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On-line ISBN 978-85-60944-08-8

An 6 Col. LEPSI IP/FE-USP 2006

 

A relação com o saber para a psicanálise

 

 

Margareth Diniz

dinizmargareth@yahoo.com.br

 

 


RESUMO

O presente texto pretende tratar da concepção de saber considerando sua dimensão inconsciente. Este saber, que Freud inaugura, não é considerado como conhecimento no sentido tradicional da articulação entre alguém que sabe e a coisa sabida, mas um saber que toma forma de inscrição no discurso do sujeito. Essa dimensão articula o sujeito a um desejo de saber movido pelos enigmas que se lhe apresentam. Presente nos atos e nas escolhas que o sujeito faz, nem sempre, porém, esse saber pode ser nomeado.

Palavras-chave: Saber; Sujeito do inconsciente; destinos do saber.


 

 

Para a Psicanálise o saber é da ordem de uma elaboração pessoal, de algo a ser estabelecido e tecido pelo sujeito. Este saber que trabalha o sujeito e no sujeito, às vezes, à sua revelia, interfere nas suas posições diante das diversas situações da vida, interferindo também no trabalho. Este saber – inconsciente – designa o conjunto de determinações que regem a vida de um sujeito. Porém, ele é um saber que lhe escapa, no sentido de que ele o ignora. Ignorância ativa, cheia de ambigüidades, ela incide sobre tudo que constitui o tecido, o próprio ser do sujeito: o que ele esqueceu de sua história, dos acontecimentos por ele vividos, dos pensamentos e dos sentimentos que o constituíram e que ainda o constituem. Deste saber o sujeito nada sabe, a não ser que lhe deve as posições que ocupa no mundo.

A relação de um sujeito com o saber, além de incorporar os aspectos objetivos (conhecimento) presentes nos processos educativos e sócio-culturais, supõe, também, aspectos subjetivos marcados pela incidência do inconsciente.

Desde 1905, em Três Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade, Freud associou o saber ao conflito edípico. A curiosidade sexual, que vinha sustentando a atividade intelectual na criança, sofre a ação do recalque e é sublimada, transformando-se em desejo de saber. O desejo de saber mantém um vínculo com a pulsão escópica que, desde o início, sustenta a curiosidade e as pesquisas sexuais da criança, confrontando-a com a diferença entre os sexos e com as cenas que adquirem uma significação sexual.

Freud constata que não existe na criança uma necessidade inata de causalidade que a levaria espontaneamente ao saber. O impulso ao saber é produto da urgência da vida. Para a psicanálise a constituição do sujeito, envolve o atravessamento de dois tempos distintos: o primeiro, do narcisismo, em que o bebê se faz objeto ilusório de completude para o Outro materno, e o segundo, do complexo de édipo, em que se opera uma separação sujeito/Outro, abrindo possibilidades para o surgimento do desejo.

Para que o bebê atravesse o primeiro momento, superando a ilusão de completude para o Outro materno, é preciso que essa confiança no Outro, bem como o saber absoluto que ele supõe nesse Outro seja abalada, iniciando-se assim o processo de separação. Quando se descobre que esse Outro não é completo, descobre-se também que algo falta ao próprio sujeito. É a partir da experiência de confronto com a falta no Outro, que o sujeito se vê confrontado à própria falta, levando-o a interpelar, a questionar, a buscar o saber, a constituir o próprio saber. É portanto, a marca da falta do Outro, nomeada como castração, que impulsiona o sujeito em direção ao saber.

A castração do Outro seria a causa da divisão do sujeito, que o levaria em busca de um saber sobre sua existência e seu lugar no mundo. A criança é levada a empreender um trabalho de investigação, de pesquisa, quando se vê confrontada à "questão-enigma" da origem dos bebês, à questão da sexualidade, da procriação, da diferença entre os sexos, ou da descoberta de que não é tudo para o Outro. Nesse momento, experimenta-se como um sujeito dividido.

A partir dessa questão enigma sobre a origem dos bebês, para as quais as crianças elaboram perguntas do tipo: "De onde vêm os bebês?", "Quem desejou esse bebê que vai ocupar o meu lugar?", "O que quer minha mãe"?, "Eu não a completava"?, "O que me falta, que eu não consigo satisfazê-la?",, elas próprias respondem à maneira genial de um teórico, criando um grande número de mitos e lendas, inventando explicações, as quais se constituem em uma de suas atividades sexuais.

As teorias sexuais infantis tendem a ser abandonadas: algumas serão esquecidas, outras recalcadas e fixadas no inconsciente, constituindo assim o saber inconsciente, particular do sujeito e que determinará as modalidades permitidas ou proibidas de sua vida erótica. Dessa forma, constata-se que sexualidade e saber estão originalmente intimamente ligados para o sujeito.

Em 1910, em seu estudo sobre Leonardo da Vinci, Freud indica uma outra razão para o recalque: um laço libidinal demasiadamente intenso com a mãe pode fixar no inconsciente uma teoria sexual infantil. É o que Freud lê, entre outras coisas, na lembrança de infância que Leonardo da Vinci conta em seus escritos. Ela dá testemunho da crença inconsciente na existência do pênis materno. O recalcamento da sexualidade infantil assinala a entrada no período de latência. O que acontece então com o impulso ao saber?

Nesse mesmo estudo, Freud lhe aponta três destinos:

No primeiro, a investigação compartilha o destino da sexualidade. O desejo de saber permanecerá desde então inibido e a livre atividade da inteligência limitada. Esse é o caso da inibição neurótica.

No segundo, a atividade intelectual escapa ao recalcamento, mas permanece ligada àquela busca inicial de sua investigação sobre a origem dos bebês. A partir de então, qualquer que seja o objeto de pesquisa intelectual ela estará condenada a repetir o insucesso dessa primeira experiência. Ela se perderá em ruminações sem fim, acompanhadas pelo sentimento de que a solução buscada está cada vez mais longe.

O terceiro caso, o mais raro, escapa à inibição do pensamento, bem como, à compulsão de pensar; é certo que o recalcamento sexual intervém, mas ele não consegue mandar para o inconsciente uma pulsão parcial do desejo sexual. É o caso, em Leonardo da Vinci, da pulsão escópica, que foi especialmente ativa na investigação sexual infantil. Nesse exemplo, a libido furta-se ao destino do recalque, sublimando-se, desde o início, em desejo de saber. A sublimação permite, então, que a pesquisa intelectual não repita o fracasso das investigações sexuais infantis, já que ela desvia a pesquisa de seu fim sexual.

Portanto, inibição, compulsão e sublimação são para Freud, os três destinos da relação de um sujeito com o saber. É a verdade que se coloca no destino do sujeito em sua relação com o saber que a psicanálise vai buscar decifrar através de sonhos, chistes, atos falhos, sintomas, e que, mesmo decifrando-as, só o fará parcialmente, posto que essa verdade fala sobre sua relação impossível com o sexo. E é precisamente essa verdade que será rejeitada pelo discurso da ciência. Ao contrário, é do impossível da relação sexual que a psicanálise deve falar e extrair conseqüências.

Contudo, o desejo de saber se associa, também, à pulsão de dominação, que é descrita por Freud como uma pulsão não-sexual, dirigida para o exterior e que constitui o único elemento presente na crueldade originária da criança1. Freud chega a considerar que essa pulsão de dominação existiria em todo ser humano e se modificaria, posteriormente, em sadismo e agressividade.

Para Lacan (1985) é no momento da entrada da criança na linguagem, em que a criança é confrontada com a questão crucial sobre sua origem, que surge também uma insaciável sede de saber. Essa sede de saber é ressaltada pelo adulto, quando este produz uma resposta de tipo científico à pergunta sobre a origem, na qual ele próprio não está implicado. Se ao contrário, ele tenta se implicar, surge seu próprio embaraço diante da impossibilidade dele dar conta de seu ser sexuado, produzindo uma resposta que se exprime, por exemplo, pelo mito da cegonha. Produz-se aí uma falta em lugar de uma resposta que ofereceria ao sujeito o acesso ao saber sobre sua origem, o que nos leva a pensar na impossibilidade de se produzir um saber total, que dê conta de tudo. As repostas para as nossas perguntas serão sempre parciais, pois haverá sempre um ponto onde não encontraremos respostas. Para a criança, que ainda não dispõe de recurso quando se vê confrontada como sujeito ao enigma, ainda resta a ilusão de que pela via do saber seria possível preencher essa falta.

É a falta que impulsiona o sujeito a buscar no social e no cultural, respostas para o que não tem como respondido. O que nós fazemos, então desde a infância é tentar construir um saber que tampone esse furo que é estrutural. Mas a psicanálise afirma que não é possível preencher a falta com o saber, pois sempre haverá um resto impossível de ser acessado. Esse resto nos moverá numa busca constante.

Posto que o saber tem uma relação com o desejo, com o não todo, com a falta, podemos dizer também de sua disjunção com a verdade. Para Lacan (1988), a verdade é sempre uma ficção. Ela se instala a partir do que dizemos. Dessa forma é sempre parcial, assim como o saber.

A relação de um sujeito com o saber, portanto, além de incorporar os aspectos objetivos supõe também, aspectos subjetivos marcados pela incidência do inconsciente. Entender a dimensão subjetiva do sujeito em sua relação com o saber pode trazer contribuições também para a compreensão da relação do sujeito com o trabalho, principalmente quando consideramos as inúmeras angústias e ansiedades que percebemos nas estratégias de atuação de diversos profissionais.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

FREUD, S. (1905) Três Ensaios Sobre a Teoria da Sexualidade. Rio de Janeiro, Imago. Ed. Standart Brasileira, Obras Completas, vol. VII.

FREUD, S. Leonardo da Vinci e uma lembrança da sua infância. (1910). Rio de Janeiro, Imago. Ed. Standart Brasileira, Obras Completas, vol. XI.

FREUD, S. Além do princípio do prazer. Rio de Janeiro, Imago. Ed. Standart Brasileira, Obras Completas,vol. XXIII.

LACAN, J. Posición del inconsciente. In: Escritos. México, Siglo Ventiuno, 1988.

LACAN, J. Seminário 2. O eu na teoria de Freud e na técnica da psicanálise. Rio de Janeiro, Zahar, 1985.

 

 

1 Na descrição do autor, a pulsão de dominação poderia se fundir, secundariamente, com a sexualidade. Em Além do princípio do prazer e com a introdução da pulsão de morte, Freud descreve a gênese do sadismo como uma derivação para o objeto da pulsão de morte, que originalmente, visa a destruir o próprio objeto.