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On-line ISBN 978-85-60944-08-8

An 6 Col. LEPSI IP/FE-USP 2006

 

O atendimento educacional de sujeitos com psicose infantil: construindo olhares, trilhando novos percursos

 

 

Carla K. Vasques

k.recuero@gmail.com

 

 


RESUMO

Na construção de processos inclusivos encontram-se obstáculos relativos aos supostos limites e possibilidades de escolarização de crianças e adolescentes com Psicose Infantil. Em conseqüência de sua estruturação psíquica singular, estes sujeitos apresentam comportamentos estereotipados, falas descontextualizadas, escritas e leituras presas na literalidade ou com sentido errante. Tais diferenças são, constantemente, percebidas como impedimentos para a educação escolar, justificando-se, assim, a ausência de atendimento ou o encaminhamento para espaços reeducativos, com vistas à adaptação comportamental. O presente trabalho apresenta elementos da pesquisa de doutorado intitulada: Sobre o atendimento educacional de sujeitos com Psicose Infantil: re(des)cobrindo o coelho branco sobre a neve. O objetivo é a problematização das imagens e a construção de um novo olhar sobre esses sujeitos e suas possibilidades educacionais. Para isso, optou-se por um estudo teórico com base no conhecimento acadêmico-científico (dissertações e teses) produzido nos programas de pós-graduação brasileiros, de 1981 a 2006. Dentre os aspectos privilegiados, busca-se conhecer diversas áreas envolvidas, a singularidade do debate instituído por elas e, sobretudo, o lugar conferido ao atendimento educacional. Houve um levantamento prévio, por meio do qual foram identificados 146 trabalhos acadêmicos. A partir de uma primeira leitura, pode-se dizer que a principal pergunta é pelo diagnóstico e a etiologia, modo pelo qual se formaliza a questão sobre quem são esses sujeitos e de onde derivam as múltiplas propostas terapêuticas e educacionais. Como operadores de leitura têm-se a psicanálise freudo-lacaniana, a hermenêutica filosófica e proposições da educação inclusiva. O estudo propõe-se a questionar interpretações mais estreitas, alargar perspectivas e flexibilizar os processos educacionais.

Palavras-chave: autismo e psicose infantil; psicanálise; educação.


 

 

Demarcando o campo de reflexão

Historicamente, quando se trata de crianças e adolescentes com Psicose Infantil1, a discussão relativa ao universo escolar permanece, com freqüência, em um segundo plano. Com base na identificação das condições do próprio sujeito, dos educadores ou das escolas, as intervenções priorizam espaços clínicos e, muito freqüentemente, propostas comportamentais de intervenção.

Os questionamentos relativos às possibilidades educacionais desses sujeitos ganharam visibilidade a partir do movimento internacional que propõe a predominância do atendimento no ensino comum, por meio de uma educação identificada como inclusiva. Como efeito provável desse movimento, observa-se o crescimento da demanda por escolarização e de busca de espaço escolar para os alunos que estiveram historicamente fora desses espaços.

O avanço na escolarização pode ser observado através das referências oficiais sobre a educação especial no Brasil. Segundo dados do INEP2, no período de 2000 a 2002 houve um acréscimo de 18,7% nas matrículas escolares de alunos com psicose ou autismo infantil. Tal crescimento é superior ao total de matrículas efetivadas na educação especial no mesmo período (14,7%). Esse índice sugere a confirmação de uma busca mais intensa pelo atendimento educacional por parte desta população e certa ampliação da aceitação desses alunos por parte das escolas. As estatísticas evidenciam também a forte tendência de separação desses alunos do ensino comum. As escolas exclusivamente de ensino especial e classes especiais respondem por 62% dos serviços prestados e a matrícula em escola regular representa uma experiência minoritária, com 38% dos casos.

A repetitiva dúvida frente à possibilidade de escolarização dessas crianças é originária de uma complexa rede de fatores que transcende os limites da escola e da educação. Pode-se, contudo, apontar como fatores contribuintes para tal situação a ausência de informações sobre quem são esses sujeitos; os poucos e recentes estudos sobre as Psicoses Infantis; as dificuldades de interlocução entre as diferentes áreas que se ocupam da temática; a ausência de um conhecimento mais sistematizado por parte do campo pedagógico; e, finalmente, a tendência de perceber a diferença como falha ou déficit a ser corrigido, normalizado.

O presente trabalho busca contribuir com a construção de um outro olhar sobre esses sujeitos e suas possibilidades educacionais. Para tanto, apresenta elementos de uma pesquisa de doutorado desenvolvida no Programa de Pós-Graduação em Educação/UFRGS, intitulada: Sobre o atendimento educacional de sujeitos com Psicose Infantil: re(des)cobrindo o coelho branco sobre a neve. Como forma de encaminhar essa discussão, apresentaremos aspectos problematizadores da relação diagnóstico-atendimento educacional. A proposição é a de que a pergunta sobre o atendimento educacional encontra-se relacionada à resposta que oferecemos à questão sobre quem são as crianças com autismo e psicose infantil. Ao questionarmos modelos cristalizados, que objetificam e naturalizam a condição humana, defendemos a historicidade de nossos conceitos, que precisam de constantes interpretações. A partir do encontro entre as diferentes áreas que se ocupam dessa temática, buscamos desvelar sentidos, estabelecer contornos, configurar identidades e contrastes. Ao evidenciar as racionalidades constitutivas dessa temática lutamos contra a pretensão de haver um único caminho escolar, educacional e subjetivo para tais sujeitos, o que pode abrir espaço para a reinvenção dos modos de conhecer, acolher e valorar o outro.

 

Construindo um outro olhar sobre os sujeitos com Psicose Infantil e suas possibilidades subjetivas e educacionais

Todo encontro ou produção que tenha por tema o autismo e as psicoses infantis procura, como ponto de partida, definir, explicitar, evidenciar ou oferecer um contorno, um desenho ou uma aproximação acerca de quem são as crianças e adolescentes que se encontram nessa condição diagnóstica. Começa aí a encenação de um dos grandes impasses entre as ciências. Podemos apresentar tal discussão, inicialmente, como originária das divergências entre as perspectivas psicogênica e organicista. Disputas etiológicas – mecanismos psicodinâmicos ou determinantes hereditários e neurobiológicos – que se reatualizam na questão terminológica. Fala-se de psicose infantil, ou de psicose e autismo como duas situações diferenciadas. Outros dizem que nada disso existe, que o correto é referendar autismo infantil ou espectro autista, conforme a idéia de continuum, ou seja, um mesmo quadro, com diferentes graus de gravidade; tem-se a idéia de síndrome: de Kanner, de Asperguer, de Rett, do autismo infantil precoce; dos autismos primários e secundários; do pós-autismo; do autismo atípico e, ainda, os SOE, ou seja, os Sem Outras Especificações – categoria a ser utilizada quando não sabemos mais o que fazer!3 Temos aqueles que afirmam: falamos de erros metabólicos, de transtornos neuropsiquiátricos, que, mesmo sem um marcador biológico identificado, implicam déficits cognitivos. Outros replicam: falamos da loucura e, mais ainda, da loucura na infância, possuidora de características diferenciadas da do adulto. Aí se diz, por exemplo, ‘das mães geladeiras’, culpadas pelas ‘fortalezas vazias’ em que se transformaram seus filhos. Ou das psicoses e do autismo infantil como posições subjetivas.

A fim de um consenso mínimo entre leitores, especialistas e pesquisadores, atualmente há um esforço por situar a discussão a partir dos sistemas classificatórios. Assim, quando falamos de graves problemas de desenvolvimento, estamos nos referindo aos quadros de psicose infantil e autismo. Dentre as referências mais conhecidas, temos o DSM, Manual de Diagnóstico e Classificação Estatística das Doenças Mentais, atualmente em sua quarta edição (revisada), organizado pela Associação Psiquiátrica Americana; e o CID-10, Classificação Internacional das Doenças, proposta pela ONU. Neles, sob o nome de Distúrbios ou Transtornos, Globais ou Invasivos, do Desenvolvimento, encontramos arrolados grupos de manifestações sintomáticas que orientam o diagnóstico e estabelecem um perfil mínimo sobre quem são esses sujeitos. Tais crianças, então, são aquelas que apresentam a famosa ‘tríade diagnóstica’, ou seja, apresentam déficits no relacionamento interpessoal; na linguagem/comunicação, na capacidade simbólica; e, ainda, comportamento estereotipado (atentando-se para as diferenças individuais). Ambos os manuais apresentam-se como esforços de sistematização não-teóricos, ou seja, apenas descrevem e organizam manifestações comportamentais que afetam o desenvolvimento global das crianças desde a idade precoce.

"A justificativa mais importante para a abordagem genericamente não-teórica (...) no que diz respeito à etiologia, é a de que a inclusão destas teorias possa ser um obstáculo ao uso deste manual por parte dos clínicos com as mais variadas orientações teóricas, pois seria impossível apresentar todas as teorias etiológicas razoáveis de cada distúrbio. (...) O DSM pode ser visto como ‘descritivo’ na medida em que as definições dos distúrbios são geralmente limitadas às descrições de suas características clínicas. Suas feições características consistem em sinais e sintomas comportamentais facilmente identificáveis, tais como, desorientação, perturbação de humor ou agitação psicomotora, que requer uma quantidade mínima de interferência4 da parte do observador". (DSM-IV, 2000, p.24)

Menos conhecida, porém abertamente implicada com uma perspectiva teórica, é a CFTMA – Classificação Francesa dos Transtornos Mentais da Infância e Adolescência – na qual autismo encontra-se na categoria das psicoses infantis.

Frente à imposição de começar tal discussão com um rol de sintomas e manifestações pré-definidos – numa espécie de "jogo": quem tem mais, pode menos! –, cabem algumas palavras.5

Em nome de uma postura supostamente mais ética frente às pessoas com doenças mentais ou sofrimento psíquico, determinadas correntes teóricas, principalmente aquelas ligadas à chamada anti-psiquiatria, advogam que o ato de classificar implica uma objetivação do sujeito. Classificar, diferenciar, seria, de certa forma, negar o sujeito, reforçando sua exclusão social. Tal posição defende um encontro com o doente, paciente, aluno, pessoa, fora de toda orientação prévia. Acreditamos ser fundamental manter uma postura reflexiva em relação à "instituição diagnóstica" e seus efeitos iatrogênicos. Contudo, cabe argumentar que nossa forma de construir conhecimento dá-se pelos processos de classificação, distinção, comparação, ou seja, em apreensão/aproximação do fenômeno via ordenação de determinados elementos simbólicos. Nesse processo, podemos optar por sistemas mais fechados ou, ao contrário, mais abertos e arejados, desacreditando-os como representantes fiéis da realidade e da experiência. Como apontou Nietzsche (1983), conhecemos por meio de conceitos, sendo nosso pensar um dominar via nomeação – "algo que decorre de um arbítrio do homem e que não atinge a própria coisa" (p.67) –, esforços interpretativos, inteiramente dependentes daqueles que representam, pensam, desejam e inventam. Cabe sinalizar a importância dessa discussão para o presente estudo. A partir do modelo diagnóstico, define-se, desenha-se ou contorna-se uma imagem acerca de quem são os sujeitos com psicose e autismo infantil. Nesse sentido, o que significa diagnosticar? Quais os diagnósticos e suas diferentes concepções epistemológicas? E, sobretudo, quais as implicações desses diferentes diagnósticos para o atendimento educacional?

Na pergunta pela escolarização de sujeitos com Psicose Infantil, em estudo anterior (Vasques, 2003), a categoria diagnóstica ganhou espaço privilegiado. As implicações dessa discussão, contudo, não se resumiram às convenções pragmáticas e seus efeitos de razão classificatória. Conforme Figueiredo e Tenório (2002), "assim como um diagnóstico decorre de uma definição prévia (explícita ou implícita) sobre a função terapêutica, também influencia, ele mesmo, os alcances de um tratamento" (p.42). Da mesma maneira, as possibilidades educacionais encontram-se atreladas à compreensão do educador e da escola em relação aos sujeitos que educam e aos serviços que prestam. Ao se estar convencido de que determinado diagnóstico acarreta inevitavelmente certo tipo de personalidade, com condições (ou não) de educabilidade e aprendizagem, não se fará a aposta de encontrar no sujeito em questão a mesma estrutura básica que a de qualquer outro ser humano. Como conseqüência, outorga-lhe um modo "especial" de ser.

Dessa forma, o debate diagnóstico remete não só à compreensão e condução dos atendimentos, como também à própria construção de possibilidades junto ao sujeito, seus familiares e instâncias sociais. Ir mais-além dos fenômenos observados é apostar na educabilidade, na capacidade subjetivante da escola e do educador. Assim, não se trata da dicotomia entre abordagem clínica ou educacional, mas da construção de recursos que visam o sujeito. É a partir desse enfoque que a discussão diagnóstica ganha espaço no estudo sobre o atendimento educacional de sujeitos com problemas do desenvolvimento.

É importante, então, problematizar, por exemplo, a relação comprometimento clínico e escolaridade, contextualizando essa discussão também em termos de trajetórias e serviços. Essa posição aponta que as possibilidades educacionais são definidas não exclusivamente em função de sintomatologia/deficiências, mas em um processo construído no encontro entre os sujeitos e mediado pelas instituições. Falar da educação de sujeitos com Psicose Infantil não remete, assim, a uma única possibilidade ou à sua ausência. Pelo contrário, são tantos os "estilos" de ser e aprender quantos os sujeitos em questão.

Como forma de conduzir essa reflexão – essa aposta na pluralidade de leituras e a produção de alternativas subjetivas e educacionais que delas decorrem – optamos por compilar e analisar as produções acadêmico-científicas, teses e dissertações, produzidas ao longo da história recente dos programas de pós-graduação brasileiros. O foco inicialmente era bastante amplo e a meta era conhecer as diferentes áreas envolvidas; os aspectos ou temas discutidos por estas áreas; e, sobretudo, o lugar conferido ao atendimento educacional e à inclusão escolar.

Quais os conhecimentos produzidos sobre essas crianças e adolescentes ao longo da história recente dos programas de pós-graduação brasileiros? Quais as áreas envolvidas e a singularidade do debate instituído por elas? Qual o lugar conferido ao atendimento educacional?

Foram encontradas 146 produções acadêmicas distribuídas entre os anos de 1981 e 2006. Considerando a quantidade de teses e dissertações produzidas nos últimos 25 anos pelos programas de pós-graduação no Brasil, pode-se afirmar que a temática das Psicoses Infantis não se constitui como um tema freqüentemente estudado pelos pesquisadores brasileiros. Nota-se, no entanto, que a produção vem crescendo paulatinamente, sobretudo, a partir do ano de 1998.

Acreditamos que, sob os influxos do movimento inclusivo e das políticas nacionais e recomendações internacionais de inclusão escolar, os impasses relacionados ao atendimento desses sujeitos ganharam maior visibilidade no meio acadêmico, principalmente para as áreas da psicologia e educação.

Considerando as produções acadêmicas por região e instituições de ensino superior, obtemos a seguinte configuração: 126 estudos de mestrado, 17 teses de doutorado e três teses de livre docência. A produção analisada concentra-se nas regiões sudeste e sul, havendo uma predominância na Universidade de São Paulo (55 estudos); na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (19 estudos) e na Universidade Federal de São Carlos (12 estudos).

Quanto às disciplinas implicadas, pode-se perceber que a temática das psicoses infantis, do autismo infantil, dos transtornos globais do desenvolvimento interroga diferentes áreas do conhecimento, desrespeitando seus supostos limites disciplinares. Têm-se assim, estudos nas ciências humanas e biológicas, nas áreas da saúde, da lingüística, artes e letras, nas ciências sociais aplicadas, além de estudos nas engenharias e até nas ciências exatas e da terra. Como o material é muito amplo e complexo, a leitura dos resumos permitiu, até o momento, definir linhas bastante gerais acerca dos aspectos abordados pelos autores. A partir de uma primeira categorização das pesquisas, tendo como base temas abordados, pode-se dizer que a principal pergunta, sobretudo nas áreas da medicina e psicologia, é pelo diagnóstico e etiologia, modo pelo qual se formaliza a questão sobre quem são esses sujeitos. Das diferentes concepções diagnósticas derivam as múltiplas propostas terapêuticas e educacionais.

O atendimento educacional de sujeitos com Psicose Infantil desponta como questão em 45 estudos. Os primeiros trabalhos que focalizam tal discussão datam de 1993 e abordam: a busca de um caminho para a ação pedagógica com crianças autistas; as dificuldades do processo diagnóstico junto a profissionais da educação e saúde de instituições de reabilitação; e a escolarização de adolescentes psicóticos no ensino comum. Em 2003, encontramos o maior número de estudos e diversidade de textos: 14 trabalhos focalizam o desenvolvimento de habilidades via metodologias comportamentais; os métodos de avaliação, sustentando que o estabelecimento de programas de intervenção dependem da identificação, cada vez mais precisa, das carências educacionais e sociais dessas crianças; fala-se das novas tecnologias como recursos de comunicação e aprendizagem; da educação terapêutica, proposta que articula a educação com a psicanálise, como um recurso de atendimento. Considerando os processos educacionais inclusivos, no âmbito dos 146 trabalhos acadêmicos, temos 18 dissertações onde se descreve o ingresso em escola regular e os (des)caminhos trilhados pelos profissionais, alunos e familiares implicados nesse processo; questiona-se a educação inclusiva; defende-se a educação inclusiva; fala-se sobre a escrita e a leitura para além das funções instrumentais, mas como alternativas constitutivas para o sujeito; fala-se da impossibilidade de escolarização; da exclusão escolar e social; defende-se a escola como espaço de socialização; aborda-se a instituição educacional e sua função constitutiva; aborda-se possibilidade de ressignificar a função e o lugar da escola e do professor perante as ditas crianças graves.

Trata-se de um material interessante, capaz de oferecer subsídios importantes para a problematização e desenvolvimento de novas pesquisas. Após este processo de mapeamento, interessa-nos finalizar esse quadro mais amplo sobre as produções relativas ao campo das Psicoses Infantis. Posteriormente, faz-se fundamental centrar a discussão no atendimento educacional. Parece-nos necessário investigar não só a multiplicidade de conhecimentos organizados pelas diferentes áreas do conhecimento mas, principalmente, as diferentes racionalidades que sustentam tais estudos. Trata-se, então, de uma busca pelo esclarecimento acerca do psicopatológico; pelos fundamentos do processo diagnóstico em suas diferentes concepções epistemológicas; e de como tais questões justificam as mais diversas propostas de atendimento educacional.

Por fim, mas já antecipando, acreditamos que uma das questões a ser enfrentada é como os diferentes campos teóricos reconhecem os limites de seu saber. Talvez seja esta uma das principais temáticas a serem enfrentadas, a discussão central da pesquisa: a impossibilidade de dizer tudo.

As tais crianças com Psicose Infantil resistem, não se deixando apreender por interpelações classificatórias. Contudo, nossas formas de construir conhecimento e intervenções repetidamente negam esse movimento. Assim, é como se tudo pudesse ser dito se não fossem as dificuldades – metodológicas, contextuais etc – e não que haja na estruturação humana um impossível fundamental, algo para o qual não há palavra que explique. Fazer uma análise dos textos, remexendo no velho baú das ciências, pode transformar-se em uma ação opaca e empoeirada se não contemplar tal limite.

Frente à crescente demanda escolar apresentada por esses sujeitos, é fundamental fugir de respostas simplificadoras. A matrícula não é suficiente, em nenhuma modalidade educacional, para garantir efeitos constitutivos e, conseqüentemente, potencializadores do desenvolvimento e das aprendizagens. Pelo contrário, a inserção em certos espaços pode promover, inclusive, o rechaço da própria escolarização como um todo.

Abordar o atendimento educacional dos sujeitos com autismo e psicose infantil é deparar-se com um campo em construção. Nesse caminho, marcado por dúvidas e respostas provisórias, a escola e a educação emergem cada vez mais como espaços possíveis desde que seja superada a concepção de escola como espaço social de transmissão de conhecimentos em seu valor instrumental e adaptativo. Há, então, um enorme trabalho a ser feito no sentido de questionar as interpretações mais estreitas, alargar perspectivas e flexibilizar os processos educacionais.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

DSM-IV (2000). Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais. (D. Batista, Trad.) (4a ed.). Porto Alegre, RS: ARTMED.

FIGUEIREDO, A.C. & Tenório, F. (2002, março). O diagnóstico em psiquiatria e psicanálise. Revista Latino-americana de psicopatologia fundamental, 5(1), 29-43.

NIETZSCHE, F. W. (1983) Obras incompletas. (3a ed.). (Coleção Os Pensadores, Vol.6). São Paulo: Abril Cultural.

VASQUES, C. K. (2003). Um coelho branco sobre a neve. Estudo sobre a escolarização de sujeitos com psicose infantil. Dissertação de mestrado, Faculdade de Educação, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS.

 

 

1 No presente trabalho, o termo Psicose Infantil aponta para a perspectiva estrutural. Compreende crianças e adolescentes que vivem impasses em seu processo de subjetivação, também referendados a partir dos quadros de psicose e autismo infantil, ou das psicoses não-decididas.
2 INEP – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. Endereço eletrônico: <http://www.inep.gov.br>.
3 Diante da profusão de nomes e sobrenomes, temos: os que se perdem, utilizando qualquer nome porque tudo dará no mesmo, ou porque, por ser tão confuso, ninguém terá coragem de perguntar sobre quem estamos falando; os que fazem misturas entre as perspectivas em nome de uma postura conciliadora; aqueles que nem sequer tomam conhecimento dessa discussão; outros que se perguntam sobre ela...
4 Grifos nossos.
5 Refiro-me à lógica descritiva quantitativa utilizada em tais manuais para o estabelecimento de um diagnóstico e classificação de sua gravidade. Cada “distúrbio” é descrito a partir de certo número de comportamentos/sintomas prédefinidos e quanto maior o número e intensidade dos sintomas maior a gravidade do caso, ou seja, pior o prognóstico.