6A escrita no ensino de inglês para adolescentes em escolas particulares de língua estrangeiraInclusão escolar e acompanhamento terapêutico: possibilidade ou entrave? author indexsubject indexsearch form
Home Pagealphabetic event listing  




On-line ISBN 978-85-60944-08-8

An 6 Col. LEPSI IP/FE-USP 2006

 

Escola e violência

 

 

Ana Maria Moraes Fontes

anafontesjf@terra.com.br

 

 


RESUMO

Esta pesquisa teve início a partir de uma solicitação para que se pensasse sobre a situação na qual se encontrava um significativo número de escolas da periferia de Juiz de Fora (MG). Uma situação de marcada violência provocada, em geral, por grupos rivais (gangues), que se enfrentavam dentro e fora das escolas. O que verificamos no contato com as duas escolas participantes da pesquisa foi que a indisciplina era apontada pelos professores e educadores como a forma de violência que mais causava incômodo e transtornos (mais do que a atuação das gangues), já que comprometia todo o trabalho de ensino. As entrevistas com os professores mostraram o que Debarbieux (2001) chamou "de um novo padrão de sociabilidade marcada pela falta de respeito e pela prática de microdelinqüências". Não restam dúvidas que estamos convivendo com um novo sistema social que organiza os laços de tal modo que, professores e educadores não sabem, simplesmente, o que fazer quando a questão a ser tratada é a indisciplina de seus alunos. Assim ouvimos de uma coordenadora "Dizem que temos que pôr limites. Mas eu não sei mais o que é limite!"

Palavras-chave: violência; autoridade; escola.


 

 

Esta pesquisa teve início a partir de uma solicitação para que se pensasse sobre a situação na qual se encontrava um significativo número de escolas da periferia do município de Juiz do Fora, Minas Gerais. Através da mídia têm-se notícias de que as escolas, hoje, são palco das mais variadas manifestações de violência como agressões, uso de armas, tráfico de drogas etc.

Verifica-se hoje no sistema escolar uma tensão que, por vezes, se manifesta através de comportamentos considerados violentos, tanto por parte de professores como por parte alunos.

Na cidade de Juiz de Fora há um significativo número de escolas marcadas por diferentes manifestações de violências, o que se constitui na realidade da grande maioria das grandes cidades e daquelas de porte médio em nosso país.

Em geral essas manifestações são atos contra a integridade física, moral e social do indivíduo e da coletividade, manifestações de indisciplina, agressividade entre os alunos e contra os professores, depreciação do patrimônio da escola. As entrevistas com os professores mostraram a existência do que Debarbieux (2001) chamou "de um novo padrão de sociabilidade marcada pela falta de respeito e pela prática de microdelinqüências".

O conceito de violência é dinâmico e por isso mesmo mutável. Daí a necessidade de pesquisar para se poder falar sobre violência na escola. Conforme Debarbieux (2002), não se pode mais, hoje, reduzir a violência à violência física, sob pena de desconsiderar o entendimento subjetivo do que vem a ser violência. Para ele, tomar violência apenas como violência física (morte, ferimentos, golpes, roubos, vandalismo, violência sexual) é excluir a experiência da vítima, quer dizer aquilo que é nomeado pela vítima de violência. Portanto é preciso considerar como violência, também, as chamadas incivilidades, que segundo Abramovay e Avancini ( 2002) "consistem em atos e comportamentos considerados sem gravidade e que têm caráter essencialmente público – são portanto, da ordem das relações entre o espaço público e os indivíduos" (p. 2). As incivilidades quebram o pacto social de relações humanas e as regras de convivência.

Diversos autores enfatizam a necessidade de precisar o que se nomeia como violência em referência à escola. Charlot, apud Abramovay (2006) propõe três tipos de manifestação de violência,

"...a violência na escola é aquela que se produz dentro do espaço escolar, sem estar ligada às atividades da instituição escolar (quando a escola é "a invadida em virtude de acertos de contas, por exemplo"). (p. 76)

"A violência contra a escola está relacionada com a natureza e as atividades da instituição escolar e toma a forma de agressões ao patrimônio e às autoridades da escola (professores, diretores e demais funcionários)."(p. 76)

"... a violência da escola: violência institucional, simbólica, a qual se manifesta por meio do modo como a escola se organiza, funciona e trata os alunos (modo de composição das classes, de atribuição de notas, tratamento desdenhoso ou desrespeitoso por parte dos adultos, entre outras coisas)."(p. 77)

Passo agora a algumas considerações acerca da pesquisa realizada em duas escolas, indicadas pela Superintendência Regional de Ensino da cidade de Juiz de Fora, por serem consideradas escolas com acentuadas situações de violência, consideradas graves e impeditivas para o bom funcionamento das suas atividades.

As entrevistas com os professores e diretores demonstraram que não é totalmente claro para todos eles o que vem a ser, exatamente, violência na escola. Pareceu-nos que eles tendem a confundir a violência que ocorre na escola com aquela que vem de fora. Por fim os entrevistados acabaram por concluir que na "forma dura"1, a violência quase inexiste na escola.

E o que verificamos junto a essas duas escolas foi que os professores conversando sobre violência passaram a falar de indisciplina. E os alunos apontados, inicialmente, como mais violentos se transformaram em alunos indisciplinados. A indisciplina era apontada pelos professores e educadores como a forma de violência que mais causava incômodo e transtornos (mais do que outras manifestações de violência, que existiam embora de forma esporádica) já que comprometia todo o trabalho de ensino. A imediata conseqüência da indisciplina, de acordo com eles, é sempre o mau desempenho dos alunos no tocante à aprendizagem. Os professores falaram também que a atitude dos alunos era, em geral, desrespeitosa para com eles, professores, e desrespeitosa também entre os próprios alunos. Além disso, consideraram muito difícil fazer os alunos ficarem quietos para acompanhar as aulas, escutar o que era ensinado, realizar as atividades propostas etc.

Estamos convivendo com um novo sistema social que organiza os laços de tal modo que, professores e educadores não sabem, simplesmente, o que fazer quando a questão a ser tratada é, por exemplo, a indisciplina de seus alunos. Assim pudemos ouvir de uma coordenadora: "Dizem que temos que colocar limites. Mas eu não sei mais o que é limite!"

Nas duas escolas foram entrevistados os dois diretores, quatro coordenadoras, oito alunos, dez professores e cinco mães.

O primeiro diretor informou-nos que sua escola era vítima de agressões, roubos e depredações por parte da comunidade e dos alunos. O aspecto da escola confirma isto já que suas paredes são pichadas, os vidros das janelas quebrados, as grades arrebentadas. Os cadeados são frequentemente inutilizados e os bebedouros foram todos roubados. Trata-se de uma violência, aparentemente, gratuita, sem sentido, sem motivos. A comunidade costuma invadir o espaço da escola para seu lazer já que não existe, no bairro, uma área com esta finalidade. De acordo com o diretor há um significativo número de alunos bem violentos que se agridem e agridem os professores.

O diretor da segunda escola reconheceu que existem alguns alunos que se comportam de modo violento. Entretanto diz que tais comportamentos estão dentro do que é esperado2 e que ele conduz a escola de modo tal que estas manifestações não trazem maiores transtornos para o estabelecimento. De fato verificamos que a escola é bastante organizada, não há pichações nas paredes nem janelas quebradas ou qualquer outra forma de desrespeito ao patrimônio da escola. Ele atribui tudo isso à maneira como dirige a escola; está sempre atento ao que se passa, é muito exigente com alunos, professores e funcionários. Pudemos verificar que funcionários e professores, mais do que respeito, têm, na verdade, um temor pelo diretor.

Entretanto, apesar do bom andamento da escola, as supervisoras de lá apontaram a indisciplina como o grande problema com o qual a escola precisa e não consegue lidar, o que foi, posteriormente, confirmado pelos professores.

As entrevistas com os professores de ambas as instituições revelaram que a maioria dos alunos indicados pela direção ou coordenação pedagógica da escola como alunos violentos ou extremamente indisciplinados têm baixo rendimento escolar e são bastante infrequentes às aulas. Quase todos os professores confirmaram que a indisciplina, muitas vezes, inviabiliza o seu trabalho na escola. Um dos professores disse que antes os alunos chegavam de casa já sabendo como deveria ser o seu comportamento na escola. "Hoje", ele diz, "os alunos não vêm sabendo, da casa, como se comportar na escola".

As entrevistas com as mães mostraram-nos que, em geral, os alunos apontados como mais problemáticos, foram afastados do convívio com o pai ainda muito cedo. Alguns são criados pela avó já que muitos pais estão envolvidos com o tráfico de drogas ou fazem uso delas. Esses meninos, em geral, são muito agressivos na opinião das mães.

Das entrevistas com os alunos obtivemos alguns dados interessantes. Eles costumam identificar violência às agressões ocorridas na hora do recreio e essas são, na maior parte das vezes, verbais e físicas. Ao longo da conversa disseram que o que ocorre é muito desrespeito (ao professor), ou seja, na visão deles, os alunos falam muito e atrapalham as aulas. Eles não gostam que as aulas sejam perturbadas, mas admitem fazer "bagunça" junto com os outros. Em sua opinião isto tudo acontece porque os professores "não impõem moral", o que significa para eles o professor conseguir fazer com que os alunos fiquem quietos. Eles dizem: "Quando o professor é bobo nós fazemos bagunça, quando o professor é nervoso3, ficamos quietos".

Muitos dados nos foram fornecidos através das entrevistas, mas para o que pretendo aqui, selecionei algumas falas, a respeito das quais pretendo comentar. A primeira foi a da supervisora que diz não saber mais o que é limite. A segunda, de um professor quando comenta que os alunos não vêm mais de casa sabendo como se comportar na escola. E a última de alguns alunos que pensam que existe bagunça em sala de aula porque o professor "não tem moral".

O que me parece é que estas três frases vindas de um aluno, de um professor e de uma coordenadora pedagógica guardam o mesmo espanto e a mesma interrogação. As três fazem referência, acredito, a um exercício, que, hoje, tornou-se senão impossível ao menos bastante difícil. Trata-se do exercício da autoridade.

Arendt (1972) propõe que antes de se colocar a questão do que é a autoridade, devemos perguntar o que foi a autoridade. E ela assim propõe por pensar que a autoridade desapareceu do mundo moderno. Estamos, de acordo com ela, numa crise da autoridade cujo sintoma mais significativo e aquele que mais indica sua profundidade e seriedade é que a crise alcançou esferas pré-políticas como a educação e a instrução de crianças.

Como a autoridade requer uma obediência, ela é frequentemente tomada por uma forma de poder e de violência. Entretanto a autoridade exclui o uso de meios exteriores de coerção; lá onde a força é empregada a autoridade fracassou, diz Arendt. E por outro lado a autoridade é incompatível com a persuasão que pressupõe a igualdade e opera por um processo de argumentação. É preciso ressaltar isso que foi dito, ou seja, que a autoridade é incompatível com a argumentação e com a persuasão. Arendt escreveu sobre a crise da autoridade em 1954 e é surpreendente vermos o cumprimento dela agora entre nós. Constatamos como ela disse que autoridade já não mais existe quando vemos que pais e professores para exercerem sua "autoridade" precisam argumentar e persuadir as crianças e os jovens4.

A relação autoritária entre aquele que comanda e aquele que obedece não repousa, pois nem sobre uma razão comum, nem sobre o poder daquele que comanda e sim na hierarquia, da qual cada um reconhece a justeza e a legitimidade e onde os dois têm o seu lugar fixado. Para existir a autoridade, ela conclui, é preciso que haja a diferença.

E o que é, então, que faz com que seja tão difícil, para nós, hoje, exercer a autoridade? Arendt nos dá a sua opinião sobre isso ao afirmar que para que exista autoridade é preciso que haja a diferença.

Estamos, de acordo com Lebrun (2004), em um momento de mudança social, de mudança de regime simbólico. Nesta mudança o que deixa de ser evidente é o lugar do diferente, da exceção, ou seja, o lugar do pai, do mestre, do chefe, do presidente. Quer dizer é o lugar daquele que está no lugar de diferente dos outros que não é mais evidente. E a imediata conseqüência disto é professores e pais não saberem mais o que fazer, enquanto que filhos e alunos "pedem" que algo seja feito.

O que se passa hoje que faz com que professores se perguntem o que vem a ser os limites, para fazer com que os pais não possam mais ensinar aos seus filhos como eles devem se portar e para que os alunos chamem nossa atenção por não conseguirmos mais controlar sua indisciplina?

Pais e mestres hoje não se vêem mais no direito de exercer uma autoridade que eles não sabem de onde vem. O que sustenta hoje essa autoridade arbitrária que dá aos adultos o direito de agir? Parece que nada.

Houve tempo, sim em que os pais e os professores "sabiam" tomar uma decisão, e tomavam mesmo que ela não fosse a melhor nem a mais certa. Mas eles tomavam, pois era este o seu dever. Podia ser uma decisão certa ou não, não importava, corriam o risco. Hoje vivemos o medo de decidir erradamente e para dividir o peso de uma decisão errada, o que fazemos? Negociamos e chegamos num consenso. Na eventualidade de ser a decisão errada a responsabilidade é de todos o que quer dizer que não é de ninguém. Trata-se no caso das três falas que tomei, de falas articuladas com o que se passa no coletivo. A impotência que elas evocam tem a ver com a nossa vida coletiva. O que está aí posto, hoje, incide sobre todos nós e nos deixa sem saber o que fazer ou pior, nos deixa com a certeza de que não devemos fazer nada. Não fazer nada em nome de se evitar a todo custo qualquer tipo de confronto, qualquer menção a uma diferenciação de lugares. Como diz Lebrun (2001),

" ...o que se arrisca hoje de ser proposto é um mundo onde cada um ocupa o mesmo lugar, um universo onde as relações não conhecem mais nenhum constrangimento..." ( p. 145)

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

ABRAMOVAY, M.; AVANCINI, M. F. (2002) Educação e incivilidade. http://www.ucb.br/observatório

ABAMOVAY, M. (coord.) (2006) Cotidiano das escolas: entre violências. Brasília: UNESCO

ARENDT, H. (1972) La crise de la culture. Paris, Gallimard

BLAYA, C.; DEBARBIEUX, E. (orgs) (2002) Violências nas escolas e políticas públicas. Brasília, UNESCO

DEBARBIEUX, E. (2001) A violência na escola francesa: 30 anos de construção social. http://www.scielo.br

LEBRUN, J. P. (2004) O ódio do ódio. http://www.cprj.br

____________ (2001) Un monde sans limite. Toulouse, Editons Erès

 

 

1 Para Chesnais, apud Debarbieux (2002), violência dura é a violência física mais grave: homicídio, estupro, danos físicos e roubo armado.
2 Os professores tendem a encarar os comportamentos violentos dos alunos, bem como outros indesejáveis como resultado de uma sociedade excludente, da pobreza e daquilo que eles chamam famílias "desestruturadas".
3 Para eles o professor "nervoso" é o professor bravo, exigente.
4 Nas entrevistas verificamos que os professores, bem como algumas mães são bastante atravessados por um discurso compreensivo em relação aos adolescentes e demonstraram uma preocupação em não serem arbitrários.