6Memória educativa: um elo entre o passado e o presente do ser professorO que a psicanálise nos ensina, como transmiti-lo aos educadores? author indexsubject indexsearch form
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On-line ISBN 978-85-60944-08-8

An 6 Col. LEPSI IP/FE-USP 2006

 

Estilos de Incluir: refletindo sobre os onze anos de trabalho do Grupo Ponte

 

 

Fernando Anthero Galvão ColliI; Valéria AmâncioII

Ifernandocolli@terra.com.br
IIvalerieduca@uol.com.br

 

 


RESUMO

Essa apresentação pretende abordar a implantação do trabalho de acompanhamento escolar das crianças atendidas pelo Lugar de Vida e o desenvolvimento do Grupo Ponte ao longo de onze anos de trabalho. O referencial teórico dessa comunicação é a psicanálise lacaniana.

Palavras-chave: Psicanálise-Educação; Inclusão escola; Crianças com transtornos globais do desenvolvimento.


 

 

De onde viemos

O grupo Ponte da Pré-escola Terapêutica Lugar de Vida do Instituto de Psicologia da USP registra onze anos de um trabalho em busca de diferentes formas de pensar, de propor e de acompanhar a inclusão escolar das crianças com transtornos globais do desenvolvimento.

Essa comunicação pretende repassar esse período – da implantação quase pioneira às últimas reflexões desse grupo –, passando pelos aspectos principais que constituem nossa prática, dentro e fora da instituição terapêutica e, da mesma forma, dentro e fora da instituição escolar. A idéia é a de evidenciar as transformações pelas quais a educação inclusiva e essa nossa forma de pensar o acompanhamento da inclusão escolar beneficiam-se do atravessamento pela psicanálise lacaniana.

Vale acrescentar que um dos sentidos de pioneirismo vem quando nos referimos a dois aspectos do nosso trabalho. O primeiro, sem dúvida, refere-se ao propósito do Lugar de Vida, "um trabalho prévio, anterior à escola, que busca colocar nossas crianças em condições mínimas de freqüentar uma escola. De nada adianta tentar impô-las a uma professora, estando ainda instáveis, agressivas". (Kupfer, 1996, p. 13). Precursora pela própria idéia de oferecer tratamento a essas crianças e também pela aposta na sua educação como ferramenta terapêutica.

Como já afirmamos anteriormente: "O diferente abala o conservadorismo dos conceitos e das práticas tradicionais e com isso retardamos a compreensão e aceitação de novidades, como as que propomos no Lugar de Vida e em outras instituições comprometidas com uma educação para todos e com direito de que essas crianças sejam respeitadas e valorizadas independentemente de suas particularidades." (Amâncio e Colli, 2000. p.80)

Podemos dizer que pegamos carona com a educação no Brasil, no justo momento em que esta fazia uma revisão e promulgava a lei de diretrizes e bases da educação nacional (LDB/1996), levantando a bandeira do direito de todas as crianças à escola. Carona, no sentido de que junto da lei, buscávamos esburacar a palavra de ordem da administração escolar – homogeneidade. E como nossas crianças fazem questões a isso! Em suas formas singulares de ser e aprender, rompem com a ilusória pretensão da sala de aula homogênea.

Podemos também dizer que nos constituímos em função de nossa própria demanda institucional. Nascida para ser uma instituição de tratamento para crianças psicóticas e autistas, Lugar de Vida não pensava em acolher o pedido das mães "de que seus filhos fossem mesmo para uma escolinha". Quando em 1990 mudou-se para o IPUSP, passou a oferecer às crianças em tratamento algumas atividades em ateliê, inspiradas nos moldes da Ecole Experimentale de Bonneiul-sur-Marme, fundada por Maud Mannoni na França. A partir daí, o que se pôde observar foi a existência das chamadas "ilhas de inteligência" em crianças nas quais o funcionamento intelectual parecia bastante prejudicado pela irrupção da crise psicótica.

O passo seguinte foi o de valorizar as atividades escolares no âmbito da nossa instituição, mas ainda sem perceber a importância do encaminhamento para a escola regular (ou em alguns casos, o reencaminhamento, já que alguns desses pacientes nos chegavam justamente a partir de experiências mal sucedidas na escola).

Como uma instituição atravessada pela psicanálise lacaniana, uma de nossas constantes tarefas é a de buscar diferentes sentidos para o que nos é colocado. E assim foi com o que havia sido dito pelas mães e passava a ser mostrado pelas crianças – um pedido para que fosse feita a travessia para a escola.

A escola e as aprendizagens nela contidas surgiram, então, como mais uma ferramenta no tratamento para essas crianças. As possibilidades de que elas aumentassem a circulação social, o repertório cognitivo e a posição na linguagem resultavam da ida à escola.

E justamente para possibilitar essas travessias da instituição terapêutica para a instituição escolar que o Grupo Ponte foi criado, assumindo a inclusão escolar no caso a caso, na ordem do um a um.

 

Quem somos? E o que fazemos?

O Grupo Ponte é formado por psicólogos escolares, psicanalistas, pedagogos, pediatra e estagiários dos nossos cursos de formação.

Nosso pertencimento é à Pré-escola Terapêutica Lugar de Vida da USP e, nela, ocupamos o lugar da borda, para podermos ver como a instituição trata seus pacientes para que possam usufruir do laço social. E quando vamos à escola também esse lugar mantemos, agora para poder ver como essa acolhe seu aluno. Sabemos que o encontro dessa criança com o professor gera angústia, em ambos, o que pode, às vezes, paralisá-los. Nosso trabalho é ajudar que esse encontro seja construtivo e mobilizador.

Quando um paciente do Lugar de Vida recebe da equipe terapêutica, a indicação de escolarização, passa a ser também acompanhado por um membro do Grupo Ponte, cuja função inicial é a de assessorar os pais na busca e escolha de uma escola. Feita a escolha pela família, esse profissional vai se apresentar à escola, oferecendo-lhe, ou simplesmente buscando nela uma parceria de trabalho na inclusão dessa criança.

Respeitada a iniciativa e a autonomia da escola, o acompanhante vai estabelecendo um esquema de visitas, ao mesmo tempo em que convida os profissionais de lá a participarem de reuniões mensais, juntamente com membros de outras escolas que incluem outras de nossas crianças.

O papel do Grupo então é o de incentivar o educador a falar sobre as vicissitudes da tarefa de incluir esse aluno e, com a parceria de outros participantes, conseguir atribuir sentidos e saídas possíveis para esses impasses.

O profissional do Ponte participa, ainda ,semanalmente de reuniões com a equipe terapêutica que cuida dessa criança, pensando os avanços e as questões que envolvem o caso.

Quando participa de reuniões semelhantes dentro do contexto escolar, o faz de modo a contribuir para que os educadores busquem suas próprias respostas a respeito do processo inclusivo.

Todas as terças-feiras o Grupo Ponte se reúne no Lugar de Vida para discutir seu próprio trabalho, suas diversas inclusões, sempre na ordem do um a um; construindo e desconstruindo seus saberes.

Ao longo desse percurso, pudemos constatar que de fato, a psicanálise pode transmitir ao educador, uma ética, um modo de ver e de entender sua prática educativa (Kupfer, 1989, p. 97). Isso pôde ser observado cada vez que um de nossos pacientes foi tomado pelo educador, não mais como tal (alguém marcado pela loucura), mas como um sujeito capaz de aprender, num outro estilo, sim, diferente da maioria de seus alunos, mas ainda assim, capaz de desfrutar dos dispositivos reguladores de uma sala de aula da escola.

Se o educador opera a serviço de um sujeito, como o faz um analista, abre mão de técnicas de condicionamento e adaptação e passa a questionar a preocupação única e demasiada com uma metodologia de ensino que fica restrita a conteúdos fechados e totalizantes. No lugar disso oferece ao sujeito-aluno e, não ao aluno-objeto, os instrumentos do mundo da cultura e ele poderá escolher o que lhe diz respeito. Pronto, aí está o atravessamento da psicanálise na escola.

 

Qual o nosso estilo?

A Pré-escola Terapêutica Lugar de Vida tem um estilo próprio de fazer clínica, um outro estilo para abordar não mais a doença mental, mas as atribulações enfrentadas por um sujeito em sua constituição. O Ponte não poderia ser diferente.

Nesses anos todos, fomos evidenciando que todos os envolvidos no processo inclusivo se beneficiam. A criança, sua família, a escola em toda sua extensão comunitária e a própria instituição terapêutica.

Não se pode dizer que, ao longo desse tempo, exista um novo Ponte. O que existe sim, como contribui a teoria psicanalítica lacaniana, é uma ressignificação constante de tudo que está aparentemente proposto. Assim como o olhar para o sujeito numa ordem do um por um, cada situação na inclusão de nossas crianças também é singular e montada considerando isto. Que existam então, diferentes estilos de pensar a inclusão e que seja essa a condição para que ela ocorra, ser atravessada pela psicanálise.

Assim, fomos revendo nossas próprias colocações. A princípio, nos colocávamos como parceiros da escola, no caso da inclusão dessas crianças. Muito rapidamente, revíamos tal colocação. Não era possível sustentar tal pretensão, nem sempre poderíamos oferecer parceria, muitas vezes, essa era oferecida pela escola, numa condição bem maior do que a da nossa vã psicanálise. Nem sempre a entrada dessa criança na escola regular despertava angústia nos educadores, o que se podia constatar era que podia também mobilizá-los a construir respostas para lidar com ela, tal como na clínica (Amâncio e Colli, 2000; Amâncio e Assali, 2005). O estilo de incluir aqui implicava em saber escutar, saber aprender a esperar; em saber não saber, justo para poder construir.

Em outro momento fomos também constatando que a proposição da LDB não podia garantir nem entrada nem permanência de nossas crianças na dita escola regular. A resistência surgia na figura do professor. O estilo de incluir aqui teve a ver com uma possibilidade para abrir um espaço, para ajudar o professor a perceber-se como sujeito, a fim de que então pudesse ver seu aluno em sua subjetividade. Outro estilo de incluir era o de ajudar esse professor a tecer um saber, a pensar sobre os impasses desse trabalho, rompendo com o que estava aparentemente posto, de tal modo que ele pudesse tecer novas idéias, de que ousasse experimentar. Incluir significava aqui, "incluir" também, o professor nesse processo.

Em outro tempo a resistência esteve colocada na escola, parecia que a criança incluída era só do professor e foi preciso então um outro estilo para incluir toda a instituição escolar na "própria inclusão". Ou, a resistência disfarçava-se em saber antecipada e perigosamente como incluir quem nem havia chegado, ainda, à escola. Daí que o estilo de incluir pedia por uma série de desconstruções, até que a escola pudesse começar a fazê-lo a partir da singularidade da criança em questão.

Em outra experiência, o estilo de incluir chamava a atenção para que a criança não fosse tomada pela escola numa condição assistencialista, ou ainda que tomasse o lugar outrora ocupado por suas mães, numa quase condição de rivalização.

Falamos também do estilo de incluir que cuidava para que a criança não ficasse agora, "disfarçadamente" incluída, numa situação do que poderíamos nomear como uma exclusão branca.

Falamos ainda do estilo de incluir a parceria com a família de nossa criança, porque são os pais a sustentar o trabalho escolar e o tratamento.

Enfim, talvez, o mais importante dos estilos assumidos, por um Grupo que toma o cuidado de rever constantemente suas ações, seja o que inclui a idéia de processo em permanente construção, do que fala de um devir do caso, em aberto, de uma inclusão não toda.

 

Para onde iremos?

Iremos para onde aponta um questionamento permanente, para um espaço do não saber, para o tempo do criar.

Não atendemos a nossa própria demanda de um dia não pensar sobre a escolarização de nossos pacientes – pensamos. Não atendemos à demanda de aprisionar nossos pacientes – atravessamos para a escola. Não atendemos à demanda escolar por métodos para melhor ensinar esses nossos alunos – não podemos falar do que não sabemos.

Atendemos então a quê? Atendemos ao pedido de construção de diferentes estilos para, no caso a caso, possibilitar o percurso de nossas crianças rumo à conquista da igualdade escolar, sem que isso apague as marcas que as tornam diferentes das outras.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

AMÂNCIO; COLLI (2000). Continuando a travessia pelo ponte. in Estilos da Clínica: Revista sobre a infância com problemas, 9, p. 80.USP.

AMÂNCIO; ASSALI (2005). O Saber e o não Saber – do crer ao criar. in Travessias, a experiência do grupo ponte.

KUPFER, M. (1996). Pré-escola Terapêutica Lugar de Vida – Um dispositivo para o tratamento de crianças. In Estilos da Clínica: Revista sobre a infância com problemas, 1, p. 13. USP

___________ (1989) Freud e a educação: o mestre do impossível. São Paulo: Scipione, p. 97.

MANNONI, M. (1977). Educação impossível. Rio de Janeiro. Zahar.