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 ISBN 978-85-60944-12-5

An 7 Col. LEPSI IP/FE-USP 2009

 

8/11 - COLÓQUIO - COMUNICAÇÕES LIVRES

 

A autoridade na educação: um estudo psicanalítico

 

 

Andréia Aparecida Oliveira de Souza

 

 


RESUMO

Este trabalho discorre, a partir dos conceitos psicanalíticos de Superego e Transferência, e apoiado na reflexão filosófica de Hannah Arendt, sobre como a questão da autoridade permeia o discurso pedagógico. Não delimita onde termina a autoridade e onde começa o autoritarismo, ou em quê consistem ambos, mas com as ferramentas da Psicanálise, procura pensar a respeito da busca de autoridade na "medida adequada", empreendida atualmente pela Pedagogia orientada pela Psicologia desenvolvimentista.

Palavras-chave: Autoridade, Psicanálise, Educação.


 

 

Nas instituições envolvidas de alguma forma com a educação, sejam as próprias escolas, ou os meios acadêmicos de formação de docentes, uma das discussões mais acaloradas é a respeito da autoridade que permeia o encontro educativo.

Essa discussão se atém a procurar definir em que medida uma intervenção seria autoritária ou legítima, independentemente se o assunto tratado é a indisciplina, a violência ou mesmo a aprendizagem, uma vez que perpassa todos esses importantes aspectos da educação.

Diante desta questão a Pedagogia, orientada pelos conhecimentos científicos acerca da maturação de disposições psicológicas dos alunos, busca traçar uma linha limítrofe entre o que seria a autoridade legítima e o autoritarismo, para buscar definir uma medida ideal na intervenção docente que coloque o professor em "posse" da autoridade sem correr o risco de traumatizar ou inibir o desenvolvimento de seus alunos com atitudes supostamente autoritárias.

Porém, essa tentativa de controle por parte da Pedagogia torna a questão da autoridade no campo educativo um grande paradoxo, ao tentar fazer com que o professor tenha autoridade sem ser merecedor dela. Pois, para isso, a Pedagogia recorre a métodos tidos como psicologicamente adequados ao momento de desenvolvimento, prescrevendo que o mestre se coloque em condição de igualdade com os alunos em relação ao conhecimento, em respeito ao desenvolvimento dos mesmos, e juntos construam o conhecimento, para que assim a criança desenvolva suas supostas potencialidades de forma natural.

De acordo com a leitura que a Psicanálise permite fazer da educação, agindo dessa forma o professor não desdobra a assimetria inerente ao encontro pedagógico, e com isso tolhe a possibilidade de a sua palavra vir a merecer certa autoridade.

Esse ansiar por uma "medida adequada" de autoridade na "relação" pedagógica não existe sem motivos, uma vez que a história da educação nos revela tempos em que o professor utilizava-se de medidas extremas como os castigos corporais. Entretanto, tentando corrigir o que chama de autoritarismo, a Pedagogia atrela, em seu discurso, toda e qualquer atitude de imposição e controle, com a figura de autoridade do "professor tradicional", definindo como autoritária toda prática que não se deixe orientar pelos pressupostos da psicologia do desenvolvimento infantil.

Para a Pedagogia atual, a iniciativa docente em sala de aula em relação a conteúdos e formas de se comportar é vista como uma imposição violenta e indevida, conforme nos mostra Elizabete Monteiro (2000) em sua Dissertação de Mestrado na qual ela refletiu acerca da "relação" pedagógica utilizando-se do conceito psicanalítico de Transferência:

A leitura que hoje se faz da cena educativa no ensino tradicional aponta no sentido de se pensar que a posição do aluno era secundária, seu papel, passivo, imaturo, em contraposição ao professor que ocupava uma posição importante e centralizadora. A crítica recai sobre a dita autoridade do educador, pois, pensa-se que, ao deter o poder decisório quanto à metodologia, conteúdo, avaliação, forma de interação na aula, enfim, ao centralizar as decisões, o professor estaria demarcando uma posição acentuadamente autoritária. Em linhas gerais, o ensino tradicional passou a ser sinônimo de tudo o que, na prática educacional é indesejável, autoritário, obsoleto, pertencente a um passado equivocado e desumano.(MONTEIRO, 2000, p.13).

Assim, a Pedagogia passa de um extremo a outro:

Sendo assim, atualmente, toda a educação é pensada a partir do enfoque da "relação", gerando uma retrospectiva histórica depreciativa, a saber, a concepção de autoridade repressiva do professor no ensino tradicional e a total ausência de intervenção do professor Escolanovista. Logo, a "relação" ou "interação" professor-aluno proposta pela Pedagogia atual vem evitar tais extremos. Em outras palavras, haveria, no passado da Educação, uma "falta de relação", "falta", esta causadora de problemas; agora, graças à ciência, acredita-se poder existir uma "relação ajustada". Em síntese, na dita Educação tradicional, o professor (autoritário) era o centro do processo; na Educação Nova, o centro era o aluno. Portanto acredita-se que não havia "relação" em nenhuma das duas. Agora, a Pedagogia propõe uma "relação" psicologicamente (cognitiva e afetiva) ajustada entre os pólos. (MONTEIRO, 2000, p.19).

Para chegarmos ao ponto onde a Pedagogia e a Psicanálise divergem na abordagem à autoridade, precisamos antes ensaiar uma resposta à questão: o que é educar?

Para a Psicanálise, de acordo com Lajonquière, a educação é o efeito de uma filiação simbólica, ou seja, educar é transmitir marcas simbólicas para que o sujeito possa conquistar um lugar numa história em curso. Dessa forma as condições que tornam a educação possível, são aquelas que permitem a transmissão de marcas do "mundo velho" para o "ser novo", ou seja, do adulto para a criança.

O adulto é um ser velho, é alguém que chegou primeiro, que já está aqui, que pode passar adiante a tradição se ao endereçar a palavra à criança fizer referência ao passado. Referir-se ao passado, sustentar a diferença entre as gerações são expressões com as quais queremos afirmar que é necessário reconhecer que o passado insiste em nós, mesmo que discordemos dele.

Fazer referência ao passado para poder transmitir marcas simbólicas, ou seja, educar, é reconhecer que mesmo não concordando com os valores e costumes da geração que nos precedeu, foram neles que nos ancoramos, os herdamos, os fizemos nossos para podermos assim conquistar um lugar no mundo.

É preciso reconhecer que para educar, ou seja, inserir o novo ser que chega num mundo pré-existente, precisamos transmitir a ele esses "pontos de ancoragem", mesmo que estejamos insatisfeitos com o mundo como o mesmo se apresenta. Hannah Arendt (2005) acredita que um dos motivos para os adultos estarem se demitindo do ato de educar, ou seja, de assumir a responsabilidade pelo mundo perante as crianças, é a insatisfação pelo estado de coisas que se apresenta. Mas mesmo estando insatisfeitos, é necessário, de acordo com Arendt, que nos responsabilizemos por esse mundo, que o apresentemos ao novo ser que chega, ensinando a este como viver.

A criança como o "ser novo", que chegou depois, criará uma diferença desde que reconheça a herança recebida. Ou conforme Arendt (2005): a criança representa o estrangeiro recém-chegado que precisa ser guiado pelo adulto que deverá se responsabilizar pelo mundo perante os pequenos.

As palavras velho e novo ajudam a marcar a diferença entre uma criança e um adulto, a assimetria inerente a essa "relação". É justamente a sustentação dessa diferença que permite existir a possibilidade de transmissão de marcas simbólicas, ou seja, educar.

Para Arendt, o fato de nascerem crianças para o mundo impõe à sociedade humana a obrigação de educar. Para ela os pais "assumem na educação a responsabilidade, ao mesmo tempo, pela vida e desenvolvimento da criança e pela continuidade do mundo".(ARENDT, 2005, p.235). Para a autora, na educação, a responsabilidade pelo mundo assume a forma de autoridade.

Em todo caso, todavia, o educador está aqui em relação ao jovem como representante de um mundo pelo qual deve assumir a responsabilidade, embora não o tenha feito ou ainda que secreta ou abertamente possa querer que ele fosse diferente do que é. Essa responsabilidade não é imposta arbitrariamente aos educadores; ela está implícita no fato de que os jovens são introduzidos por adultos em um mundo em contínua mudança. Qualquer pessoa que se recuse a assumir a responsabilidade coletiva pelo mundo não deveria ter crianças, e é preciso proibi-la de tomar parte em sua educação.(ARENDT, 2005, p. 239).

Já a abordagem pedagógica hegemônica, orientada pelos conhecimentos supostamente científicos acerca do desenvolvimento infantil, vê a educação como o amadurecimento de supostas potencialidades que a criança traz em germe e precisa ser adequadamente estimulada para que venha a desenvolvê-las.

Então, visando uma educação que se supõe adequada psicologicamente — a tese da adequação natural de acordo com Lajonquière (1999) — busca ignorar a falta de proporção entre um adulto e uma criança, pregando a linearidade na relação professor-aluno.

Para a pedagogia fundamentada nas psicologias do desenvolvimento, a relação proporcional é condição necessária para uma sempre esperada intervenção eficiente, pois permitiria uma suposta adequação da prática docente ao momento do desenvolvimento da criança. De acordo com o pensamento pedagógico hegemônico, educar é proporcionar condições adequadas para o desenvolvimento de supostas capacidades em germe na criança.

Contudo, a tese da adequação natural é uma ilusão sustentada pela Pedagogia na busca por uma educação ideal, que paradoxalmente, a torna de difícil acontecimento por representar uma renúncia ao ato educativo mesmo que não seja intencional: "Renunciar à educação não é um ato volitivo. Aquilo que chamamos de discurso (psico)pedagógico hegemônico é uma forma de se pensar a problemática educativa que leva embutido esse gesto de renúncia"(LAJONQUIÈRE, 1999, p.29).

Movido pelo narcisismo, o adulto psicologicamente orientado quer que a criança seja no futuro o que ele não é, seja um adulto feliz. Assim busca adequar toda sua intervenção junto à criança de maneira a desenvolver suas supostas potencialidades. Visando um tempo futuro sem referências ao passado, o adulto não transmite à criança as marcas simbólicas que lhe permitiriam criar um lugar numa história. Ao invés de transmitir-lhe uma herança da qual ela poderia se apropriar e então se posicionar no mundo, o adulto busca desenvolver potencialidades supostas em germe para que no futuro a criança venha a ter uma "outra vida" no mundo.

Para romper com o velho é preciso criar algo novo e todo ato criativo é também uma continuação, a reinscrição de uma diferença. Assim para que a criança venha a mudar alguma coisa na ordem das coisas quando adulto, precisa antes ter conquistado um lugar para si no mundo.

Mesmo quando se discorda das tradições, apóia-se no passado para criar o novo. Um exemplo possível disso é o surgimento do ideal de educação humanista em contraposição à escolástica, quando do surgimento do Humanismo na Itália. Cria-se uma nova concepção de educação para contrapor ao objetivo utilitarista da dissociação dos conteúdos em especialidades da escolástica, uma educação que seria concebida como formação do homem, formação do espírito. Para isso operou-se uma volta aos textos clássicos, à língua latina, aos grandes autores da Antiguidade greco-romana.

A forma de pensar a educação endossada pelas psicologias do desenvolvimento buscando formar o adulto perfeito, não só torna de difícil acontecimento uma educação, conforme nos lembra Lajonquière (1999), como também compromete a autoridade da palavra do professor, ou melhor, ao apagar a assimetria inerente ao encontro educativo, compromete a autoridade e dificulta o acontecimento de uma educação.

Assim, o ponto de divergência na questão da autoridade entre a abordagem da Pedagogia e a leitura que a Psicanálise nos possibilita da educação, está na diferença imanente ao encontro entre um adulto e uma criança, o "espaço" entre as gerações, o qual a Pedagogia busca anular ao acreditar que a relação simétrica entre mestre e aluno é o antídoto contra o chamado autoritarismo e a condição para a suposta adequação da intervenção ao momento psicológico do desenvolvimento do aluno, visando à educação ideal. E a Psicanálise nos diz que acolher essa diferença inevitável é a condição para que a palavra do mestre tenha autoridade, e possa fazer efeitos.

Portanto, educar é responsabilizar-se pelo mundo perante as crianças recém-chegadas, para tanto é preciso desdobrar a diferença inerente às gerações, para que seja possível o "velho" transmitir ao "novo" marcas simbólicas que permitirão a este conquistar seu lugar neste mundo. E como esse "responsabilizar-se pelo mundo", de acordo com Arendt (2005), assume a forma de autoridade nessa transmissão, então a autoridade não pode permear uma "relação" onde são recusadas as diferenças.

Sendo a existência da falta de proporção a condição necessária para que a educação ocorra, para que possam ser transmitidas marcas simbólicas, o quê podemos dizer a partir da Psicanálise, em relação à busca de uma "medida adequada" pela Pedagogia para a "autoridade do professor", se justamente essa tentativa de adequação, deixa a autoridade em suspenso? Isso é o que buscamos entender a partir dos conceitos psicanalíticos de Superego e Transferência.

O Superego é uma diferenciação no ego, trata-se de uma das regiões do aparelho psíquico juntamente com o ego e o id, e deriva das primitivas relações objetais da criança no contexto e resolução do Complexo de Édipo. Esta instância através da influência que exerce no processo identificatório, passa a reger a dinâmica psíquica do sujeito, pois:

Em muitas formas de escolha amorosa, é fato evidente que o objeto serve de sucedâneo para algum inatingido ideal do ego de nós mesmos. Nós o amamos por causa das perfeições que nos esforçamos por conseguir para nosso próprio ego e que agora gostaríamos de adquirir dessa maneira indireta como meio de satisfazer nosso narcisismo. (FREUD, 1996e, p.122).

O Superego compreende a internalização da lei de proibição do incesto. Constitui-se devido a uma identificação bem sucedida com a instância parental, ou seja, não se trata de uma identificação com pessoas, mas com traços do ideal do ego dos pais.

Durante toda a vida posterior, ele representa a influência da infância de uma pessoa, do cuidado e da educação que lhe foram dados pelos pais e de sua dependência destes – uma infância que é tão grandemente prolongada, nos seres humanos, por uma vida familiar em comum. E, em tudo isso, não são apenas as qualidades pessoais desses pais que se fazem sentir, mas também tudo o que teve um efeito determinante sobre eles próprios, os gostos e padrões da classe social em que viveram e as disposições e tradições inatas da raça da qual se originaram. (FREUD, 1976a , p.89).

Trata-se de uma herança passada de pais para filhos através da palavra e da transmissão das disposições psíquicas, conforme afirma Freud. O Superego surge de uma identificação com uma pessoa em posição assimétrica, alguém que se ama, assimilando ao Ego características da figura paterna, como os valores morais e as tradições do grupo social ao qual pertence.

Assim, no decorrer da vida para que alguém venha representar autoridade para o sujeito, a identificação fundadora do Superego se repete, direcionada a outro objeto o qual possua características afins às do objeto primitivo: o sujeito deverá supor que o outro possui o quê ele procura, sabe o quê ele precisa saber, assim como o pai "sabia" sobre o desejo da mãe, por isso passou a ser amado, invejado e temido, ao ponto, de a criança se identificar com um traço.

O Superego é a base para a instalação da Transferência, processo pelo qual outorga-se autoridade ao outro que venha a preencher os pré-requisitos – modelos e valores morais - do Superego. Assim, de acordo com os modelos introjetados em sua organização psíquica, o sujeito irá eleger seus objetos de investimento libidinal e conseqüentemente, a partir desses protótipos serão eleitas as pessoas que irão ocupar o lugar de seu ideal do Ego. Estando em lugar de Ideal, essa pessoa estará em condições de exercer influência por meio da palavra, ou seja, estará investida de autoridade.

A Transferência ocorre quando um sujeito demanda um saber e supõe que o outro o possui, ouvindo assim sua palavra. Seria uma repetição dos protótipos infantis nas relações atuais vividas pelo sujeito, é uma repetição do passado esquecido. Na análise é a condição para a cura, pois esta se dá com a constante liquidação da Transferência, mas não ocorre apenas no processo analítico, é inerente às relações humanas e possibilita, quando da sua instalação, a um sujeito exercer influência em relação a outro.

Assim, a partir dos conceitos psicanalíticos, entendemos que a autoridade, seja ela entre professor e aluno ou em qualquer outra interação entre pessoas, para existir, não depende da vontade dos envolvidos. Não é algo que possa ser controlado. Um professor não pode incluir em seu planejamento, o item: exercer autoridade perante os alunos. A autoridade é um dispositivo muito peculiar a cada interação e poderá ser ou não suposta no mestre pelo aluno. A autoridade é outorgada a quem de fato vem a sustentá-la, e quem outorga autoridade também não possui controle em relação a esse processo, ele é inconsciente e regido pelas características do Superego do sujeito.

Mas em relação à suposição da autoridade no professor pelo aluno, é claro que como todo processo psíquico inconsciente não é passível de controle, mas a atitude do professor pode vir a facilitar ou tornar difícil essa suposição. O aluno precisa acreditar que o mestre sabe da "arte de viver" e poderá ensiná-lo como enfrentar o mundo que aí está.

Dessa forma compreendemos que a autoridade numa relação educativa é algo que perpassa a palavra e é sustentada pela diferença entre as gerações. É preciso haver referência ao passado, para que a palavra do adulto tenha peso para a criança, pois esta precisa se reconhecer numa história para encontrar seu lugar no mundo e poder vir no futuro a inscrever uma diferença naquilo que herdou.

A parcela do passado que é transmitida aos novos seres que nascem pelos pais e pelos adultos que tomam conta deles por meio da palavra, dos valores e costumes de seu grupo social e mesmo por meio de processos psíquicos passíveis de transmissão, é para esse novo ser uma espécie de porto seguro, de instrumento necessário para que possa se constituir e tomar para si um lugar na civilização.

E essa transmissão somente é possível se o adulto tiver uma atitude de respeito e responsabilidade diante dos que o precederam, diante do passado. Isso o colocará em condição de vir a ter influência em relação aos recém-chegados e assim poderá transmitir marcas simbólicas, poderá educar, pois lhe será outorgada autoridade para isso.

Tal situação pode levar aos seguintes questionamentos: se a autoridade é condição indispensável no encontro educativo para que uma educação aconteça, o que resta fazer se a autoridade é algo que foge ao controle consciente dos envolvidos na "relação" pedagógica? A educação está jogada ao acaso?

Este estudo psicanalítico nos permite dizer que a educação não depende do acaso, mas da imprevisibilidade do encontro entre duas subjetividades, da constituição psíquica dos envolvidos:

(...) não se pode ter domínio sobre os efeitos da influência exercida em outro ser, assim, como não se domina o próprio inconsciente. Teoria pedagógica alguma permite calcular os efeitos dos métodos com que se opera, pois o que se interpõe entre a medida pedagógica e os resultados obtidos é o Inconsciente do pedagogo e do educando. (MILLOT, 1987, p.149).

Por outro lado, mesmo sem poder prever e garantir o sucesso de seus esforços, o professor pode e deve sustentar sua posição de quem possui o conhecimento, deve se responsabilizar pelo mundo para com isso ter a possibilidade de transmitir marcas simbólicas.

Deve saber que não possui o controle de suas intervenções, que não pode prever como seus alunos se haverão com o que lhes for apresentado. Conforme nos lembra Ana Carolina C. S. de Camargo (2006) em seu trabalho: "Educar: uma questão metodológica?", ao fazer referência ao "modo de endereçamento", que seria a forma singular de cada sujeito apreender o que lhe é ofertado, seja um filme ou um ramo do conhecimento. Nem sempre o posicionamento do aluno ou do expectador está de acordo com as expectativas e planejamentos do professor ou do produtor cinematográfico.

Mas no caso o professor, não deve por isso renunciar ao seu lugar, deve encarar essa imprevisibilidade como inerente à sua função.

Podemos resumir o motivo da ineficiência dos métodos pedagógicos atuais com este trecho de Imbert:

Temos motivos para dizer que, atualmente, a Mestria tende a ser da alçada do Eu e do Eu Ideal (Ideal-Ich), ou seja, do narcisismo e de uma identificação imaginária, e não tanto do Ideal do Eu e de uma identificação simbólica. (IMBERT, 2001, p.75).

A educação, segundo o autor, deveria ser da alçada do Ideal do Eu e de uma identificação simbólica, para que a criança possa identificar-se com "este ou aquele traço simbólico,(...) como, por exemplo, a capacidade do mestre em deixar falar, em escutar, ou ainda, seu desejo de criar.".(IMBERT, 2001, p.75).

Sim, a autoridade foge do controle dos envolvidos no encontro educativo, assim como a própria educação. Freud nos alertou para o caráter impossível desta última, não no sentido de que nunca possa acontecer, mas no sentido da impossibilidade de previsão e controle de seus resultados.

Diante disso, a Pedagogia continuará deparando-se com a ineficiência de seus métodos, pois eles, por mais ajustados cientificamente que pretendam ser, não podem garantir o resultado idealizado, uma vez que na cena educativa o educador e seu aluno terão de se haver com o inconsciente e sua total imprevisibilidade. Não estamos aqui fazendo uma crítica a este ou aquele método, mas apenas enfatizando que o método por si não é garantia de uma educação, pois esta é algo que acontece no campo que se estabelece entre duas pessoas, chamado Transferência e em relação a esta o professor não detêm nenhum controle.

Uma educação é possível e acontece, a revelia da vontade e dos métodos do professor, desde que, no encontro educativo não seja posto de lado a assimetria que lhe é inerente e que é a condição para que este professor possa ocupar o lugar de Sujeito Suposto Saber5 para seu aluno. Mas sempre considerando a possibilidade de cair desse lugar, pois o mestre deve saber que não sabe sobre o desejo, pois nesse caso estaria caindo no mesmo engodo da Pedagogia, que acredita saber o quê pode garantir uma educação ideal. Seria escorregar no que Maud Mannoni (1977) chamou de perversão da demanda de amor6.

Assim, enquanto a Pedagogia continuar buscando uma "relação" simétrica entre o professor e o aluno, colocará em suspenso as condições da autoridade fazer seu trabalho.

 

NOTAS:

1 É claro que estamos tratando o assunto em linhas gerais, não pretendemos nos deter, nem aprofundar os vários aspectos do desenvolvimento infantil que a Pedagogia busca desenvolver: cognitivo, motor, social e moral. Nosso objetivo é apenas enfocar, em linhas gerais, a abordagem psicológica-desenvolvimentista da educação.

2 Usamos tradição aqui como sendo referência aos costumes e valores do grupo social em que a criança está inserida, como sendo o passado ao qual o adulto deve se reportar para educar. Não se trata do conceito de tradição a que se refere Hannah Arendt, o qual não se confunde com a idéia de passado: "a tradição é o fio que nos guiou com segurança através dos vastos domínios do passado".(ARENDT, 2005, p130). O qual diz respeito à idéia romana de fundação e segundo a autora sumiu do âmbito da política com a secularização da Igreja na modernidade, comprometendo também a autoridade na esfera pública.

3 Claude Lefort, em "Formação e autoridade: a educação humanista".

4 Em uma situação padrão a pessoa em posição assimétrica seria o pai. Mas pode ser qualquer pessoa que ocupe uma posição metafórica no campo do desejo materno.

5 Sujeito Suposto Saber é de acordo com Lacan o princípio constitutivo da Transferência, é a posição que o analisante atribui ao analista. Acontece a Transferência porque há alguém que demanda e outro que é suposto saber.

6 Em seu livro "Educação impossível", Maud Mannoni (1977) nos conta sobre a educação dispensada a Daniel Paul Schreber por seu pai, o qual acreditava saber a forma correta de educar o filho.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ARENDT, H. (2005). A Crise na Educação. IN: Entre o Passado e o Futuro. São Paulo. Ed. Perspectiva.

CAMARGO, A.C.C.S..(2006). Educar: uma questão metodológica? Proposições psicanalíticas sobre o ensinar e o aprender. Petrópolis, RJ: Vozes.

FREUD, S. (1905). Três ensaios sobre a teoria da sexualidade. ESB. Rio de Janeiro, Ed. Imago, 1996a. Vol.VII.

-------- (1909-1910). Um tipo especial de eleição de objeto no homem. ESB. Rio de Janeiro. Editora Imago, 1996b. Vol. XI.

-------- (1912). A Dinâmica da Transferência. ESB. Rio de Janeiro. Editora Imago, 1996c. Vol. XII.

-------- (1914). Sobre o narcisismo: uma introdução. ESB. Rio de Janeiro. Editora Imago, 1996d. Vol. XIV.

-------- (1914). Algumas reflexões sobre a psicologia escolar. Rio de Janeiro. Imago, 1974. Vol. XIII.

-------- (1915). Observações sobre o amor transferencial. ESB. Rio de Janeiro. Imago, 1969. Vol. XII.

-------- (1923). O Ego e o Id. ESB. Rio de Janeiro. Editora Imago, 1976a. Vol. XIX.

-------- (1924) A Dissolução do Complexo de Édipo. ESB. Rio de Janeiro. Editora Imago, 1976b. Vol. XIX.

-------- (1925-1926). Psicologia de Grupo e análise do Ego. Rio de Janeiro. Editora Imago, 1996e. Vol. XVIII.

IMBERT, F. (2001).A Questão da Ética no Campo Educativo. Rio de Janeiro: Editora Vozes.

LAJONQUIÈRE, L. (1999). Infância e Ilusão (Psico)pedagógica – Escritos de Psicanálise e Educação. Rio de Janeiro. Ed. Vozes.

LEFORT, C.(1999). Formação e autoridade: a educação humanista. IN: Desafios da escrita política. São Paulo: Discurso Editorial.

MANNONI, M. (1988). Educação Impossível. Rio de Janeiro: Francisco Alves.

MONTEIRO, Elisabete A.(2000). A Transferência e a Ação Educativa. Dissertação (Mestrado em Educação). Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo.

MILLOT, C.(1987). Freud Antipedagogo. Rio de Janeiro:Jorge Zahar.

 

 

Pesquisa apresentada como Trabalho de Conclusão do Curso de Pedagogia na Faculdade de Educação da USP sob orientação do Prof. Dr. Leandro de Lajonquière em Junho/2008.