6Relato de uma experiência em psicanálise e educação... em uma clínica-escola de psicologiaImpasses na inclusão de uma criança com transtornos invasivos do desenvolvimento: sobre a posição da professora author indexsubject indexsearch form
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On-line ISBN 978-85-60944-08-8

An 6 Col. LEPSI IP/FE-USP 2006

 

A atuação do psicanalista no apoio a professores frente à inclusão

 

 

Letícia Silveira Vasconcelos

leticiavasconcelos@bemviverclin.com.br

 

 


RESUMO

Há muito se tem trabalhado nas articulações entre psicanálise e educação. A pergunta que aqui se levanta é ainda esta mesma, colocada desde uma reflexão acerca do lugar do psicanalista no trabalho de formação de professores. Esta questão é suscitada a partir do trabalho como membro da equipe do NIAP – Núcleo Interdisciplinar de Apoio ao Professor. Este núcleo foi criado pela CENAP – Coordenadoria de Ensino e Apoio Pedagógico, setor da Secretaria Municipal de Educação e Cultura da cidade de Salvador, para dar suporte aos professores e profissionais da educação em relação às questões de inclusão de alunos com necessidades educativas especiais na rede regular de ensino. No processo de identificação da queixa dos professores, a equipe é convocada a dar conta da sempre presente e urgente questão do como fazer. No entanto, a demanda enunciada por um saber técnico parece inconsistente frente à constatação de que inúmeros cursos de formação têm sido regularmente oferecidos, sem que, contudo, seja possível aos professores perceberem os reflexos destes em sua prática. O que se interpõe entre a informação e a transformação da prática pedagógica? O que nos pedem os professores quando afirmam que os cursos não tratam das suas realidades? Estas interrogações parecem apontar para a demanda por uma escuta, que dê conta de sua angústia frente ao desconhecido, ao especial e, principalmente, ao não-saber. A presente comunicação visa refletir, a partir de um olhar para o trabalho realizado pelo NIAP, sobre as questões postas acima, tentando situar o limite do possível da atuação psicanalítica dentro desta proposta.

Palavras-chave: Educação inclusiva; Formação de professores; Interdisciplina.


 

 

Nas últimas décadas, em todo o mundo, a questão da Inclusão vem ganhando espaço e força, estando hoje irremediavelmente constituída como movimento social e político. Desde o livreto intitulado Declaração de Princípios, elaborado em 1981 pela Disabled Peoples’ International, organização não-governamental criada por líderes com deficiência, até a Declaração de Guatemala, de 1999, marcos deste processo, é possível acompanhar a evolução do conceito de Inclusão e sua crescente universalização (Sassaki, 2005).

O Brasil, enquanto Estado, fez uma opção pela Educação Inclusiva, estabelecendo-a como modelo a ser implementado. Esta decisão está posta já na Constituição e desde então vem sendo elaborada, em consonância com o movimento mundial de discussão e elaboração de políticas que garantam a prática da Educação Inclusiva.

As postulações legais abrem as portas para o ingresso progressivo de alunos com necessidades educativas especiais na rede regular de ensino. Esta nova realidade traz consigo muitos desafios, que vão desde a adaptação física das unidades de ensino, com vistas a garantir a acessibilidade arquitetônica, até a necessidade de construção de novos instrumentos e métodos de avaliação.

Embora a legislação a respeito da Inclusão tenha se desenvolvido bastante, garantindo, em tese, a matrícula e permanência de todos na escola, ela está longe de garantir uma inclusão de fato. As diversas experiências implementadas por todo o país se constituem como tentativas de aproximar a prática aos parâmetros ideais expressos na lei. A produção de conhecimento a esse respeito e a promoção de espaços de trocas teóricas e práticas se constituem como elementos de aperfeiçoamento de tais experiências.

Todas as experiências são legítimas, expressam a história da educação no nosso país, suas contradições e singularidades, evidenciam que não existe um caminho pronto e que basta percorrê-lo, mas que somente a partir da compreensão das necessidades presentes e da efetivação de políticas que resultem nas mudanças exigidas pela sociedade, poderá se concretizar, em cada município, a inclusão educacional (MEC, 2006, p.09).

A inclusão dos alunos com necessidades educativas especiais na rede regular supõe que todo professor esteja preparado para adaptar sua prática às necessidades que se apresentem. Frente a esta realidade é fundamental discutir a formação do professor, de modo a elaborar ações que complementem e aprofundem seu saber e prática de promoção de uma educação inclusiva. Como parte do programa de apoio elaborado em resposta a esta demanda, a CENAP – Coordenadoria de Ensino e Apoio Pedagógico, setor da Secretaria Municipal de Educação e Cultura da cidade de Salvador, criou o NIAP – Núcleo Interdisciplinar de Apoio ao Professor.

 

O NIAP

Este núcleo foi concebido a partir do reconhecimento do papel primordial do professor neste processo, porém compreendendo o caráter essencial de uma atuação interdisciplinar, posto a complexidade e diversidade de fatores envolvidos. A equipe, formada por profissionais das áreas de assistência social, fonoaudiologia, psicologia, psicomotricidade, psicopedagogia e terapia ocupacional, não se apresenta como "tábua de salvação", mas como parceira de interlocução. Em última instância, isso significa que, por mais que se discuta e transforme a formação dos professores, e por mais que se criem equipes de especialistas pra dar suporte aos profissionais da educação, restará sempre uma parcela de saber a ser construída na prática e na relação com outros profissionais; e restará sempre uma parcela de não-saber, ponto gerador de angústia com a qual será preciso lidar.

Como invenção, a interdisciplina nunca é o que já se sabe, mas também não é o que não é sabido. Este paradoxo desfaz a pretensa correspondência precisa entre a criança e a patologia, o professor especial e o especial da criança, os terapeutas especialistas e o especializado da criança, recuperando o elemento infantil de cada infância. (Levin, 2005, p.255)

Por conta disto, fez parte da concepção do NIAP o pressuposto de que suas ações fossem elaboradas a partir da realidade, necessidades e potencialidades da rede, sem uma definição prévia dos temas e metodologia empregada. Desta forma, este trabalho não poderia iniciar-se senão por uma escuta dos professores, uma investigação a cerca de suas queixas e demandas.

O grande número de escolas e profissionais que fizeram parte desta investigação colocou a equipe em contato com situações bastante variadas. Ainda assim é possível identificar uma queixa principal, que diz respeito a um sentimento de não capacidade em lidar com a inclusão. Os professores, de modo geral, não se sentem preparados para tal. Desta forma, a equipe era convocada por eles a dar conta da sempre presente e urgente questão do como fazer.

No entanto, a demanda enunciada por um saber técnico se confronta com a constatação de que inúmeros cursos de formação têm sido regularmente oferecidos, sem, contudo, que seja possível aos professores perceber os reflexos destes em sua prática. Donde se faz imperiosa uma avaliação profunda das ações propostas, de modo que possam melhor responder aos anseios dos professores.

Ainda assim, há um outro aspecto que, embora não descarte a condição deficitária da formação dos professores para lidar com a inclusão, precisa ser considerado. Trata-se da hipótese de que a queixa recorrente dos professores com relação a sua falta de preparo para lidar com alunos com necessidades educativas especiais, embora expresse seu sentimento de incapacidade, seja colocada, em certa medida, apenas como queixa possível, diante da impossibilidade de postulação de uma demanda por uma escuta à angústia gerada em face ao desconhecido. Como afirma Bacha, "o pedido insistente de receita1 indica o destinatário da mensagem no inconsciente e é também um pedido de ajuda, expressando a idéia de que há algo de inquietante na formação do outro" (Bacha, 2002, p.14).

Esta hipótese ao menos nos serve para começar a responder à questão central desta comunicação, ou seja, sobre as contribuições que um psicanalista tem a oferecer como membro desta equipe de trabalho. Já de início se antevê tratar-se de um lugar bem pouco confortável, uma vez que precisa abdicar da tentação de responder a demanda por uma receita e propor seu desdobramento, buscando desvelar as questões às quais ela representa.

Aí onde o saber é pedido, direcionamos o olhar para o não-saber. Ou seja, me parece que parte importante do trabalho constitui-se justamente na tentativa de delimitar, em alguma medida, as parcelas de saber e de não-saber, ou, de conhecimento consciente e de determinações inconscienteS que incidem no processo de inclusão educacional. Pois é dialogando com esse não-saber que se pode trabalhar no sentido de bordejá-lo, transformando esse vazio em buraco, de modo a poder passar da angústia para a dimensão da falta.

 

Primeiras Elaborações

A presente comunicação acontece no momento em que se encera a fase de investigação inicial e se inicia o processo de planejamento das ações a serem propostas. Resta-nos por hora apenas a possibilidade de expor algumas elaborações que têm orientado este planejamento, às quais serão postas à prova no decorrer do trabalho com os professores.

Parece-nos que um dos primeiros temas a serem tratados deva ser a questão do diagnóstico. Embora reafirmemos sua importância, é essencial compreender o significado dele para os professores. Podemos pensar na necessidade de classificação como uma necessidade de delimitar o que há de especial em cada um desses alunos. O especial, quando o nomeamos, inserimo-lo em um grupo que nos é cognoscível, reduzindo a parcela de desconhecido que este aluno-sujeito nos apresenta.

No entanto, isso se torna um problema quando o diagnóstico fica aderido a um método específico de trabalho. Esta idéia fica expressa numa fala comum entre os professores: "Não é possível trabalhar com esse aluno, porque ele não tem diagnóstico." Aqui, o risco que se corre é de que a criança passe a ser identificada com sua patologia e o olhar se desloque da sua subjetividade para buscar respostas nos manuais especializados – assim, não se perguntará mais sobre qual a necessidade educativa especial deste aluno, mas sim sobre qual a necessidade especial dessa síndrome ou transtorno, a subjetividade perdendo-se no saber teórico.

É preciso que se transforme esse efeito de uniformização que tem o diagnóstico, de modo que o professor possa olhar também para o aluno portador de necessidades educativas especiais como um sujeito cuja aprendizagem se constrói na relação, cada uma delas se estabelecendo de forma única, portanto, não redutível a receitas.

Paradoxalmente, me parece, com isso, que fica posta em questão a própria educação inclusiva. Não seria suficiente falarmos em uma educação que leve em conta o que cada aluno tenha de singular, seus interesses e modo de aprender? Esta proposta já não traz consigo a essência da inclusão, sem que essa precise ser considerada uma educação outra? Afinal, quando pensamos no conceito de diversidade, não é provável que cada um dos alunos, por razões distintas, precise ser incluído nas suas diferenças?

Assim, me pergunto se o incômodo causado pela obrigatoriedade da inclusão não se sustente muito mais pelo que esta tem de semelhante, e não de especial. Explico-me: é possível que a inclusão de alunos com necessidades educativas especiais perturbe justamente porque escancara nossas dificuldades, nosso não-saber. O especial do outro rompe as amarras da massificação, nos obrigando a questionar a nossa prática e afetando um equilíbrio fragilmente mantido na educação de crianças "normais".

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

BACHA, Márcia Neder. A Arte de Formar: o feminino, o infantil e o epistemológico. Petrópolis, RJ: Vozes, 2002.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Promulgada em 05 de outubro de 1988. 18ª. ed. São Paulo, SP: Saraiva, 1988.

_______. Lei de diretrizes e bases da educação nacional. Lei no. 9394/96

LEVIN, Esteban. Clínica e educação com as crianças do outro espelho. Petrópolis, RJ: Vozes, 2005.

ROTH, Berenice Weissheimer (org). Experiências educacionais inclusivas – Programa educação inclusiva: direito à diversidade. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Especial, 2006.

SASSAKI, Romeu Kazumi. Inclusão: o paradigma do século 21.Inclusão: Revista da Educação Especial, Brasília: Secretaria de Educação Especial, ano 1, no. 01, p.19-23. out. 2005.

 

 

1 Grifo da autora.