O sujeito lacaniano; entre a linguagem e o gozo. Trad. Miriam A.N. Lima. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998

FOUCAULT, M. Vigiar e punir. Petrópolis: Vozes, 2000.

LESOURD, S. A construção adolescente no laço social. Petropólis, RJ: Vozes, 2004

RODRIGUES, H. de B. Conde. As intervenções Grupais – Epistemologia ou história das práticas? (mimeografado)

 

 

1.Nesse ponto abrimos um parêntese na referência européia de Àries para citar a pesquisa do psicólogo norte americano G. Stanley Hall, que em 1904 publica uma obra de dois volumes intitulada "Adolescência", nos quais, não somente usa o termo adolescência, mas, de acordo com Calligaris (2000), também a considera uma época perigosa e trabalhosa, concebendo essas dificuldades como naturais, próprias a uma fase da vida. É relativamente comum que se faça referência a essa obra como fundadora do conceito "adolescência". Porém, é preciso observar que o autor toma a adolescência como objeto de investigação e pesquisa a partir de bases já colocadas no discurso social.