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ISBN 978-85-60944-12-5 versión
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An 7 Col. LEPSI IP/FE-USP 2009
7/11 - COLÓQUIO - MESAS REDONDAS
PREVENÇÃO: O HÁ DE VIR DO SUJEITO
Prevenção: saúde mental e psicanálise
Léia Priszkulnik
Professora Doutora do Departamento de Psicologia Clínica do Instituto de Psicologia da USP. Docente, pesquisadora e orientadora da Graduação e da Pós-Graduação. Psicanalista
RESUMO
Este trabalho aborda o tema prevenção no campo psicanalítico. A articulação entre os campos da saúde e da saúde mental e o campo da psicanálise implica certa tensão e exige algumas reflexões importantes. A definição de saúde formulada pela Organização Mundial de Saúde é uma proposta que não é a da psicanálise. Procura, então, marcar a diferença entre a medicina - incluída a chamada psiquiatria biológica e a psicanálise. Sublinha que existe uma noção clássica de prevenção, mas, que na psiquiatria, vários autores reconhecem a dificuldade de se detectar antecipadamente a patologia mental e a prevenção em saúde mental opta por medidas pedagógicas de efeitos profiláticos e que a psicanálise se opõe ao objetivo da saúde mental de reintegrar o individuo à comunidade social. Para pensar, então, a prevenção no campo psicanalítico e se a psicanálise dispõe de subsídios teóricos para um trabalho preventivo, levanta três aspectos para um possível questionamento e uma possível resposta. No Brasil, segundo o Ministério da Saúde, um dos maiores desafios para a área de Saúde Mental é a construção de uma rede voltada para a população de crianças e adolescentes, considerando suas peculiaridades e necessidades e que siga os princípios estabelecidos pelo SUS. Diante deste desafio, é possível o trabalho do psicanalista nas instituições, mas aí aparece a importância da formação do psicanalista para poder trabalhar em equipes multiprofissionais, sem perder de vista a especificidade da psicanálise e a sua ética que está desarticulada dos ideais e do bem-estar.
Palavras chave: prevenção, psicanálise, saúde mental.
Desde o início da humanidade, o ser humano preocupa-se muito em vencer as doenças e em enfrentar a morte. Desde o início, procura adotar práticas e medidas preventivas. O conceito de prevenção é múltiplo e pode abranger aspectos sociais, culturais, históricos, médicos e epidemiológicos.
Para abordar o tema prevenção no campo psicanalítico, é necessário primeiro pensar em saúde, saúde mental e psicanálise.
A articulação entre os campos da saúde e da saúde mental e o campo da psicanálise implica certa tensão e exige algumas reflexões importantes. Se pensarmos na definição de saúde formulada pela Organização Mundial de Saúde (OMS), como a situação de perfeito bem-estar físico, mental e social, já teremos uma proposta que não é a da psicanálise. É possível caracterizar a perfeição? É possível o ser humano existir sem nenhum sentimento de mal-estar? Tentar definir a perfeição é usar de critérios externos e elevar a perfeição a uma categoria que existe por si mesma, sem levar em conta o sujeito que, com seus valores e suas crenças, dá sentido, a partir da linguagem, às suas experiências íntimas. Acreditar que é possível existir e viver sem nenhum sentimento de mal-estar é esquecer que Freud procurou justamente mostrar que a felicidade de um sujeito dentro da civilização é algo impossível de ser atingido.
O problema não se restringe a questionar o campo da saúde e da saúde mental, mas de indicar como o psicanalista deve se situar ao trabalhar nas instituições de saúde e de saúde mental.
O trabalho do psicanalista nas instituições de saúde e nas instituições de saúde mental vai na direção de abrir espaço para o sujeito da palavra, ou seja, introduzir o particular do sujeito no universal dessas instituições, dominadas pelo saber médico.
A medicina - incluída a chamada psiquiatria biológica - tem delimitado o domínio de sua experiência e a estrutura de sua racionalidade. A clínica médica, com seu discurso de estrutura científica, tem os mesmos pressupostos exigidos pelo conhecimento científico, ou seja, busca a objetividade (estruturas universais e necessárias), a quantificação (medidas, padrões), a homogeneidade (leis gerais), a generalização, a regularidade, a constância, freqüência, a normalidade dos fatos investigados. O discurso médico é um discurso científico sobre a doença, compreendida como uma entidade nosológica que acomete o paciente. A metodologia quantitativa que valida o conhecimento médico não permite considerar o campo da subjetividade e a experiência subjetiva, enquanto experiência singular, não permite a quantificação. Na clínica médica, as noções de sujeito, de sintoma, de corpo, de diagnóstico, de tratamento, são noções construídas a partir da racionalidade médica.
Mas, as necessidades humanas não são puramente biológicas. A doença, mesmo que ela possa ser considerada universal, se manifesta de forma singular em cada paciente.
A psicanálise, com suas proposições, produz um modelo de clínica bem peculiar, onde as noções de sujeito, de sintoma, de corpo, de diagnóstico e de tratamento são abordados dentro de referenciais psicanalíticos. A noção de sujeito, noção fundamental, esclarece as relações entre o campo médico e o campo psicanalítico. O sujeito da ciência é um sujeito sem qualidades, condição imprescindível para a quantificação, por exemplo. O sujeito da psicanálise é o sujeito do inconsciente. Elia (2000, p.26) esclarece bem, "não é um sujeito empírico, dotado de atributos psicológicos, sociais, políticos, ideológicos ou afetivos", ou seja, é sem atributos. "O sujeito do inconsciente não é, em si mesmo, pobre ou rico, branco ou negro, tampouco e aí se situa talvez o ponto mais escandaloso da descoberta freudiana - homem ou mulher". O autor enfatiza que "é em relação com a alteridade, em que para ele consistem a linguagem, a família, a sociedade, enfim todos os elementos do que Lacan denominou o Outro, que o sujeito vai sexuar-se, definir-se homem ou mulher, e definir também seus demais atributos".
A inserção do psicanalista nessas instituições deve sustentar sua diferença em relação aos outros profissionais, principalmente os profissionais que adotam o modelo da clínica médica, clínica positiva, para seu trabalho clínico (além de médicos, psicólogos, fonoaudiólogos, fisioterapeutas, enfermeiros, nutricionistas, etc.).
Como, então, se situar em relação ao conceito de prevenção? Prevenir é dispor com antecipação, preparar, chegar antes de, adiantar-se ou antecipar-se, dispor de maneira que evite (dano, mal), dizer ou fazer antes que outrem diga ou faça, realizar antecipadamente, ir ao encontro de (Ferreira, 1980). Já a prevenção em saúde exige uma ação antecipada baseada no conhecimento da história natural a fim de tornar improvável o progresso posterior da doença e as ações preventivas são definidas como intervenções orientadas para evitar o surgimento de doenças, reduzindo sua incidência e prevalência.
Para Barreto (2005, p.2-3), "há uma noção clássica de prevenção que se ancora [...] na também clássica equação da historia natural da doença (ou do processo saúde-doença), que pode ser resumida na interação linear entre a agressão do agente patogênico e a vulnerabilidade do hospedeiro". O autor indica que nesta equação, existe "o papel do vetor que representa o conjunto de variáveis (biológicas, ambientais, etc.) que se interpõe entre o agente patógeno e organismo sadio, estabelecendo um intervalo entre o momento da causa e o da sua conseqüência, e propiciando o tempo da intervenção preventiva" e salienta que "há, portanto, uma seqüência que é linear e temporal entre a patogenia e a patologia que supõe elos, cujo encadeamento a prevenção desfaz".
Esse modelo mostra inegáveis méritos quando se trata de doenças infecto-contagiosas, mas, afirma Barreto (2005, p.3), quando se trata de "doenças auto-imunes, por exemplo, o paradigma clássico de causalidade linear esbarra em sérias limitações". E em relação às doenças mentais? O autor (2005, p.5) aponta que "as seqüelas mentais de doenças de etiologia orgânica tóxicas, infecto-contagiosas, carenciais, etc., [podem ser] prevenidas por medidas profiláticas no âmbito da medicina geral", e que "a devastação psíquica que pode resultar de situações extremas de privação física ou emocional [pode ser] prevenida por medidas de proteção social".
Mas, a psiquiatria dispõe de recursos para prevenir os quadros mais rotineiros de doenças mentais? Vários autores reconhecem a dificuldade de se detectar antecipadamente a patologia mental. Assim, segundo Barreto (2005, p.5), "diante da inegável necessidade de se reconhecer que não há como se detectar antecipadamente a patologia mental de que poderá sofrer o individuo e, mais ainda, de definir que medida específica serviria para 'vaciná-lo'", o que aparece é que "a prevenção em saúde mental opta por apoiar-se, mais ou menos explicitamente, na crença de medidas pedagógicas de efeitos profiláticos".
A psicanálise se opõe ao objetivo da saúde mental de reintegrar o individuo a comunidade social. Segundo Miller (1999, apud ASSAD et al., 2004-2005, p.113), "na psicanálise não se trata de saúde mental, pelo menos no sentido literal do termo tal qual preconizado pela OMS", pois "está atenta para outra demanda" e "a psicanálise não pode prometer a saúde mental". Ela oferece algo muito peculiar. Miller "propõe que a noção crucial para o conceito de saúde mental seria o da decisão sobre a responsabilidade do sujeito, a saber, se este pode ou não ser responsabilizado por seus atos", ou seja, "é a possibilidade de responder por si mesmo".
Assad et al. (2004-2005, p. 113) salientam que "a psicanálise, que coloca em questão a palavra do sujeito, está situada no impasse entre o que esperam dela e o que ela pode de fato oferecer". Assim, "a contribuição pode estar nesse movimento de dar lugar ao sujeito, à sua subjetividade, à singularidade do seu sintoma", e essa contribuição sendo dada "dialogando com as outras áreas do conhecimento, sem apoiar-se em verdades absolutas e normativas, mas dialetizando, mantendo assim sua singularidade dentro de um contexto" multiprofissional.
Como pensar, então, a prevenção no campo psicanalítico? Podemos levantar três aspectos para um possível questionamento, levando em consideração as peculiaridades da clínica psicanalítica.
O psicanalista não pode antecipar-se ao paciente e oferecer respostas. Pedirá que o paciente fale, mais que fale o mais livremente possível (associação livre), e procurará transformar a queixa-sintoma em sintoma-enigma, ou seja, não só não dá a resposta ao paciente, como transforma a resposta pedida em questão para o sujeito.
O psicanalista não pode dizer ou fazer antes que o paciente diga ou faça. Ele sabe que não sabe de antemão o que dizer ou fazer, precisa, ao contrário, suportar sem saber a construção que cada paciente vai produzir. "Além de ser uma mudança na atuação, para que o paciente passe então a se responsabilizar por seu sintoma, é também uma mudança na forma de pensar e encarar este paciente como alguém capaz de se responsabilizar pelo seu trabalho" (ASSAD et al., 2005, p.114).
O psicanalista sabe que a clássica equação da historia natural da doença (ou do processo saúde-doença) não dá conta do padecimento do paciente, pois as necessidades humanas não são puramente biológicas, e o padecimento pode resultar das vicissitudes das complexas relações e interações que acompanham cada sujeito pela vida afora. Ele sabe que, diferentemente do sintoma médico ou psiquiátrico, o sintoma analítico não é objetivo, pois depende do sujeito que fala e é no movimento de falar que o sujeito vai construindo o sintoma na análise. O sintoma analítico é a expressão de um desejo que não visa, necessariamente e de antemão, ser curado, mas visa ser ouvido.
A psicanálise, então, dispõe de subsídios teóricos para um trabalho preventivo? Podemos levantar três aspectos para uma possível resposta, levando em consideração as peculiaridades da clínica psicanalítica.
O psicanalista sabe que, em parte, dar sentido a um acontecimento "traumático" alivia a angústia, pois toda representação ou interpretação é de certo modo curativa. Falar produz efeitos terapêuticos (não só os remédios). Dolto, através de sua vasta experiência clínica, percebeu que uma palavra dirigida a um recém-nascido, que ainda não fala, pode ter efeitos terapêuticos. Ele sabe que a condição é que exista sintoma, que haja sofrimento com o sintoma e que a satisfação pulsional inconsciente que o sintoma proporciona se apresente como desprazer. Ele sabe que o lugar próprio da psicanálise é o lugar de acolher o impossível de suportar.
O psicanalista reconhece que, quando se afirma que a doença mental é uma doença como as outras isso pode ser visto como uma conquista, pois cria "a condição de saber que todas as doenças são uma experiência do ser falante", o que torna possível que cada um seja responsável pelo seu estado de saúde (VIGANÓ, 2004, p.32).
O psicanalista reconhece que "a prática da clínica psicanalítica tem de fato como objetivo tratar o 'mental' da saúde, modificar a mentalidade com a qual o sujeito vive a própria saúde" (VIGANÓ, 2004, p.32).
Isso vale para o atendimento de adultos e de crianças, já que o trabalho é com o sujeito do inconsciente que não é, em si mesmo, pobre ou rico, branco ou negro, homem ou mulher, tampouco adulto ou criança. O reconhecimento do poder da palavra, concede espaço ao sujeito e à sua verdade. Pensar na "criança-sujeito" é pensar naquela que dá sentido até aos fenômenos do processo maturativo de seu organismo humano, pois o psicanalista "sabe que os efeitos da palavra incidem profundamente na biologia do corpo vivente" (VIGANÓ, 2004, p.32).
Muitos psicanalistas estão desenvolvendo trabalhos vinculados aos hospitais, gerais e psiquiátricos, ambulatórios e demais serviços da rede pública de saúde, tendo em comum a atuação em diferentes setores do campo da saúde mental em consonância com as novas políticas públicas nesse campo.
Pedro Gabriel Delgado, coordenador de saúde mental do Ministério da Saúde, em artigo publicado no jornal O Globo em 27 de julho de 2006, com o título "Saúde mental e pública para todos", afirma que "vivemos um importante debate no campo da Psiquiatria e Saúde Mental no Brasil". Pensa que o centro da discussão deve girar em torno da seguinte questão: "qual é a melhor maneira de organizar os serviços de saúde, para garantir tratamento à imensa legião de pessoas que sofrem com sintomas mais ou menos graves que afetam sua saúde mental?". Reconhece que a tarefa não é pequena nem simples. Delgado salienta um aspecto muito importante ao afirmar que "o atendimento não é necessário apenas para quem apresenta problemas considerados graves pela Psiquiatria e Saúde Pública". Ele se refere ao "mal-estar nosso de todos os dias", o mal-estar que às vezes se torna insuportável. Cita que "a angústia condição indissociável da experiência humana pode apresentar-se de maneira tão aguda que se torna um risco para as pessoas", que "o desamparo, o desencanto com as limitações da vida, tudo isso pode atingir paroxismos [estágio de uma doença, ou de um estado mórbido, em que os sintomas se manifestam mais intensamente] tais que precisam ser acolhidos, ouvidos, tratados", que "também as graves questões da crise urbana, como a violência, têm um impacto devastador sobre a saúde mental, gerando demandas dirigidas à saúde pública".
Delgado deixa claro que já existe uma nova rede de assistência (caps, ambulatórios,saúde mental na rede de atenção básica, etc.), mas que "essa nova rede ainda é insuficiente, mas já está transformando o quadro dramático da desassistência em saúde mental" e que "o SUS, como política pública [...] tem que seguir enfrentando a construção da rede de saúde mental".
Termina o artigo enfatizando que "a Psiquiatria, e todas as especialidades do vasto campo da saúde mental, não deve fugir desse debate necessário, mas olhar de frente a realidade dos graves desafios da saúde pública".
Em outro artigo de 26 de março de 2008, afirma que "um dos maiores desafios para a área de Saúde Mental é a construção de uma rede voltada para a população de crianças e adolescentes, considerando suas peculiaridades e necessidades e que siga os princípios estabelecidos pelo SUS". Prossegue afirmando que "o desafio é a construção e consolidação desta 'rede pública ampliada' para a atenção integral em saúde, formada por diferentes instituições, sob direção pública, capaz de garantir o acesso com qualidade".
Em relação à Saúde Mental e à Agência Nacional de Saúde (ANS), o rol de procedimentos e eventos em saúde (versão 2008) inclui 12 sessões de psicoterapia ao ano (mercado de planos de saúde e seguros saúde). A cobertura ambulatorial a atendimentos de psicoterapia estará garantida, mas nada impede que sejam atendimentos feitos por um psicanalista. São poucas sessões, mas já é um avanço, pois os usuários de planos de saúde e seguros saúde terão direito a essa cobertura, e o psicanalista sabe que seu trabalho não está direta e necessariamente ligado a questões burocráticas, pois a escuta que pode oferecer depende do sujeito e de sua queixa, e como Freud afirmou, mais de uma vez, o objetivo da psicanálise é diminuir o sofrimento humano e que "há todo motivo para desejar viver com o menor desgosto possível" (FREUD, 1990, p.120).
Então, em relação aos atendimentos em instituições públicas e privadas, é possível o trabalho do psicanalista? È possível, mas aí aparece a importância da formação do psicanalista para poder trabalhar em equipes multiprofissionais, sem perder de vista a especificidade da psicanálise e a ética da psicanálise que está desarticulada dos ideais e do bem-estar.
Lacan não rompeu com o tripé clássico da formação do psicanalista: a análise pessoal, o estudo teórico, a supervisão. A novidade lacaniana foi introduzir questionamentos, até bastante radicais, nos diferentes aspectos desse tripé clássico. Mas, sabemos que a análise pessoal é decisiva para que o profissional-analista consiga trabalhar e fazer trabalhar o paciente que procura ajuda, sem ter o desejo de curar, o desejo de normalizar, o desejo de educar ou de reeducar. Uma análise, nesses casos, levada até o final não pode deixar lugar a ilusões imaginárias.
O sujeito no final da análise, como bem esclarece Steffen (2005, p.1-2) "faz a experiência da fatuidade radical de qualquer objeto. Seu desejo é agora puro desejo, ou seja, pura falta. Ele atravessou todas as montagens que o protegiam da terrível visão do real: o nada". E agora? "Agora ele deseja o desejo, o nada que move a vida. Esse tipo de desejo é o chamado desejo de analista. Assim aparelhado, o sujeito passa a estabelecer relações com o outro, marcadas por essa nova posição". Nessa nova posição "o outro não é mais seu objeto. Seu desejo faz o outro desejar e assim encaminhar-se, também ele, para o momento de descobrir que não existe objeto para o desejo. O desejo vive de desejar, vive de nada ter". Assim, "todo ato analítico é um ato dessa natureza e conduz o sujeito para essa verdade. Esse ato só pode ser praticado por um analista, ou seja, por alguém habitado por essa estrutura desejante que o identifica ao nada". A autora também ressalta que a formação de um analista não se dá através de uma formação acadêmica, pois "para a psicanálise, formação é formação do inconsciente, não há outra [...], ou seja, obedecendo aos processos e leis do inconsciente e não aos da razão. Formar-se analista não é educar-se racionalmente".
Freud (1990, p.121-122), ao responder à pergunta "o senhor já analisou a si mesmo", afirma que "o psicanalista deve constantemente analisar a si mesmo. Analisando a nós mesmos, ficamos mais capazes de analisar os outros". Prossegue afirmando que "o psicanalista é como o bode expiatório dos hebreus. Os outros descarregam seus pecados sobre ele. Ele deve praticar sua arte à perfeição, para desvencilhar-se do fardo jogado sobre ele". Para Freud "a psicanálise nos ensina não apenas o que podemos suportar, mas também o que devemos evitar. Ela nos diz o que deve ser eliminado". Freud mostra preocupação com o interesse pela psicanálise que não se aprofunda, pois "a popularização leva à aceitação superficial sem estudo sério. As pessoas apenas repetem as frases que aprendem [...] Pensam compreender algo da psicanálise porque brincam com seu jargão".
A introdução da psicanálise nas instituições ocorreu, algumas vezes, num clima de muito entusiasmo, como se o discurso e o trabalho psicanalíticos fossem só fascinantes. Esse clima traz suas vantagens, mas também seus prejuízos. Além disso, nos primórdios da história da psicanálise, quando ela não tinha a difusão que tem nos dias atuais, cabia ao próprio Freud apresentá-la a seus pacientes, antes de iniciar o tratamento, porém, atualmente, a difusão da psicanálise passa também pela mídia, o que, também, traz vantagens e prejuízos. Essa "atmosfera" pode seduzir o psicanalista, já que não existe "o psicanalista", e isso porque se trata de um lugar ocupado numa escuta, com uma ética que está desarticulada dos ideais e do bem-estar. Mas, deste lugar é possível resvalar. A necessidade de reafirmar que a formação do psicanalista não acaba nunca aparece, assim, com força total.
O psicanalista que levou sua análise até o final terá mais condições de trabalhar nas diversas instituições, dialogando com profissionais de outras áreas do conhecimento, sem se valer de verdades absolutas e normativas, e mantendo sua singularidade no contexto das equipes multiprofissionais. Sem essa formação, as dificuldades e os impasses que encontrar poderão ser reflexos de sua inadequada atuação e não dificuldades e impasses da própria psicanálise.
Referências Bibliográficas
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STEFFEN, R. A formação do analista. A CARTA, Campinas, p. 1-2, set/out 2005.
VIGANÓ, C. Recuperar a saúde mental. Mental, Barbacena, ano II, n. 3, p. 31-37, nov.2004.
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